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Revista Dr Plinio 273

Dezembro 2020

Dezembro 2020

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Publicação Mensal<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>273</strong> Dezembro de 2020<br />

Vencendo as trevas,<br />

nasce o Sol de Justiça


Mensagens de Deus<br />

Gabriel K.<br />

Os esquilos são animais tão engraçadinhos!<br />

Quem os vê brincando entende<br />

que Deus os criou com a in-<br />

tenção de fazer o homem sorrir.<br />

Há uma variedade enorme de esquilos:<br />

alguns com uma cauda muito bonita e ele-<br />

gante, uns maiores, outros pequenininhos,<br />

sempre brincalhões, saltando de um lado<br />

para outro. São um encanto que, entre-<br />

tanto, não força a gravidade a sair dos seus<br />

gonzos para dele gozar. Por isso, servem de<br />

distração para o homem sério.<br />

Todos os esquilos que Deus criou desde o<br />

começo do mundo e criará até o fim constituem<br />

uma coleção. Então, é uma bonita<br />

meditação olhar para um deles e pensar:<br />

“Quantas modalidades de esquilos hou-<br />

ve e ainda haverá! Que riqueza da obra de<br />

Deus! Que maravilha há nisso!”<br />

Com efeito, cada criatura é como que<br />

uma mensagem de Deus que nos diz:<br />

“Nota, meu filho, Eu sou assim. O es-<br />

plendor de todas as auroras, a majestade de<br />

todos os meios-dias e a dignidade vitorio-<br />

sa de todos os ocasos, tudo isso Me reflete.<br />

Mas olha agora para o esquilo e, no que ele<br />

te faz sorrir, compreende que há algo pelo<br />

qual Eu sou infinitamente aprazível, atra-<br />

ente, repousante. Em Mim está a matriz<br />

infinita daquilo que torna o esquilo tão engraçadinho.<br />

Eu sou a majestade, a bondade,<br />

mas também o mimo e a graça. São es-<br />

sas algumas das mensagens que te envio.”<br />

(Extraído de conferências de 20/3/1988 e 12/10/1985)


Sumário<br />

Publicação Mensal<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>273</strong> Dezembro de 2020<br />

Vol. XXIII - Nº <strong>273</strong> Dezembro de 2020<br />

Vencendo as trevas,<br />

nasce o Sol de Justiça<br />

Na capa, <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

em dezembro<br />

de 1988.<br />

Foto: Arquivo <strong>Revista</strong><br />

As matérias extraídas<br />

de exposições verbais de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

— designadas por “conferências” —<br />

são adaptadas para a linguagem<br />

escrita, sem revisão do autor<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

<strong>Revista</strong> mensal de cultura católica, de<br />

propriedade da Editora Retornarei Ltda.<br />

ISSN - 2595-1599<br />

CNPJ - 02.389.379/0001-07<br />

INSC. - 115.227.674.110<br />

Diretor:<br />

Roberto Kasuo Takayanagi<br />

Conselho Consultivo:<br />

Antonio Rodrigues Ferreira<br />

Carlos Augusto G. Picanço<br />

Jorge Eduardo G. Koury<br />

Redação e Administração:<br />

Rua Virgílio Rodrigues, 66 - Tremembé<br />

02372-020 São Paulo - SP<br />

E-mail: editoraretornarei@gmail.com<br />

Impressão e acabamento:<br />

Northgraph Gráfica e Editora Ltda.<br />

Rua Enéias Luís Carlos Barbanti, 423<br />

02911-000 - São Paulo - SP<br />

Tel: (11) 3932-1955<br />

Preços da<br />

assinatura anual<br />

Comum............... R$ 200,00<br />

Colaborador. .......... R$ 300,00<br />

Propulsor.............. R$ 500,00<br />

Grande Propulsor....... R$ 700,00<br />

Exemplar avulso. ....... R$ 18,00<br />

Serviço de Atendimento<br />

ao Assinante<br />

editoraretornarei@gmail.com<br />

Editorial<br />

4 O Santo Natal e o cerne da luta<br />

Piedade pliniana<br />

5 Minha Mãe, por vossa bondade, salvai-me!<br />

Dona Lucilia<br />

6 Vitral de Deus<br />

Eco fidelíssimo da Igreja<br />

10 Apareceu a benignidade<br />

de nosso Salvador<br />

Reflexões teológicas<br />

13 Inefáveis perfeições morais<br />

refletidas num Menino!<br />

Denúncia profética<br />

16 O pai dos totalitarismos<br />

Calendário dos Santos<br />

20 Santos de Dezembro<br />

Hagiografia<br />

22 Mártir da liberdade da Igreja<br />

Gesta marial de um varão católico<br />

29 A promessa de Genazzano<br />

Luzes da Civilização Cristã<br />

32 Obra de homens, obra de Deus<br />

Última página<br />

36 Modelo para os contrarrevolucionários<br />

3


Editorial<br />

O Santo Natal e o cerne da luta<br />

Celebramos no Santo Natal este fato sublime: o Verbo Se fez carne nas entranhas puríssimas da Virgem<br />

Maria e habitou entre nós.<br />

Deus criou todos os seres em uma hierarquia perfeita: anjos, homens, animais, plantas, minerais.<br />

E decidiu, desde toda a eternidade, unir-Se a uma de suas criaturas – numa união que a Teologia denomina<br />

de hipostática –, de maneira a elevar essa natureza até a sua própria divindade.<br />

Assim, em Nosso Senhor Jesus Cristo a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade uniu-Se à humanidade,<br />

constituindo uma só Pessoa Divina com duas naturezas, a divina e a humana.<br />

Na variedade imensa de seres criados, Deus não escolheu para tal união a criatura mais elevada, mas sim<br />

aquela que de certo modo participava de todas as naturezas a fim de, por essa forma, honrar toda a Criação.<br />

Com efeito, na hierarquia do universo estão em primeiro lugar os anjos, puros espíritos; em seguida<br />

vem a natureza humana, composta de espírito e matéria; depois começa o reino da matéria, com graus de<br />

vida diversos, terminando na matéria inerte, tão magnífica e hierarquizada ela mesma se consideramos a<br />

imensa gama de seres existente desde os pedregulhos que se chutam inadvertidamente na rua até as gemas<br />

mais preciosas ou os astros mais luminosos.<br />

Com a Encarnação, os Anjos bons se regozijaram por ver sua natureza espiritual honrada. E, sem dúvida,<br />

se os animais, as plantas e as pedras pensassem, no Natal eles cantariam de alegria, pois pode-se admitir<br />

que na Noite Santa todos cresceram enormemente em reluzimento porque “o Verbo Se fez carne e habitou<br />

entre nós” (Jo 1, 14).<br />

Contudo, Deus honrou especialmente o gênero humano, não só por ter escolhido um Homem para estabelecer<br />

a união hipostática, mas por elevar uma mera criatura humana à dignidade de Mãe da qual Ele<br />

haveria de nascer. Nossa Senhora aparece, assim, como o fulcro da honra da humanidade.<br />

Todo o plano da Criação tem, portanto, um sentido específico em função da humanidade, pelo qual a<br />

luta para salvação dos homens, a fim de que deem glória a Deus, correspondam aos seus desígnios e se faça<br />

a vontade d’Ele na Terra como no Céu, toma uma importância que envolve a Criação inteira.<br />

O centro dessa guerra é a Santa Igreja Católica Apostólica Romana e o requinte das forças, tanto do bem<br />

quanto do mal, combate nesse campo de batalha, entre todos sagrado, constituído por nós, seres humanos.<br />

Ao findar mais um ano, o panorama dessa luta se apresenta assim: uma enorme confusão espalhada<br />

por todos os lados pelos filhos das trevas. Confusão dentro e fora da Igreja, confusão no plano eclesiástico,<br />

civil, político, social, econômico; tudo não é senão incerteza e caos.<br />

Vendo tanta confusão entre batalhadores de um e outro lado, dir-se-ia que os verdadeiros mentores da<br />

luta, isto é, os Anjos e os demônios, soltaram as rédeas dos acontecimentos e que os homens, entregues às<br />

suas limitações, não fazem senão asneiras. Ora, os espíritos angélicos nunca entregam as rédeas da batalha.<br />

Logo, são os demônios que provocam a confusão e os Anjos a combatem.<br />

Por outro lado, embora esta seja uma guerra a propósito da salvação do gênero humano e, portanto,<br />

travada principalmente por homens, a desproporção existente entre os filhos da luz e os filhos das trevas<br />

fala em favor da angelização da luta. Assim, caminhamos para um entrechoque no qual a transparência<br />

das ações angélica e diabólica ficará cada vez mais clara.<br />

O futuro está nas mãos de Deus e nas preces de Maria, uma vez que tudo quanto Ela pede, obtém. Roguemos,<br />

pois, Àquela a Quem a Igreja invoca como “Causa de nossa alegria” e “Rainha dos Anjos”, para<br />

que derrame sobre o mundo uma chuva de graças que lave a face da Terra, dissipe as trevas e faça brilhar,<br />

em céu azul, o Sol de Justiça para a humanidade renovada. *<br />

* Cf. Conferência de 5/12/1981.<br />

Declaração: Conformando-nos com os decretos do Sumo Pontífice Urbano VIII, de 13 de março de 1625 e<br />

de 5 de junho de 1631, declaramos não querer antecipar o juízo da Santa Igreja no emprego de palavras ou<br />

na apreciação dos fatos edificantes publicados nesta revista. Em nossa intenção, os títulos elogiosos não têm<br />

outro sentido senão o ordinário, e em tudo nos submetemos, com filial amor, às decisões da Santa Igreja.<br />

4


Piedade pliniana<br />

A Virgem Imaculada e o<br />

Menino - Galeria Tosio<br />

Martinengo, Brescia, Itália<br />

Luca Mombello (CC3.0)<br />

Minha Mãe, por vossa<br />

bondade, salvai-me!<br />

Óclemente, ó piedosa, ó doce sempre Virgem Maria! Vós fostes concebida sem pecado<br />

original e nunca tivestes a menor falta, jamais deixastes de progredir inteiramente<br />

em tudo quanto estava nos desígnios divinos.<br />

Sois a Virgem por respeito a cuja virgindade o Onipotente operou este milagre estupendo:<br />

quis que fôsseis ao mesmo tempo Mãe d’Ele e Virgem antes, durante e depois do parto;<br />

de tal maneira vossa virgindade é insondavelmente valiosa.<br />

Mãe de Deus Filho, sois também a Filha amadíssima do Pai Eterno, e o próprio Espírito Santo<br />

é vosso Esposo que em Vós gerou o Menino Jesus. Tendes, assim, tudo para serdes atendida.<br />

Ademais, sois cheia de misericórdia para com os pecadores. Ora, um pecador sou eu...<br />

Venho, pois, de joelhos Vos pedir: Perdoai-me, não olheis para os meus pecados, mas sim<br />

para a vossa bondade. Considerai o Sangue que vosso Divino Filho derramou, pensai nas lágrimas<br />

que Vós mesma vertestes para que eu fosse salvo.<br />

Minha Mãe, não por meus méritos, mas por vossa bondade, salvai-me!<br />

(Composta em 29/11/1992)<br />

5


Dona Lucilia<br />

Gabriel K.<br />

O Divino Mestre ensinando - Catedral<br />

de Notre-Dame de Paris, França<br />

Vitral de Deus<br />

Alma profundamente recolhida, Dona Lucilia<br />

transmitia aos que dela se aproximavam a luz<br />

divina que iluminava seu interior, como um vitral<br />

atravessado pelo Sol enche de cores uma catedral.<br />

Parece razoável que uma pessoa<br />

que, por fidelidade ao<br />

bem, é incompreendida e<br />

não tem com quem comunicar-se<br />

durante a vida receba como recompensa<br />

a possibilidade de se comunicar<br />

intensamente depois da morte;<br />

trata-se de um prêmio proporcionado.<br />

Para recorrer a um exemplo divino,<br />

com Nosso Senhor sucedeu assim.<br />

Em parte Ele foi odiado por ser<br />

incompreendido, pois os mais próximos<br />

não O entendiam.<br />

Quando Jesus disse que o Corpo<br />

d’Ele era verdadeira comida e o Sangue<br />

verdadeira bebida, alguns discípulos<br />

O abandonaram achando essa<br />

afirmação forte demais. Então Ele<br />

Se voltou para os Apóstolos e perguntou:<br />

— E vós, quereis abandonar-Me<br />

também?<br />

Quase como se dissesse:<br />

— Também em vós não tenho<br />

confiança. Quereis Me abandonar?<br />

Aliás, São Pedro deu uma resposta<br />

que não inspirava confiança porque,<br />

em vez de afirmar que jamais O<br />

abandonaria, perguntou:<br />

— A quem iremos se só Vós tendes<br />

palavras de vida eterna?<br />

O que se poderia interpretar como:<br />

“Se outro tivesse palavras de vida eterna,<br />

nós iríamos experimentar. Mas como,<br />

por assim dizer, não temos onde<br />

cair mortos, ficamos convosco.”<br />

Portanto, Nosso Senhor não foi<br />

compreendido.<br />

Resultado: apesar de haver ainda<br />

muita incompreensão, nunca ninguém<br />

foi tão compreendido post<br />

mortem quanto Ele.<br />

Entende-se, então, que Dona Lucilia,<br />

cuja influência foi tão reprimida<br />

em vida, após sua morte tenha recebido<br />

a graça de se comunicar enormemente<br />

aos outros.<br />

6


Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Sepultura de Dona Lucilia no Cemitério da Consolação, São Paulo<br />

