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Jacques-Alain Miller - A teoria do parceiro-2

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A teoria do parceiro

A pulsão, fundamento da relação com o outro

Enfatizei que o sintoma é constituído de duas partes: seu núcleo de

gozo, que dizemos pulsional e que mergulha suas raízes no corpo próprio,

e seu envelope formal, por meio do qual ele depende do campo do

Outro, que abarca a dimensão dita de civilização. Logo corrigi este

esboço uma vez que a pulsão só conclui seu arco de gozo passando pelo

Outro, já que é no Outro que reside o que aproximamos com a expressão

de objeto perdido. É preciso que a pulsão gire em torno desse obíeto

para fechar seu percurso, a castração sendo a encenação dessa necessidade

em que o objeto perdido aparece como o objeto que pode ser

capturado.

Pensemos, por exemplo, na corrida de bigas do circo romano e na

baliza que era necessário atingir para poder ret0rnar. O que materializa

essa baliza tem pouca importância. Indiferença do objeto da pulsão!

Para que esse percurso da pulsão, de certa forma auto-erótico, se realize,

é preciso a intervenção de um objeto que está no campo do Outro.

Oi.to de outra forma, não há o Um disjunto do Outro.

Esse esquema implica uma interseção. Conhecemos, de forma

evidente, essa interseção no nível do significante em que o Um é o

sujeito, e em que aprendemos a repetir, com Lacan, que o significante

é aquele do Outro, reconhecido como o lugar dos códigos ou o tesouro

dos significantes. É a interseção significante, a nós enfaticamente

apresentada no famoso grafo de Lacan, o que ficou gravado em nossas

mentes.

Aliás, o Outro em questão não é apenas o do significante, mas

também o do significado. Dado que este esquema indica que o Outro

decide quanto à verdade da mensagem, por sua pontuação, ele também

decide quanto ao significado. Eis por que tal interseção no nível do

significante apresentou-se inicialmente no ensino de Lacan como comunicação.

A função clínica aqui evidenciada é a que Lacan chamou de '"o

desejo", como vetor que parte do Outro. A fórmula do desejo é uma

encarnação clínica da interseção entre o Um e o Outro. A segunda interseção,

a libidinal, no nível do gozo, escapa mais ainda.

Anunciamos a interseção significante a partir do esquema lacaniano

da comunicação, porém a interseção no nível do gozo é mais secreta

ainda. O próprio Lacan opôs desejo e gozo, afirmando: "o desejo é do

Outro, mas o gozo é da Coisa", como se de fato o gozo permanecesse

do lado do Um e se baseasse na evidência de que o lugar do gozo é o

corpo próprio.

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