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Jacques-Alain Miller - A teoria do parceiro-2

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A teoria do parceiro

O que é a sexualidade? O que é o Outro sexual, se o parceiro

essencial do sujeito é o objeto a, isto é, algo de seu gozo? Na época em

que Lacan nos apresentava o esquema, ele dizia que "a sexualidade é

representada no inconsciente pela pulsão". AJgum tempo se fez necessário

para que ele percebesse que a pulsão não representa a sexualidade.

Ela não a representa como relação com o Outro sexual. Ao contrário,

ela a reduz à relação com objeto a. Que conseqüências podem ser

extraídas dessa frase de Lacan? Ora, se a sexualidade só é representada

no inconsciente pela pulsão, isto quer dizer que ela não é representada.

Ela é representada por outra coisa, ela é uma representação não

representativa.

Lacan formulou de modo fulgurante a conseqüência dessa não

representação com o "não há relação sexual", o que significa dizer que

o parceiro essencial do sujeito é o objeto a, alguma coisa de seu gozo,

seu mais-de-gozar. Dito de outro modo, a invenção lacaniana do objeto a

quer dizer que não há relação sexual.

O parceiro do sujeito não é o Outro sexual. A relação sexual não

está escrita. O que isso quer dizer, essa fórmula é verdadeiro ou falsa?

Não se trata de dizer que ela é falsa, mas sim que ela não está no real.

Ela está ausente, o que justifica, dá lugar à contingência, ou seja, demonstra

a necessidade da contingência no que poderíamos chamar de

"a história sexual do sujeito", a narração de seus encontros. Em uma

palavra, isso explica que só há encontros, o que Lacan descobrira ao

isolar a função do significante.

Como a mais simples etimologia o mostra, o significante porta

consigo o arbitrário. A derivação do sentido das palavras que utilizamos

não está escrita como necessária em nenhum lugar. São sempre de encontros,

cada palavra é um encontro, a incidência de cada uma delas no

desenvolvimento erótico do sujeito está marcada por essa contingência,

o que representamos sob a forma do traumatismo: sempre um encontro,

sempre uma má surpresa. A história vivida como história é aquela

das más surpresas que tivemos. Como Lacan o disse, muito antes de

chegar à não-relação sexual: "[ ... J é pela marca de arbítrariedade própria

à letra que se explica a extraordinária contingência dos acidentes

que dão ao inconsciente sua verdadeira aparência" {Lacan, "A psicanálise

e seu ensino").

Uma análise só faz valorizar, destacar essa extraordinária contingência.

Chamamos de ••o inconsciente" as conseqüências dessa extraordinária

contingência, ou seja, é a própria contingência que a instância

do significante como tal imprime no inconsciente.

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