Tudo em Dona Lucilia<br />

era o contrário da<br />

mentalidade moderna<br />

Um dos fatores que estabeleciam<br />

uma dificuldade de convívio de mamãe<br />

com os outros era que muitas<br />

pessoas já estavam postas na mentalidade<br />

da civilização moderna, pela<br />

qual só se fala do presente e do futuro,<br />

e quase nunca do passado. Até<br />

mesmo fatos passados de uma família,<br />

ao menos em São Paulo e em<br />

nosso ambiente, não se comentavam.<br />

Atraíam apenas as novidades<br />

que traziam consigo a efervescência<br />

da vida cotidiana. Por causa disso,<br />

não se falava também a respeito<br />

dos falecidos da família, era como se<br />

nunca tivessem existido.<br />

Ademais, quaisquer comentários<br />

mais elevados tendiam a ser podados.<br />

Por exemplo, críticas de ordem<br />

moral: tal ação é boa ou má, tem tal<br />

atenuante ou tal agravante, fazendo<br />

uma análise da questão. Análise<br />

não. Toleravam-se comentários muito<br />

rápidos seguidos de uma exclamação<br />

elogiosa ou depreciativa, mas logo<br />

sucedida por outro tema, substituindo<br />

o anterior do modo mais rápido<br />

possível.<br />

Quanto mais breves fossem as<br />

narrações, mais simples as frases<br />

e menos pormenores contivessem,<br />

quanto mais passageira resultasse<br />

a intervenção de uma pessoa, para<br />

dar ocasião de todos intervirem também,<br />

tanto melhor era a conversa.<br />

Ora, com Dona Lucilia passava-<br />

-se o contrário. Os fatos mais remotos<br />

eram os mais interessantes, os episódios<br />

típicos que ela contava para explicar<br />

situações humanas reportavam<br />

aos pais, avós, tios que não havíamos<br />

conhecido; esses eram os arquétipos.<br />

Depois, fazia longos comentários<br />

com voz tranquila, muito matizada.<br />

Mantinha-se, assim, fora da trepidação<br />

e da torcida, na calma e no bem-<br />

-estar de quem reflete, eleva a alma<br />

e tem um tonus religioso no espírito.<br />

O temperamento moderno se revolta<br />

contra este modo de ser.<br />

7


Dona Lucilia<br />

Gabriel K.<br />

Convívio com Deus<br />

Isso que parece uma bagatela, de<br />

fato não o é. Esse recolhimento constitui<br />

uma condição prévia para a vida<br />

espiritual. Alma recolhida é aquela<br />

que, quando não está com os outros,<br />

não fica só, mas tem todo um mundo<br />

interior com o qual se entretém. Possui<br />

uma série de degustações interiores<br />

que, ao nos aproximarmos, ela<br />

transmite a nós para que comecemos<br />

a degustá-las também e nos sintamos<br />

bem nesse recolhimento.<br />

Seria quase uma capacidade de<br />

insinuação, de nos embeber como o<br />

azeite no papel, pela qual as coisas<br />

de que a pessoa gosta, vê e sente, ela<br />

nos transmite e começamos a gostar,<br />

sentir e ver do mesmo modo, quando<br />

estamos recolhidos.<br />

O recolhimento não consiste em<br />

separar-se do convívio para pensar,<br />

mas em conviver com Deus. A alma<br />

se encontra embebida de Deus<br />

e, olhando para si mesma, vê, por assim<br />

dizer, a luz divina que a ilumina.<br />

Isso permite um fenômeno sobrenatural<br />

chamado troca de vontades,<br />

o qual não significa propriamente<br />

assumir a vontade de outra pessoa,<br />

mas um certo bem extrínseco a ela e<br />

que nós vemos, mais ou menos como<br />

se trouxéssemos para nosso quarto<br />

uma lamparina com azeite: trouxemos<br />

a lamparina, mas veio dentro o<br />

azeite.<br />

Assim acontece na troca de vontades:<br />

trata-se de algo de Deus que<br />

embebe aquela alma e que, pela influência<br />

pessoal dela, passa a nos<br />

embeber também. Em última análise,<br />

é Deus, enquanto presente em<br />

uma alma, que Se comunica e Se torna<br />

presente na outra.<br />

Entretanto, a pessoa de quem<br />

Deus Se serve para comunicar-Se<br />

não fica indiferente a isso. Ela se assemelha<br />

a um vitral pelo qual passa a<br />

luz do Sol enchendo de cores o interior<br />

de uma catedral. A luz é do astro-rei,<br />

mas o colorido é do vitral.<br />

Dom Chautard, em seu livro A alma<br />

de todo apostolado, conta que um advogado<br />

parisiense foi a Ars para conhecer<br />

São João Maria Vianney. Quando voltou<br />

a Paris, alguém lhe perguntou:<br />

— O que você viu em Ars?<br />

Ele disse:<br />

— Vi Deus em um homem.<br />

Como se vê a presença de Deus<br />

num homem? É mais ou menos como<br />

a do Sol num vitral: não vemos<br />

de um lado o Sol e de outro o vitral,<br />

mas a luz atravessa o vidro, ilumina-<br />

-o e, com o mesmo olhar, contemplamos<br />

o vitral e o Sol.<br />

Então, as características pessoais,<br />

enquanto iluminadas internamente<br />

pela santidade infinita de Deus, fazem<br />

ver Deus através delas.<br />

Respeito e confiança<br />

nos superiores<br />

Dona Lucilia exercia essa ação<br />

junto às pessoas, preparando-as,<br />

Alan Marques<br />

8


entre outras coisas, para<br />

admirar e reverenciar<br />

as legítimas autoridades.<br />

Uma característica que<br />

estava muito nela era<br />

o respeito e a confiança<br />

nos superiores. Quem<br />

fosse superior, a qualquer<br />

título, ela respeitava<br />

e tendia a mitificar.<br />

Por exemplo, mamãe<br />

tinha uma tia apenas seis<br />

anos mais velha que ela,<br />

da qual era muito amiga.<br />

Sempre que se encontravam,<br />

inclusive quando as<br />

duas já haviam se tornado<br />

avós, ela se dirigia a<br />

essa tia dizendo: “Tia Fulana,<br />

a senhora...” Não o<br />

fazia de modo forçado;<br />

conversavam como duas<br />

amigas, mas minha mãe<br />

a tratava assim.<br />

Compreende-se que<br />

entre duas senhoras muito<br />

amigas, uma com sessenta<br />

anos e outra com<br />

sessenta e seis, a idade<br />

não faça diferença alguma.<br />

Mas por ser uma tia<br />

e um pouquinho mais idosa, mamãe<br />

sentia-se mais unida a ela tratando-a<br />

de “tia” e “senhora” do que de “você”.<br />

Hoje se diria: “Nós somos amicíssimas,<br />

imagine se eu vou tratá-la de<br />

“senhora”! Isso nos distancia.” No<br />

espírito de Dona Lucilia, unia mais.<br />

Nunca notei em mamãe o menor<br />

sinal de tristeza porque outros tivessem<br />

mais do que ela. Pelo contrário,<br />

muitas vezes ficava alegre por ver alguém<br />

que possuía mais haver adquirido<br />

mais ainda; e jamais se lamentava<br />

da própria situação. Sempre contente,<br />

satisfeita, o oposto do igualitário<br />

inflexível a quem mandam tributar<br />

respeito a alguém e ele pensa logo:<br />

“Que carrasco!”<br />

Quando alguém se aproximava<br />

de Dona Lucilia, hauria toda essa<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1980<br />

doçura própria à atmosfera da alma<br />

do não invejoso, o qual ama quem<br />

é mais. Ela possuía muito dessa doçura,<br />

sabia tornar doce o que era<br />

venerável. Aproximando-se dela,<br />

a doçura circundava e convidava.<br />

Basta ver o Quadrinho 1 para constatar<br />

isso. Ali está uma pessoa que<br />

a idade tornou venerável, mas com<br />

tal intimidade que uma mocinha de<br />

quinze anos teria prosa com ela, se<br />

quisesse.<br />

Ver a arquetipia das coisas<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

A Fräulein Mathilde costumava<br />

contar em suas memórias que, em<br />

Paris, foi governanta numa família<br />

de uns condes poloneses riquíssimos,<br />

em cuja residência havia um espelho<br />

tão bonito que, em determinada hora<br />

do dia, quando os criados<br />

abriam as janelas do<br />

salão para limpar, ficava<br />

gente do lado de fora<br />

para ver o espelho. Era<br />

uma atração turística para<br />

certo gênero de curiosos.<br />

Se Dona Lucilia estivesse<br />

do lado de fora admirando<br />

o tal espelho e,<br />

de repente, parasse um<br />

caminhão em frente à<br />

casa e fosse desembarcado<br />

outro móvel precioso<br />

para ser colocado<br />

no mesmo salão, a reação<br />

normal dela seria de<br />

alegria: “Como vai ficar<br />

lindo esse salão! Posso<br />

imaginar como a satisfação<br />

da condessa!” E voltaria<br />

para casa contente,<br />

contando como era o<br />

móvel, imaginando como<br />

ficaria bonito no salão.<br />

Ela teria ganhado a<br />

manhã dela. Essa é a atitude<br />

católica diante de<br />

um fato assim.<br />

A meu ver, Dona Lucilia<br />

possuía a capacidade de considerar,<br />

em tudo, o aspecto pelo qual<br />

cada ser era à imagem ou semelhança<br />

de Deus; portanto, de ver a arquetipia<br />

das coisas e, por trás desta,<br />

o que nela havia de divino. Isso<br />

mamãe via mais ou menos em tudo<br />

e constituía o unum da alma dela, o<br />

qual tentei descrever referindo-me<br />

ao respeito e à admiração. É algo de<br />

Deus que se deixa ver por meio dela.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

2/8/1980)<br />

1) Quadro a óleo, que muito agradou<br />

a <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong>, pintado por um de seus<br />

discípulos com base nas últimas fotografias<br />

de Dona Lucilia.<br />

9


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

Apareceu a benignidade<br />

de nosso Salvador<br />

Samuel Holanda<br />

Nascimento de Jesus - Catedral de Manresa, Espanha<br />

Jesus Cristo divide<br />

a História em duas<br />

vertentes inteiramente<br />

diversas. É Ele a<br />

Sabedoria triunfal que<br />

domina o mundo de<br />

um a outro extremo.<br />

Entretanto, a doçura,<br />

glória e suavidade<br />

do Natal destoam<br />

profundamente do<br />

aspecto dramático do<br />

mundo contemporâneo.<br />

Há quase oitenta anos <strong>Dr</strong>.<br />

<strong>Plinio</strong> exortava a respeito<br />

do significado religioso<br />

desta grande data.<br />

Infelizmente, são hoje poucos<br />

os fiéis que dão ao Santo Natal<br />

todo o seu significado. Para<br />

alguns, a data é mero pretexto para<br />

comemorações mundanas. Para outros,<br />

é mera festa da família, em que,<br />

por acidente, também se comemora<br />

o nascimento do Salvador. Como<br />

Ele nasceu menino, a data interessa<br />

aos meninos. Este o nexo único entre<br />

as celebrações domésticas e religiosas<br />

do Natal. Para outros, finalmente, o<br />

Santo Natal é por certo uma data de<br />

imenso significado religioso.<br />

Centro da História e marco<br />

de uma era inteiramente nova<br />

Mas a palavra “religioso” é tomada<br />

neste caso apenas em seu sentido mais<br />

estrito. Cristo, Senhor Nosso, encarnando-Se<br />

e morrendo por nós, fran-<br />

queou a todos os homens as portas do<br />

Céu. Dentro do âmbito muito exatamente<br />

delimitado das igrejas, o Natal<br />

tem, pois, um imenso significado. Mas<br />

fora daí, não tem importância.<br />

Pouquíssimos são os que compreendem<br />

que, de fato, o Santo Natal<br />

representa, antes de tudo e acima de<br />

tudo, com a Encarnação da Segunda<br />

Pessoa da Santíssima Trindade, uma<br />

honra inestimável para o pobre gê-<br />

10


nero humano e o primeiro marco da<br />

vida terrena de nosso Redentor, cujo<br />

termo seria a nossa salvação.<br />

Além deste significado primordial<br />

e essencial, o Santo Natal tem outro:<br />

Jesus Cristo, encarnando-Se, evangelizando<br />

os homens, fundando a Santa<br />

Igreja, morrendo por nós e salvando-<br />

-nos, abriu uma era inteiramente nova<br />

na vida dos povos. Ele renovou a Terra.<br />

E, a este título, a Encarnação do<br />

Verbo é o acontecimento fundamental<br />

da História das civilizações, o marco<br />

inicial dos tempos do homem renovado.<br />

Não é por mera ficção que se contam<br />

os anos a partir do nascimento de<br />

Cristo. Realmente Jesus Cristo divide<br />

a História em duas vertentes inteiramente<br />

diversas. O mundo antes d’Ele<br />

era um, depois passou a ser outro. São<br />

dois mundos. Poder-se-ia quase dizer<br />

que são duas Histórias.<br />

Com efeito, toda a civilização cristã<br />

não é senão uma consequência da<br />

obra da Redenção. Sem a Redenção,<br />

a civilização cristã e católica seria<br />

impossível. E como foi essa a maior<br />

das civilizações na História, a única<br />

a merecer verdadeiramente o nome<br />

de civilização, é incontestável que<br />

não houve nem haverá obra mais alta<br />

nem mais fundamental, ainda mesmo<br />

do mero ponto de vista da civilização,<br />

do que a que Cristo, Senhor Nosso,<br />

realizou.<br />

A ideia de que o Santo Natal é o<br />

centro da História, se encontra em<br />

toda a Liturgia destes dias.<br />

Esperança de um Salvador<br />

Toda a antiguidade foi impregnada<br />

pela esperança de um Salvador.<br />

Por Ele ansiaram os profetas da antiga<br />

Lei e todo o povo de Israel. Seu<br />

advento era o grande e fundamental<br />

acontecimento, diante do qual a formação<br />

e queda dos maiores impérios<br />

eram sem importância.<br />

De modo todo particular, estes<br />

sentimentos de expectativa, que nos<br />

mostram em sua verdadeira perspectiva<br />

os acontecimentos do mundo<br />

pagão – pequenos<br />

em presença<br />

do grande acontecimento<br />

que se<br />

esperava –, estão<br />

proclamados nas<br />

famosas antífonas<br />

do Advento, que<br />

seguem:<br />

Oh, Sabedoria<br />

que procedeste da<br />

boca do Altíssimo,<br />

atingindo de uma<br />

extremidade à outra<br />

e dispondo todas<br />

as coisas com força<br />

e doçura, vem para<br />

nos ensinar o caminho<br />

da prudência!<br />

Oh, Adonai, Senhor<br />

e condutor da<br />

Casa de Israel, que<br />

apareceste a Moisés<br />

na chama de<br />

uma sarça ardente<br />

e que lhe deste a<br />

Lei no alto do Sinai:<br />

vem para nos<br />

resgatar pelo poder de teu braço!<br />

Oh, raiz de Jessé, erguida como estandarte<br />

dos povos, em cuja presença<br />

os reis se calarão e a quem as nações<br />

invocarão, vem libertar-nos, não tardes<br />

mais!<br />

Oh, chave de David e cetro da Casa<br />

de Israel, que abres e ninguém pode<br />

fechar, que fechas é ninguém pode<br />

abrir, vem e tira da prisão o cativo<br />

que está sentado nas trevas e na sombra<br />

da morte!<br />

Oh, Oriente, esplendor da luz eterna<br />

e Sol da justiça, vem e ilumina os<br />

que estão sentados nas trevas e nas<br />

sombras da morte!<br />

Oh, Rei das nações e objeto de seus<br />

desejos, pedra angular que reúnes em<br />

Ti os povos, salva os homens que formaste<br />

do limo!<br />

Oh, Emanuel, nosso Rei e nosso<br />

Legislador, o Esperado das nações e<br />

seu Salvador, vem salvar-nos, Senhor<br />

nosso Deus!<br />

Profetas - Catedral de Santiago de Compostela<br />

Alegria triunfal e santíssima<br />

Essas exclamações magníficas da<br />

Liturgia, extraídas da Sagrada Escritura,<br />

exprimem o anseio de todos os<br />

profetas, de todos os justos, pela vinda<br />

do Messias prometido.<br />

Através delas transparece com toda<br />

a clareza o papel fundamental de<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo, quer na<br />

