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to privado foi feita na maioria das vezes segundo<br />
os esquemas de patronagem comuns de uma<br />
ordem oligárquica, onde o patrocínio não difere<br />
do favor. Quem não topou ficou no ostracismo ou<br />
caiu fora, quem topou terminou participando de<br />
uma patética diluição. Tudo isso corroeu muito<br />
da reflexão crítica que estava presente nos trabalhos<br />
da década de 70. No decorrer dos anos não<br />
teríamos nem movimento nem crítica cultural,<br />
apenas um slogan gerado mais por motivações de<br />
mídia, dos órgãos de cultura e de um punhado de<br />
individualidades tentando sobreviver disputando<br />
espaço num mercado ainda bem acanhado, quase<br />
reduzido a arraiais de shopping e similares, em<br />
íntima relação com os representantes da oligarquia<br />
local. Uma caricatura sem nenhum viço de<br />
algo que surgiu de forma criativa e contestadora,<br />
apesar das referências autoelogiosas tão comuns<br />
sobre a riqueza da nossa música.<br />
Mesmo um reduto rico em tradições como<br />
a Madre Deus perdeu muito do seu potencial, as<br />
novas manifestações surgidas a partir de meados<br />
dos anos 80 foram com o tempo sendo moldadas<br />
segundo interesses turísticos, em conluio e bastante<br />
submissas à estratégia governamental de<br />
mercantilização da cultura. E a Turma do Quinto<br />
terminaria na avenida cantando “embala eu mamãe<br />
Kiola, embala eu”, no ridículo samba enredo<br />
de 2004, O Quinto é Minha Lei: O Meu Enredo<br />
é José Sarney (nome de luta, exemplo e trabalho,<br />
segundo a letra de Bulcão, o eterno secretário estadual<br />
de cultura). Precisa dizer mais? Longe iam<br />
os tempos de enredos irreverentes como Ali Babão<br />
e o Sete Ladrão (1986): “Abre-te Sésamo/ abre<br />
o envelope/ pois na hora que se junta/ se prepara<br />
mais um golpe”. O processo havia se completado,<br />
a cultura institucionalizada virou o local da estetização<br />
mercantil das manifestações populares e<br />
não mais o da experimentação estética elaborada<br />
a partir de sua riqueza e diversidade. De arma<br />
crítica, a música que continuou a se apresentar<br />
como maranhense voltou-se quase sempre para a<br />
louvação e a repetição, seguindo as regras predominantes<br />
do discurso publicitário. Virou “Som do<br />
Mará” e muitos passaram mesmo a propagar os<br />
valores de uma “maranhensidade”, com indisfarçável<br />
acento bairrista, em guinada conservadora<br />
que não tinha mais nada a ver com as propostas<br />
renovadoras dos anos 70.<br />
O nascimento da moderna mpb nos debates<br />
da década de 60 resultou de uma aproximação<br />
com o universo da cultura popular e em rediscussão<br />
do problema da identidade, numa articulação<br />
decisiva com a televisão e com a reorganização de<br />
todo o mercado da música, criando um rótulo que<br />
funcionava como “senha de identificação políticocultural”,<br />
na feliz expressão de Carlos Sandroni,<br />
mas cuja pretensão era agregativa. Tal função se<br />
desgastou e no final dos anos 80 a sigla passaria<br />
a designar vagamente um segmento do mercado<br />
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