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Sabe-se que os portugueses, em número<br />
muito inferior e condições materiais precárias,<br />
conseguiram uma vitória quase inacreditável e,<br />
até o início do século XIX, a ideia de uma determinação<br />
sobrenatural fez parte das narrativas dos<br />
cronistas. Como contraponto histórico, a professora<br />
apresenta uma objetiva interpretação baseada<br />
na oposição entre as formas da moderna guerra<br />
européia (“Guerra de Flandres”) e as formas da<br />
guerra colonial (“Guerra do Brasil”). Sem vivência<br />
em táticas de guerra que combinam ataque cerrado<br />
e guerrilha, preocupado com a observância<br />
de regras e com uma mobilidade inadequada, La<br />
Ravardière foi surpreendido por Jerônimo de Albuquerque<br />
e seus comandados. No entanto, por<br />
todas as dificuldades da empreitada, coroada com<br />
a improvável vitória, construiu-se a visão da “Jornada<br />
Milagrosa”. Nesse momento a ideia da “fundação”<br />
estava alicerçada na imagem da batalha e<br />
remetia à predestinação do império português.<br />
Enquanto o livro anterior privilegiava a<br />
análise da visão construída pelos historiadores<br />
decadentistas locais a partir de uma leitura da<br />
História da Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do<br />
Maranhão e Terras Circunvizinhas, do padre Claude<br />
D’Abbeville, neste esboço histórico-biográfico<br />
de Jerônimo de Albuquerque, o principal foco é a<br />
narrativa atribuída a Diogo de Campos Moreno,<br />
Jornada do Maranhão, e sua recepção pela crônica<br />
portuguesa e pela historiografia regional. O relato<br />
do oficial português é um testemunho da precarie-<br />
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dade e da barbárie que marcaram a conquista do<br />
Maranhão e a colonização portuguesa no norte do<br />
Brasil. Jerônimo de Albuquerque, que adicionou o<br />
nome Maranhão após a vitória, era filho de português<br />
com índia, mestiço enfronhado na crueldade<br />
das guerras do sertão, com fama de traiçoeiro, e<br />
expressa o tipo de herói da Jornada, cuja figura se<br />
veria esmaecida diante da transformação do aventureiro<br />
Daniel de La Touche em fundador de São<br />
Luís, ressaltando seus traços de fidalgo por ter se<br />
tornado Senhor da Casa de La Ravardière. Apesar<br />
deste trabalho recente parecer mesmo em alguns<br />
aspectos superior ao primeiro, não se registrou<br />
qualquer comentário a seu respeito.<br />
A mentalidade decadentista, que sustentava<br />
a identidade e a “singularidade” do Maranhão<br />
no cultivo da dupla mitologia da Atenas Brasileira<br />
e da Fundação Francesa, foi em grande parte<br />
fruto da ação do círculo que se intitulou Novos<br />
Atenienses e desenvolveu-se na Academia Maranhense<br />
de Letras. Atualmente, a discussão sobre<br />
identidade trata de ampliar os horizontes em busca<br />
de raízes populares, mas sem perder os símbolos<br />
construídos no século passado. Ao contrário<br />
de outros tempos, no entanto, o motor desta nova<br />
combinação não são as academias, mas a mídia e<br />
os interesses de mercado. Neste sentido, os dois<br />
livros da professora Maria de Lourdes nadam corajosamente<br />
contra a corrente e abrem novas perspectivas<br />
para pensar o problema da “fundação”<br />
como questão da história da cultura.<br />
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