economia da salvação, quer na vida<br />

de todos os povos nesta Terra. É<br />

Ele a sabedoria triunfal que domina<br />

o mundo de um a outro extremo;<br />

Ele, o Salvador que nos salvará “com<br />

a potência de seu braço”; Ele, que tirará<br />

o prisioneiro da prisão, e iluminará<br />

“os que estão sentados à sombra<br />

da morte”; Ele, o Rei desejado, o<br />

Legislador omnipotente. Todas estas<br />

exclamações indicam bem claramente<br />

um mundo que se debate nas trevas,<br />

na impotência, na tristeza, e que<br />

Nosso Senhor Jesus Cristo vem sal-<br />

Teodoro Reis<br />

11


Eco fidelíssimo da Igreja<br />

var, reunir, elevar à verdadeira civilização.<br />

Compreende-se, pois, a alegria<br />

triunfal e santíssima com que a Igreja<br />

canta no Introito da Missa da aurora,<br />

no dia de Natal: “A Luz brilhará hoje<br />

sobre nós, porque nos nasceu o Senhor”,<br />

e na Epístola lembra as palavras<br />

de São Paulo a Tito: “Manifestou-<br />

-se a benignidade e a amabilidade de<br />

Deus, nosso Salvador. Ele nos salvou,<br />

não pelas obras de justiça que tivéssemos<br />

feito, mas por sua misericórdia,<br />

pelo renascimento e pela renovação<br />

no Espírito Santo, que copiosamente<br />

derramou sobre nós por Jesus Cristo,<br />

nosso Salvador, a fim de que, justificados<br />

por sua graça, sejamos herdeiros<br />

da vida eterna que é nossa esperança<br />

no Cristo Jesus, Nosso Senhor.”<br />

No Introito da próxima Missa, estas<br />

palavras de júbilo mais uma vez<br />

se acentuam: “Uma Criança nasceu<br />

para nós, e um Filho nos foi dado.<br />

Ele traz sobre seus ombros a marca<br />

de sua realeza e seu nome é Anjo do<br />

Grande Conselho.” Cristo vem para<br />

o mundo inteiro: “Todos os confins<br />

da Terra viram a salvação de nosso<br />

Deus. Aclamai a Deus, Terra inteira,<br />

o Senhor fez conhecer sua salvação;<br />

Ele revelou sua justiça aos olhos das<br />

nações”, diz o Gradual.<br />

E na Liturgia desse dia encontramos<br />

mais esta exclamação radiosa:<br />

“Hoje Cristo nasceu, hoje apareceu o<br />

Salvador, hoje sobre toda a Terra cantam<br />

os Anjos, se regozijam os Arcanjos,<br />

hoje todos os justos nos transportes<br />

da sua alegria repetem: “Glória a<br />

Deus no mais alto dos céus, aleluia!”<br />

Aspecto dramático do<br />

mundo contemporâneo<br />

de, a impiedade campeiam infrenes.<br />

Entretanto, continua a ser verdadeira<br />

a afirmação da Liturgia: “A Vós, Senhor,<br />

pertencem os céus, a Vós a terra;<br />

sois Vós quem fundastes o universo<br />

e quanto ele contém. A justiça e a<br />

equidade são o apoio de vosso trono.”<br />

Com efeito, a revolta das criaturas<br />

não aliena nem destrói o domínio que<br />

sobre elas exerce o Criador. Rebelde<br />

embora, o mundo continua a pertencer<br />

a Nosso Senhor Jesus Cristo. E Ele,<br />

o Rei, Rei pacífico, Rei misericordioso,<br />

continua a atrair a Si todas as criaturas.<br />

Junto ao santo Presepe, sejam nossos<br />

sentimentos de profunda confian-<br />

ça na misericórdia divina. Em nós,<br />

em torno de nós, pela graça de Cristo,<br />

Senhor Nosso, será só Ele o verdadeiro<br />

Rei. Pelo ardor na correspondência<br />

à graça divina e nas fainas<br />

do apostolado, saibamos subtrair-nos<br />

ao jugo do pecado e atrair para Cristo<br />

todos os povos infiéis. No Presepe,<br />

Cristo nos aparece bem junto de Maria,<br />

como que a lembrar que com a intercessão<br />

da Mãe que é d’Ele e nossa,<br />

tudo podemos esperar, tudo devemos<br />

pedir em benefício das almas. v<br />

(Extraído de O Legionário n. 594,<br />

25/12/1943)<br />

J. P. Braido<br />

Destoa profundamente da doçura,<br />

glória e suavidade deste quadro magnífico,<br />

o aspecto dramático do mundo<br />

contemporâneo. O pecado parece<br />

dominar o mundo inteiro. A guerra<br />

estende por quase toda a Terra as suas<br />

devastações. O ódio, a sensualida-<br />

Sagrada Família (coleção particular)<br />

12


Reflexões teológicas<br />

Inefáveis<br />

perfeições<br />

Tomas K.<br />

morais<br />

refletidas<br />

num<br />

Menino!<br />

Anunciação e Epifania - Museu de São Marcos, Florença<br />

Em sua face, em seu olhar, em cada membro de seu pequenino<br />

Corpo, Jesus Infante manifestava as maravilhas de sua Alma,<br />

criada na visão beatífica e unida hipostaticamente ao Verbo<br />

Eterno. Toda a elevação, transcendência, equilíbrio, afabilidade<br />

e força do Divino Mestre estavam já expressos naquele Menino.<br />

que é certo que Nosso Senhor gozou<br />

do uso da razão desde o primeiro<br />

instante de sua concepção no ventre<br />

materno –, uma comunicação contínua<br />

com Ele, não só enquanto Segunda<br />

Pessoa da Santíssima Trinda-<br />

Estando nas vésperas do Natal,<br />

cabe fazermos aqui uma<br />

consideração que me parece<br />

muito importante.<br />

Quais eram as cogitações de Nossa<br />

Senhora a respeito do Natal? O<br />

que o Natal representou de novo para<br />

Ela? Afinal de contas, a Santíssima<br />

Virgem levava o Menino Jesus<br />

em Si como num tabernáculo e tinha<br />

evidentemente, além da maior intimidade,<br />

um comércio de alma – por-<br />

13


Reflexões teológicas<br />

Flávio Lourenço<br />

Deve ter sido<br />

um momento de<br />

grandes manifestações<br />

de gozo, de<br />

um contato de alma<br />

intimíssimo de<br />

Jesus com sua Mãe.<br />

Ele nasceu de um<br />

ato de amor intensíssimo,<br />

e com certeza<br />

Nossa Senhora<br />

estava elevada a<br />

um grau de mística<br />

inexprimivelmente<br />

alto enquanto tomava<br />

contato com<br />

a Divindade de seu<br />

Filho.<br />

Sem dúvida, a<br />

cena foi presidida<br />

e contemplada pelas<br />

Três Pessoas da<br />

Santíssima Trindade,<br />

e acompanhada<br />

com cânticos<br />

por todos os An-<br />

Adoração dos Reis Magos (detalhe) - Museu jos. Por certo, foi<br />

Nacional de Arte Antiga, Lisboa<br />

uma das mais belas<br />

festas que houve<br />

no Céu, uma das maiores glórias<br />

de, mas também enquanto Homem-<br />

-Deus.<br />

da História da humanidade. E Nossa<br />

Senhora estava associada a esse<br />

Nessas condições, nós não devemos<br />

imaginar que o nascimento gáudio com uma intimidade e um<br />

de Nosso Senhor foi um acontecimento<br />

no qual Ela conheceu Quem<br />

era o seu Filho. Nossa Senhora já<br />

possuía um conhecimento muito<br />

íntimo e muito ardente a respeito<br />

d’Ele.<br />

Então, o que o Natal representou<br />

de novo para Maria?<br />

Jesus entra no mundo<br />

nos braços de Maria<br />

grau de união com Deus realmente<br />

inimagináveis.<br />

Naturalmente, tratava-se de algo<br />

muito importante para Nossa Senhora.<br />

Mas era só isso? Eu tenho a<br />

impressão de que havia mais!<br />

Um novo incentivo para o<br />

amor de Nossa Senhora<br />

Sendo a realidade física um símbolo<br />

da espiritual, em geral a face e<br />

o corpo do homem trazem, embora<br />

de modo confuso, uma expressão<br />

de sua alma. Tratando-se de Nosso<br />

Senhor, que era perfeitíssimo e em<br />

Quem não havia nenhuma hipótese<br />

de fraude nem de engano ou insuficiência,<br />

podemos imaginar o quanto<br />

a Face sacratíssima e todo o Corpo<br />

d’Ele exprimiam sua Alma.<br />

Ora, Nossa Senhora ainda não havia<br />

visto a Face de seu Divino Filho,<br />

nem o seu Corpo. Ao contemplá-<br />

-Lo por primeira vez, Ela adquiriu<br />

um novo título no conhecimento de<br />

Nosso Senhor, que era Ele conhecido<br />

em sua Face, em seu olhar, em cada<br />

membro de seu Corpo, como elemento<br />

indicativo de sua mentalidade<br />

e de sua Alma. Daí então um título<br />

novo para o amor, um título novo<br />

para a união, que constituíram com<br />

Flávio Lourenço<br />

Em primeiro lugar, o Natal foi o<br />

momento altíssimo em que, de modo<br />

misterioso e sem trazer qualquer<br />

prejuízo à virgindade de Nossa<br />

Senhora, o Salvador abandonou o<br />

claustro materno e entrou no mundo<br />

nos braços d’Ela.<br />

Os Reis Magos adoram o Menino-Deus (detalhe)<br />

Igreja de São Pedro, Toulouse, França<br />

14


certeza um incentivo para as adorações<br />

inefáveis que a Santíssima Virgem<br />

apresentou a Nosso Senhor na<br />

Noite de Natal.<br />

Consideremos que não só cada<br />

traço do rosto – sobretudo o olhar –<br />

é indicativo de uma mentalidade. A<br />

seu modo, o mesmo se pode dizer do<br />

pescoço, dos ombros, das mãos, dos<br />

pés, em especial se vistos num conjunto.<br />

Em consequência, nós podemos<br />

imaginar Nossa Senhora contemplando<br />

essa expressão manifestativa<br />

da realidade psicológica e sobrenatural<br />

de seu Filho e O adorando<br />

profundamente.<br />

Transcendência da sagrada<br />

Face do Menino Deus<br />

Nesse ponto torna-se necessário<br />

fazer uma retificação a respeito<br />

de algo que a iconografia da Renascença<br />

deformou completamente. Para<br />

dar uma ideia da suma pureza do<br />

Menino Jesus, ela O apresenta como<br />

uma criança bobinha e inexpressiva,<br />

na qual não há indicação alguma<br />

de uma mentalidade. E eu tenho<br />

a maior das dificuldades em admitir<br />

que haja sido assim.<br />

A meu ver, pelo contrário, tudo<br />

aquilo que nós admiramos em Nosso<br />

Senhor adulto, aquela transcendência,<br />

aquela elevação de alma tal<br />

que parece colocá-la inteiramente<br />

em outra região – e faz lembrar<br />

a frase da Escritura: “Meus pensamentos<br />

não são como os vossos pensamentos,<br />

e vossos caminhos não<br />

são como os meus caminhos” (Is 55,<br />

8) –, aquela posição interior em que<br />

se percebe contido todo um céu, no<br />

qual Ele está e do alto do qual olha<br />

com bondade a humanidade distante<br />

que a misericórdia d’Ele torna<br />

próxima, aquele equilíbrio, aquela<br />

distinção, aquela afabilidade, aquela<br />

força, tudo isso que na sacratíssima<br />

Face do Divino Mestre inspira<br />

perfeições morais inefáveis, eu tenho<br />

a impressão de que já estava expresso<br />

na Face e no Corpo do Menino<br />

Jesus.<br />

A adoração de São José<br />

O Natal é a primeira manifestação<br />

dessas maravilhas, e para elas<br />

convergiu a adoração de Nossa Senhora<br />

e a de São José, que estava<br />

perto e participava deste ato como<br />

esposo d’Ela e pai do Menino Jesus.<br />

Que Maria Santíssima tivesse<br />

uma união de almas com Nosso Senhor<br />

num grau que nós nem bem entendemos,<br />

é evidente. Entretanto,<br />

também podemos imaginar a ternura,<br />

o respeito, o entusiasmo, a adoração<br />

e a veneração de São José ao<br />

ver aquele Menino que ele sabia ser<br />

Filho do Espírito Santo e de Nossa<br />

Senhora, mas legalmente Filho<br />

seu, e que, em parte, na pessoa<br />

dele Se tornava Filho de<br />

Davi e cumpria as profecias.<br />

O que deveria representar<br />

para ele olhar o Menino<br />

e pensar que, afinal<br />

de contas, ali estava o<br />

Deus dele e de todos<br />

os homens e, ao mesmo<br />

tempo, o Filho dele,<br />

porque Filho da esposa<br />

dele?<br />

Uma meditação<br />

para o Natal<br />

A consideração da<br />

santidade de Nosso Senhor<br />

que resplendia de toda a Pessoa<br />

d’Ele, a ideia, portanto,<br />

da manifestação no seu Corpo<br />

de sua santidade de Alma, na<br />

qual, por sua vez, manifestava-se<br />

a Divindade hipostaticamente unida<br />

à natureza humana, isso eu tenho<br />

a impressão de ser o que mais deveria<br />

nos extasiar na Noite de Natal.<br />

Há uma porção de estampas que<br />

apresentam a cena do nascimento<br />

de Nosso Senhor com o berço cheio<br />

de luz e o Menino com cara de bobinho.<br />

A luz não estava na palha; a luz<br />

estava no Menino, sobretudo na Face<br />

sacratíssima do Menino!<br />

Isso me parece constituir uma<br />

meditação interessante para o Natal,<br />

que alimente a devoção durante<br />

estes dias. Peçamos a Nossa Senhora<br />

