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Jacques-Alain Miller - A teoria do parceiro-2

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A teoria do parceiro

siva da neurose. Dessa partida o sujeito sempre sai perdedor. Ele só sai

às próprias custas.

Em seguida, como afirmamos acima, Lacan introduziu um outro

parceiro que não a imagem, o parceiro simbólico, a partir da idéia de

que a clínica como patologia se enraíza nos impasses da partida imaginária,

impasses que exigem tomar a análise como partida simbólica.

Supõe-se que essa partida simbólica ocasione o passe, isto é, uma saída

exitosa para o sujeito.

A conversão de agalma em palea

Na perspectiva que escolho sobre a elaboração de Lacan a partir dos

termos partida e parceiro, a análise deveria ser uma partida exitosa para

o sujeito, o meio de ganhar a partida que ele perde no imaginário, e que

constitui precisamente sua clínica. Daí o paradoxo da posição do analista

como parceiro que, no sentido que Lacan lhe dá, é suposto jogar a

partida simbólica para perdê-la. Como analista, ele só pode ganhar a

partida sob a condição de perdê-la e de fazer o parceiro-sujeito ganhála.

Sem dúvida a posição do analista comporta uma dimensão de abnegação.

O que Lacan chama de "a formação do analista" se enraíza neste

ponto: aprender a perder a partida que joga com o sujeito, de modo que

o ganho seja do sujeito.

Talvez seja possível evocar, tal como presenciei, um fim de análise

em sua rusticidade, sua ingenuidade, sua brutalidade, como diz Lacan,

que valoriza o que isso comporta de ganho para o sujeito e de um

certo desarvoramento correlato para o analista. Eis que ao fim de uma

longa trajetória analítica o sujeito sonha que algo que só pode ser

designado como porcaria sai de sua perna, de cor negra, a cor própria,

dizem as associações, a um objeto do consultório do analista. Algum

tempo depois, eis que o sujeito enuncia, com temor e tremor, que

"ele é um porco". Desse modo, ele faz recair sobre o analista a máscara

do lobo que de fato se saciara com esse porco - ele próprio

muito ativo do ponto de vista oral - durante anos. Algum tempo

depois, esse sujeito, até então dócil, respeitoso, admirador do analista,

termina por lhe dar uma flechada de Parthe 3 : "Você é um pentelho".

J N. do T No original: Flêche du Parthe, expressão erudita de meados do século

XIX que evoca a astúcia guerreira dos Pártias, que simulavam fugir para surpreender

o inimigo com flechadas atiradas de costas por sobre os próprios ombros;

por extensão, expressão usada para designar ataque ou ironia dirigida a alguém

no final da conveua ou do encontro.

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