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enunciado usado para desculpar condutas tidas como masculinas e imutáveis, muitas vezes
violentas e não saudáveis, chegando até mesmo a infantilizar homens adultos, minimizando
atitudes como falta de maturidade. Essa naturalização comportamental como algo violento, viril
e imutável perpetua uma formação discursiva dominante. A noção de formação discursiva, a
qual abordaremos mais adiante, é fundamental para o entendimento desses processos pois
ancora essa conduta em processo histórico de naturalização, ditando o que pode ou não ser dito
da perspectiva “cisheteropatriarcal branca e de base europeia” (AKOTIRENE, 2019, p. 11).
Retomando o caso, em outubro de 1999, a roteirista foi demitida por baixa
performance no trabalho. Os chefes alegavam que ela digitava muito devagar. Na reunião de
demissão, foi advertida para “não causar problemas” pelo desligamento para que não fosse
enterrada e nunca mais trabalhasse no ramo. Apesar da ameaça, Lyle fez uma reclamação
formal ao departamento de RH, que nunca foi investigada. Posteriormente, moveu um processo
judicial contra a Warner Brothers e perdeu, sendo alegada necessidade criativa como decisão.
É esse o motivo pelo qual a manchete da reportagem é “processo judicial atrasa #metoo em
anos”. Com o precedente legal, necessidade criativa passou a ser a arma de advogados de defesa
em casos de assédio no ambiente de trabalho, praticamente garantindo causa ganha. Temos aqui
uma filiação a uma rede de memória que evoca e sustenta a ideia de que homens têm
“necessidades sexuais” que precisam não só ser toleradas, mas protegidas. “É da natureza do
homem” trair, abusar, ser violento, ser possessivo, ser dominante, ser superior, enunciados que
evocam essa rede de memória. Safiotti postula a construção social dessa filiação:
Potencialmente, todo homem é violento à medida que é incentivado, cotidianamente
a ser valente, a mostrar que é macho, masculinidade sendo sinônimo de transformação
da agressividade em agressão. [...] Ademais, a violência não existe apenas como fato
concreto, mas também como ameaça (SAFIOTTI, 1994, p. 460).
Segundo a reportagem, quando as primeiras acusações contra Weinstein
começaram a surgir, não houve muita esperança da parte da roteirista, mas, após atrizes
consagradas começarem a se envolver, Lyle conta que pensou “uau, isso não vai desaparecer”.
Para Amaani, o Movimento #metoo trouxe importantes mudanças e permitiu que mulheres não
se silenciassem ou fossem silenciadas e pudessem lutar por seus direitos e empregos, não
precisando se calar frente a assédios, abusos e outros tipos de crime. Ela acredita que, apesar
de não crer que a indústria tenha mudado, ainda assim há maneiras diferentes de comportamento
uma vez que o mundo todo pode estar observando o que antes era privado.
Os 18 anos que separam a história de Amaani Lyle e o tweet de Alyssa Milano,
responsável por internacionalizar a #metoo, são significativos do ponto de vista analítico, pois