que tais pensamentos nos deem<br />

alento para um Natal verdadeiramente<br />

recolhido e piedoso. v<br />

(Extraído de conferência de<br />

21/12/1965)<br />

Flávio Lourenço<br />

São José com o Menino Jesus - Igreja da<br />

Virgem do Manto, Riaza, Espanha<br />

15


Denúncia profética<br />

Gustave Doré (CC3.0)<br />

O pai dos totalitarismos<br />

A primeira tentação do liberalismo que a História registra deu-se<br />

no Céu, quando Lúcifer e seus sequazes ousaram prescindir de<br />

Deus para divinizar a sua própria natureza criada. A revolta da<br />

natureza contra a ordem sobrenatural corresponde ao racionalismo<br />

que hoje lança sobre o mundo o flagelo dos totalitarismos pagãos.<br />

Um dos temas mais oportunos<br />

nesta quadra do Advento<br />

em que estamos é o dogma<br />

da Encarnação do Verbo, em sua estreita<br />

relação com o dogma da queda<br />

de nossos primeiros pais.<br />

Mostraremos as origens do naturalismo<br />

e do panteísmo, e que este não<br />

passa de um autêntico comunismo<br />

entre o finito e o Infinito, devendo<br />

terminar, forçosamente, no comunismo<br />

do que é finito ou criado. Lúcifer,<br />

primeiro liberal, também é o primeiro<br />

comunista na História da Criação.<br />

Ponto de partida<br />

do Cristianismo<br />

Não nos move o desejo de propagar<br />

novidades. Deter-nos-emos na<br />

meditação de verdades bem conhecidas,<br />

mas sobre as quais nunca é demais<br />

insistir. Se o mundo anda mal,<br />

não é certamente por falta de rumos,<br />

mas por insistir no caminho do<br />

erro, também velho e conhecido, ou<br />

pelo desejo comodista de não querer<br />

pensar em escolher suas veredas.<br />

E na contemplação dessas verdades<br />

conhecidas e abandonadas não nos<br />

guiaremos pelo preconceito fetichista<br />

de apenas tratar da parte positiva<br />

das afirmações, mas entraremos<br />

também na parte negativa, aliás com<br />

o intuito positivo de mais uma vez<br />

afirmar os direitos da verdade pelos<br />

desvios e desatinos a que o erro conduz.<br />

Os amigos incondicionais das afirmações<br />

e dos pontos de vista exclu-<br />

sivamente construtivos que nos perdoem.<br />

Dentro do tema que temos de<br />

abordar, logo de início se acha uma<br />

negação. Mas a culpa não é nossa. A<br />

Encarnação do Verbo, em seu aspecto<br />

de Redenção, teve origem na negação<br />

de Lúcifer em servir a Deus.<br />

Não podemos deixar de, inicialmente,<br />

nos ocupar da queda dos anjos,<br />

da queda do homem e do dogma do<br />

pecado original.<br />

Este dogma é o ponto de partida<br />

do Cristianismo, cujo termo é a Redenção.<br />

“A queda em Adão e a reparação<br />

em Jesus Cristo, conforme<br />

afirma Augusto Nicolas 1 , são, por<br />

assim dizer, os dois polos da esfera<br />

espiritual que se correspondem pelas<br />

mais justas, pelas mais fecundas<br />

e pelas mais sublimes relações. São<br />

16


noramos qual tenha sido essa prova,<br />

mas de acordo com um grande número<br />

de teólogos Deus lhes havia revelado<br />

o mistério futuro da Encarnação,<br />

e lhes anunciara que eles deveriam<br />

adorar o Filho de Deus feito<br />

Homem. O que é muito plausível<br />

e pode ter sido mesmo o prêmio<br />

prometido a Adão pela sua obediêncomo<br />

os dois movimentos que medem<br />

e determinam o jogo tão delicado,<br />

a relação tão importante da liberdade<br />

e da graça, com uma precisão<br />

admirável que somente Deus poderia<br />

operar, somente a autoridade<br />

infalível de sua Igreja pode explicar<br />

e manter, e que todas as heresias<br />

têm falseado e destruído quase inteiramente.”<br />

Luta que continuará até a<br />

consumação dos séculos<br />

Com efeito, esses dois dogmas se<br />

acham de modo tal na verdade das<br />

coisas, nas necessidades de nossa natureza,<br />

tão intimamente ligadas entre<br />

si, que não se pode diminuí-los ou<br />

exagerá-los sem romper o equilíbrio e<br />

a ponderação de toda a doutrina religiosa,<br />

de toda a Filosofia humana<br />

e mesmo de toda a sociedade, como<br />

bem observa o autor dos “Estudos filosóficos<br />

sobre o Cristianismo”.<br />

Relata a Sagrada Escritura que<br />

havendo Deus criado os anjos, antes<br />

de admiti-los à glória eterna, submeteu-os<br />

a uma prova meritória. Ig-<br />

Expulsão de Adão e Eva do Paraíso - Igreja de São<br />

Miguel dos Navarros, Zaragoza, Espanha<br />

cia. Mas o mais belo dos anjos resistiu.<br />

“Como caíste do Céu, ó Lúcifer,<br />

que ao nascer do dia tanto brilhavas?<br />

Que dizias no teu coração: Subirei<br />

ao Céu, estabelecerei meu trono<br />

acima dos astros de Deus, sentar-<br />

-me-ei sobre o monte da aliança dos<br />

lados do aquilão. Sobrepujarei a altura<br />

das nuvens, serei semelhante ao<br />

Gabriel K. Flávio Lourenço<br />

Anunciação - Museu Metropolitano de Arte, Nova Iorque<br />

17


Denúncia profética<br />

Flávio Lourenço<br />

Altíssimo. E, contudo, foste precipitado<br />

no Inferno, até ao mais profundo<br />

dos abismos.”<br />

Vemos, assim, que a queda dos<br />

anjos foi motivada por sentimento<br />

de orgulho, por quererem ser iguais<br />

a Deus e gozar a felicidade independentemente<br />

das divinas disposições.<br />

A diferença entre os Anjos bons e<br />

os maus não nasceu da diferença entre<br />

suas naturezas, mas da variedade<br />

de suas vontades e desejos.<br />

Deleitaram-se os anjos maus em si<br />

mesmos como se fossem seu próprio<br />

bem, e voluntariamente se afastaram<br />

do Bem superior, beatífico. Assim, a<br />

causa da bem-aventurança de uns foi<br />

se unirem com Deus, e a causa da miséria<br />

e desgraça de outros, pelo contrário,<br />

foi se desunirem de Deus.<br />

Notemos que Lúcifer e seus anjos,<br />

como espíritos inteligentes que eram,<br />

não ousaram sobrepor-se a Deus, mas<br />

prescindir d’Ele, ser “semelhantes ao<br />

Altíssimo”. Foi, portanto, a primeira<br />

tentação do liberalismo que a História<br />

registra. E nessa tentativa de divinizar<br />

sua própria natureza criada, de se<br />

identificar com a natureza divina, temos<br />

em Lúcifer o primeiro panteísta.<br />

E vemos, como fruto dessa rebeldia<br />

de Lúcifer, a primeira luta que se<br />

travou na História da Criação, essa<br />

mesma luta entre o bem e o mal que<br />

haveria de desenrolar-se pelos tempos<br />

afora e que há de continuar até a<br />

consumação dos séculos.<br />

Caim matando Abel - Museu de<br />

Santa Cruz, Toledo, Espanha<br />

Obediência, mãe<br />

e custódia de<br />

todas as virtudes<br />

Depois da queda dos<br />

anjos vem a queda do<br />

homem.<br />

Nada podendo contra<br />

Deus, Lúcifer procura<br />

se vingar em sua<br />

imagem. Inimigo da natureza,<br />

o príncipe do<br />

pecado e pai de todos<br />

os males, homicida desde<br />

o começo, levou ao<br />

Paraiso Terrestre a sedução<br />

e o pecado. Criara<br />

Deus o homem perfeito,<br />

dotado de ciência<br />

claríssima e universal,<br />

justiça original unida à<br />

prática de todas as virtudes,<br />

império absoluto<br />

da alma sobre o corpo e<br />

domínio sobre todas as<br />

criaturas, isento do sofrimento<br />

e da morte.<br />

Não era esta, porém, a<br />

última e suprema felicidade<br />

a que o homem<br />

podia aspirar. Era apenas temporal essa<br />

primeira felicidade, durante a qual<br />

o homem contrairia méritos para alcançar,<br />

a título de recompensa, o estado<br />

de felicidade último e completo.<br />

No jardim de delícias, no Éden terreno,<br />

o homem contrairia méritos para<br />

gozar da glória em<br />

companhia dos Anjos,<br />

para onde seria<br />

arrebatado por<br />

Deus, depois de algum<br />

tempo de prova<br />

e de méritos em seu<br />

primitivo estado.<br />

Recomendou<br />

Deus a nossos primeiros<br />

pais a obediência,<br />

virtude que<br />

Queda dos anjos rebeldes<br />

Museu do Louvre, Paris<br />

na criatura racional<br />

é, de certo modo, segundo<br />

Santo Agostinho,<br />

mãe e custódia de todas as virtudes,<br />

porque criou Deus a criatura racional<br />

de modo tal que lhe é útil e importante<br />

o estar sujeita, e muito pernicioso<br />

fazer sua própria vontade e<br />

não a d’Aquele que a criou.<br />

Com efeito, diz o mesmo Santo<br />

Doutor que quando o homem vive<br />

segundo o homem e não segundo<br />

Deus torna-se semelhante ao demônio,<br />

porque nem os Anjos devem viver<br />

segundo os Anjos, mas segundo<br />

Deus, para que perseverem na verdade,<br />

que é fruto próprio de Deus.<br />

Observa São Tomás que o homem<br />

em estado de inocência estava ao<br />

abrigo de toda revolta da carne contra<br />

o espírito, e que por conseguinte<br />

seu primeiro pecado não podia vir da<br />

procura desordenada de um bem sensível,<br />

mas da procura desordenada de<br />

um bem espiritual. Pecou inicialmen-<br />

Samuel Holanda<br />

18


Dayane Alves<br />

ções, o Filho de Deus<br />

feito Homem, concebido<br />

nas entranhas virte<br />

o homem pelo orgulho ao pretender,<br />

contra a vontade de seu Criador<br />

e instigado pela serpente, tornar-<br />

-se semelhante a Deus pelo conhecimento<br />

do bem e do mal. “Sereis como<br />

deuses”, diz o tentador a Eva.<br />

Inimizades entre os filhos do<br />

demônio e os filhos da Igreja<br />

Eis aí de novo a tentação do liberalismo,<br />

a tentação do naturalismo, a<br />

tentação do panteísmo.<br />

O pecado de Lúcifer, segundo São<br />

Tomás, foi o racionalismo, isto é, a revolta<br />

da natureza contra a ordem sobrenatural.<br />

Esse mesmo pecado vemos<br />

na queda de nossos primeiros pais.<br />

E eis-nos, assim, diante da longa<br />

e porfiada guerra iniciada no Céu, e<br />

Passos da Paixão - Universidade Nossa<br />

Senhora do Lago, Santo Antônio, Texas<br />

que na Terra, desde<br />

a origem dos tempos,<br />

a cidade dos<br />

ímpios move contra<br />

a cidade dos Santos,<br />

a revolta contra<br />

Deus e seu Verbo,<br />

que desde os primeiros<br />

dias do mundo<br />

fez se abrirem os<br />

abismos infernais;<br />

essa mesma revolta<br />

que hoje lança sobre<br />

o mundo o flagelo<br />

dos totalitarismos<br />

pagãos e que fará, no fim dos<br />

tempos, que sobre ele se elevem as<br />

torrentes do fogo vingador.<br />

E é a essa luta sem tréguas que<br />

Deus se refere ao dizer à serpente<br />

que seduzira Eva: “Porei<br />

inimizades entre ti<br />

e a mulher, entre tua<br />

descendência e a sua;<br />

ela te esmagará a cabeça<br />

e em vão armar-<br />

-lhe-ás ciladas ao calcanhar”<br />

(cf. Gn 3, 15).<br />

Deus anunciou que<br />

poria no futuro inimizades,<br />

estabelecidas<br />

sobrenaturalmente<br />

por Ele, entre uma<br />

Mulher acima de todas<br />

as outras e o demônio.<br />

Essa Mulher que assim<br />

surge nos desígnios da<br />

Providência é a Santíssima<br />

Virgem, preservada<br />

da mancha original<br />

em virtude dos méritos<br />

de seu Filho. Entre<br />

o demônio e Maria,<br />

Deus estabelece,<br />

assim, inimizades perpétuas,<br />

análogas à inimizade<br />

essencial que<br />

existe entre o demônio<br />

e o Esperado das Na-<br />

Jacó recebe a primogenitura de Isaac<br />

Museu de Zamora, Espanha<br />

ginais de Maria por operação do Espírito<br />

Santo.<br />

Pôs Deus também inimizades entre<br />

a descendência da Virgem Santíssima<br />

e a descendência do demônio,<br />

isto é, entre a massa dos ímpios,<br />

filhos do demônio e que se guiam<br />

pelos desejos desse pai execrando,<br />

no dizer de São João, e os filhos da<br />

Igreja, membros do Corpo Místico<br />

de Jesus Cristo. E em que pese a opinião<br />

dos falsos pacifistas, dos acomodatícios,<br />

haverá sempre essa luta;<br />

porque o demônio e os seus se esforçarão<br />

por perseguir a Mulher e sua<br />

descendência, a lhes armar ciladas<br />

ao calcanhar.<br />

“Os filhos de Belial, diz o Bem-<br />

