You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
logos, MAS EM MATÉRIA POLITICA O INSTINTO OS EMPUR^-<br />
RA NA DIREÇAO DA BOA DOUTRINA". Ao pé da página temos<br />
esta citação de Claude Tresmontant: "A esquerda católica, em<br />
França, tem entranhas evangélicas, mas não tem cabeça teológica".<br />
E aí estão duas afirmações paralelas, colocadas na mesma ambiência<br />
e ambas incli<strong>nada</strong>s para as esquerdas... Dirá o leitor: "Para<br />
as coisas da terra!" Sim, mas acontece que são somente essas que<br />
interessam aos extremistas de esquerda. Quan<strong>do</strong> Mounier mais tarde<br />
disser: "Com os comunistas nos negócios da terra, e com minha fé<br />
católica nos negócios <strong>do</strong> céu", ninguém duvidará um só instante de<br />
uma coisa deslumbrantemente óbvia: os comunistas não se aborrecerão<br />
com as reservas que Mounier lhes fará para as coisas <strong>do</strong> céu.<br />
O importante, para os comunistas, é que Mounier marche; et il a<br />
marche.<br />
Teilhard de Chardin também inventou um esquema: "O Deus<br />
para cima <strong>do</strong>s cristãos, e o Deus para a frente <strong>do</strong>s marxistas, eis o<br />
único Deus que <strong>do</strong>ravante deveremos a<strong>do</strong>rar em espírito e verdade".<br />
E aqui Roger Garaudy foi obriga<strong>do</strong> a dizer non possumus porque<br />
admitia que o jesuíta se entretivesse com suas ideias alienantes de um<br />
Deus, mas não podia admitir que trouxesse essas ideias para a linha<br />
horizontal da colaboração católico-comunista.<br />
Mas deixemos o alto da página, onde vemos que o termo<br />
"mouton" foi escolhi<strong>do</strong> para designar o arquétipo de extremismo de<br />
esquerda. E agora, nas últimas linhas, relemos: os moutons, isto é,<br />
a extrema-esquerda não tem boa cabeça filosófica e teológica, "mas<br />
em matéria política e social o instinto os empurra na direçao da boa<br />
<strong>do</strong>utrina". Eliminan<strong>do</strong> o termo "mouton" entre as duas proposições,<br />
e deixan<strong>do</strong> de la<strong>do</strong> a inaptidão para especulações filosóficas e teológicas,<br />
temos esta proposição: "A extrema-esquerda pende por instinto<br />
para a boa <strong>do</strong>utrina".<br />
Desde logo notemos este "solecismo": se são inaptos para especulações<br />
filosóficas e teológicas, como? com que instrumento? por<br />
que via podem tender para a boa <strong>do</strong>utrina? Entenderíamos a proposição<br />
se ela dissesse: "Embora maus filósofos e teólogos, por instinto<br />
praticam atos e tomam posições práticas que se coadunam com<br />
a boa <strong>do</strong>utrina que só é perceptível para quem tenha retina filosófica<br />
ou teológica". Ou então "... por instinto tomam posições e fazem<br />
coisas que nós, filósofos e teólogos obedientes à Igreja, ou <strong>do</strong>ta<strong>do</strong>s<br />
de habitus especiais, reconhecemos como bons, segun<strong>do</strong> a boa <strong>do</strong>utrina."<br />
Corrige-se assim a forma, mas o conteú<strong>do</strong> de tais proposições<br />
parece-nos dificilmente conciliável com o tomismo, com o cristianismo<br />
e, sobretu<strong>do</strong>, com os ensinamentos <strong>do</strong> Magistério.<br />
88<br />
Analisemos mais detidamente o conteú<strong>do</strong> da página em questão.<br />
O termo "extremismo de esquerda" só pode significar, dentro <strong>do</strong><br />
conjunto de várias e gradativas esquerdas, uma perfeição no género,<br />
um máximo, um ponto limite. Se admitirmos que o termo "esquerdas"<br />
designa uma coisa homogénea em todas as suas gradações, admitiremos<br />
a jortiori que as esquerdas medianas e tímidas já satisfazem<br />
a norma de pertinência <strong>do</strong> grupo. Ao contrário, se concluirmos que<br />
a denominação é equívoca, e não se refere à mesma coisa realizada<br />
em graus diversos de perfeição, deveremos renunciar a qualquer<br />
digressão que use o termo "esquerda", ou então deveremos exigir<br />
uma definição para "esquerda" e outra para "extrema-esquerda".<br />
No uso corrente, "extrema-esquerda" significa comunismo ou<br />
socialismo marxista, e nesse caso fica esquisitíssimo para um católico<br />
qualquer, e por mais forte razão para um grande filósofo tomista,<br />
dizer que "os comunistas tendem por instinto para a boa <strong>do</strong>utrina".<br />
Estritamente, já que realiza a extrema perfeição <strong>do</strong> género, o comunismo<br />
só poderá tender para o esplen<strong>do</strong>r de suas virtualidades.<br />
Afrouxan<strong>do</strong> um pouco o rigor lógico, concederíamos que o autor<br />
de Le Paysan queira apenas dizer que a "esquerda" (e não a extremaesquerda)<br />
pende por instinto para a boa <strong>do</strong>utrina. Mas ainda assim<br />
estamos num impasse porque não vemos bem para que la<strong>do</strong> pende<br />
por instinto o possui<strong>do</strong>r das entranhas evangélicas. A nenhum de<br />
nós, evidentemente, ocorrerá a fantástica ideia de que os franceses de<br />
gaúche, por instinto, ou pelos intestinos, tendem para posições sempre<br />
mais nitidamente anticomunistas. A história <strong>do</strong>s últimos 40 anos<br />
prova, ao contrário, que a coisa chamada gaúche catholique precipitou-se,<br />
numa enxurrada catastrófica, na direção daquilo que nós<br />
aqui no Brasil, e em Portugal, chamamos comunismo. Será isso a<br />
"boa <strong>do</strong>utrina"? Estará nos comunistas realizada com maior perfeição<br />
o que Tresmontant chamou de "entrailles évangélíques"?<br />
Achamos difícil imaginar que toda uma zona de cultura católica<br />
possa pronunciar discursos, escrever revistas e livros sobre o<br />
fenómeno designa<strong>do</strong> "esquerda" sem ter presente no campo visual<br />
a brutalidade que ocupa a metade <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> e que foi objeto de<br />
inúmeras advertências e condenações <strong>do</strong>s últimos Papas. Como explicar<br />
que em 1965 um <strong>do</strong>s filósofos católicos mais inteligentes <strong>do</strong><br />
<strong>século</strong> tenha dito, contra a lógica, contra a evidência <strong>do</strong>s fatos e<br />
contra o ensino da Igreja, que os homens da esquerda tendem por<br />
instinto "vers la bonne <strong>do</strong>ctrine"? Como explicar esse lapso espantoso?<br />
O mun<strong>do</strong> inteiro sabe hoje que a infiltração marxista nos meios<br />
católicos foi um <strong>do</strong>s principais fatores que produziram a desastrosa<br />
crise que o Papa já qualificou de "autodestruição da Igreja". Como<br />
explicar que em 1965 Jacques Maritain e Claude Tresmontant igno-<br />
89