24.01.2020 Views

document(4)

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Assef deu um passo atrás. Seus discípulos o seguiram.

— O seu hazara cometeu um grande erro hoje, Amir — disse ele. Os três

viraram então as costas e foram embora. Fiquei olhando enquanto desciam a

colina, até que desapareceram atrás de um muro.

Hassan estava tentando enfiar o estilingue na cintura com as mãos trêmulas. Sua

boca se contorceu fazendo algo que, supostamente, pretendia ser um sorriso

tranqüilizador. Só na terceira tentativa é que conseguiu prender o estilingue no

cordão da calça. Temerosos, nenhum de nós disse praticamente nada no

caminho até em casa, pois podíamos jurar que Assef e seus amigos estariam

emboscados em cada esquina. Mas não estavam, e deveríamos ter ficado um

pouco mais tranqüilos. Mas não ficamos. Não mesmo.

DURANTE OS PRIMEIROS ANOS QUE SE SEGUIRAM ao golpe, os termos

"desenvolvimento econômico" e "reforma" dançavam em várias bocas em

Cabul. A monarquia constitucional tinha sido abolida, substituída pela república, e

o país era governado por um presidente. Por um breve tempo, um certo ar de

rejuvenescimento e determinação circulou pelo Afeganistão. Falava-se em

direitos das mulheres e moderna tecnologia.

E, sob quase todos os aspectos — embora houvesse um novo líder no Arg, o

palácio real de Cabul —, a vida continuava exatamente como antes. As pessoas

iam trabalhar de sábado a quinta-feira e, na sexta, se reuniam para fazer

piqueniques nos parques, nas margens do lago Ghargha, nos jardins de Paghman.

Ônibus e lotações multi-coloridos, repletos de passageiros, circulavam pelas

estreitas ruas da capital, guiados pelos gritos incessantes dos ajudantes que se

encarapitavam no pára-choque traseiro dos veículos e iam indicando as direções

ao motorista, aos berros, com o seu forte sotaque kabuli. Na época do Eid, a

celebração de três dias que marca o fim do mês sagrado do Ramadan, os kabulis

vestiam suas melhores roupas novas e iam visitar os parentes. Todos se

abraçavam, se beijavam e se cumprimentavam dizendo "Eid Mubarak". Feliz

Eid. As crianças abriam os seus presentes e brincavam com ovos cozidos e

tingidos.

Em princípios do inverno de 1974, Hassan e eu estávamos brincando no quintal,

fazendo uma fortaleza de neve, quando Ali veio chamá-lo.

— Hassan, agha sahib quer falar com você! — Estava parado na porta da frente,

vestido de branco, com as mãos enfiadas debaixo dos braços e vapor saindo da

boca quando falava.

Hassan e eu nos entreolhamos sorrindo. Tínhamos passado o dia inteiro

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!