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Conta-se que, antes das batalhas, eles passavam a noite<br />
no alto das montanhas bebendo e cantando para se adestrarem<br />
para o combate. Ao amanhecer, desciam em hordas<br />
silvando, uivando como bichos, com uma parte do corpo<br />
nua e toda pintada, tendo amarrados por cima da cabeça<br />
crânios de animais. Era o uso da força no que ela tem de<br />
mais hediondo e brutal. Enquanto os homens desciam as<br />
encostas da montanha, as mulheres ficavam em cima, bebendo<br />
e cantando canções guerreiras para estimulá-los.<br />
Os funcionários do Império Romano fugiam todos para o<br />
Sul, onde os bárbaros ainda não tinham chegado. Havia, entretanto,<br />
quem não fugisse: a Santa Igreja Católica Apostólica<br />
Romana. Os padres e os bispos permaneceram em meio<br />
à barbárie e começaram a converter os bárbaros nos quais,<br />
após várias gerações de gente batizada, entrou a doçura de<br />
Nosso Senhor Jesus Cristo. Desses bárbaros batizados nasceram<br />
os cavaleiros, herdeiros daquela força, daquele senso<br />
da luta, daquele gosto pelo combate e pela aventura que,<br />
quando bem entendidos, devem caracterizar o homem.<br />
Por outro lado, uma vez convertidos, esses guerreiros se<br />
tornaram verdadeiros artesãos da paz porque não empregavam<br />
a força para fazer mal, mas a fim de se defenderem<br />
do mal que os outros iam lhes fazer. E se promove a paz<br />
quem não faz mal a ninguém, também é um promotor da<br />
paz aquele que defende a ordem por meio da força, se necessário<br />
for. Pois se, como vimos, a paz é a tranquilidade<br />
da ordem, quando alguém luta para restabelecer a ordem e<br />
a tranquilidade está defendendo a paz. Assim, quando em<br />
seus castelos eles defendiam as suas populações, suas riquezas<br />
honestamente acumuladas e, sobretudo, o Santíssimo<br />
Sacramento, agiam enquanto guerreiros da paz.<br />
Sendo a paz um bem, deve ser amada com amor maior<br />
do que a paixão desregrada com que o celerado se entrega<br />
ao mal; eles precisariam ser ardentíssimos defensores<br />
da paz, guerreiros mais ferozes no combate pelo bem<br />
do que os outros eram na luta pelo mal.<br />
O perfil moral do cavaleiro...<br />
Vai surgindo, assim, a figura do cavaleiro: um guerreiro<br />
tremendo, que metia medo no adversário, mas sem ódio<br />
individual. O verdadeiro cavaleiro católico não podia matar<br />
por ódio pessoal. São Bernardo diz na regra dos Templários,<br />
da qual ele foi o autor, que o cavaleiro deve ser sereno<br />
e sem ódio individual, sem nenhuma dessas paixões<br />
que degradam tanto o homem quando ele fica com os furores<br />
do egoísmo; mas precisa ser terrível para fazer prevalecer<br />
a ordem que o Criador quer na Terra, os direitos<br />
de Deus contestados.<br />
Por isso o cavaleiro, terror dos maus, é um encanto dos<br />
bons. Termina a batalha, o cavaleiro volta para o seu castelo,<br />
sua presença é a alegria de todos, porque ele afaga, é<br />
bom, não é vaidoso, recebe as homenagens que lhe são devidas,<br />
mas tem gosto de exaltar o valor dos outros: “Aquele<br />
combateu muito bem... Fulano, você foi um herói, eu lhe<br />
dou um título e tal parte de minhas terras...” Recompensas<br />
aceitas pelos outros, não por egoísmo, mas por encantamento.<br />
“Como é bom o senhor! Como ele é generoso!<br />
Como é grande! Que encanto sua presença no castelo! Lá<br />
fora ele era o terror, aqui é a flor do castelo!”<br />
Então aparece outro lado do cavaleiro: herói por amor a<br />
Deus, piedoso antes de tudo. Acaba a batalha, ele entra na<br />
capela do castelo, ajoelha-se e dá graças por ter escapado<br />
ileso. Agradece, sobretudo, por ter conseguido afugentar o<br />
bárbaro ou o maometano e levar à vitória os fiéis, fazendo<br />
brilhar a glória de Deus sobre o adversário. Diante de uma<br />
imagem de Nossa Senhora, ele reza especialmente agrade-<br />
Samuel Holanda<br />
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