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vidas_secas

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verifica na parte do assunto. Na substância, a<br />

novela apresenta uma perfeita unidade, uma completa harmonia<br />

interior. O drama do primeiro capítulo repete-se no último; e<br />

tudo o mais que se encontra entre eles constitui uma matéria<br />

de ligação entre os dois episódios semelhantes.<br />

Além de ser o mais humano e comovente dos livros de ficção<br />

do Sr. Graciliano Ramos, Vidas Secas é o que contém maior<br />

sentimento da terra nordestina, daquela parte que é áspera,<br />

dura e cruel, sem deixar de ser amada pelos que a ela estão<br />

ligados teluricamente. O que impulsiona os seres desta<br />

novela, o que lhes marca a fisionomia e os caracteres, é o<br />

fenômeno da seca. No primeiro capítulo, Fabiano e a sua<br />

família são retirantes, em busca de um novo. pedaço de terra.<br />

Alojam-se como servidores de uma fazenda, e aí que vamos<br />

conhecê-los através de alguns episódios e muitos monólogos. A<br />

cada figura da novela - Fabiano, Vitória, sua mulher, o<br />

menino mais velho e o menino mais novo - o romancista dedica<br />

um capítulo, que é como que um retrato de caracterização, em<br />

que o próprio personagem se apresenta ao leitor. Da família<br />

também faz parte a cachorra Baleia, e o capítulo que lhe é<br />

dedicado se acha revestido de uma humanidade talvez maior que<br />

a dos seres humanos, sendo esta uma das páginas mais famosas<br />

do Sr. Graciliano Ramos. Em Vidas Secas, no entanto, nenhum<br />

capítulo me agrada mais do que "Festa", em que, ao poder<br />

descritivo e à capacidade de visualização, o ficcionista<br />

ajuntou uma sutileza de tons e de notas psicológicas<br />

realmente admirável; ou ainda "Inverno", quadro de uma<br />

família em noite de frio e miséria. Por fim, também a nova<br />

fazenda é atingida pela seca; e Fabiano se decide a partir,<br />

numa outra etapa do seu destino de movimentar-se sempre como<br />

um judeu errante em busca de uma nunca atingida terra da<br />

promissão. O final do livro é uma retirada, como o<br />

princípio fora uma chegada, dentro de uma fatalidade que o<br />

romancista sugere ao dizer que eles "dali se afastavam<br />

rápidos, como se alguém os tangesse".<br />

Parece-me que Vidas Secas representa ainda uma evolução na<br />

obra do Sr. Graciliano Ramos quanto ao estilo e à qualidade<br />

estritamente literária. Em nenhum outro dos seus livros<br />

encontramos tanta beleza e tanta harmonia na construção<br />

verbal. E somente aqui este autor, de espírito tão pouco<br />

poético,, consegue atingir às vezes um estado de poesia. Foi<br />

também em Vidas Secas que o Sr. Graciliano Ramos pela<br />

primeira vez se libertou por inteiro de algumas quedas no mau<br />

gosto ou na vulgaridade de expressão, com que nos surpreende,<br />

tão freqüentemente, em S. Bernardo e até em Angústia. Afinal,<br />

se Angústia é a sua maior realização como ficcionista, Vidas

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