-aventurado Grignion de Montfort 2 ,<br />

os escravos de satanás, os amigos do<br />

mundo têm sempre perseguido até<br />

hoje e hão de perseguir mais que<br />

nunca aqueles e aquelas que pertencem<br />

à Santíssima Virgem, como<br />

Caim perseguiu outrora a seu irmão<br />

Abel, e Esaú a seu irmão Jacó, os<br />

quais são figuras dos réprobos e dos<br />

predestinados.”<br />

v<br />

(Extraído de O Legionário n. 698,<br />

23/12/1945)<br />

1) Jean-Jacques-Auguste Nicolas (*1807<br />

- †1888). Escritor católico e magistrado<br />

francês.<br />

2) Canonizado em 20 de julho de 1947.<br />

Flávio Lourenço<br />

19


Samuel Holanda<br />

C<br />

alendário<br />

Beato Franco Lippi - Mosteiro<br />

Carmelita, Sevilha<br />

1. Santa Florência, virgem (†s. IV).<br />

Convertida por Santo Hilário de Poitiers<br />

durante o seu desterro na Ásia,<br />

seguiu-o de regresso à França e viveu<br />

como eremita em Combre, França.<br />

2. Beato João Slezyuk, bispo e mártir<br />

(†1973). Exerceu infatigavelmente<br />

seu ministério de forma clandestina<br />

na Eparquia de Stanislaviv, Ucrânia.<br />

Foi preso várias vezes e enviado a<br />

campos de trabalho forçado.<br />

3. São Francisco Xavier, presbítero<br />

(†1552).<br />

Beato Eduardo Coleman, mártir<br />

(†1678). Falsamente acusado de conspiração<br />

contra o rei Carlos II, foi enforcado<br />

e esquartejado em Tyburn, Inglaterra,<br />

por ter abraçado a Fé Católica.<br />

4. São João Damasceno, presbítero<br />

e Doutor da Igreja (†c. 749).<br />

Santo Annon, bispo (†1075).<br />

5. Santa Crispina de Tagora, mártir<br />

(†304). Mãe de família degolada<br />

em Tebessa, Argélia, por recusar-se a<br />

dos Santos – ––––––<br />

sacrificar aos ídolos no tempo de Diocleciano<br />

e Maximiano.<br />

6. II Domingo do Advento.<br />

São Nicolau, bispo (†s. IV).<br />

Beato João Scheffler, bispo e mártir<br />

(†1952). Húngaro de nascimento,<br />

foi nomeado Bispo de Satu Mare, Romênia.<br />

Morreu preso em Bucareste.<br />

7. Santo Ambrósio, bispo e Doutor<br />

da Igreja (†397).<br />

Santa Fara, abadessa (†657). Durante<br />

quarenta anos, foi abadessa do mosteiro<br />

em Faremoutiers, França, fundado<br />

por ela num terreno herdado do pai.<br />

8. Imaculada Conceição da Bem-<br />

-Aventurada Virgem Maria.<br />

Santo Eutiquiano, Papa (†283). Governou<br />

a Igreja depois de São Félix I.<br />

Foi o vigésimo sétimo sucessor de São<br />

Pedro.<br />

9. São João Diego Cuauhtlatoatzin<br />

(†1548).<br />

Beato Libório Wagner, presbítero<br />

e mártir (†1631). De origem luterana,<br />

converteu-se ao Catolicismo e foi ordenado<br />

sacerdote. Foi torturado<br />

e morto em Marienberg,<br />

Alemanha, durante a<br />

Guerra dos Trinta Anos.<br />

10. São Gregório III, Papa<br />

(†741). Incentivou a pregação<br />

do Evangelho aos germanos<br />

e lutou contra os iconoclastas,<br />

socorreu os pobres<br />

e favoreceu a vida religiosa.<br />

11. São Dâmaso I, Papa<br />

(†384).<br />

Beato Franco Lippi, eremita<br />

(†1292). Perdeu a vista sendo<br />

um jovem militar de vida libertina<br />

e, arrependido, viajou<br />

em peregrinação a Santiago de<br />

Compostela, onde ficou curado.<br />

Regressou à Itália, tornando-se<br />

eremita carmelita.<br />

12. Nossa Senhora de Guadalupe,<br />

Padroeira da América Latina.<br />

São Finiano, abade (†549). Fundou<br />

vários mosteiros na Irlanda, entre os<br />

quais o de Clonard, onde foi abade e<br />

faleceu.<br />

13. III Domingo do Advento.<br />

Santa Luzia, virgem e mártir<br />

(†c. 304/305).<br />

Santa Otília, virgem (†s. VII). Primeira<br />

abadessa do mosteiro de Hohenbourg,<br />

França, fundado pelo duque<br />

Aldarico, seu pai.<br />

14. São João da Cruz, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†1591).<br />

São Nimatullah al-Hardini, presbítero<br />

(†1858). Sacerdote da Ordem<br />

Libanesa dos Maronitas, dedicou-se<br />

aos estudos teológicos, à formação<br />

dos jovens e ao trabalho pastoral, em<br />

Kfifane, Líbano.<br />

15. Beato Marino, abade (†1170).<br />

Promoveu o esplendor da Liturgia na<br />

abadia beneditina de Cava de’ Tirreni,<br />

Itália, e foi admirável na fidelidade<br />

ao Papa.<br />

Ordenação de São João da Mata - Museu<br />

de Belas Artes da Corunha, Espanha<br />

Samuel Holanda<br />

20


–––––––––––––– * Dezembro * ––––<br />

16. Beato Sebastião Magi, presbítero<br />

(†1496). Religioso dominicano, pregou<br />

o Evangelho na região de Gênova,<br />

Itália e zelou pela observância regular<br />

nos conventos.<br />

17. São João da Mata, presbítero<br />

(†1213). Junto com São Félix de Valois,<br />

fundou em Cefroid, França, a<br />

Ordem da Santíssima Trindade para a<br />

Redenção dos Cativos.<br />

18. São Malaquias, profeta. Após o<br />

desterro da Babilônia, anunciou o grande<br />

dia do Senhor e a sua vinda ao Templo.<br />

Samuel Holanda<br />

19. Beato Guilherme de Fenolis, religioso<br />

(†c. 1200). Foi dos primeiros<br />

monges da Cartuxa de Casotto, Itália,<br />

onde viveu como irmão leigo.<br />

20. IV Domingo do Advento.<br />

Beato Vicente Romano, presbítero<br />

(†1831). Sendo pároco em Torre del<br />

Greco, Itália, dedicou-se à educação<br />

das crianças e a atender as necessidades<br />

dos operários e pescadores.<br />

21. São Pedro Canísio, presbítero e<br />

Doutor da Igreja (†1597).<br />

Beato Domingos Spadafora, presbítero<br />

(†1521). Religioso dominicano<br />

e ativo pregador. Faleceu em Monte<br />

Cerignone, Itália.<br />

22. Santo Hungero, bispo (†866). Zeloso<br />

pastor da Diocese de Utrecht, Holanda,<br />

transtornada pela invasão dos<br />

normandos.<br />

23. São João Câncio, presbítero<br />

(†1473).<br />

Beato Nicolau Factor, presbítero<br />

(†1583). Sacerdote franciscano que,<br />

abrasado de amor a Deus, foi várias<br />

vezes arrebatado em êxtase. Faleceu<br />

em Valência, Espanha, aos 63 anos.<br />

24. Beato Bartolomeu Maria dal<br />

Monte, presbítero (†1778). Pregou<br />

ao povo cristão e ao clero a Palavra<br />

São Malaquias - Basílica de Santa Maria do Castelo, Gênova<br />

de Deus em muitas regiões da Itália.<br />

Fundou a Pia Obra das Missões.<br />

25. Natal de Nosso Senhor Jesus<br />

Cristo.<br />

Beata Antônia Maria Verna, virgem<br />

(†1838). Fundadora da Congregação<br />

das Irmãs da Caridade do Imaculado<br />

Coração de Ivrea, em Turim, Itália.<br />

26. Santo Estêvão, diácono e protomártir.<br />

Santa Vicência Maria López Vicuña,<br />

virgem (†1890). Fundadora do<br />

Instituto das Filhas de Maria Imaculada,<br />

em Madri, Espanha.<br />

27. Festa da Sagrada Família, Jesus,<br />

Maria e José.<br />

São João, Apóstolo e Evangelista.<br />

Beata Sara Salkahazi, virgem e<br />

mártir (†1944). Virgem da Congregação<br />

das Religiosas da Assistência, fuzilada<br />

na Hungria junto ao Rio Danúbio.<br />

28. Santos Inocentes, mártires.<br />

Santa Catarina Volpicelli, virgem<br />

(†1894). Fundadora em Nápoles, Itália,<br />

do Instituto das Escravas do Sagrado<br />

Coração.<br />

29. São Tomás Becket, bispo e mártir<br />

(†1170). Ver página 22.<br />

30. Beato João Maria Boccardo,<br />

presbítero (†1913). Fundou a Congregação<br />

das Irmãs Pobres Filhas de São<br />

Caetano, em Pancalieri, Itália.<br />

31. São Silvestre I, Papa (†335).<br />

São João Francisco de Régis, presbítero<br />

(†1640). Jesuíta que, pela pregação<br />

e celebração do Sacramento da<br />

Penitência, renovou a Fé Católica entre<br />

os fiéis de Lalouvesc, França.<br />

São Nicolau abençoando<br />

um menino - Igreja do Santo<br />

Cristo, Menorca, Espanha<br />

Flávio Lourenço<br />

21


Flávio Lourenço<br />

Hagiografia<br />

Martírio de São Tomás<br />

Becket - Catedral de<br />

Bayeux, França<br />

Mártir da liberdade da Igreja<br />

Mesmo inerte em seu jazigo, São Tomás Becket, séculos<br />

depois de se tornar mártir pela liberdade da Igreja, constituía<br />

ainda um obstáculo para que a caudal da heresia pudesse<br />

avançar entre os ingleses. Por isso, o ímpio Henrique<br />

VIII mandou profanar e queimar seus restos mortais.<br />

H<br />

á um adágio latino que diz:<br />

“Nemo summo fit repenter”.<br />

De fato, nenhuma ação sumamente<br />

boa ou má se faz repentinamente,<br />

mas é precedida de uma série<br />

de atos que a preparam. Isto que se<br />

aplica à vida moral dos indivíduos revela-se<br />

igualmente verdadeiro no que<br />

diz respeito à história das civilizações,<br />

das nações, dos ciclos de cultura: os<br />

grandes acontecimentos históricos se<br />

preparam com antecedência.<br />

Como explicar um dos<br />

episódios mais tristes da<br />

História da Igreja?<br />

Nesse sentido, um dos episódios<br />

mais tristes da História da Igreja é,<br />

sem dúvida, a passagem quase maci-<br />

ça da Inglaterra da plena observância<br />

da Religião Católica para o protestantismo,<br />

no século XVI. Bastou<br />

o Rei Henrique VIII entrar em desacordo<br />

com a Santa Sé, por esta não<br />

lhe permitir divorciar-se de Catarina<br />

de Aragão e contrair novas núpcias,<br />

para que ele se proclamasse chefe da<br />

igreja inglesa e se separasse de Roma.<br />

22


The Yorck Project (CC3.0)<br />

No momento em que o monarca<br />

rompeu com a Igreja Católica Apostólica<br />

Romana, um número muito<br />

pequeno de eclesiásticos e de leigos<br />

manteve-se fiel. Alguns deles se<br />

tornaram mártires, entre os quais<br />

os dois mais ilustres foram São Tomás<br />

Morus, como leigo, e São João<br />

Fischer, como cardeal. Contudo, a<br />

maior parte entregou-se e mudou<br />

de religião vergonhosamente, sem o<br />

menor remorso. Conventos inteiros,<br />

universidades, instituições de caridade,<br />

tudo passou em bloco para o protestantismo.<br />

Como explicar um fato tão escandaloso<br />

como esse? Como uma ação<br />

dessa natureza foi praticada, ao mesmo<br />

tempo e por tantas pessoas, pelo<br />

simples sopro de um rei?<br />

Compreende-se que, estando a<br />

Europa no período das monarquias<br />

absolutas e sendo muito grande, em<br />

consequência, o poderio dos monarcas,<br />

fosse grande também a pressão<br />

exercida por eles para obrigar o reino<br />

à apostasia. Contudo, cabe observar<br />

que, em primeiro lugar, esse não<br />

Henrique VIII - Coleção do Castelo<br />

de Howard, Iorque, Reino Unido<br />

era exatamente o caso<br />

de Henrique VIII,<br />

pois há muito os poderes<br />

da monarquia inglesa<br />

se encontravam limitados<br />

pelos do Parlamento.<br />

Em segundo lugar,<br />

mais absolutos do<br />

que todos os monarcas<br />

da Europa daquele<br />

tempo foram os potentados<br />

da Roma pagã;<br />

entretanto, incontáveis<br />

mártires souberam<br />

resistir a eles. Portanto,<br />

o despotismo da autoridade<br />

que prevarica não<br />

justifica a prevaricação<br />

do súdito.<br />

Estamos, pois, diante<br />

de uma página nigérrima<br />

da História da Igreja,<br />

a qual, aliás, repetiu-<br />

-se, mutatis mutandis,<br />

em alguns outros reinos. A deterioração<br />

da Igreja Católica para a igreja<br />

protestante na Suécia, na Noruega,<br />

na Dinamarca e em várias partes<br />

da Alemanha deu-se assim.<br />

Houve uma pressão<br />

do poder civil, e o corpo<br />

eclesiástico aderiu maciçamente<br />

à heresia.<br />

Duas concepções<br />

opostas da vida<br />

No caso concreto da<br />

Inglaterra, nós encontramos<br />

a explicação no<br />

ocorrido com São Tomás<br />

Becket.<br />

Já no século em que<br />

ele viveu, em plena Idade<br />

Média, havia uma<br />

disputa entre a realeza e<br />

o Papado. Os reis entendiam<br />

que a Hierarquia<br />

Eclesiástica inglesa deveria<br />

estar sob seu domínio,<br />

enquanto os Papas,<br />

fundamentados na<br />

Catarina de Aragão - National<br />

Portrait Gallery, Londres<br />

instituição criada por Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo, reivindicavam o pleno<br />

