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2020_Luzes-ApostoloPulchrum

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Absolutamente falando, a necessidade do pulchrum<br />

não é como a do ar, sem o qual a pessoa morre, mas é a<br />

que conduz a uma situação quase intermediária entre o<br />

estar vivo e o estar morto.<br />

No campo doutrinário, há aqueles que, ao ensinarem<br />

o tomismo, embora não afirmem claramente, insinuam<br />

que para compreender bem o pensamento de São<br />

Tomás é preciso afastar o pulchrum de qualquer cogitação<br />

e pôr-se numa atitude onde só joga o raciocínio. Isso<br />

é completamente falso e antitomista.<br />

Tudo o que é verdadeiramente<br />

belo favorece a virtude<br />

O trecho sobre Maria Antonieta, do historiador inglês<br />

Edmund Burke que tivemos ocasião de comentar 1 , tem uma<br />

beleza inegável. Porém, trata-se de um pulchrum moral.<br />

Tudo aquilo que é autenticamente belo, de si, favorece a<br />

virtude. Não me refiro, é claro, a uma obra de arte esteticamente<br />

bonita, mas imoral, a qual em seus detalhes poderá<br />

despertar lubricidade. Essa é uma outra questão. Mas<br />

se uma obra de arte é verdadeiramente bela, ela desperta a<br />

pureza, porque a inocência se compraz com a beleza.<br />

O pulchrum moral da Contra-Revolução está no fato<br />

de que tudo quanto ela diz e quer, os caminhos por ela<br />

trilhados têm um aspecto de beleza, do contrário não seria<br />

Contra-Revolução. Entretanto, a natureza dessa beleza<br />

varia muito. Por exemplo, Godofredo de Bouillon<br />

galgando as muralhas de Jerusalém, tomando conta da<br />

cidade e dirigindo-se ao Santo Sepulcro, seguido por<br />

seus guerreiros, tem uma beleza de arrepiar. É uma ação<br />

de caráter religioso-moral, tanto mais moral quanto é<br />

religiosa, e possui um pulchrum<br />

duplo: é a beleza do<br />

estabelecimento de uma ordem<br />

e da destruição da desordem<br />

que se opunha a essa<br />

ordem.<br />

Na Idade Média, o pulchrum<br />

não era tomado apenas<br />

em uma determinada<br />

linha. Explico-me tomando<br />

como exemplo um nome<br />

que exprime uma certa ideia<br />

de pulchrum moral: Ricardo<br />

Coração de Leão. Refiro-<br />

-me exclusivamente ao nome,<br />

pois o personagem não<br />

valia nada. O rugido do leão<br />

tem sua majestade, sua beleza.<br />

Um homem que se chama<br />

Coração de Leão dá a<br />

entender que ele quer ter essa coragem. E como ele era ligado<br />

ainda ao ambiente medieval, pensa-se num homem<br />

da Idade Média que tem coração de leão. Ora, fica muito<br />

bonito para um medieval ter coração de leão.<br />

Mas o pulchrum medieval não consistia apenas em tomar<br />

um conceito assim – homem com coração de leão<br />

–, mas em uma ideia sintética da colaboração de todas<br />

as belezas para a constituição de uma resultante da soma<br />

de todos as pulcritudes, a fim de causarem ao mesmo<br />

tempo uma impressão única que seria quase uma visão<br />

sensível do belo enquanto belo, de uma beleza metafísica.<br />

É propriamente o que medieval procurava, por exemplo,<br />

com aqueles vitrais da Sainte-Chapelle. Aquilo é uma<br />

sinfonia de cores onde cada nota tem seu efeito para produzir<br />

não apenas um bonito lilás ou vermelho em tal caquinho<br />

de vidro; isso existe e teríamos vontade de mandar<br />

fazer uma capela só com tons daquele vermelho ou<br />

daquele lilás. Porém o que fica no espírito humano de<br />

ideia e de sensação viva do pulchrum é o que decorre da<br />

coexistência e da coordenação de tudo isso junto.<br />

Engana-se, portanto, quem pensa que são os vitrais o<br />

que há de mais bonito na Sainte-Chapelle. O mais belo é<br />

uma espécie de arquicor aparentemente incolor ali existente,<br />

como se estivéssemos num líquido composto de todas<br />

aquelas cores ao mesmo tempo. É o sublime da beleza<br />

da Sainte-Chapelle.<br />

Ordem grandiosa que apontava<br />

para o Reino de Maria<br />

Em geral, a Idade Média tendia para sínteses gigantescas<br />

dessa natureza, em que pulcritudes de vários ti-<br />

Batalha de Ascalon na qual um dos líderes foi Godofredo de Bouillon<br />

Gustav Dore. (CC3.0)<br />

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