vidas_secas
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na cadeia depois de agüentar zinco no lombo. Dois<br />
excomungados tinham-lhe caído em cima, um ferro batera-lhe no<br />
peito, outro nas costas, ele se arrastara tiritando como um<br />
frango molhado. Tudo porque se esquentara e dissera uma<br />
palavra inconsideradamente. Falta de criação. Tinha lá culpa?<br />
O sarapatel se formara, o cabo abrira caminho entre os<br />
feirantes que se apertavam em redor: - "Toca pra frente".<br />
Depois surra e cadeia, por causa de uma tolice. Ele, Fabiano,<br />
tinha sido provocado. Tinha ou não tinha? Salto de reiúna em<br />
cima da alpercata. Impacientara-se e largara o palavrão.<br />
Natural, xingar a mãe de uma pessoa não vale nada, porque<br />
todo o mundo vê logo que a gente não tem a intenção de<br />
maltratar ninguém. Um ditério sem importância. O amarelo<br />
devia saber isso. Não sabia. Saíra-se com quatro pedras<br />
– figura.<br />
na mão, apitara. E Fabiano comera da banda podre. -<br />
"Desafasta".<br />
Deu um passo para a catingueira. Se ele gritasse agora<br />
"desafasta", que faria o polícia? Não se afastaria, ficaria<br />
colado ao pé de pau. Uma lazeira, a gente podia xingar a mãe<br />
dele. Mas então ... Fabiano estirava o beiço e<br />
rosnava. Aquela coisa arriada e achacada metia as pessoas na<br />
cadeia, dava-lhes surra. Não entendia. Se fosse uma criatura<br />
de saúde e muque, estava certo. Enfim apanhar do governo não<br />
é desfeita, e Fabiano até sentiria orgulho ao recordar-se da<br />
aventura. Mas aquilo... Soltou uns grunhidos. Porque motivo o<br />
governo aproveitava gente assim? Só se ele tinha receio de<br />
empregar tipos direitos. Aquela cambada só servia para morder<br />
as pessoas inofensivas. Ele, Fabiano, seria tão ruim se<br />
andasse fardado? Iria pisar os pés dos trabalhadores e<br />
dar pancada neles? Não iria.<br />
Aproximou-se lento, fez uma volta, achou-se em frente do<br />
polícia, que embasbacou, apoiado ao tronco, a pistola e o<br />
punhal inúteis. Esperou que ele se mexesse. Era uma lazeira,<br />
certamente, mas vestia farda e não ia ficar assim, os olhos<br />
arregalados, os beiços brancos, os dentes chocalhando como<br />
bilros. Ia bater o pé, gritar, levantar a espinha, plantarlhe<br />
o salto da reiúna em cima da alpercata. Desejava que ele<br />
fizesse isso. A idéia de ter sido insultado, preso, moído por<br />
uma criatura mofina era insuportável. Mirava-se<br />
naquela covardia, via-se mais lastimoso e miserável que<br />
o outro.<br />
Baixou a cabeça, coçou os pêlos ruivos do queixo. Se o<br />
soldado não puxasse o facão, não gritasse, ele, Fabiano,<br />
seria um vivente muito desgraçado.<br />
Devia sujeitar-se àquela tremura, àquela amarelidão? Era um<br />
bicho resistente, calejado. Tinha nervo, queria brigar,