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vidas_secas

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estão mortos pelo esquecimento, a muitas lembranças será<br />

difícil ressuscitar porque se tornam confusas e<br />

indecifráveis. As recordações da infância em qualquer pessoa<br />

representam matéria - no sentido da filosofia estética de<br />

Benedetto Croce: "a emocionalidade ainda não elaborada<br />

esteticamente" s - e só adquirem existência pela forma<br />

mediante a ( BENEDETPO CROCE - Nuovi saggi di estetica.<br />

Laterzia. Bari, ).<br />

intuição, que vem a ser a mesma coisa que a expressão<br />

artística. Digamos então, com mais segurança, que nesse<br />

fenômeno de captar o passado, e dar-lhe forma pela intuição,<br />

não há lugar propriamente para o ato de escolha. Ao abandonar<br />

certos aspectos da infância, ao fixar-se em outros, o artista<br />

não o faz arbitrariamente, mas determinado pelas impressões<br />

que se prolongaram nele, que o influenciaram, que marcaram<br />

depois os seus sentimentos, idéias e visões de adulto.<br />

Não será significativo que em Infância não apareçam os<br />

instantes agradáveis, felizes, ilusões e sonhos do menino<br />

Graciliano Ramos? Que tenham sido conservados pela memória,<br />

de preferência, os momentos de infelicidade, tristeza o<br />

solidão, as humilhações e decepções da infância? É que<br />

os primeiros foram superficiais e efêmeros, talvez porque<br />

menos freqüentes, logo esmagados pelos segundos, mais<br />

constantes; o foram estes que permaneceram, que lhe marcaram<br />

a natureza humana. Quando se decidiu a escrever um livro de<br />

memórias, a sensibilidade reagiu em toda a sua exacerbação; o<br />

exprimiu-se pela exteriorização daquilo que nela se gravara<br />

mais profundamente.<br />

No mundo infantil do Sr. Graciliano Ramos a injustiça se<br />

erguia no horror dessa divisão: de um lado, crianças<br />

submissas e maltratadas, do outro lado, adultos, cruéis e<br />

despóticos. Pais, mães, mestres, todos os adultos pareciam<br />

dotados da missão particular de oprimir as crianças. Um mundo<br />

intolerável de castigos, privações e vergonhas. Uma ou outra<br />

exceção, que atravessa de leve essas recordações, não chega a<br />

partir a unidade na fisionomia de infortúnio e desolação.<br />

Toma quase que o aspecto de uma figura do outro mundo a<br />

professora Maria, com a voz suave, com seus impulsos de<br />

ternura, que por isso mesmo tanto surpreendeu a princípio o<br />

menino Graciliano Ramos, já acostumado, em casa, com o<br />

tratamento de "bolos, chicotadas, cocorotes, puxões de<br />

orelhas". A professora Maria, porém, é um episódio que logo<br />

desaparece; a realidade que fica é a da professora Maria do<br />

O, quase sádica no tratamento impiedoso dado à menina<br />

Adelaide. E o que foi o espetáculo da infância desgraçada,<br />

para a visão do Sr. Graciliano Ramos, vê-se no capítulo<br />

comovente "A Criança Infeliz," um dos últimos do livro.

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