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livro todo tomo II.qxd - Academia Brasileira de Letras

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<strong>de</strong>feitos do instinto irrefreável. As suas Memórias são, hoje, a própria história<br />

do Renascimento. A mão que feria, que assassinava, que era o pesa<strong>de</strong>lo dos<br />

príncipes, o espanto dos mercadores, o pavor dos lacaios, era a mesma que,<br />

instantes <strong>de</strong>pois, se firmava, leve, sobre o ouro, fixando maravilhas espantosas<br />

e comoventes, pelo mimo, pelo apuro, pela gracilida<strong>de</strong>, na curva ressoante das<br />

taças e na peanha fulgente dos relicários!<br />

Na arte e na pessoa <strong>de</strong> Emílio, havia, também, esse amálgama <strong>de</strong> meiguice<br />

e brutidão. Agressivo e generoso, irreverente e compa<strong>de</strong>cido, ele era, ao<br />

mesmo tempo, leão e cor<strong>de</strong>iro. Os seus amigos tornavam-se, para ele, inatacáveis:<br />

eram diamantes sem jaça, almas sem pecado, pérolas sem <strong>de</strong>feito. Os seus<br />

inimigos não tinham virtu<strong>de</strong>s: eram arvoredo sem fruto, espinheiros sem flor,<br />

terreno sem cultura, sem préstimo, sem utilida<strong>de</strong>. Havia nele, alternadamente,<br />

a humilda<strong>de</strong> e a irreverência. Lisonjeava ou feria. A sua espada era <strong>de</strong> pluma<br />

ou <strong>de</strong> aço. Tudo <strong>de</strong>pendia, nos combates, do alvo e da ocasião.<br />

O seu gênio estava, entretanto, no brilho do ataque aos adversários. A<br />

sua língua, que teria sido servida pela sabedoria <strong>de</strong> Esopo no segundo almoço<br />

<strong>de</strong> Xanto, não respeitava, então, nem homens, nem santos, nem <strong>de</strong>uses. A<br />

maledicência transformava-se, nesses momentos, para ele, numa arte elegante<br />

e sagrada, <strong>de</strong> que se tornava o mais meticuloso dos sacerdotes. Utilizava a<br />

malícia, a sátira, a palavra ferina, com a graça, a volúpia, a perversida<strong>de</strong> galantes<br />

com que em Florença se utilizava o veneno. A sua imaginação, <strong>de</strong> uma fertilida<strong>de</strong><br />

americana e <strong>de</strong> uma riqueza oriental, era, nesse particular, um jardim<br />

amavioso e encantado, on<strong>de</strong> colhia, a <strong>todo</strong> instante, para os <strong>de</strong>safetos, cavalheiros<br />

ou senhoras, flores <strong>de</strong> perfídia que entonteciam e envenenavam. As<br />

rosas da sua galanteria tinham caule <strong>de</strong> estilete. Homicida pela palavra, a sua<br />

estátua, quando ele a tiver, <strong>de</strong>ve trazer nas mãos, como a <strong>de</strong> Harmódio em<br />

Atenas, um punhal e um ramalhete. À semelhança daqueles rajás indianos que<br />

matavam os prisioneiros dando-lhes o pó dos seus diamantes, ele misturava,<br />

nas suas vinganças, aos manjares da palestra, a faiscante pedraria do seu espírito.<br />

As ca<strong>de</strong>ias <strong>de</strong> vocábulos com que inutilizava os adversários eram daquelas<br />

com que Alexandre algemou Dario <strong>de</strong>rrotado: ensangüentavam os pulsos, mas<br />

eram <strong>de</strong> ouro.<br />

* * *<br />

9<br />

DISCURSOS ACADÊMICOS 9

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