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O século do nada - Suma Teológica

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scripsi, scripsi. Eis a dura lei da irreversibilidade <strong>do</strong>s textos<br />

imprudentemente publica<strong>do</strong>s. Se ao menos, em vez <strong>do</strong> papel e<br />

da tinta, nos contentássemos em escrever com o de<strong>do</strong> na areia,<br />

teríamos melhor patrono <strong>do</strong> que Pilatos.<br />

Bem avisa<strong>do</strong> an<strong>do</strong>u Henri Charlier quan<strong>do</strong> um jovem intelectual<br />

o procurou para entrevistá-lo e pedir-lhe a história de<br />

sua conversão. Interrompen<strong>do</strong> com mau humor a obra que pintava,<br />

rasgou uma tira de jornal e rabiscou: "Ma conversion<br />

est une grâce immeritée de la Toute-Puissance Divine". Não<br />

menos sábio foi o humilde e obscuro amigo que ouvia em silêncio<br />

as histórias <strong>do</strong>s "converti<strong>do</strong>s" <strong>do</strong> Centro Dom Vital.<br />

Quan<strong>do</strong> lhe perguntaram: — E você? Como foi? — ele ficou<br />

meio embaraça<strong>do</strong> e afinal balbuciou: — Foi assim. Deus me<br />

pegou, me afeitou na porta da Igreja, e me meteu o pé. ..<br />

Assim ou assa<strong>do</strong>, "à plat ventre <strong>do</strong>ns la Maison Lumineuse",<br />

ou bola no goal de Deus, achei-me logo compeli<strong>do</strong> à posição<br />

essencial de animal-professor. Estudar para ensinar. Ensinar<br />

para ser o primeiro a aprender, e para logo ensinar. E a par<br />

<strong>do</strong>s cursos que dei sobre a eletrônica aplicada às telecomunicações<br />

passei a ensinar o que quer dizer, por extenso, o cre<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong>s Apóstolos: Creio em Deus Pai To<strong>do</strong>-Poderoso, etc. etc.<br />

E deste curso até hoje não me aposentei nem tenho <strong>nada</strong><br />

a retratar. Nesse meio tempo escrevi livros, escrevi artigos que<br />

ainda interminavelmente escrevo nos jornais. Sempre na mesma<br />

posição genética, inevitável. Com exceção de algumas páginas<br />

em que permiti que o <strong>do</strong>i<strong>do</strong>, o máscara-de-ferro, tomasse a<br />

pena e deixasse vazar a nostalgia de loucura que trazia acorrentada<br />

a sete deveres de esta<strong>do</strong>, volto sempre ao plantão, ao avental.<br />

Já disse atrás que isto é um feitio <strong>do</strong> corpo. E agora, nesta<br />

recapitulação, assusto-me, acho-me a recear ter si<strong>do</strong> demasiadamente<br />

professor. Perâoem-me os amigos que enfadei pelo<br />

esquecimento de que há um tempo para tu<strong>do</strong>, como lá diz o<br />

sábio <strong>do</strong> Eclesiastes.<br />

Mas a razão de to<strong>do</strong> este preâmbulo, onde já corri o risco<br />

de não conseguir o que mais almejava, não é a de me pintar<br />

para uma eventual posteridade, nem a de me desculpar de ser<br />

o que sou irremediavelmente. Outra ê a razão. Pensan<strong>do</strong> em<br />

tantos anos de ensino, de comunicações, de livros, de conferências,<br />

recapitulo preocupa<strong>do</strong>, assusta<strong>do</strong>, tu<strong>do</strong> o que andei<br />

transmitin<strong>do</strong>. Ou melhor, recapitulo o que deixei de dizer. Terei<br />

de fazer várias retificações, várias retratações, mas agora acodeme<br />

a ideia de uma omissão que implica uma série de recolocações,<br />

e pela qual eu estremeceria de vergonha e tristeza se,<br />

no momento de dizer o nunc dimitis, me viesse à mente o relâmpago<br />

<strong>do</strong> negrume de tão espantosa omissão. Qual?<br />

A de nunca ter escrito em minha longa vida de escritor,<br />

entre tantas páginas de louvor e de admiração, de entusiasmo e<br />

de apologia, estas poucas palavras exigidas pela mais clara verdade<br />

e pela mais límpida justiça, sim, estas poucas palavras<br />

que já deveriam ter transborda<strong>do</strong> de meu coração agradeci<strong>do</strong><br />

e deslumbra<strong>do</strong>:<br />

Honra e glória à Espanha católica de 1936.<br />

Honra e glória a Dom José Moscar<strong>do</strong> Ituarte,<br />

defensor <strong>do</strong> Alcazar, a seu filho Luís Moscar<strong>do</strong>, a<br />

Queipo de Llano e a Luis António Primo de Rivera.<br />

"Espana libre, Espana bella<br />

Con roquetés y Falanges<br />

con el tercio mui valiente..."<br />

Honra e glória aos <strong>do</strong>ze bispos mártires, e<br />

aos quinze mil padres, frades e religiosas<br />

"verdadeiros mártires em to<strong>do</strong> o sagra<strong>do</strong><br />

e glorioso significa<strong>do</strong> da palavra" (Pio XI).<br />

Honra e glória a to<strong>do</strong>s que morreram<br />

testemunhan<strong>do</strong> com SANGRE: "Viva Cristo Rey"!<br />

E agora que sobrevivi e consegui apressadamente cumprir<br />

um dever atrasa<strong>do</strong>, poderemos mais descansadamente explicar<br />

a trama de desatenções, de erros, equívocos e empulhamentos<br />

que, entre outras coisas, produziu tão grave omissão em tantas<br />

páginas de escritores católicos. Se Deus for servi<strong>do</strong>, transmitirei<br />

ao leitor o que venho estudan<strong>do</strong> há alguns anos sobre as<br />

causas próximas da crise que aflige nosso <strong>século</strong> e que flagela<br />

a Igreja com espantosa crueldade. Tenho a poucos metros de<br />

distância, em formação de combate, a centena de livros básicos<br />

de que já tirei as fichas principais; em cima da mesa as esferográficas<br />

e o papel aberto, branco, vertiginosamente branco.<br />

Foi em 1939. Sim, para entender as causas e as implicações<br />

de tão grave omissão, preciso prolongar um pouco as explicações<br />

pessoais, e preciso lembrar que foi em 1939 que me achei no<br />

grupo de amigos que nesse tempo militavam no Movimento Litúrgico,<br />

em torno <strong>do</strong> Mosteiro de São Bento e <strong>do</strong> Centro Dom<br />

Vital. Aos quarenta e <strong>do</strong>is anos voltava ã fé <strong>do</strong> meu batismo,<br />

e abria os olhos para o mun<strong>do</strong>. Toda a minha formação anterior<br />

era a de um engenheiro, ou de um quase-bárbaro arma<strong>do</strong><br />

de alguns conhecimentos científicos, prova<strong>do</strong> por alguns intermitentes<br />

e malogra<strong>do</strong>s acessos literários, mas totalmente desinteressa<strong>do</strong><br />

<strong>do</strong> tumultuoso curso de acontecimentos com que o<br />

<strong>século</strong>, já quase meio anda<strong>do</strong>, ganhava corpo. Ê difícil imaginar<br />

maior candura e maior despreparo <strong>do</strong> que o <strong>do</strong> pobre engenheiro<br />

e professor que em mea<strong>do</strong>s de 39 se achou de repente<br />

cerca<strong>do</strong> e intima<strong>do</strong> a uma incondicional rendição. Lera livros<br />

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