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ViraVida, um projeto em defesa da juventude

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Paulo César Feital<br />

33 Revista Entre Lagos • Edição 82 • DEZ-2012 RJ<br />

Compositor, poeta, produtor e diretor musical<br />

paulo.feital@globo.com Retranca<br />

Trenzinho Brasileiro<br />

Lá v<strong>em</strong> ele...<br />

Já ouço ao longe<br />

Os acordes estridentes<br />

Do seu apito dolente<br />

Nos trilhos do descampado,<br />

Sugando os seios <strong>da</strong> serra<br />

Já surge do vão <strong>da</strong> terra<br />

O tr<strong>em</strong> dos desamparados.<br />

Lá v<strong>em</strong> ele...<br />

Carregado de tristezas,<br />

Cheinho de desespero,<br />

Se aproxima <strong>da</strong> estação,<br />

Da vila <strong>da</strong> opressão,<br />

Meu trenzinho brasileiro.<br />

V<strong>em</strong> parando,<br />

Lamentando,<br />

Grita, chora, chora e grita<br />

Chora e grita, grita, chora, chora,<br />

chor... cho...ch...ch...<br />

Na estação não t<strong>em</strong> ninguém,<br />

Ninguém espera qu<strong>em</strong> v<strong>em</strong>,<br />

Qu<strong>em</strong> v<strong>em</strong> não t<strong>em</strong> mais ninguém,<br />

N<strong>em</strong> pai, n<strong>em</strong> mãe, n<strong>em</strong> parente.<br />

E o viajante pressente<br />

Que o Brasil, infelizmente,<br />

É o exílio do passado<br />

Onde qu<strong>em</strong> faz a história<br />

Não merece estar presente.<br />

São três vagões que formam a composição.<br />

Na frente, <strong>em</strong> letras borra<strong>da</strong>s pelo sangue<br />

