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Jacques-Alain Miller - A teoria do parceiro-2

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A teoria do p;irceiro

ao cogito cartesiano aiterado, modificado, reescrito por ele. A teoria do

sujeito foi estabelecida para permitir a comunicação entre o ensino de

Lacan e as filosofias, cm particular, a filosofia cartesiana, os filósofos

JJÓs-cartesianos, sobretudo a filosofia crítica de Kant, de Fichte e a

fenomenologia de Husserl.

Esta tentativa, obviamente datada, não provoca de minha parte

qualquer repúdio, mas sim um complemento. A teoria do parceiro é o

complemento à teoria do sujeito.

O parceiro-Deus, bifacial

Aliás, o próprio cogito cartesiano "Penso, logo sou" possui um parceiro.

Isto não é absolutamente um solipsismo. Há um parceiro no jogo da

7erdade.

Que parceiro é esse? Em primeiro lugar, muito simplesmente,

:;eus próprios pensamemos, ou seja, o seu pnmeiro parceiro é seu pró­

;1rio "eu penso". Mas dizê-lo, todavia, já é dizer demasiado porque ele

i1áo pode isolar o seu "eu penso" de seus pensamentos, a não ser que ele

cesse de se confundir com seus pensamentos, cessando pura e simplesmente

de pensar os pensamentos que tem.

E quando ele cessa de se confundir com os pensamentos que tem?

~uando ele se interroga a respeito de seus pensamentos. É evidente que

-:i.uando ele o faz, ele se distingue deles . Ele se interroga - que idéia! -

a ponto de saber se eles são verdadeiros, e até mesmo de saber como

saber se eles são verdadeiros ou não. Isso basta para pôr minhocas em

sua cabeça, cm seus pensamentos. A questão da verdade introduz as

minhocas - questão da verdade que, em Descartes, não se distingue da

questão da referência, já que se trata de saber se o pensamento, em

nossos termos, toca ou não o real.

Logo, logo a questão da verdade faz surgir a instância da mentira

sob as versões de um Outro que engana. Eis o parceiro que então surge

para Descartes: um outro imaginário, fictício, um Outro que engana,

que lhe põe essas minhocas na cabeça. É com esse Outro que ele joga

sua parti da. Meditações, de Descartes, é o nome da partida jogada com

o Outro que engana, um Outro cujos pensamentos de Descartes seria1n

1penas produções ilusórias, que ele emite para desviá-lo.

De saída, a partida jogada com o Outro enganador parece perdida,

necessariamente perdida, já que o sujeito concede onipotência ao Outro

- "você pode tudo" - portanto a potência de enganá-lo em todos os seus

pensamentos, mesmo os que lhe parecem os mais seguros. Uma partida

desigual, radicalmente desigual. O Outro enganador logo o despoja,

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