24.01.2020 Views

document(4)

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

fazerem antes: beijou a mão de meu pai.

O AZAR DE TOOR. NÃO ERA ISSO que eu tinha ouvido naquela conversa lá

em Mahipar? . Chegamos a Jalalabad cerca de uma hora antes do nascer do sol.

Karim nos levou rapidamente do caminhão até uma casa térrea, que ficava no

cruzamento de duas estradas de terra ladeadas por outras casas como ela, pés de

acácia e lojas fechadas. Ergui a gola do casaco, tentando me proteger do frio,

enquanto corríamos para a tal casa carregando os nossos pertences. Por alguma

razão, lembro de ter sentido cheiro de rabanetes.

Quando já estávamos todos no aposento vazio e mal iluminado, Karim trancou a

porta da frente e fechou os lençóis esfarrapados que faziam as vezes de cortinas.

Depois, respirou fundo e nos deu a má notícia: seu irmão, Toor, não poderia nos

levar para Peshawar. Pelo que sabia, o motor do seu caminhão tinha estourado

na semana passada, e ele ainda estava esperando as peças para o conserto.

— Na semana passada? — exclamou alguém. — Se já sabia disso, por que nos

trouxe até aqui?

Com o canto do olho, percebi um movimento rápido. Depois, foi como se alguma

coisa tivesse passado correndo pela sala. O que vi a seguir foi Karim ser jogado

de encontro à parede, com os pés calçados de sandálias pendurados a mais de

meio metro do chão. Agarrando o seu pescoço estavam as mãos de baba.

— Vou lhe dizer por quê — esbravejou ele. — Porque foi pago para fazer essa

parte do percurso. Era só isso que lhe interessava.

Karim fazia uns sons guturais como se estivesse sufocando. Do canto da sua boca

escorria uma saliva espessa.

— Solte ele, agha, o senhor vai matá-lo — disse um dos passageiros.

— É exatamente o que pretendo fazer — replicou meu pai.

O que ninguém ali sabia era que ele não estava brincando. Karim começou a

ficar vermelho e a espernear. Baba continuou apertando o seu pescoço até que a

jovem mãe, aquela que tinha deixado o russo todo interessado, lhe implorou que

parasse. Quando meu pai finalmente o soltou, Karim despencou lá do alto e ficou

se revirando no chão, tentando desesperadamente respirar. A sala mergulhou em

silêncio. Há menos de duas horas, baba tinha se disposto a levar um tiro em nome

da honra de uma mulher que sequer conhecia. Agora, quase estrangulou um

homem até a morte, e teria estrangulado para valer se não fossem as súplicas da

mesma mulher. Ouvimos um barulho na porta. Não, não era naquela porta, era

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!