<strong>da</strong>s canções,<br />

Se lê no primeiro carro,<br />

Todo sujo pelo barro:<br />

“Vagão <strong>da</strong>s Desilusões”.<br />

Nele viajam calados,<br />

Com os olhos injetados<br />

Do choro <strong>da</strong> solidão:<br />

Pixinguinha, Orestes, Noel,<br />

Patápio, Custódio e Nazareth,<br />

Francisco, Orlando e Ary,<br />

Lamartine e Ataulpho,<br />

Wilson, Geraldo e Ismael,<br />

Antonio Maria e Dolores,<br />

Ciro, Zéquinha e Dalva,<br />

Lupicinio, Nelson, Cartola,<br />

Zé ketti e Mauro Duarte,<br />

Monsueto,Wilson e Candeia,<br />

João Nogueira e Jamelão,<br />

Rafael e Paulo Moura...<br />

E senta<strong>da</strong> lá no fim,<br />

N<strong>um</strong> velho banco de couro,<br />

Chiquinha com a rosa morta<br />

Do cordão “Rosa de Ouro”<br />

E o tr<strong>em</strong> range sofrimento,<br />

N<strong>um</strong> soluço lento, lento,<br />

Destilando na f<strong>um</strong>aça<br />

A m<strong>em</strong>ória de <strong>um</strong>a raça<br />

No vagão do esquecimento.<br />

Que povo é esse, meu Deus,<br />

Que detesta ser chamado<br />

De colônia e filial,<br />

Mas que brinca o carnaval<br />

Balançado pelo rock,<br />

E nas horas de aflição<br />

Já te chama na oração<br />

De “my brother,de “my God”?<br />

Que povo é esse,meu Deus?<br />

O segundo carro é o mais deprimente.<br />

Gente que até muito pouco t<strong>em</strong>po<br />

Fazia parte desse mundo muito louco,<br />

Dando <strong>um</strong> pouco de alento<br />

A índios, negros, caboclos,<br />

Que no planeta <strong>da</strong> gente<br />

São chamados de pingentes<br />

Quando pegam o tr<strong>em</strong> dos vivos.<br />

Qu<strong>em</strong> an<strong>da</strong> nesse vagão<br />

Tocou fundo o coração<br />

De todos que aqui estão.<br />

Mas apesar do pouco t<strong>em</strong>po,<br />

Entre o desencarne e a vi<strong>da</strong>,<br />

Já são vozes esqueci<strong>da</strong>s<br />

Pela m<strong>em</strong>ória <strong>da</strong> gente.<br />

É o “Vagão dos Penitentes”!!!<br />

Um poeta e duas vozes<br />

Que resistiram aos algozes<br />

Enquanto a vi<strong>da</strong> pulsou.<br />

Quando vivos,<br />

Mon<strong>um</strong>entos <strong>da</strong> Cultura Nacional!<br />

Enquanto serviram ao corvo,<br />

Aos interesses dos lobos,<br />

Era do povo aviva<strong>da</strong><br />

A m<strong>em</strong>ória escraviza<strong>da</strong><br />

Pelo sist<strong>em</strong>a imoral.<br />

Mas eles eram a resistência!<br />

Hoje pagam a penitência<br />

Do esquecimento total<br />

No vagão mais infeliz:<br />

Vinícius,Clara e Elis!<br />

Chora , grita , grita, chora,<br />

Grita, chora, chora, grita,<br />

chor...cho...ch..ch...<br />

Que povo é esse , meu Deus,<br />

Que detesta ser chamado<br />

De colônia e filial<br />

Mas que brinca o carnaval<br />

Balançado pelo rock<br />

E nas horas de aflição<br />

Já te chama na oração<br />

De “my brother”,de “my God”?<br />

Que povo é esse , meu Deus?<br />

Mas qu<strong>em</strong> esquece não é o povo,é a”nata”.<br />

Gente que nunca viu a beleza <strong>da</strong>s cascatas,<br />

A jaçanã pelo mangue,<br />

O tiê n<strong>um</strong> vôo-sangue<br />

Avermelhando essas matas,<br />

Ou <strong>um</strong> mulato no sapê<br />

Cantando as suas bravatas.<br />

No último vagão ouv<strong>em</strong>-se gritos.<br />

É o “Carro dos Alaridos”,<br />

O “Vagão dos Oprimidos”.<br />

Parece sardinha <strong>em</strong> lata,<br />

É gente feito sucata,<br />

Mortos-vivos e feridos.<br />

É o “Carro dos Aguerridos”!<br />

É tanta gente morena,<br />

Um cheiro de alfaz<strong>em</strong>a<br />

Misturado com suor,<br />

Fragrância que eu sei de cor<br />

Pelo vício dos sentidos.<br />

É o “Carro dos Abandonados”,<br />

Dos párias, dos maus fa<strong>da</strong>dos,<br />

Da miséria e cari<strong>da</strong>de.<br />

É o “Vagão <strong>da</strong> H<strong>um</strong>ani<strong>da</strong>de”!<br />

É gente que por mais que eles tent<strong>em</strong>,<br />

A ternura jamais arrefece!<br />

É o povo, gente. É o povo,<br />

E o povo jamais esquece!<br />

Chora,grita , grita , chora<br />

Grita , chora,<br />

Se levanta e chor...cho.. ch...<br />

E lá no final dos trilhos,<br />

Correndo atrás do vagão,<br />

Chegando assim tão sozinhos,<br />

Gritando: -“Esper<strong>em</strong>, tinha <strong>um</strong>a pedra no<br />

caminho<br />

No caminho tinha <strong>um</strong>a pedra”,<br />

Em alta voz e bom som,<br />

Os últimos dos esquecidos:<br />

Antonio Carlos Jobim,<br />

Poeta Carlos Dr<strong>um</strong>ond.<br />

Chora ,grita ,grita ,chora,<br />

Chor... Ch..Ch...<br />

Vai maestro, leva o povo<br />

Maquinista Villa Lobos,<br />

Vai e não volta mais,<br />

Leva esse negro pé-de-cana,<br />

Esse mulato tão louco,<br />

Esse povo meio gira,<br />

Vai cantando as Bachianas...<br />

Vai cantando as Bachianas...<br />

Meu trenzinho caipira!!

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