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O século do nada - Suma Teológica

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que mais parece uma advertência: "Bem-aventura<strong>do</strong> és, Simão filho<br />

de Jonas, porque não foi o sangue nem a carne que te revelaram<br />

isto, mas meu Pai que está no Céu". Mas dez passos adiante, quan<strong>do</strong><br />

Jesus anuncia sua paixão, Pedro entrou a secularizar, a querer providenciar<br />

e ouve, certamente surpreso, esta violenta reprimenda: "Para<br />

trás, Satã, tu me és escândalo, porque [agora] tu não tens o sentir<br />

das coisas de Deus, mas o das coisas <strong>do</strong>s homens" (Mat. XVI, 24).<br />

Poderíamos multiplicar as passagens que nos levam a esta conclusão:<br />

<strong>nada</strong> é mais anticristão <strong>do</strong> que essa tentativa abominável de<br />

rebater sobre as horizontais <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> as forças e os ensinamentos<br />

aponta<strong>do</strong>s para o céu. Nada é mais anticristão <strong>do</strong> que a filantropia<br />

e <strong>do</strong> que todas as formas de solidariedade humana que desprezam o<br />

senti<strong>do</strong> exato da fraternidade no sangue de Cristo, e no amor <strong>do</strong><br />

Pai que está no Céu. Ora, é esse horror que está bem condensa<strong>do</strong><br />

na exclamação: "Completa temporalização <strong>do</strong> cristianismo!" Ninguém<br />

poderá ver nestas páginas de Maritain a menor concessão à "heresia<br />

<strong>do</strong> <strong>século</strong>" ou ao "neomodernismo", e dificilmente poderá alguém se<br />

gabar de ser mais vigorosamente anti-"progressista" <strong>do</strong> que Maritain.<br />

Em 1965, data da publicação de Le Paysan..., a "secularização"<br />

ou a "prosternação diante <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>" não produzira ainda<br />

a safra de asneiras e torpezas que hoje conhecemos. Imagino o sofrimento<br />

<strong>do</strong> velho filósofo em Toulouse e tremo de pensar na comunidade<br />

que o cerca.<br />

Sim, a "heresia <strong>do</strong> <strong>século</strong>" cresceu, alargou-se e aprofun<strong>do</strong>u-se,<br />

e o problema da relação Igreja-Mun<strong>do</strong> tem si<strong>do</strong> apresenta<strong>do</strong> sob os<br />

mais exóticos aspectos. Num certo momento divulgou-se uma descoberta<br />

sensacional: os adeptos da nova seita protestante descobriram<br />

que a Igreja está no mun<strong>do</strong> para servir! Houve uma explosão atómica<br />

de besteiras em torno dessa ideia que tem exatamente, <strong>do</strong> Lava-pés<br />

até hoje, cerca de 2000 anos. Podemos, com certo méto<strong>do</strong>, dividir<br />

o dilúvio de tolices em géneros, espécies, raças e tipos. Dois grandes<br />

géneros logo me parecem evidentes: 1?, o <strong>do</strong>s indóceis que descobriram<br />

maravilha<strong>do</strong>s que então, sen<strong>do</strong> servi<strong>do</strong>ra, a Igreja não poderá<br />

ensinar, já que ensinar e servir, para esses parvos, são coisas incompatíveis;<br />

2 1 ?, o <strong>do</strong>s anárquicos que deslumbra<strong>do</strong>s descobriram que a<br />

Igreja não pode governar, já que, para esses, servir e governar são<br />

coisas incompatíveis.<br />

Li nestes dias um livro (3) de Louis Boyer em que o autor,<br />

sem nenhuma ação de graças, diz que Vaticano II "foi segui<strong>do</strong> de<br />

uma demissão geral da Igreja ensinante", e aborda o fenómeno da<br />

subserviência da Igreja em relação ao mun<strong>do</strong>:<br />

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Mas o pior está na ideia que se difundiu sobre o serviço que a<br />

