ViraVida, um projeto em defesa da juventude
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Rio antigo<br />
RJ Revista Entre Lagos • Edição 82 • DEZ-2012 28<br />
Luiz Augusto Gollo<br />
Entre as grandes intervenções<br />
urbanas <strong>em</strong> an<strong>da</strong>mento na ci<strong>da</strong>de do Rio<br />
de Janeiro para os eventos esportivos já<br />
sabidos, <strong>um</strong>a <strong>da</strong>s principais é chama<strong>da</strong><br />
Porto Maravilha, que não t<strong>em</strong> a ver<br />
diretamente com nenh<strong>um</strong> deles, mas<br />
sim com o resgate social, econômico,<br />
cultural e histórico de <strong>um</strong>a importante<br />
área correspondente a cinco milhões de<br />
metros quadrados, entre a Praça XV e o<br />
bairro de São Cristóvão. A revitalização<br />
do centro carioca começou na Lapa,<br />
por iniciativa de comerciantes e<br />
<strong>em</strong>presários <strong>da</strong> noite, diferent<strong>em</strong>ente<br />
do que ocorre na Praça Mauá e to<strong>da</strong> a<br />
região portuária, onde o estado tomou<br />
a dianteira nos três níveis de governo.<br />
A área central do Rio s<strong>em</strong>pre manteve<br />
características de bairro residencial e muitas<br />
<strong>da</strong>s ruas mais antigas estão cheias de prédios<br />
mistos ou residenciais, como a Riachuelo.<br />
Esporadicamente e por razões diversas, a<br />
região passa por transformações profun<strong>da</strong>s<br />
como a que agora test<strong>em</strong>unhamos no Porto<br />
Maravilha, denominação que a prefeitura<br />
deu ao processo, sob a ótica ufanista.<br />
No começo do século passado, o<br />
prefeito Pereira Passos promoveu a grande<br />
mu<strong>da</strong>nça urbanística com <strong>um</strong>a política<br />
que o povo batizou de “Bota abaixo”, com<br />
razão: foram d<strong>em</strong>oli<strong>da</strong>s mais de 1500<br />
construções para a abertura <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong><br />
Central (Rio Branco), <strong>da</strong> Aveni<strong>da</strong> Beira-Mar,<br />
o alargamento <strong>da</strong> Rua Uruguaiana, entre<br />
outras obras de impacto.<br />
As principais críticas ao “Bota abaixo”<br />
defendiam as populações desapropria<strong>da</strong>s<br />
<strong>da</strong>s casas d<strong>em</strong>oli<strong>da</strong>s e que não encontraram<br />
endereço novo na área subitamente<br />
valoriza<strong>da</strong>. Foram <strong>em</strong>purra<strong>da</strong>s para<br />
as fral<strong>da</strong>s dos morros, dos quais o <strong>da</strong><br />
Providência registra o surgimento <strong>da</strong><br />
primeira favela carioca. O Rio de Janeiro, que<br />
na vira<strong>da</strong> do século XIX para o seguinte era<br />
conhecido no cenário internacional como<br />
“Ci<strong>da</strong>de <strong>da</strong> Morte”, depois de higieniza<strong>da</strong><br />
por Oswaldo Cruz e reurbaniza<strong>da</strong> por<br />
Pereira Passos, ganhou o apelido de “Ci<strong>da</strong>de<br />
Maravilhosa”, <strong>em</strong> artigo de jornal de Coelho<br />
Neto, <strong>em</strong> 1909.<br />
As políticas excludentes dos sucessivos<br />
governos ao longo do século passado<br />
multiplicaram por mais de mil as favelas<br />
cariocas, provocaram a degra<strong>da</strong>ção do<br />
centro urbano <strong>em</strong> benefício primeiro <strong>da</strong><br />
Zona Norte, a partir dos anos 1920, depois<br />
<strong>da</strong> Zona Sul, nas déca<strong>da</strong>s seguintes, e <strong>da</strong><br />
Zona Oeste, com a ocupação <strong>da</strong> Barra<br />
<strong>da</strong> Tijuca a partir de 1970. Este processo<br />
chegou ao ponto máximo na última déca<strong>da</strong><br />
do século passado, quando o centro era o<br />
lixo <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e a Lapa <strong>da</strong> bo<strong>em</strong>ia dos anos<br />
1930 <strong>em</strong> diante se refez <strong>da</strong>s cinzas para<br />
servir de ex<strong>em</strong>plo ao que o estado pretende<br />
replicar na Praça Mauá e adjacências.<br />
Como nos t<strong>em</strong>pos de Pereira Passos,<br />
Jornalista<br />
Ossos <strong>da</strong> história<br />
também hoje ouv<strong>em</strong>-se protestos contra<br />
o Porto Maravilha, entre as quais a<br />
valorização territorial que já expulsa<br />
habitantes <strong>da</strong> região, como Gamboa, Santo<br />
Cristo, Saúde e do morro <strong>da</strong> Providência<br />
que talvez ilustre melhor o ciclo que se<br />
completa. Mas a surpresa maior pegou a<br />
prefeitura despreveni<strong>da</strong>, logo no começo<br />
<strong>da</strong>s obras de recuperação <strong>da</strong>s ruas próximas<br />
ao porto e à Praça Mauá – Camerino,<br />
Sacadura Cabral, Barão de Tefé. Quando as<br />
escavadeiras romperam o asfalto, revelouse<br />
o Cais <strong>da</strong> Imperatriz, construído <strong>em</strong> 1843<br />
para o des<strong>em</strong>barque <strong>da</strong> esposa de D. Pedro<br />
II, Teresa Cristina, que ele só conheceu<br />
naquele instante e que achou “baixa, manca<br />
e feia”, mas com qu<strong>em</strong> viveu por 46 anos e<br />
teve as filhas Isabel e Leopoldina.<br />
Antes que o texto vire o Samba do<br />
Crioulo Doido, do Sérgio Porto, vamos ao<br />
que interessa: escavando <strong>um</strong> pouco mais,<br />
encontrou-se o Cais do Valongo, ponto de<br />
des<strong>em</strong>barque de <strong>um</strong> número indeterminado<br />
de negros africanos escravizados e este sim<br />
o sítio arqueológico de grande relevância<br />
porque, além de principal porto de chega<strong>da</strong><br />
de negros <strong>em</strong> todo o continente americano,<br />
conferiu, com o C<strong>em</strong>itério dos Pretos<br />
Novos, onde eram enterrados (por assim<br />
dizer) os que des<strong>em</strong>barcavam feridos,<br />
doentes e não sobreviviam, concretude à<br />
escravidão presente quase que somente<br />
nas gravuras de Debret e Rugen<strong>da</strong>s. As<br />
pedras gastas do cais e os amontoados