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livro todo tomo II.qxd - Academia Brasileira de Letras

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974 DISCURSOS ACADÊMICOS<br />

diárias <strong>de</strong> que ninguém po<strong>de</strong> abrir mão, prezando-se <strong>de</strong> culto? Hoje, moços e<br />

velhos, <strong>todo</strong>s se perguntam para que tais luxos. Mais vale andar a flaino, conversar<br />

em coisas frívolas, ir aos cinemas e às praias, matar o tempo na testada<br />

dos cafés ou meter-se <strong>de</strong> gorra no carnaval do ano inteiro. A superiorida<strong>de</strong><br />

dos espíritos se afirma agora por processos novos. Pois venha já essa boa<br />

<strong>de</strong>mocratização que, segundo a fórmula do dia, nivele ombro por ombro os<br />

homens <strong>todo</strong>s, na aurifúlgida mediocrida<strong>de</strong> e na gozosa ignorância. No fim<br />

das contas <strong>todo</strong>s chegam às mesmas alturas. É da época e não se torce o rumo<br />

aos tempos.<br />

Nem mais sequer dos mesmos escritores se reclama a luz do estudo.<br />

Um escritor improvisa-se. Não é preciso o mestre. Qualquer homenzinho <strong>de</strong><br />

por aí além se anima a versar letras e doutrinar, na imprensa ou no <strong>livro</strong>.<br />

On<strong>de</strong> apren<strong>de</strong>u ninguém sabe. Nasceu escritor. De qualquer modo se escreve<br />

e está bem: há sempre quem admire e nunca falta a pompa do elogio, com<br />

máquinas montadas, zabumba, lanternins e foguetório.<br />

Amadurecido na força do estudo sério e da severa disciplina mental,<br />

tendo horror à popularida<strong>de</strong> fácil, que transige com o gosto dos incultos e<br />

<strong>de</strong>spreza as dificulda<strong>de</strong>s da arte, vós vos criastes como escritor, Sr. Celso<br />

Vieira, pela inspiração e pela técnica, um posto à parte, <strong>de</strong> extrema distinção.<br />

Um longo e aturado tirocínio vos temperou a pena.<br />

Passou rápida a infância, no sítio natal, em Garanhuns. Correndo através<br />

das sebes das pitangueiras, trepando a cantar pelas árvores, sentistes um<br />

dia a fragilida<strong>de</strong> dos ramos. Caído ao solo, o pássaro tinha uma asa quebrada,<br />

o vosso braço esquerdo. E então com certeza apren<strong>de</strong>stes que nenhum fruto<br />

se busca sem prova, nem nas árvores nem na vida.<br />

Mas já Olinda vos chamava com os esguios coqueiros viri<strong>de</strong>ntes. Não<br />

subistes por eles; outra árvore, a do saber, vos atraía para as bibliotecas. Era<br />

tempo <strong>de</strong> granjear a vida e entrastes a uma livraria, em cujo serviço estivestes<br />

vários anos, <strong>livro</strong>s sempre na mão, ora ven<strong>de</strong>ndo, ora lendo. Imitastes a<br />

Millevoye, que em tempos <strong>de</strong> rapaz (já <strong>de</strong> outra vez o recor<strong>de</strong>i), moço <strong>de</strong><br />

livraria, <strong>todo</strong> se dava à leitura. O patrão tinha princípios. Na livraria não se lê,<br />

negocia-se. E prenunciou: “Vous lisez, jeune homme, vous ne serez jamais<br />

libraire.” A experiência não falha, também vós não passastes a livreiro.<br />

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