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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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estava me ajudando. O junta-cabeça estava se formando sem a minha intervenção.<br />

Pensei logo: “Miracolo!”. Algum anjo, talvez... Que nada. Era a Jai que me ajuda,<br />

dois dias por semana, arrumando as minhas bagunças. Aí começamos a fazer<br />

apostas: quem colocaria mais peças. Chegando ao final, não tive coragem de pôr a<br />

última peça. Deixei que ela gozasse o prazer do triunfo! O que me impressionou foi<br />

a inteligência da Jai. Porque as atividades necessárias para se armar um juntacabeça<br />

colocam em ação uma série de potências intelectuais, que incluem a<br />

imaginação, a identificação gestáltica de padrões até a abstratíssima função lógica<br />

de identificar ângulos, linhas e tamanhos. Pensei que a Jai pode ser muito mais que<br />

uma faxineira. Ela só tem o segundo ano primário. Animei-a a continuar os estudos.<br />

Ela está se preparando para fazer o supletivo. Quanto ao junta-cabeça de 1000<br />

peças está de novo na caixa, até que me disponha a medir forças com ele de novo.<br />

Pedagogia do caracol<br />

Há muitas pessoas de imaginação sensível que amam as crianças. Encontrei na<br />

revista pedagógica Cem Modialitá, que se publica na Itália (Via Piamarta 9 – 25121<br />

– Brescia – Itália), um artigo com um título curioso: “A pedagogia do caracol”. O<br />

autor, Gianfranco Zavalloni ( www.scuolacreativa.it) conta da mãe de uma menina<br />

que o procurou e lhe relatou o seguinte: “Outro dia minha filha me disse: mamãe,<br />

os professores dizem sempre: ‘Força, crianças! Não podemos perder tempo porque<br />

devemos andar para frente!’. Mas, mamãe, para onde devemos ir? Para frente,<br />

onde?’”. Essas perguntas da menina o levaram questionar o ritmo de pressa que as<br />

escolas impõem às crianças. No seu lugar, ele propõe a pedagogia do caracol. Os<br />

caracóis não sabem o que é pressa. E ele fala de um curso de formação de<br />

professores do Gruppo Educhiamoci alla Pace di Bari sobre o tema “Na companhia<br />

do ócio, da lentidão e da poesia”. Sugere que no cotidiano dos professores com as<br />

crianças deveria haver tempo para simplesmente jogar conversa fora, conversa que<br />

não quer ensinar coisa alguma. Simplesmente ouvir as crianças é coisa muito<br />

preciosa. Elas aprendem que são importantes e que é importante ouvir as outras.<br />

Caminhar, passear, andar a pé, observando as coisas ao redor. Contemplar as<br />

nuvens. Escrever cartas e cartões a lápis ou caneta; não usar os e-mails. Plantar<br />

uma horta. Plantando uma horta, as crianças aprendem sobre os ritmos da<br />

natureza. Quem observa os ritmos da natureza acaba por ganhar equilíbrio pessoal.<br />

Plantar uma horta talvez seja uma terapia mais poderosa que a dos consultórios. A<br />

velocidade é o ritmo das máquinas. Mas nós não somos máquinas. Somos seres da<br />

natureza como os animais e as plantas. E a natureza é sempre vagarosa. É<br />

perigoso introduzir a pressa num corpo que tem suas raízes na lentidão da<br />

natureza.

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