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Absolutamente falando, a necessidade do pulchrum<br />
não é como a do ar, sem o qual a pessoa morre, mas é a<br />
que conduz a uma situação quase intermediária entre o<br />
estar vivo e o estar morto.<br />
No campo doutrinário, há aqueles que, ao ensinarem<br />
o tomismo, embora não afirmem claramente, insinuam<br />
que para compreender bem o pensamento de São<br />
Tomás é preciso afastar o pulchrum de qualquer cogitação<br />
e pôr-se numa atitude onde só joga o raciocínio. Isso<br />
é completamente falso e antitomista.<br />
Tudo o que é verdadeiramente<br />
belo favorece a virtude<br />
O trecho sobre Maria Antonieta, do historiador inglês<br />
Edmund Burke que tivemos ocasião de comentar 1 , tem uma<br />
beleza inegável. Porém, trata-se de um pulchrum moral.<br />
Tudo aquilo que é autenticamente belo, de si, favorece a<br />
virtude. Não me refiro, é claro, a uma obra de arte esteticamente<br />
bonita, mas imoral, a qual em seus detalhes poderá<br />
despertar lubricidade. Essa é uma outra questão. Mas<br />
se uma obra de arte é verdadeiramente bela, ela desperta a<br />
pureza, porque a inocência se compraz com a beleza.<br />
O pulchrum moral da Contra-Revolução está no fato<br />
de que tudo quanto ela diz e quer, os caminhos por ela<br />
trilhados têm um aspecto de beleza, do contrário não seria<br />
Contra-Revolução. Entretanto, a natureza dessa beleza<br />
varia muito. Por exemplo, Godofredo de Bouillon<br />
galgando as muralhas de Jerusalém, tomando conta da<br />
cidade e dirigindo-se ao Santo Sepulcro, seguido por<br />
seus guerreiros, tem uma beleza de arrepiar. É uma ação<br />
de caráter religioso-moral, tanto mais moral quanto é<br />
religiosa, e possui um pulchrum<br />
duplo: é a beleza do<br />
estabelecimento de uma ordem<br />
e da destruição da desordem<br />
que se opunha a essa<br />
ordem.<br />
Na Idade Média, o pulchrum<br />
não era tomado apenas<br />
em uma determinada<br />
linha. Explico-me tomando<br />
como exemplo um nome<br />
que exprime uma certa ideia<br />
de pulchrum moral: Ricardo<br />
Coração de Leão. Refiro-<br />
-me exclusivamente ao nome,<br />
pois o personagem não<br />
valia nada. O rugido do leão<br />
tem sua majestade, sua beleza.<br />
Um homem que se chama<br />
Coração de Leão dá a<br />
entender que ele quer ter essa coragem. E como ele era ligado<br />
ainda ao ambiente medieval, pensa-se num homem<br />
da Idade Média que tem coração de leão. Ora, fica muito<br />
bonito para um medieval ter coração de leão.<br />
Mas o pulchrum medieval não consistia apenas em tomar<br />
um conceito assim – homem com coração de leão<br />
–, mas em uma ideia sintética da colaboração de todas<br />
as belezas para a constituição de uma resultante da soma<br />
de todos as pulcritudes, a fim de causarem ao mesmo<br />
tempo uma impressão única que seria quase uma visão<br />
sensível do belo enquanto belo, de uma beleza metafísica.<br />
É propriamente o que medieval procurava, por exemplo,<br />
com aqueles vitrais da Sainte-Chapelle. Aquilo é uma<br />
sinfonia de cores onde cada nota tem seu efeito para produzir<br />
não apenas um bonito lilás ou vermelho em tal caquinho<br />
de vidro; isso existe e teríamos vontade de mandar<br />
fazer uma capela só com tons daquele vermelho ou<br />
daquele lilás. Porém o que fica no espírito humano de<br />
ideia e de sensação viva do pulchrum é o que decorre da<br />
coexistência e da coordenação de tudo isso junto.<br />
Engana-se, portanto, quem pensa que são os vitrais o<br />
que há de mais bonito na Sainte-Chapelle. O mais belo é<br />
uma espécie de arquicor aparentemente incolor ali existente,<br />
como se estivéssemos num líquido composto de todas<br />
aquelas cores ao mesmo tempo. É o sublime da beleza<br />
da Sainte-Chapelle.<br />
Ordem grandiosa que apontava<br />
para o Reino de Maria<br />
Em geral, a Idade Média tendia para sínteses gigantescas<br />
dessa natureza, em que pulcritudes de vários ti-<br />
Batalha de Ascalon na qual um dos líderes foi Godofredo de Bouillon<br />
Gustav Dore. (CC3.0)<br />
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