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vidas_secas

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um pé de mandacaru, secando, morrendo. Queria enganar-se,<br />

gritar, dizer que era forte, e a quentura medonha, as árvores<br />

transformadas em garranchos, a imobilidade e o silêncio não<br />

valiam nada. Chegou-se a Fabiano, amparou-o e amparou-se,<br />

esqueceu os objetos próximos, os espinhos, as arribações, os<br />

urubus que farejavam carniça. Falou no passado, confundiu-o<br />

com o futuro. Não poderia voltar a ser o que já tinham sido?<br />

Fabiano hesitou, resmungou, como fazia sempre que lhe<br />

dirigiam palavras incompreensíveis. Mas achou bom que Sinha<br />

Vitória tivesse puxado conversa. Ia num desespero, o saco da<br />

comida e o aió começavam a pesar excessivamente.<br />

Sinha Vitória fez a pergunta, Fabiano matutou e andou bem<br />

meia légua sem sentir. A princípio quis responder que<br />

evidentemente eles eram o que tinham sido; depois achou que<br />

estavam mudados, mais velhos e mais fracos. Eram outros, para<br />

bem dizer. Sinha Vitória insistiu. Não seria bom tornarem a<br />

viver como tinham vivido, muito longe? Fabiano agitava a<br />

cabeça, vacilando. Talvez fosse, talvez não fosse.<br />

Cochicharam uma conversa longa e entrecortada, cheia de malentendidos<br />

e repetições. Viver como tinham vivido, numa<br />

caSinha protegida pela bolandeira de seu Tomás. Discutiram e<br />

acabaram reconhecendo que aquilo não valeria a pena, porque<br />

estariam sempre assustados, pensando na seca. Aproximavam-se<br />

agora dos lugares habitados, haveriam de achar morada. Não<br />

andariam sempre à toa, como ciganos. O vaqueiro ensombrava-se<br />

com a idéia de que se dirigia a terras onde talvez não<br />

houvesse gado para tratar. Sinha Vitória tentou sossegá-lo<br />

dizendo que ele poderia entregar-se a outras ocupações, e<br />

Fabiano estremeceu, voltou-se, estirou os olhas em direção à<br />

fazenda abandonada. Recordou-se dos animais feridos e logo<br />

afastou a lembrança. Que fazia ali virado para trás? Os<br />

animais estavam mortos. Encarquilhou as pálpebras contendo as<br />

lágrimas, uma grande saudade espremeu-lhe o coração, mas um<br />

instante depois vieram-lhe ao espírito figuras insuportáveis:<br />

o patrão, o soldado amarelo, a cachorra Baleia inteiriçada<br />

junto às pedras do fim do pátio.<br />

Os meninos sumiam-se numa curva do caminho.- Fabiano<br />

adiantou-se para alcançá-los. Era preciso aproveitar a<br />

disposição deles, deixar que andassem à vontade. Sinha<br />

Vitória acompanhou o marido, chegou-se aos filhos. Dobrando o<br />

cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco<br />

dos lugares onde tinha vivido alguns anos; o patrão, o<br />

soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu<br />

espírito.<br />

E a conversa recomeçou. Agora Fabiano estava meio otimista.<br />

Endireitou o saco da comida, examinou o rosto carnudo e as<br />

pernas grossas da mulher. Bem. Desejou fumar. Como segurava

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