COMUNICAÇÕES 242 - Paulo Portas: pelo digital é que vamos
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a conversa<br />
20<br />
carmos com uma economia cada vez mais dependente<br />
de sanções. Agora só estamos atentos à Rússia, mas o<br />
mundo está cheio de sanções, embora estas devessem<br />
ser o último recurso. Economias com muitas sanções<br />
e economias com muitos sistemas de blocos são mais<br />
ineficientes, como <strong>é</strong> óbvio. O <strong>que</strong> a OMC diz <strong>é</strong> <strong>que</strong>, no<br />
caminho para 2040, a economia mundial pode perder<br />
5% da sua ri<strong>que</strong>za se for compartimentada em blocos,<br />
outra vez. Estamos na saída da pandemia, com um<br />
problema muito s<strong>é</strong>rio nas cadeias de fornecimento,<br />
por<strong>que</strong> o mundo não está todo aberto nem todo fechado<br />
ao mesmo tempo, e pensando em particular no<br />
nosso país, isso leva-me a uma reflexão: Portugal está<br />
a fazer um caminho na internacionalização da sua<br />
economia. Nos períodos mais difíceis, as exportações<br />
foram, provavelmente, a<br />
maior alavanca do crescimento.<br />
E nós precisamos<br />
de fazer um caminho <strong>que</strong><br />
ainda não terminou, estamos<br />
à volta dos 42% de<br />
exportações no PIB. Precisamos<br />
de com<strong>é</strong>rcio aberto.<br />
A Rússia, <strong>que</strong> se tinha<br />
especializado de forma<br />
demasiado agressiva<br />
em cibercrime muito<br />
orientado, neste momento<br />
está a perder, de forma<br />
avassaladora, a batalha<br />
em termos digitais<br />
Mas antes mesmo da<br />
guerra, a pandemia levou<br />
à reflexão de <strong>que</strong> o mundo<br />
talvez ganhasse com um<br />
abrandamento da globalização.<br />
Começou a falar-se<br />
nisso…<br />
Eu talvez ache mais produtivo<br />
pensar <strong>que</strong> não <strong>é</strong><br />
possível ter este nível de globalização económica sem<br />
ter um mínimo de sistema internacional de gestão de<br />
crises. Não <strong>é</strong> possível ter este nível de interdependência<br />
económica e depois não ter nenhuma esp<strong>é</strong>cie de<br />
globalização política, no sentido em <strong>que</strong> as organizações<br />
internacionais estão completamente desajustadas.<br />
Se olharmos para as Nações Unidas, a culpa não <strong>é</strong><br />
do secretário-geral. Na ONU, olhamos para o Conselho<br />
de Segurança e aquilo <strong>é</strong> uma fotografia de 1946. Os cinco<br />
países <strong>que</strong> têm direito de veto são os cinco países<br />
<strong>que</strong> foram os vencedores da Segunda Guerra Mundial,<br />
só <strong>que</strong> estamos em 2022. Não está lá a Índia? Não está<br />
lá o Brasil, <strong>que</strong> <strong>é</strong> quase um continente? Não está lá a<br />
Alemanha, <strong>que</strong> <strong>é</strong> a economia mais importante da Europa?<br />
Há um grande desajustamento das organizações<br />
internacionais face às circunstâncias. Eu diria <strong>que</strong> sou<br />
favorável à globalização, não de uma forma fundamentalista,<br />
mas como princípio geral de prosperidade das<br />
nações.<br />
Mas depois da guerra acha <strong>que</strong> vai ser viável?<br />
Sim, por<strong>que</strong> esta guerra <strong>é</strong> uma guerra de expansão e de<br />
conquista, não <strong>é</strong> uma guerra <strong>que</strong> tem consequências<br />
sobre a interrupção dos fluxos económicos. Não <strong>é</strong> uma<br />
guerra <strong>que</strong> tenha a ver diretamente com a <strong>que</strong>stão da<br />
globalização. Pode <strong>é</strong> ter efeitos nela.<br />
Vamos ficar com uma guerra fria parte dois?<br />
Atenção <strong>que</strong> foi na guerra fria <strong>que</strong> a Europa se desenvolveu.<br />
A Europa saiu do chão, das ruínas, da mis<strong>é</strong>ria<br />
nalguns casos, para o seu mais extraordinário período<br />
de prosperidade. As pessoas não dão valor ao <strong>que</strong> têm.<br />
A Europa tem muitos defeitos,<br />
mas tem a maior<br />
qualidade de vida do mundo<br />
e isso eu não deitava<br />
fora… E não tem qualidade<br />
de vida por ser fechada,<br />
tem qualidade de vida por<br />
ser aberta. O <strong>que</strong> <strong>é</strong> preciso<br />
<strong>é</strong> ter maior governança política<br />
da globalização, isso<br />
<strong>é</strong> <strong>que</strong> me parece evidente.<br />
Da forma como as coisas<br />
estão, se tivermos à nossa<br />
frente uma crise climática,<br />
por exemplo, repetiremos<br />
os mesmos defeitos<br />
de não ter os grandes<br />
blocos a cooperar. Sempre<br />
achei <strong>que</strong> a prevalência do com<strong>é</strong>rcio e das economias<br />
abertas era um grande auxiliar da paz, por<strong>que</strong> quando<br />
<strong>que</strong>remos vender e comprar, temos de dialogar e isso<br />
ajuda muito a diminuir as tensões. Objetivamente, a<br />
globalização tirou quase mil milhões de pessoas da pobreza<br />
extrema, precisamente por<strong>que</strong> abriu oportunidades.<br />
Os principais beneficiários não estão na Europa<br />
ocidental – temos de deixar de pensar <strong>que</strong> o mundo<br />
<strong>é</strong> o nosso jardim. O mundo, antes da pandemia e da<br />
guerra, já tinha feito uma migração para a Ásia. E, neste<br />
momento, 47% do crescimento global está na Ásia.<br />
Portanto, o mundo acabará por se reorganizar em<br />
modo de business as usual…<br />
Não “as usual”. Eu dou um exemplo, <strong>que</strong> curiosamente<br />
nasce da indústria: todos percebemos <strong>que</strong> quando a<br />
Europa e os Estados Unidos só produzem 20% dos chips