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A teoria do parceiro
Devemos a Descartes o Deus dos filósofos. Foi ele que o pôs no
mundo, ajudado pela teologia, que muito fez para calar a boca de Deus.
Isso, porém, só se realizou plenamente com Descartes. O Deus para a
ciência. O Deus deduzido, logicamente deduzido.
Este Deus, o parceiro-Deus, nada tem a ver com o Deus do texto,
o Deus escrutado pelo significante bíblico. O Deus do texto bíblico é
um Deus atormentado, mentiroso e atormentador, caprichoso e furibundo,
irritado, que prega peças incríveis à humanidade, como a invenção
de delegar seu filho para saber o que se fará dele e como ele próprio
aguentará o tranco. Pascal e Kierkegaard se relacionavam com o Deus
de Abraão, Isaac e Jacob, e isso era completamente diferente. Ter um
parceiro como esse para jogar a partida não traz de forma alguma quietude,
mas sobretudo temor e tremor.
Há um diferença entre esses dois Deuses-parceiros: esse último
dese_ia, o Deus da ciência não.
O primeiro capitulo da teoria do parceiro concerne ao parceiro
Deus, bifacial.
O parceiro-psicanalista desejo
O segundo capítulo poderia ser a psicanálise, dado que o sujeito nela
busca e - espera-se - nela encontra um novo parceiro, o psicanalista.
Com quem se parece o parceiro-psicanalista, o parceiro-Deus ciência
ou o parceiro-Deus desejo? Com os dois. De um lado, há o analistaciência.
Procura-se o analista medalhão, bastante confiável, nada caprichoso,
inalterável, ou ao menos que não se mexa muito. Lacan chegava
a imajar essa parceria comparando o analista com o morto na partida de
bridge, o que convidaria, o analista a sustentar uma posição cadaverizada,
reduzindo sua presença a uma função do jogo e tendendo a confundir-se
com o sujeito suposto saber.
Na outra face, porém, há o analista-desejo. Mesmo se o seu silên
-:io é divino, sua função comporta que ele fale ao menos de vez em
quando, o que chamamos de interpretação. Isso conduz o sujeito a interpretar
os ditos do analista. Desde o momento que o analista fala e se
o interpreta, seu desejo entra no jogo. Não nos recusamos de fazer do
desejo do analista uma função da partida jogada na análise.
Assim, se nos fizermos a questão de saber se o analista lembra o
parceiro-Deus ciência ou o parceiro-Deus desejo, somos forçados a concluir
que ele lembra os dois.
O que nos obriga a compará-lo com o parceiro divino? Sem dúvida
é mais razoável compará-lo com o parceiro na vida, o parceiro vitaL
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