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Jacques-Alain Miller - A teoria do parceiro-2

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A teoria do parceiro

A esse respeito Lacan considerava três dimensões. Uma dimensão

referida ao significado, a da história de uma vida vivida como história,

e isso supõe então a epopéia narrada pelo sujeito, a narrativa contínua

de sua existência; uma dimensão significante, a percepção de sua sujeição

às leis da linguagem; e o acesso à intersubjetividade, ao "eu" {ie)

intersubjetivo, por meio do qual a verdade entra no real. As três dimen·

sões da cadeia significante última valem antes de mais nada pela ausência

que irrompe, a saber, pela ausência de qualquer referência ao desejo

e ao gozo. É isto o que a idéia de uma partida jogada com o parceirosímbolo

essencialmente comporta. A partida e sua saída exitosa deixam

de lado tudo o que concerne ao desejo e ao gozo.

A fenomenologia da experiência analítica segue essa direção, pois

nela abrimos mão de qualquer gozo assimilável ao que se obtém, de

maneira mais ou menos satisfatória, com o parceiro sexuaL A fenomenologia

da experiência analítica parece pôr em evidência que o parceiro

essencial do sujeito é o Outro do sentido. Como se diz, enfim

pode-se falar na experiência analítica, enfim é possível apor palavras

sobre a~uilo de que se trata, oportunidade que os acasos da existência

não facilitariam ao sujeito. Dito de outro modo, parece que a análise

funda, com seu método, com os meios empregados, o privilégio do

semântico sobre o sexual.

Nesta perspectiva, a operação analítica pode ser definida corno a

substituição de todo parceiro-imagem pelo parceiro-símbolo. É aí, restituindo

essa dimensão, que torna-se possível apreender a primazia, retomada

por Lacan em um segundo momento, do falo freudiano como

significante.

Tal como o mostro, percebe-se que isso comporta uma modificação

do conceito de Outro. O Outro por mim evocado era o Outro da

boa fé, o Deus dos filósofos. Considerar o falo como significante significa

degradá-lo, afirmar que nele há desejo, motivo pelo qual Lacan

considerou o falo como o parceiro-símbolo. Ele assim arranca o desejo

do imaginário, atribuindo-o ao parceiro-Outro.

O falo é um significante. A inovação, que fez tremer a prática

;:>sicanalítica em suas bases, quer dizer que o Outro não é apenas o

Outro do pacto da fala, mas também o Outro do desejo.

Por essa razão, o parceiro-símbolo é mais complexo do que se

pode pensar à primeira vista, o que levou Lacan a reler e reescrever a

teoria freudiana da vida amorosa em que o parceiro-símbolo aparece,

de um lado, como parceiro-falo e, de outro, como parceiro-amor, ou

seja, não somente como o parceiro da boa fé em relação às tapeações

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