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vidas_secas

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Paulo Honório. Julga-se, ele próprio, então, nestas<br />

palavras: O que estou é velho. Cinqüenta anos perdidos,<br />

cinqüenta anos gastos sem objetivo, a maltratar-me e a<br />

maltratar os outros.<br />

Em Angústia, Luís da Silva representa uma figura de<br />

fracassado; não existe uma ambição frenética para determinálo,<br />

como a de Paulo Honório. O seu egoísmo não é o do<br />

conquistador, mas o do vencido. Num certo sentido, representa<br />

o outro lado de Paulo Honório. Luís da Silva não tem a<br />

ambição, não tem a vontade, não tem nenhum sentimento forte.<br />

Paulo Honório é a vida instintiva que se afirma; Luís da<br />

Silva, a vida instintiva que se dissolve. Conquanto<br />

opostos, eles se encontram na seqüência final dessas <strong>vidas</strong><br />

instintivas e materialistas; encontram-se na conclusão de que<br />

a vida não tem sentido nem finalidade.<br />

Estamos ante a filosofia do nada - a da absoluta negação e<br />

destruição - que o Sr. Graciliano Ramos cultiva pára os seus<br />

personagens. A ascensão de Paulo Honório ou a decadência de<br />

Luís da Silva representam caminhos diferentes para o mesmo<br />

niilismo. Os demais personagens não se afastam desse fim<br />

melancólico. Todos se acham dentro da vida, como que perdidos<br />

e abandonados, sem nada saber da sua origem nem do seu<br />

destino. Os seus atos se originam e se justificam, por si<br />

mesmos, fora de qualquer preocupação moral e transcendente.<br />

Um mundo romanesco, o do Sr. Graciliano Ramos, que nunca se<br />

afasta da dimensão naturalística. Representa, ele, o estranho<br />

fenômeno de um romancista introspectivo, interiorista,<br />

analítico, sem que leve em conta no homem outra condição que<br />

não seja a materialística. Um romancista da alma humana,<br />

tendo uma concepção materialista dos homens e da vida. E o<br />

materialismo dos personagens é que os leva logicamente ao<br />

rçlativismo moral. Nem praticam a bondade, nem acreditam<br />

sequer na existência dela. Por detrás de todos os gestos<br />

surge o interesse egoísta, uma segunda e secreta intenção. Em<br />

Angústia, conta Luís da Silva a propósito da morte do avô:<br />

Iam levando o cadáver de Camilo Pereira da Silva. Corri para<br />

a sala, chorando. Na verdade, chorava por causa da xícara de<br />

café de Rosenda, mas consegui enganar-me e evitei remorsos.<br />

E mais adiante o seu relativismo moral chega a um momento<br />

supremo nesta reflexão: Um crime, uma ação boa dá tudo no<br />

mesmo. Afinal já nem sabemos o que é bom e o que é ruim, tão<br />

embotados vivemos.<br />

Também Paulo Honório, em S. Bernardo, conclui sem qualquer<br />

hesitação: A verdade é que nunca soube quais foram os meus<br />

atos bons e quais foram os maus. Fiz coisas boas que me<br />

trouxeram prejuízo; fiz coisas ruins que me deram lucro.

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