ViraVida, um projeto em defesa da juventude
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de ossos mal enterrados são a evidência<br />
histórica <strong>da</strong> chega<strong>da</strong> ao Rio de Janeiro de<br />
<strong>um</strong> contingente estimado entre 800 mil e<br />
mais de dois milhões de africanos traficados<br />
através do Oceano Atlântico.<br />
O achado desta novi<strong>da</strong>de, juntamente<br />
com os previsíveis canhões, âncoras, munição<br />
e utensílios domésticos, descortinou <strong>um</strong><br />
cenário inesperado, que as autori<strong>da</strong>des<br />
tentam compreender e digerir, enquanto<br />
as lideranças afrodescendentes lutam para<br />
O Rio de Janeiro cresceu do<br />
acidente geográfico denominado Morro<br />
do Castelo, <strong>em</strong> 1567. Os portugueses<br />
liderados por Estácio e M<strong>em</strong> de Sá<br />
estavam instalados há <strong>um</strong> t<strong>em</strong>po no<br />
Morro Cara de Cão, tentando conquistar<br />
a região habita<strong>da</strong> pelos índios<br />
tamoios. Tinham tudo para perder<br />
porque chegaram depois dos colonos<br />
franceses liderados por Villegagnon,<br />
que, na época, já conviviam <strong>em</strong> certa<br />
tranquili<strong>da</strong>de com os indígenas locais.<br />
Mas acabaram levando a melhor e, por<br />
questões estratégicas, acabaram se<br />
estabelecendo no alto de <strong>um</strong>a colina<br />
inicialmente intitula<strong>da</strong> Morro do<br />
Descanso. Após erguer muros e batizar<br />
os principais pontos <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>dela, o<br />
Descanso chamou-se Morro do Castelo,<br />
<strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> à Fortaleza de São<br />
Sebastião, que mais parecia o palácio<br />
real.<br />
O Morro do Castelo abrigava <strong>um</strong>a<br />
ci<strong>da</strong>de feu<strong>da</strong>l com aproxima<strong>da</strong>mente<br />
600 pessoas, entre eles colonos<br />
portugueses, jesuítas, índios catequizados,<br />
r<strong>em</strong>anescentes franceses apaziguados<br />
e pouquíssimas mulheres. Sua entra<strong>da</strong><br />
era feita, de início, somente através <strong>da</strong><br />
Ladeira <strong>da</strong> Misericórdia, que é o primeiro<br />
e mais antigo logradouro do Rio de<br />
Janeiro. Apesar de não ter permanecido<br />
com sua extensão integral, foi a única<br />
parte poupa<strong>da</strong> <strong>da</strong> destruição no Morro<br />
do Castelo. Pena que a rua hoje passe tão<br />
bati<strong>da</strong> aos olhos <strong>da</strong>queles que trafegam no<br />
Centro do Rio, já que ali também se situa<br />
a Igreja construí<strong>da</strong> no século XVIII, Nossa<br />
Senhora do Bonsucesso, valendo <strong>um</strong> bom<br />
passeio.<br />
Além do Largo <strong>da</strong> Misericórdia, os<br />
limites do Morro do Castelo ficavam onde<br />
hoje estão situa<strong>da</strong>s as ruas São José, Santa<br />
Luzia e México. No alto do morro, ficava a<br />
fazer valer na história oficial <strong>da</strong> ci<strong>da</strong>de e<br />
do país. Foi traçado o Circuito <strong>da</strong> Herança<br />
Africana na área, incluindo o c<strong>em</strong>itério, o<br />
cais, a Casa <strong>da</strong> Guar<strong>da</strong> (onde engor<strong>da</strong>vam-se<br />
os africanos para o mercado de escravos), a<br />
Pedra do Sal (onde escravos transportavam<br />
o sal des<strong>em</strong>barcado no porto e voltavam<br />
à noite para recolher o que caía dos cestos)<br />
e suas imediações e acrescentou-se novo<br />
ingrediente ao caldo de cultura do Porto<br />
Maravilha: as populações negras dos morros<br />
29 Revista Entre Lagos • Edição 82 • DEZ-2012 RJ<br />
<strong>da</strong> Providência e <strong>da</strong> Conceição precisam ser<br />
manti<strong>da</strong>s como m<strong>em</strong>ória viva deste passado<br />
durante tanto t<strong>em</strong>po escondido. A área do<br />
porto do Rio e a região ao redor que inteira os<br />
cinco milhões de metros quadrados pod<strong>em</strong><br />
experimentar a valorização inédita, porém<br />
prevista, repetindo o fenômeno de mais de<br />
c<strong>em</strong> anos atrás. Mas desta vez não se pode<br />
fechar os olhos do estado à história negra do<br />
Rio de Janeiro e do Brasil e sua contribuição<br />
na construção <strong>da</strong> nossa socie<strong>da</strong>de.<br />
Cássia Olival<br />
Produtora cultural e responsável pela<br />
página Histórias do Rio no facebook<br />
historiasrio@gmail.com<br />
O descanso do Morro<br />
Casa do Governador, a cadeia e o edifício<br />
<strong>da</strong> Câmara, Igreja de São Sebastião e a<br />
Igreja e Colégio dos Jesuítas. Apesar de<br />
ser<strong>em</strong> expulsos <strong>em</strong> 1759 pelo Marquês<br />
de Pombal, os jesuítas deixaram para a<br />
população a len<strong>da</strong> do Morro do Castelo,<br />
que se referia a <strong>um</strong> tesouro oculto <strong>em</strong><br />
túneis e galerias secretas ergui<strong>da</strong>s pelos<br />
padres <strong>da</strong> Ord<strong>em</strong>.<br />
Os moradores obtinham isenção nos<br />
impostos para construir suas casas e povoar<br />
a região que foi crescendo rapi<strong>da</strong>mente.<br />
Em poucas déca<strong>da</strong>s, a elite descia o morro,<br />
deixando a região exclusivamente para a<br />
população menos favoreci<strong>da</strong>. Quando a<br />
família real chegou ao Brasil <strong>em</strong> 1808, os<br />
cariocas já ocupavam a área do Centro até<br />
a região do Valongo e Morro <strong>da</strong> Conceição.<br />
Nesta época, inclusive, já se cogitava <strong>um</strong><br />
plano de urbanização que derrubasse<br />
morros para facilitar a circulação dos ventos<br />
e o melhor escoamento aquaviário <strong>da</strong>quela<br />
área.<br />
A ci<strong>da</strong>de foi crescendo e mu<strong>da</strong>ndo<br />
de cara, especialmente após as reformas<br />
de Pereira Passos. Infelizmente, estas<br />
reformulações não cont<strong>em</strong>plavam o<br />
Morro do Castelo. Para a abertura <strong>da</strong><br />
Aveni<strong>da</strong> Rio Branco <strong>em</strong> 1905, parte do<br />
morro foi abaixo. O tiro de misericórdia<br />
veio <strong>em</strong> 1922, quando o prefeito do então<br />
Distrito Federal Carlos Sampaio decretou<br />
a d<strong>em</strong>olição do Morro do Castelo com a<br />
justificativa de arejar a ci<strong>da</strong>de e obter mais<br />
espaço para a exposição com<strong>em</strong>orativa<br />
do Centenário <strong>da</strong> Independência.<br />
Curiosamente, apenas o paulista Monteiro<br />
Lobato se posicionou publicamente contra<br />
a derruba<strong>da</strong> na época. A população que ali<br />
morava foi transferi<strong>da</strong> para os subúrbios