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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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O corpo humano é tocado (no mesmo sentido em que um violino é tocado, um<br />

piano é tocado: o corpo é um instrumento musical...) por coisas que não existem.<br />

Manoel de Barros diz algo mais ou menos assim: “Tem mais presença em mim o<br />

que me falta...”. Pois um médico amigo que combina razão e coração, ciência e<br />

poesia, Ocidente e Oriente, comentou que é possível que a psicologia das<br />

mulheres, tão mais sensíveis à solidão que os homens, se deva ao destino triste ou<br />

alegre do óvulo: arrancado do seu ninho, é empurrado por um canal apertado que<br />

o leva a um vazio... E não lhe resta nada mais que a solidão da espera. Foi um<br />

óvulo neste estado de espera angustiosa que disse pela primeira vez: “To be or not<br />

to be, that is the question!”. O óvulo, produto das mulheres, tem sua origem na<br />

solidão. Já os espermatozoides têm suas origens na maratona, milhões de<br />

espermatozoides sendo lançados no mundo ao mesmo tempo (acho que Heidegger<br />

gostaria da metáfora...). São corredores, muitos, e é preciso chegar primeiro... O<br />

prêmio para o segundo colocado é a morte. Não seria por acaso que os homens<br />

gostam tanto de futebol, metáfora do grande evento inicial, todos os jogadores<br />

lutando por uma bola! Os espermatozoides também querem fazer gol. Só um<br />

consegue...<br />

Sobre o estresse<br />

Estresse é uma palavra usada na física dos materiais. Ela tem a ver com o<br />

comportamento dos materiais submetidos à pressão, à distensão, à torção.<br />

Aplicada a nós, a palavra estresse revela a nossa condição de seres submetidos às<br />

pressões, distensões e torções que as 10.000 coisas nos impõem. Inúteis são as<br />

técnicas de relaxamento. Alívio provisório – como os descansos entre duas sessões<br />

de tortura. As 10.000 coisas voltam sempre... Só existe uma solução: libertar-nos<br />

do domínio das 10.000 coisas... Mas isso é difícil, porque elas nos fazem promessas<br />

de prazeres no futuro. “Tudo isso te darei...” Somente nos libertamos do estresse<br />

quando compreendemos que ele é um sintoma do domínio da morte sobre a nossa<br />

vida. A consciência da morte nos faz abrir os olhos. E aí, então, estamos em<br />

condições de olhar para dentro, à procura do desejo mais profundo que as 10.000<br />

coisas enterraram. “O que é que, se eu tivesse, me daria alegria?” Essa é uma<br />

pergunta que toda pessoa deveria se fazer diariamente.<br />

Depressão<br />

Não existe remédio melhor para a depressão do que uma cólica renal. A dor é tanta<br />

que enche os espaços mentais, não sobrando tempo para pensamentos tristes.<br />

Uma terapia alternativa é encher-se com os sentimentos tristes dos outros. Assim

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