domínio em matéria espiritual sobre<br />

todos os bispos, sacerdotes e fiéis.<br />

Por trás desse desacordo encontrava-se<br />

um princípio mais alto, uma<br />

discussão a respeito de um ponto<br />

que continha em si os germens da<br />

Revolução: quem afirma que o rei<br />

tem poder sobre a Igreja, no fundo<br />

sustenta que o poder temporal, representante<br />

das coisas desta Terra e<br />

da matéria, possui um primado sobre<br />

o poder espiritual.<br />

Isso equivale a dizer que, na ordem<br />

dos valores, os assuntos terrenos<br />

e civis têm mais importância que<br />

os religiosos, sendo estes meros instrumentos<br />

daqueles. Donde fica subentendido,<br />

embora não se afirme<br />

explicitamente, que o fim da religião<br />

se restringe à vida do homem neste<br />

mundo e que a Fé é um mito útil para<br />

disciplinar os homens, mas não representa<br />

uma verdade revelada, objetiva<br />

e absoluta.<br />

Ao contrário, o princípio sustentado<br />

pela Igreja é de que as coisas<br />

NPG (CC3.0)<br />

23


Hagiografia<br />

Divulgação (CC3.0)<br />

Henrique II<br />

desta Terra existem em função da vida<br />

eterna e que, embora o Estado<br />

possua uma finalidade própria temporal,<br />

ele deve ajudar a Igreja a cumprir<br />

sua missão. Por essa razão, além<br />

de estar revestida de todo direito e<br />

poder em matéria eclesiástica, no<br />

que diz respeito à salvação das almas<br />

a Igreja tem autoridade até sobre o<br />

Estado, o qual não pode promulgar<br />

leis que contrariem a Lei de Cristo.<br />

Trata-se, portanto, de duas concepções<br />

opostas da vida: uma sacral<br />

e religiosa, sustentada pela Igreja;<br />

outra laica, materialista, revolucionária.<br />

Lenta invasão do Estado<br />

nos poderes da Igreja<br />

presentava todo o corpo eclesiástico<br />

inglês enquanto sua mais alta figura.<br />

A disputa tornou-se intensa e São<br />

Tomás Becket acabou exilado durante<br />

anos. Tendo voltado para<br />

a Inglaterra, foi assassinado<br />

pelos esbirros do Rei.<br />

Boa parte do povo ficou<br />

a favor de São Tomás<br />

Becket e indignada com o<br />

Rei, a tal ponto que este se<br />

julgou na necessidade de<br />

fazer penitência pública<br />

diante do sepulcro do<br />

santo Arcebispo, pedindo<br />

perdão a Deus pelo<br />

que havia acontecido.<br />

Contudo, uma porção<br />

considerável das classes dirigentes<br />

continuou a dar apoio<br />

ao Rei em segredo, enquanto certo<br />

número de intelectuais católicos e<br />

mesmo de clérigos sustentavam,<br />

na surdina, que São Tomás Becket<br />

havia exagerado e, embora<br />

o Rei tivesse agido mal ao<br />

matá-lo, doutrinariamente a<br />

razão estava com ele, pois o<br />

Estado gozava de superioridade<br />

em relação à Igreja.<br />

De fato, acompanhando<br />

a História da Inglaterra vê-<br />

-se que houve uma lenta e<br />

progressiva invasão do Estado<br />

sobre os poderes da<br />

Igreja. Esta era cada vez<br />

mais garroteada, enquanto<br />

os eclesiásticos tinham<br />

cada vez menos coragem<br />

de lutar em prol da causa<br />

pela qual São Tomás<br />

Becket imolou sua vida.<br />

À maneira de<br />

uma árvore<br />

em cuja raiz<br />

há cupim…<br />

Como resultado,<br />

trezentos<br />

anos depois a In-<br />

No século XII houve uma luta<br />

muito forte entre o Rei Henrique II<br />

e São Tomás Becket, o qual defendia<br />

o poder do Papado e rejeitava a jurisdição<br />

do monarca sobre a Igreja.<br />

O embate teve especial importância<br />

porque ele era Arcebispo de<br />

Canterbury, sede primacial da Inglaterra,<br />

e, portanto, implicitamente reglaterra<br />

ainda era católica, mas sua<br />

catolicidade tornara-se tão superficial<br />

que foi possível derrubar a Igreja<br />

naquele reino mais ou menos como<br />

se abate uma árvore em cuja raiz há<br />

cupim: com um solavanco ela cai. Por<br />

Flávio Lourenço<br />

24<br />

São Tomás Becket - Igreja de São<br />

Tomás, Caldas de Reyes, Espanha


mais que algumas fibras continuem ligadas<br />

ao solo, facilmente se cortam e<br />

está tudo acabado.<br />

Quando subiu ao trono Maria Tudor,<br />

que se casou o Rei Felipe II da<br />

Espanha, houve uma restauração religiosa<br />

na Inglaterra. A nação inteira se<br />

converteu à Fé Católica e um legado<br />

papal foi enviado para dar absolvição<br />

ao Parlamento; ter-se-ia a impressão<br />

de que estava tudo em ordem.<br />

Entretanto, nada estava em ordem.<br />

Morta Maria Tudor, aqueles mesmos<br />

bispos e outras autoridades que haviam<br />

se convertido à Religião Católica<br />

voltaram para o protestantismo. Logo,<br />

era tudo aparência e oportunismo.<br />

Se não houver uma<br />

reação, o progressismo<br />

levará os fiéis à heresia<br />

Esses fatos têm analogia com nossos<br />

dias. Notamos precisamente o<br />

pensamento católico minado pela<br />

Revolução a partir, pelo menos, do<br />

século XIX. Inicialmente por meio<br />

de simples omissões ou concessões<br />

em pontos doutrinários não bem definidos;<br />

mais tarde, mediante a adesão<br />

explícita a doutrinas injustificáveis.<br />

Vemos no mundo atual o surto do<br />

progressismo. Se não houver uma reação,<br />

é forçoso que ao cabo de algum<br />

tempo os fiéis caiam em heresia. Com<br />

efeito, o edifício espiritual de um país<br />

minado pelo progressismo assemelha-<br />

-se à madeira corroída por dentro pelo<br />

cupim, mas que conserva sua aparência<br />

exterior: quem a olha, pensa que<br />

está tudo normal, quando na realidade<br />

basta calcar o dedo para aquela casca<br />

ceder. Aliás, nem mais essa aparência<br />

está muito conservada; há apenas<br />

um resto de ortodoxia. Põe-se a mão,<br />

e logo aparece o pensamento revolucionário.<br />

Eu pude assistir a essa evolução no<br />

Brasil. Quando era jovem congregado<br />

mariano, entre 1929 e 1932, notava<br />

que a Religião Católica professada em<br />

torno de mim parecia<br />

inteiramente ortodoxa,<br />

tal como eu aprendera<br />

em menino. Contudo,<br />

observava com<br />

estranheza que o sentido<br />

de luta havia desaparecido<br />

por completo.<br />

Dez anos antes ainda<br />

se atacavam muito<br />

os erros do protestantismo,<br />

mas quando eu<br />

tinha cerca de vinte e<br />

três anos já quase não<br />

se falava disso.<br />

Ademais, eu percebia<br />

que as verdades<br />

católicas mais características,<br />

aquelas<br />

que doem mais aos hereges,<br />

não eram afirmadas<br />

nos seus pontos<br />

protuberantes. Por<br />

exemplo, chamava-me<br />

a atenção como todo<br />

mundo admitia a infalibilidade<br />

da Igreja<br />

e o princípio da monarquia<br />

papal, mas se<br />

tratava com indiferença<br />

quem quisesse falar<br />

com muito entusiasmo<br />

a esse respeito. Em geral,<br />

os temas que interessavam<br />

limitavam-se<br />

aos que não despertavam<br />

polêmica.<br />

Por volta de 1937 e<br />

1938, começou a primeira infiltração<br />

das ideias progressistas. Em 1970 essas<br />

ideias vão tomando conta de tudo.<br />

Primeiro as omissões, depois as<br />

concessões, em seguida as traições:<br />

um ritmo tríplice. Vemos isso tanto<br />

na História da Inglaterra com em<br />

nossos dias.<br />

Preparação remota para a<br />

completa negação da Igreja<br />

Felipe II - Museu do Prado, Madri<br />

Assim caminham as grandes heresias:<br />

os silêncios preparam as traições.<br />

A Inglaterra aderiu ao protestantismo<br />

não com explosões de ódio<br />

como aconteceu, por exemplo, na<br />

Alemanha, nem com uma espécie de<br />

crise de consciência coletiva que cortou<br />

o país ao meio, como se deu na<br />

Revolução Francesa, mas sim na indolência<br />

e na inexistência de qualquer<br />

reação.<br />

Em nossos dias, as alas mais avançadas<br />

do progressismo sustentam que<br />

a Igreja, como a conhecemos, deve<br />

ser desarticulada e praticamente abolida<br />

a sua Hierarquia. Os bispos e pa-<br />

Museo del Prado (CC3.0)<br />

25


Hagiografia<br />

Saforrest (CC3.0)<br />

dres precisam ser tutelados por uma<br />

espécie de “profetas”, e as paróquias,<br />

aglutinadas ao sabor desse “espírito<br />

profético”.<br />

Essas ideias estão na lógica de<br />

um mesmo erro que avança: primeiro<br />

afirma-se que a Igreja deve estar<br />

sujeita ao Estado, porque o princípio<br />

leigo prevalece sobre o religioso;<br />

mais adiante se diz que o princípio religioso<br />

é inútil.<br />

Com efeito, é tão antinatural defender<br />

que o leigo está acima do religioso<br />

que tal contradição não se sustenta,<br />

e só pode ser vista como uma<br />

etapa para a rejeição do religioso.<br />

Então, a posição inglesa representou<br />

uma preparação remota de terreno<br />

para a completa negação da Igreja.<br />

Imagem de São Tomás Becket,<br />

na Catedral de Canterbury, cuja<br />

cabeça foi destruída em 1538<br />

Essa preparação remota teve seus<br />

primórdios nos episódios vividos por<br />

São Tomás Becket, de cuja post-história<br />

nos fala Dom Guéranger no<br />

L’Année Liturgique.<br />

Relíquias profanadas<br />

e destruídas<br />

O século XVI veio acrescentar algo<br />

mais à glória de São Tomás Becket,<br />

quando o inimigo de Deus e dos<br />

homens, Henrique VIII da Inglaterra,<br />

ousou perseguir com sua tirania o<br />

mártir da liberdade da Igreja até no<br />

esplêndido relicário onde ele recebia<br />

há quatro séculos as homenagens da<br />

veneração do mundo cristão.<br />

Henrique VIII pretendia dirigir a<br />

Arquidiocese de Canterbury, transformando<br />

seu Arcebispo numa espécie<br />

de lacaio mitrado. Uma vez que o<br />

mais importante dos prelados ingleses<br />

cedesse, era natural admitir que<br />

os outros se deixassem arrastar também<br />

e a Igreja na Inglaterra se transformasse<br />

numa repartição pública.<br />

São Tomás Becket foi morto na<br />

sua catedral, tornando-se mártir da<br />

liberdade da Igreja. Tendo sido canonizado,<br />

seu corpo jazia num relicário<br />

esplêndido, onde durante quatro<br />

séculos recebeu as homenagens<br />

dos ingleses.<br />

Ora, a partir do momento em que<br />

Henrique VIII se separou de Roma<br />

e se declarou chefe da igreja da Inglaterra,<br />

era natural que ele quisesse<br />

injuriar as relíquias daquele que<br />

morrera para que isso não se desse.<br />

Então, mandou algumas pessoas<br />

irem à Catedral de Canterbury para<br />

violar a sepultura de São Tomás Becket.<br />

Como comenta Dom Guéranger,<br />

é uma glória a mais para esse<br />

Santo o fato de seus restos mortais<br />

terem sido profanados pelo homem<br />

nefando que separou a Inglaterra da<br />

Igreja Católica.<br />

Continua o texto:<br />

Os ossos sagrados do prelado, morto<br />

pela justiça, foram arrancados do<br />

English School (CC3.0)<br />

São Tomás Morus e São João Fisher<br />

altar. Um processo monstruoso foi instituído<br />

contra o pai da pátria, e uma<br />

sentença ímpia declarou Tomás réu de<br />

crime de lesa-majestade.<br />

Esses restos preciosos foram colocados<br />

sobre uma fogueira, e nesse segundo<br />

martírio o fogo devorou os despojos<br />

do homem simples e forte cuja<br />

intercessão atraía sobre a Inglaterra os<br />

olhares e a proteção do Céu.<br />

A Inglaterra não era mais<br />

digna daquele tesouro<br />

Também era justo que o país que<br />

devia perder a Fé por uma desoladora<br />

apostasia não guardasse em seu<br />

seio um tesouro que não seria mais<br />

devidamente estimado. Além disso,<br />

a sede de Canterbury estava manchada.<br />

Cranmer sentava-se na cadeira<br />

dos Agostinhos, dos Dunstanos,<br />

dos Lanfrancos, dos Anselmos,<br />

de Tomás enfim; e o santo mártir,<br />

olhando ao redor de si, não teria<br />

26


encontrado entre seus irmãos dessa<br />

geração senão João Fisher, que consentiu<br />

em segui-lo até o martírio.<br />

Mas este último sacrifício, por muito<br />

glorioso que fosse, nada salvou. Há<br />

muito a liberdade da Igreja perecera<br />

na Inglaterra. A Fé, lentamente,<br />

apagar-se-ia.<br />

O autor comenta ser explicável<br />

esse processo monstruoso. A Inglaterra<br />

protestante destruiu um tesouro<br />

que não era mais digna de<br />

conter. Privou-se, assim, pelas suas<br />

próprias mãos, da presença das relíquias<br />

de um Santo que seria um intercessor<br />

ainda válido para evitar<br />

que ela caísse nos últimos degraus<br />

