Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
A teoria do parceiro
A esse respeito Lacan considerava três dimensões. Uma dimensão
referida ao significado, a da história de uma vida vivida como história,
e isso supõe então a epopéia narrada pelo sujeito, a narrativa contínua
de sua existência; uma dimensão significante, a percepção de sua sujeição
às leis da linguagem; e o acesso à intersubjetividade, ao "eu" {ie)
intersubjetivo, por meio do qual a verdade entra no real. As três dimen·
sões da cadeia significante última valem antes de mais nada pela ausência
que irrompe, a saber, pela ausência de qualquer referência ao desejo
e ao gozo. É isto o que a idéia de uma partida jogada com o parceirosímbolo
essencialmente comporta. A partida e sua saída exitosa deixam
de lado tudo o que concerne ao desejo e ao gozo.
A fenomenologia da experiência analítica segue essa direção, pois
nela abrimos mão de qualquer gozo assimilável ao que se obtém, de
maneira mais ou menos satisfatória, com o parceiro sexuaL A fenomenologia
da experiência analítica parece pôr em evidência que o parceiro
essencial do sujeito é o Outro do sentido. Como se diz, enfim
pode-se falar na experiência analítica, enfim é possível apor palavras
sobre a~uilo de que se trata, oportunidade que os acasos da existência
não facilitariam ao sujeito. Dito de outro modo, parece que a análise
funda, com seu método, com os meios empregados, o privilégio do
semântico sobre o sexual.
Nesta perspectiva, a operação analítica pode ser definida corno a
substituição de todo parceiro-imagem pelo parceiro-símbolo. É aí, restituindo
essa dimensão, que torna-se possível apreender a primazia, retomada
por Lacan em um segundo momento, do falo freudiano como
significante.
Tal como o mostro, percebe-se que isso comporta uma modificação
do conceito de Outro. O Outro por mim evocado era o Outro da
boa fé, o Deus dos filósofos. Considerar o falo como significante significa
degradá-lo, afirmar que nele há desejo, motivo pelo qual Lacan
considerou o falo como o parceiro-símbolo. Ele assim arranca o desejo
do imaginário, atribuindo-o ao parceiro-Outro.
O falo é um significante. A inovação, que fez tremer a prática
;:>sicanalítica em suas bases, quer dizer que o Outro não é apenas o
Outro do pacto da fala, mas também o Outro do desejo.
Por essa razão, o parceiro-símbolo é mais complexo do que se
pode pensar à primeira vista, o que levou Lacan a reler e reescrever a
teoria freudiana da vida amorosa em que o parceiro-símbolo aparece,
de um lado, como parceiro-falo e, de outro, como parceiro-amor, ou
seja, não somente como o parceiro da boa fé em relação às tapeações
167