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Ostra Feliz Nao Faz Perola - Rubem Alves

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deficientes desenvolvem. “O boy da minha empresa”, ele me disse, “não tem os<br />

dois braços. Sendo deficiente de braços ele desenvolveu habilidades excepcionais<br />

com as pernas. Anda com uma velocidade... Vai para os bancos com a bolsa de<br />

cheques pendurada no pescoço. Quem vai assaltar o moço sem braços? Não paga<br />

ônibus. E ainda por cima não fica na fila...” Ele fabricava capas para vídeos.<br />

Contou--me que as capas de vídeos, ao sair das formas, têm rebarbas que devem<br />

ser eliminadas. Ele descobriu que os cegos são muito mais rápidos em identificar as<br />

rebarbas que os “videntes”. Basta correr a mão. Sendo cegos, desenvolveram<br />

habilidades excepcionais com o tato. Já os paraplégicos realizam com muita<br />

competência a tarefa de ascensoristas de elevador...<br />

Inteligência brilhante<br />

Tive um primo de inteligência fulgurante. Éramos da mesma idade. Aos oito anos<br />

brincávamos de soldadinhos de chumbo. Mas seu prazer era um dicionário<br />

comparativo de português, francês, inglês e alemão que estava fazendo. Eu olhava<br />

para aquele livro enorme de capa preta, daqueles que os contadores usavam para<br />

registrar a contabilidade de firmas, cada página dividida em quatro colunas, uma<br />

para cada língua. Na escola, quando tirava 98 numa prova ele batia com a palma<br />

da mão na testa em desespero e dizia: “Fracassei”. Dele jamais se poderia dizer<br />

que foi mau aluno. Seu brilho prometia uma vida de vitórias. Adulto, pela manhã,<br />

ao levantar, o seu primeiro gesto era ligar a fita da língua que estava aprendendo.<br />

Veio a conhecer doze línguas. Não sei direito para quê. Que utilidade poderia lhe<br />

ter a língua húngara? Os benefícios de falar húngaro eram desproporcionais ao<br />

esforço de aprendizagem. Como psicanalista, eu pergunto: Será que ele estava em<br />

busca da língua desconhecida que lhe permitiria entender a Babel da sua alma?<br />

Muitos brilhos são chamas de um coração infeliz. Lançou-se do sétimo andar de um<br />

prédio. Não suportou o sentimento de fracasso que lhe deu um discurso – pelos<br />

seus critérios, o tal discurso não era merecedor da nota 10. Matou-se por não<br />

suportar a vergonha de um pequeno fracasso. Esse é o perigo de querer ser<br />

perfeito. Não conheço nenhum estudo que explore as relações entre genialidade e<br />

loucura. Mas deve haver. Conheci um homem que se vangloriava por ter um QI<br />

acima de 200. E trazia sempre consigo a carteira de Membro dos Gênios de QI<br />

acima de 200. Acho que para certificar-se de que era inteligente. Quando os outros<br />

não concordavam com ele julgava-os burros e ele, um incompreendido. Autoritário.<br />

Quem se julga possuidor de QI 200 e se gaba disso tem de ser autoritário. Não<br />

saltou do 7o andar apesar de ser um chato presunçoso. Não sei onde andará.<br />

Suspeito que tenha se mudado para o país dos homens com QI acima de 200.

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