da apostasia. E, com isso, consumou-se<br />

o crime.<br />

Além disso, até mesmo a Igreja<br />

na Inglaterra não era mais digna<br />

desse tesouro. Com exceção do<br />

Cardeal João Fisher, todos os bispos<br />

do país apostataram. Os padres<br />

e as freiras, na sua quase totalidade,<br />

aceitaram a passagem para o<br />

protestantismo com uma passividade<br />

simplesmente vergonhosa, como<br />

aconteceu na Suécia, Noruega, Dinamarca<br />

e em certas partes da Alemanha.<br />

Conventos, dioceses, populações<br />

inteiras deixaram a Religião<br />

Católica com a maior indolência,<br />

quando não com a maior alegria, e<br />

se fizeram protestantes.<br />

Louis Veuillot - Livraria<br />

Digital da Galícia<br />

Ser odiado pelos maus,<br />

até depois da morte,<br />

é uma glória<br />

Félix Nadar (CC3.0)<br />

Giovanni Dall’Orto (CC3.0)<br />

Funerais de São Tomás Becket - Igreja de Santa Maria da Paixão, Milão<br />

Quase ninguém fala dessa execução<br />

póstuma de São Tomás Becket;<br />

entretanto, há nela uma verdadeira<br />

glória para o Santo. Ser odiado pelos<br />

maus, sofrer perseguição por amor<br />

a Nosso Senhor Jesus Cristo é uma<br />

glória. Mas que o exemplo dado por<br />

um homem tenha sido tão magnífico<br />

que os maus não conseguem violar<br />

os Mandamentos da Lei de Deus<br />

sem primeiro destruir suas relíquias<br />

é uma glória ainda maior!<br />

Até depois de morto ele era uma<br />

barreira, e foi preciso remover esse<br />

obstáculo para que a caudal da heresia<br />

pudesse avançar. Ora, não há nada<br />

mais belo do que um varão deitado<br />

no seu jazigo, inerte, posto na<br />

sombra da morte – ao menos quanto<br />

ao seu corpo – ser ainda uma sen-<br />

27


Hagiografia<br />

Julio Báscones (CC3.0)<br />

Corpo do Presidente García Moreno, após o atentado contra ele em 1875<br />

tinela pela qual só se passa eliminando-a.<br />

É uma verdadeira beleza!<br />

Santa Teresinha do Menino Jesus<br />

dizia que ela passaria seu Céu fazendo<br />

bem à Terra. São Tomás Becket, à<br />

maneira dele, fez o mesmo: seu corpo<br />

incutia pavor nos adversários.<br />

Nesse sentido, Louis Veuillot 1<br />

afirmava que a sua suprema alegria<br />

seria se suas cinzas ainda incomodassem<br />

os inimigos, depois de durante<br />

a vida ele ter levado tão longe<br />

quanto possível a luta e lhes arrancado<br />

a máscara da hipocrisia.<br />

Alguns amigos meus que estiveram<br />

no Equador contaram-me que<br />

até hoje não se sabe onde García<br />

Moreno 2 está enterrado, porque a<br />

divulgação do lugar de sua sepultura<br />

poderia ocasionar manifestações pró<br />

e contra esse ex-presidente, fiel imitador<br />

de Nosso Senhor Jesus Cristo<br />

por ser sinal de contradição e pedra<br />

de escândalo. 3<br />

Como eu gostaria de saber que<br />

não só a minha sepultura, mas a de<br />

cada um dos que me seguem na luta<br />

contrarrevolucionária, fosse um<br />

marco de divisão e de escândalo!<br />

Muito mais do que isso, eu desejaria<br />

que, indo para o Céu, me fosse dado<br />

voltar continuamente à Terra para<br />

perseguir os maus, confundi-los,<br />

passar-lhes descomposturas, incutir<br />

terror e batalhar contra a Revolução<br />

de todos os modos imagináveis,<br />

de maneira a fazer, depois<br />

de morto, tudo aquilo que<br />

em vida eu quereria ter feito,<br />

mas não me foi possível.<br />

Seria uma linda maneira<br />

de prosseguir em nosso<br />

apostolado se todos nós, do<br />

Céu, continuássemos a deitar<br />

sobre a Terra essas e outras<br />

“chuvas de rosas”. v<br />

(Extraído de conferências<br />

de 28/12/1968 e<br />

29/12/1970)<br />

1) Escritor e jornalista francês<br />

(*1813 - †1883).<br />

2) Gabriel Gregorio Fernando<br />

José María García y<br />

Moreno y Morán de Buitrón (*1821<br />

- †1875). Presidiu a República do<br />

Equador por dois mandatos consecutivos,<br />

tendo sido assassinado durante<br />

o segundo, depois de ser eleito para<br />

o terceiro.<br />

3) Somente em 16 de abril de 1975 foram<br />

encontrados os restos mortais de<br />

Gabriel García Moreno.<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> em 1970<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

28


Gesta marial de um varão católico<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> diante do<br />

milagroso afresco<br />

em 25/9/1988<br />

A promessa de<br />

Genazzano<br />

<strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong> passou por grandes provações, chegando inclusive<br />

a ter a ideia de que talvez estivesse destruindo aquilo que ele<br />

se propunha a defender. Em meio a esses sofrimentos atrozes,<br />

crises individuais internas causticavam a sua incipiente Obra e<br />

ele adoeceu gravemente. Estando num hospital recuperando-se<br />

de uma cirurgia, recebeu, a 16 de dezembro de 1967, insigne<br />

graça da Mãe do Bom Conselho de Genazzano.<br />

Ainda na minha infância, a primeira<br />

batalha da vida foi contra<br />

a moleza. Esta luta me levou<br />

a formar em mim, com muito esforço,<br />

amparado pela graça obtida por<br />

Nossa Senhora, um modo de ser, um<br />

feitio de temperamento.<br />

Após duras renúncias,<br />

grandes esperanças<br />

Quando rompi com o mundo e entrei<br />

para o movimento das Congregações<br />

Marianas, ocasião em que, à maneira de<br />

algum contemporâneo de Nosso Senhor<br />

Jesus Cristo – que vendo passar o Divino<br />

Mestre ao longo da estrada deixou<br />

tudo para segui-Lo –, assim fiz eu com<br />

o estandarte de Nossa Senhora: vi-o passar,<br />

deixei tudo e o segui. Por um reflexo<br />

curioso do espírito humano, veio-me<br />

à mente, sem que eu explicitasse inteiramente,<br />

a seguinte ideia: “Agora que venci<br />

tudo isso e dei esses passos posso estar<br />

seguro, porque nunca me faltarão forças<br />

ao longo de minha vida, e por maiores<br />

que sejam os obstáculos que apareçam,<br />

se venci isso vencerei o resto. Portanto,<br />

assim como possuo pernas, braços, cabeça,<br />

tenho residindo em mim a virtude<br />

da fortaleza.”<br />

Lembro-me perfeitamente de um dia<br />

em que eu estava assistindo a uma bênção<br />

do Santíssimo Sacramento na Igreja<br />

do Coração de Jesus; enquanto rezava,<br />

passou-me pela cabeça esta pergunta:<br />

“Agora, até onde não voarei depois<br />

de feitas essas renúncias? Vamos ver se<br />

estou disposto a qualquer coisa.”<br />

Em meio às borrascas<br />

interiores, a compreensão<br />

do papel da graça<br />

Pouco depois e de um modo um<br />

tanto imprevisto, estralaram certas<br />

tormentas interiores que eu não conseguia<br />

jugular. Graças a Nossa Senhora<br />

não pequei, mas eram tão superiores<br />

às minhas forças que eu tive<br />

de rezar intensamente como nun-<br />

29


Gesta marial de um varão católico<br />

ca fizera em minha vida, porque não<br />

havia outra coisa para fazer.<br />

Então fui levado a considerar mais<br />

atentamente uma verdade à qual eu<br />

nunca tinha dado muita atenção, isto<br />

é, tudo quanto dizem os livros de formação<br />

religiosa a respeito do papel da<br />

graça para o homem enfrentar as dificuldades.<br />

Foi quando, caindo em mim,<br />

pensei: “É verdade, faltava-me isso...<br />

De fato, preciso do auxílio da graça.”<br />

Por fim, aquelas borrascas passaram<br />

e eu vivi um período de dois ou três anos<br />

de muita consolação e muito bem-estar<br />

espiritual. Porém ainda não tinha claro<br />

que isso era imprescindível para a vida<br />

interior do homem, e necessário também<br />

para as suas ações exteriores. Eu<br />

julgava que, com uns tais ou quais recursos<br />

intelectuais, uma tal ou qual força de<br />

vontade e com o auxílio da graça para a<br />

minha perseverança pessoal, o resto eu<br />

faria. Implicitamente estava a seguinte<br />

ideia: “Deus me ponha em ordem, que<br />

eu coloco em ordem os outros e acabo<br />

fazendo vencer a Contra-Revolução.”<br />

Encontro com O Livro<br />

da Confiança<br />

Não tardou a começarem a aparecer<br />

externamente problemas para<br />

os quais eu não tinha remédio, pura<br />

e simplesmente não encontrava<br />

solução: dificuldades financeiras, de<br />

saúde, de relacionamento e liderança<br />

no meio católico, enfim, uma chuva<br />

de fatos, uns mais perturbadores<br />

e constrangedores do que os outros,<br />

caindo em cima de mim às torrentes.<br />

Foi quando, por uma circunstância<br />

providencial com ares de fortuita,<br />

conheci O Livro da Confiança<br />

cuja leitura deu-me a esperança de<br />

que, à força de confiar, Nossa Senhora<br />

também ordenasse aquilo que<br />

eu deveria pôr em ordem. Eu não<br />

seria senão um instrumento d’Ela,<br />

mas a Santíssima Virgem verdadeiramente<br />

colocaria em ordem.<br />

Essa ideia aninhou-se no meu espírito,<br />

eu a fiz minha, incorporei-a,<br />

ao menos espero, em minha mentalidade<br />

e meu modo de ser, e toquei<br />

para a frente.<br />

Provação mais atroz do<br />

que as anteriores<br />

Houve a minha expulsão da<br />

direção da Ação Católica, a<br />

redução de todo o movimento<br />

que eu liderava a um grupo<br />

de seis ou sete amigos<br />

heroicos, nada mais do que isso, enfim<br />

um definhamento completo.<br />

A partir de então outra preocupação<br />

se estabeleceu no meu espírito.<br />

Pensei: “Eu confiei, rezei e estou<br />

certo de que Nossa Senhora<br />

quer que a Contra-Revolução vença.<br />

Se na força de minha idade a<br />

Contra-Revolução está degringolando<br />

desta maneira, não é quando<br />

eu tiver cinquenta, sessenta anos ou<br />

mais que ela vai subir. Ora, se no vigor<br />

de meus anos estou recebendo o<br />

machado da Revolução em cima de<br />

mim, alguma coisa devo ter feito para<br />

merecer o castigo de Deus.”<br />

Donde exames de consciência contínuos<br />

e implacáveis. Duvido existir<br />

um homem que possa dizer com toda<br />

a segurança: “Eu sou de tal maneira<br />

fiel que estou certo de em nada merecer<br />

o castigo de Deus.” Sou um homem,<br />

logo estou neste caso.<br />

Inspetoria Salesiana de São Paulo<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

Em destaque, <strong>Plinio</strong> na Congregação<br />

Mariana de Santa Cecília,<br />

em meados de 1932. À esquerda,<br />

Missa solene no Santuário do<br />

Sagrado Coração de Jesus, nos<br />

tempos da infância de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

30


Não sabia como me arranjar, pois,<br />

embora viesse este pensamento consolador:<br />

“Tenha confiança também na<br />

misericórdia de Deus...”, meu raciocínio<br />

era: “Sim, eu confio, mas também<br />

creio na justiça d’Ele e a adoro especificamente<br />

naquilo em que ela tem<br />

horror aos meus defeitos; adoro a intransigência<br />

divina para com os meus<br />

defeitos e não posso me espantar de<br />

que Ele desate sua justiça sobre mim.<br />

Ademais, não me compete ficar raciocinando<br />

sobre isso, pois se Deus está<br />

me punindo é porque mereci; se pedi<br />

misericórdia e não obtive, foi porque,<br />

segundo as medidas da sabedoria<br />

d’Ele, não era o caso de dar.”<br />

Assim, novamente se abatia sobre<br />

mim uma provação mais atroz<br />

do que as anteriores, pois ter a ideia<br />

de que talvez eu estivesse destruindo<br />

aquilo que me propunha a defender<br />

era um sofrimento atroz.<br />

Estava eu em meio a essas provações,<br />

num período em que crises individuais<br />

internas flagelavam e causticavam<br />

a minha incipiente Obra de<br />

um modo horroroso, quando adoeci<br />

com uma crise de diabetes, provavelmente<br />

ocasionada ou agravada pelo<br />

pesar que esses casos pessoais me<br />

provocavam.<br />

A promessa da Mãe<br />

do Bom Conselho<br />

Nessas circunstâncias eu tinha lido<br />

um livro sobre a história de Nossa<br />

Senhora de Genazzano, que também<br />

me caiu nas mãos fortuitamente,<br />

e me encantara com aquilo, manifestando<br />

o desejo de obter uma estampa<br />

da Mãe do Bom Conselho.<br />

Sabendo disso, um amigo meu, em<br />

viagem pela Europa, esteve em Genazzano<br />

e me trouxe uma estampa.<br />

Eu me encontrava hospitalizado,<br />

recuperando-me de uma cirurgia,<br />

quando alguns membros do nosso<br />

Movimento vieram me visitar trazendo,<br />

já emoldurada, uma representação<br />

do milagroso afresco de Genazzano.<br />

Estampa da Mãe do Conselho no quarto de <strong>Dr</strong>. <strong>Plinio</strong><br />

