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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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queria compreender as razões do comportamento do menino. A mãe não entendeu.<br />

A terapeuta explicou: “Ele havia guardado o jogo naquela caixa...”. “Ah!”, sorriu a<br />

mãe, “aquela caixa de tranqueiras bobas e sujas? Limpei a caixa. Joguei tudo<br />

fora...” Pobre mãe! Ela não sabia que havia jogado fora pedaços preciosos da alma<br />

do seu filho.<br />

Crianças na noite<br />

Dez e meia da noite. Cruzamento da rua Benjamin Constant com a avenida Júlio de<br />

Mesquita. Duas crianças, um menino e uma menina. Entre sete e oito anos de<br />

idade. Vendiam balas de goma com olhos tristes. Minha vontade era levá-los para<br />

minha casa, servir-lhes uma sopa, tomar conta deles. Não fiz nada disso. O sinal<br />

ficou verde e acelerei o carro. Mas as duas crianças dormiram comigo, acordaram<br />

comigo e ainda estão comigo.<br />

Para educar um filho<br />

Era uma sessão de terapia. “Não tenho tempo para educar a minha filha”, ela<br />

disse. Um psicanalista ortodoxo tomaria essa deixa como um caminho para a<br />

exploração do inconsciente da cliente. Ali estava um fio solto no tecido da<br />

ansiedade materna. Era só puxar o fio... Culpa. Ansiedade e culpa nos levariam<br />

para os sinistros subterrâneos da alma. Mas eu nunca fui ortodoxo. Sempre<br />

caminhei ao contrário na religião, na psicanálise, na universidade, na política, o que<br />

me tem valido não poucas complicações. O fato é que eu tenho um lado bruto,<br />

igual àquele do Analista de Bagé. Não puxei o fio solto dela. Ofereci-lhe meu<br />

próprio fio. “Eu nunca eduquei os meus filhos...”, eu disse. Ela fez uma pausa<br />

perplexa. Deve ter pensado: “Mas que psicanalista é esse que não educa os seus<br />

filhos?”. “Nunca educou os seus filhos?”, perguntou. Respondi: “Não, nunca. Eu só<br />

vivi com eles”. Essa memória antiga saiu da sua sombra quando uma jornalista,<br />

que preparava um artigo dirigido aos pais, me perguntou: “Que conselho o senhor<br />

daria aos pais?”. Respondi: “Nenhum. Não dou conselhos. Apenas diria: a infância é<br />

muito curta. Muito mais cedo do que se imagina os filhos crescerão e baterão as<br />

asas. Já não nos darão ouvidos. Já não serão nossos. No curto tempo da infância<br />

há apenas uma coisa a ser feita: viver com eles, viver gostoso com eles. Sem<br />

currículo. A vida é o currículo. Vivendo juntos, pais e filhos aprendem. A coisa mais<br />

importante a ser aprendida nada tem a ver com informações. Conheço pessoas<br />

bem informadas que são idiotas perfeitos. O que se ensina é o espaço manso e<br />

curioso que é criado pela relação lúdica entre pais e filhos.” Ensina-se um mundo!<br />

Vi, numa manhã de sábado, num parquinho, uma cena triste: um pai levara o filho

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