Igreja deve ao mun<strong>do</strong>. Traduzida em linguagem clara, essa ideia diz<br />

que a Igreja já não deve converter o mun<strong>do</strong>, e sim converter-se nele.<br />

Ela <strong>nada</strong> mais deve ensinar; deve contentar-se em escutar o mun<strong>do</strong>...<br />

Escutá-lo e segui-lo para pegar o curso da história. Louis Boyer<br />

continua:<br />

Dias atrás me dizia um de nossos novos teólogos que a simples<br />

ideia de salvar o inun<strong>do</strong> é um insulto para o mun<strong>do</strong>, como obra de<br />

Deus: o homem de hoje não pode aceitá-la!<br />

Creio que Maritain, se tivesse escrito o seu Le Paysan três anos<br />

mais tarde, em vez de prosternação ou genuflexão diante <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>,<br />

poderia dizer agachamento. Louis Boyer insiste:<br />

Servir o mun<strong>do</strong> não é mais <strong>do</strong> que agradá-lo, adulá-lo, como ontem<br />

adulávamos o vigário em sua paróquia, o bispo em sua diocese, e como<br />

hiperadulávamos o Papa na cátedra de São Pedro.<br />

Não acompanho todas as ideias de Pe. Louis Boyer sobre "a<br />

decomposição <strong>do</strong> catolicismo", nem apenas sobre o que ele chama<br />

de "catolicismo". O velho companheiro de Pius Parch e de O<strong>do</strong><br />

Casei, <strong>do</strong> velho movimento litúrgico <strong>do</strong> eixo Roma-Berlim, que provocou<br />

a Mediator Dei de Pio XII, parece-me amargura<strong>do</strong> demais<br />

para nos trazer algum conforto, ou alguma diretiva na tempestade<br />

que ele descreve e comenta com talento. Além disso, como quase<br />

to<strong>do</strong>s os franceses, Louis Boyer entra no jogo progressismo versus<br />

integrismo sem parecer dar-se conta da falta de homogeneidade <strong>do</strong><br />

esquema que de um la<strong>do</strong> tem uma heresia, to<strong>do</strong> um processo de<br />

apostasia em massa, e de outro la<strong>do</strong>, na pior das hipóteses, teremos<br />

pessoas que defendem mal valores bons sem por isso formar um<br />

sistema, um "ismo", simétrico <strong>do</strong> monstro que ameaça toda uma<br />

civilização.<br />

Mas voltemos a Maritain, que para nós é muito mais significativo<br />

<strong>do</strong> que Boyer, e continuemos a saborear a análise feita no mesmo<br />

Le Paysan ... no capítulo V sobre a Liberação da Inteligência, onde<br />

o filósofo parece dirigir-se ao fantasma <strong>do</strong> Pe. Lebret:<br />

Minha terceira observação diz respeito à eficácia e à verdade. No<br />

capitulo III deste livro falei longamente <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e <strong>do</strong>s senti<strong>do</strong>s contrastantes<br />

<strong>do</strong> termo. Conhecen<strong>do</strong> bem o valor, a dignidade e a beleza<br />

<strong>do</strong> mun<strong>do</strong> que Deus fez, a Igreja quer seu bem temporal e seu bem<br />

espiritual. Ela o envolve no divino ágape que recebeu <strong>do</strong> alto, e de<br />

to<strong>do</strong> o coração se esforça por ajudá-lo a progredir na direção de seus<br />

fins naturais, e na linha de seu progresso terrestre, na medida em que<br />

o mun<strong>do</strong> tende para melhores e mais eleva<strong>do</strong>s esta<strong>do</strong>s da humanidade,<br />

e põe a serviço <strong>do</strong>s homens os tesouros de luz e de compaixão, cujo<br />

depósito lhe foi confia<strong>do</strong>. A Igreja não está a serviço <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Defende-se<br />

de se conformar com as cobiças, os preconceitos e as ideias<br />

fugazes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong>. Nesse senti<strong>do</strong> tinha toda a razão o velho Chesterton<br />

quan<strong>do</strong> dizia: "A Igreja Católica é a única coisa que poupa ao homem<br />

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