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vidas_secas

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Esse relativismo moral implica outro relativismo de ordem<br />

genérica que se constitui uma espécie de ambiência para o Sr.<br />

Graciliano Ramos, como romancista. Toda a sua obra guarda um<br />

certo caráter de vertigem, de oscilação, de ambivalência. É o<br />

relativismo do tempo, o qual, como se sabe, representa uma<br />

contingência muito importante no desenvolvimento romanesco.<br />

Tendo uma concepção materialista da vida, o Sr. Graciliano<br />

Ramos não poderia utilizar-se do recurso do tempo metafísico.<br />

Por outro lado, para um romancista psicológico, o tempo<br />

convencional e naturalista seria um obstáculo. O Sr.<br />

Graciliano Ramos deliberou, então, valer-se de um recurso<br />

intermediário: a abstração do tempo. Em Angústia encontramos<br />

esta observação reveladora: Mas no tempo não havia horas.<br />

Em S. Bernardo aparece um relógio, mas que "tinha parado".<br />

O tempo torna-se assim um elemento indeterminado e<br />

arbitrário. Nunca se sabe exatamente quando a narrativa<br />

corresponde, em tempo e ação, aos fatos e atos que a<br />

produzem. Bem: a história de Luís da Silva pode estar contida<br />

em dez meses ou em dez anos, indiferentemente. Sim: "no tempo<br />

não havia horas." E a ausência do tempo vai determinar a<br />

ausência de "ação" direta no romance. A ação de Angústia é<br />

uma ação reflexiva: Angústia é uma "história", uma narração<br />

do passado, uma vida da memória. De certo modo, isto mesmo<br />

acontece com todos os romances; todos os romances<br />

são episódios já passados e por isso é que podem ser<br />

contados; mas o romancista lhes dá uma ilusão de vida<br />

presente, através de um jogo malabarístico com o tempo. O Sr.<br />

Graciliano Ramos desdenha esta ilusão. Angústia é certamente<br />

um romance, porém, em termos formais, dir-se-ia um livro de<br />

memórias, um diário, um inventário, um testamento. O mesmo<br />

que sucede com S. Bernardo, em que Paulo Honório confessa que<br />

nada mais pretende do que fixar a experiência da sua vida.<br />

Contudo, S. Bernardo ainda contém uma ordem narrativa, uma<br />

regular disposição romanesca, enquanto Angústia se realiza<br />

sob o signo da mais oscilante desordem.<br />

Confesso que essa desordem me agrada porque<br />

tem correspondência no espírito mesmo do romance. O espírito<br />

do romance e a sua forma se ajustam harmonicamente na<br />

desordem. Desordem, que vem de Luís da Silva, a determinar<br />

Angústia, como Paulo Honório determina S. Bernardo. Os<br />

outros personagens são projeções do personagem principal.<br />

Julião Tavares o Marina só existem para que Luís da Silva se<br />

atormente e cometa o seu crime. Tudo vem ao encontro do<br />

personagem principal - inclusive o instrumento do crime -<br />

para que ele realize o seu destino. Representa esta<br />

circunstância uma outra forma de egoísmo, desde que o egoísmo

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