Lembro-me de que ao fitá-lo, embora<br />

não houvesse milagre nem revelação,<br />

tive a impressão de que a<br />

imagem me dizia alguma coisa assim:<br />

“Meu filho, o que você deve realizar<br />

Eu estou lhe assegurando que<br />

realizará, desde que confie em Mim.”<br />

Mas isto acompanhado de um sorriso<br />

com muita bondade, muita clemência.<br />

Não contei a ninguém naquela<br />

ocasião, mas evidentemente aquilo<br />

exerceu no meu espírito uma profunda<br />

impressão que eu conservei interiormente.<br />

Pouco depois o médico foi me<br />

examinar e julgou que eu estava de<br />

tal maneira melhor que me autorizou<br />

voltar para casa. Deixei o hospital<br />

levando a estampa, é claro, com<br />

imensa veneração e desejo de tê-la<br />

junto a mim. De lá para cá conservei<br />

sempre essa imagem num móvel que<br />

fica bem em frente à minha cama.<br />

Santa Teresinha do Menino Jesus<br />

falava das preocupações e perturbações<br />

que o demônio punha durante o<br />

sono dela, compreendendo assim a razão<br />

pela qual se pedia, na hora do Ofício<br />

recitado à noite, para serem afastados<br />

os pesadelos e fantasmas noturnos.<br />

Assim também no meu caso, para<br />

irem embora os pesadelos e fantasmas<br />

noturnos, ali está o quadro. Se acontecer<br />

de algo me preocupar e eu acordar<br />

durante a noite, ascendo a luz e olho<br />

para a Mãe do Bom Conselho.<br />

Estou certo de que já teria morrido<br />

de desgosto se não fosse essa<br />

promessa de Genazzano manter-se<br />

sempre de pé. Rezemos para que essa<br />

certeza nos acompanhe até o fim.<br />

Nossa Senhora realizará aquilo que<br />

nós desejamos.<br />

v<br />

(Extraído de conferência de<br />

20/12/1983)<br />

Arquivo <strong>Revista</strong><br />

31


Luzes da Civilização Cristã<br />

Raimond Spekking (CC3.0)<br />

Obra de homens,<br />

obra de Deus<br />

A Catedral de Colônia reflete um dos aspectos mais elevados da<br />

alma católica alemã. Nela contemplamos algo que parece irreal, em<br />

parte obra do homem, em parte obra de Deus. Trata-se do senso do<br />

maravilho em busca do metafísico, convidando a altas cogitações<br />

sem se deixar levar pela fantasia, pois mesmo quando sobe às mais<br />

elevadas divagações mantém bases sólidas vincadas na realidade.<br />

Para nós que vivemos na América do Sul e não<br />

estamos habituados a considerar as belezas da<br />

cultura católica da Europa, falta-nos um certo<br />

senso do maravilhoso.<br />

Esse senso tem muita ligação com o amor a Deus, porque<br />

é por meio dele que nós podemos elevar as nossas almas<br />

ao Altíssimo, finalidade para a qual as coisas maravilhosas<br />

foram criadas.<br />

Por exemplo, uma pessoa que vê o Sol tem ocasião de<br />

louvar a Deus de uma maneira especial, e por isso São<br />

Francisco de Assis cantou o Irmão Sol. Por quê? Porque,<br />

sendo maravilhoso, o Astro-Rei eleva as almas para o<br />

Criador mais do que a consideração de um grão de poeira,<br />

que a seu modo também pode conduzi-las até Ele. O<br />

maravilhoso é a obra-prima pela qual Deus Se manifesta<br />

aos homens.<br />

Ora, o maravilhoso não se exprime apenas nos seres<br />

criados diretamente por Deus. A maior maravilha saída<br />

de suas mãos foi o homem, e as maravilhas feitas por este<br />

indicam a grandeza da obra-prima divina e, portanto,<br />

32


a grandeza de seu Artífice; de si mesmas, elas são indiretamente<br />

criaturas de Deus.<br />

Com frequência eu tenho dito que Dante chama as<br />

obras de arte humanas de netas de Deus, porque são filhas<br />

do homem, que é filho de Deus. E nós, da consideração<br />

das netas de Deus, podemos nos enlevar com esse<br />

eterno, imperecível e perpétuo avô que jamais envelhece,<br />

Deus Nosso Senhor.<br />

Uma comparação para entender<br />

as obras de arte alemãs<br />

Temos analisado muitas coisas da França, mas a Europa<br />

toda é uma maravilha, com cores, refrações e aspectos variados.<br />

E a Alemanha constitui, por si, um mundo de maravilhas.<br />

Hoje escolhi a famosa catedral gótica de Colônia, para<br />

um comentário do conjunto do espírito alemão e do<br />

modo pelo qual ele condiciona a obra de arte.<br />

Discute-se muito qual das duas catedrais é mais bela,<br />

se a de Colônia ou a de Notre-Dame de Paris.<br />

Algumas pessoas costumam colocar no páreo<br />

também Westminster, Amiens, Reims.<br />

Eu não vou discutir o caso aqui, mas a comparação<br />

com Notre-Dame é muito importante<br />

porque, quando a vemos, temos um sentimento<br />

de admiração, quase um êxtase diante<br />

de seu equilíbrio e de sua harmonia. A fachada,<br />

com todas as suas divisões e subdivisões,<br />

representa a harmonia perfeita, em que se exprime<br />

o gênio francês, que é um gênio estático,<br />

feito, como tudo o que prima pelo equilíbrio,<br />

da justaposição de valores opostos, mas reduzidos<br />

a uma admirável harmonia.<br />

O espírito alemão não é propriamente assim.<br />

O espírito católico alemão<br />

e sua deturpação<br />

a terra e muito equilibradas, porque elas não se prestam<br />

bem à expressão dos valores de caráter metafísico, e com<br />

uma tendência, por causa disso, de evasão da realidade<br />

em busca de uma realidade superior.<br />

Esse grito de alma do alemão encontra-se deteriorado<br />

– mas se encontra – não no sapato do soldado prussiano,<br />

e sim em Wagner 1 . É o metafísico que se embriagou, mas<br />

continua a fazer metafísica em meio à sua bebedeira e<br />

tem ainda uns lances de talento envenenados.<br />

Senso metafísico refletido na<br />

Catedral de Colônia<br />

Esse senso metafísico do alemão encontra-se expresso<br />

na Catedral de Colônia.<br />

A construção quase se restringe às duas torres. O corpo<br />

do edifício, que em Notre-Dame é tão grande e espraiado,<br />

em Colônia praticamente não existe. Ele consiste<br />

apenas em um hífen que une as duas torres. Estas<br />

Coldrerio (CC3.0)<br />

Para nós, o espírito alemão passa por ser o<br />

equilibrado por excelência. Ao pensarmos no<br />

equilíbrio dos alemães, imaginamos o pé de<br />

chumbo de seus soldados marchando, esmagando<br />

cabeças com um sapatão, com salto de<br />

pregos. É o passo de Átila. Não há erva que<br />

resista ao passo do soldado alemão.<br />

Entretanto, esse é o alemão protestante,<br />

“quadrado”, da decadência, não é o alemão<br />

católico. O alemão católico é muito diferente:<br />

pensativo, idealista, continuamente à procura<br />

de uma realidade invisível e metafísica<br />

– e por isso difícil de atingir –, com um certo<br />

desprezo até pelas coisas que são muito terra<br />

33


Luzes da Civilização Cristã<br />

Raimond Spekking (CC3.0)<br />

sobem vertiginosamente e estão concebidas na ideia de<br />

emular entre si e entrar pelos olhos do homem, levando<br />

seu espírito para cima. São leves e esguias, dentro do<br />

caráter sólido alemão – sobre o qual eu exporei daqui a<br />

pouco –, que não as abandona.<br />

Para verem o papel que cada uma dessas torres representa<br />

para a outra, imaginem que existisse uma torre só.<br />

Ela se perderia, ficaria meio desequilibrada, cambaia. Pelo<br />

contrário, as duas torres juntas como que se apoiam<br />

para subir. E a altura total é compensada pela base.<br />

Há um ponto invisível de equilíbrio nelas – mais uma<br />

vez eu digo: de caráter metafísico –, o qual paira nos ares<br />

e constitui o ponto de união insuspeitado das duas torres,<br />

que o espírito concebe e o olhar não percebe. À medida<br />

que sobem, as torres vão insensivelmente se afilan-<br />

do e, em certo momento, transformam-se em cones altíssimos.<br />

Por que elas se afilam? Para dar a ideia de algo que<br />

sobe.<br />

Quando o olhar recai sobre um objeto muito alto, tem-<br />

-se a ilusão de ótica de que ele vai ficando mais esguio<br />

naturalmente. Os que conceberam a Catedral de Colônia,<br />

para acentuar a ideia de elevação, foram afilando<br />

suas torres, de maneira que tudo dá a impressão de uma<br />

altura que se perde nos céus. Tanto mais que uma parte<br />

delas é oca, está formada por um rendilhado. Quem vê<br />

uma fotografia aproximada percebe fragmentos de céu<br />

através desse rendilhado. Quer dizer, trata-se de algo<br />

meio irreal, em parte do céu, em parte da terra, em parte<br />

obra do homem, em parte obra de Deus.<br />

No ponto que dá origem à cúpula final, ainda há umas<br />

pontinhas que também parecem querer acompanhar o jorro<br />

que sobe; não conseguem e morrem sobre si mesmas, mas<br />

com elegância, com distinção. Tudo é feito para ir afilando.<br />

Vê-se uma janela e um pequeno portal. Depois duas<br />

janelas que representam do mesmo modo duas ogivas e<br />

terminam numa grande ogiva, porque afinal trata-se de<br />

uma ogiva que se perde no céu.<br />

É uma concepção completamente diferente da Catedral<br />

de Notre-Dame, mas legítima e que exprime um modo<br />

de ser do espírito humano. Assim como nos extasiamos<br />

com Notre-Dame, devemos também nos rejubilar<br />

com Colônia. Deus criou os homens com características<br />

diferentes, e quer que cada um se exprima como Ele o<br />

criou e que um compreenda o outro.<br />

A fantasia do ocidental e a do oriental<br />

Há outro aspecto muito bonito. Essa catedral não tem<br />

nada do minarete. Numa mesquita mulçumana, o minarete<br />

é aquela torre fininha do alto da qual canta um muezim.<br />

Quase diríamos que o vento vai derrubá-la. Contudo,<br />

o oriental se agrada em vê-la enfrentando o vento, como<br />

um sonho que foi concebido sem base na terra.<br />

Em Colônia, ao contrário, não há a fantasia do<br />

Oriente. A catedral representa a fantasia do ocidental,<br />

muito diferente. Trata-se de algo sólido, de um mundo<br />

de pedras, de uma base muito forte. As torres, possantes,<br />

estão cravadas no chão até o momento em que se<br />

separam.<br />

Assim age o ocidental, em particular o alemão, que é<br />

verdadeiramente sólido: mesmo quando sobe às mais altas<br />

divagações, tem os pés na realidade.<br />

Aqui está algo do espírito católico quando sopra em<br />

uma alma alemã. Tirem a Religião Católica, e o alemão<br />

jamais dará nisso. Quer dizer, todos fomos concebidos<br />

no pecado original e nós, menos a graça, somos iguais a<br />

nada. Dessa equação ninguém escapa.<br />

34


Weltenbummler1983 (CC3.0)<br />

A arte ogival explorada de modo ideal<br />

O gênio da Idade Média se exprime em todas essas<br />

belezas, e a ogiva fininha se presta exatamente para isto.<br />

Tem-se então a arte ogival explorada num sentido idealístico,<br />

por assim dizer, como não se encontra em Notre-<br />

-Dame. É algo completamente diferente.<br />

Seria preciso contemplar a beleza da catedral in loco,<br />

com aves levantando voo de dentro das torres e os sinos<br />

tocando. Tem-se a impressão de que são pensamentos<br />

contidos na torre, os quais se desprendem e voam pelo<br />

céu azul. É de uma grandeza enorme! v<br />

(Extraído de conferência de 10/6/1968)<br />

1) Wilhelm Richard Wagner (*1813 - †1883). Maestro, compositor,<br />

diretor de teatro e ensaísta alemão.<br />

35


Flávio Lourenço<br />

A Imaculada com a Santíssima Trindade<br />

Museu de Arte Religiosa de Santa<br />

Mônica, Puebla, México<br />

Modelo para os contrarrevolucionários<br />

Por ter sido concebida sem pecado original, a Santíssima Virgem realmente pisa a cabeça do demônio. Há, portanto,<br />

um profundo sentido teológico no fato de se representar a Imaculada Conceição calcando a serpente.<br />

Imaculada Conceição! Eis a invocação propícia para os contrarrevolucionários. O modelo para estes é<br />

Maria Santíssima que, ao contrário de Eva, não conversa com a serpente e, ademais, esmaga-lhe constantemente a<br />

cabeça. Devemos pedir a Nossa Senhora da Imaculada Conceição tal atitude de espírito.<br />

Que outra coisa é o calcanhar da Virgem senão os filhos que Ela suscitou para seu serviço, humildes, desapegados de<br />

honras e glórias mundanas, unicamente desejosos de se tornarem instrumentos d’Ela para esmagar a Revolução? Nisso<br />

deve consistir nosso maior anelo: sermos células vivas do glorioso calcanhar da Santíssima Virgem, a cuja pressão nada<br />

tem resistido ao longo da História!<br />

(Extraído de conferências de 3/12/1964 e 31/1/1989)

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