Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Per<strong>do</strong>e-me o leitor esse curto delírio. Volto ao tema: é racionalmente<br />
inexplicável a ausência <strong>do</strong> "comunismo" nas interrogações<br />
<strong>do</strong> camponês. E onde se vê como é difícil falar da "crise" e principalmente<br />
de Teilhard de Chardin, sem dizer alguma coisa <strong>do</strong> "diálogo"<br />
que o Pe. Chenu afaga, é no livro de Etienne Gilson, Les Tribulations<br />
de Sophie, VRIN, Paris, 1967, escrito num tom pareci<strong>do</strong> com o de<br />
Le Paysan, mas com uma diferença: quase metade <strong>do</strong> livro de Gilson<br />
se aplica ao vergonhoso conúbio que tanto entusiasma o Pe. Chenu.<br />
Na página 135 encontramos esta melancólica conclusão: "Poderemos<br />
dialogar proveitosamente com um ateu? Duvi<strong>do</strong>, se ele é comunista;<br />
receio as consequências se esse diálogo se estabelece entre um marxista<br />
bem informa<strong>do</strong> de sua <strong>do</strong>utrina, como o Sr. Garaudy, e o teólogo<br />
tão mal informa<strong>do</strong> da sua, como o Pe. Teilhard de Chardin. Num<br />
caso assim, o comunista devora o teólogo com a maior facilidade,<br />
e nutre-se dele com proveito. E só nos resta o ridículo da aventura".<br />
Voltamos à obsessiva pergunta: como se explica a omissão de<br />
Maritain em Le Paysan... ? Muita gente hoje, levada pela evidência<br />
de certos fatos e pela simplificação brutal das ideias, julgará que a<br />
explicação reside na inclinação esquerdizante ou comunizante <strong>do</strong><br />
grande tomista. Ora, não se vê na obra <strong>do</strong> filósofo, digo na obra de<br />
especulação filosófica, seja no plano metafísico, seja no plano da<br />
filosofia da cultura ou da história, <strong>nada</strong> que de longe se pareça com<br />
um Mounier, que desabusadamente dizia querer trabalhar com os<br />
comunistas para as coisas de César, e com sua fé católica para as<br />
coisas de Deus. Tal afirmação, ou tal outra <strong>do</strong> léxico "progressista",<br />
é inconcebível num livro de Maritain. Sobre o comunismo ele sempre<br />
foi muito níti<strong>do</strong> e duro, quan<strong>do</strong> falou ou escreveu como filósofo.<br />
Tomemos <strong>do</strong>is depoimentos <strong>do</strong> filósofo colhi<strong>do</strong>s em pontos<br />
extremos de sua obra e de sua vida: o primeiro em Antimoderne<br />
(Paris, 1922) e o segun<strong>do</strong> em On the Philosophy of Bistory,<br />
Scribner's Sons, N.Y., 1957. E insisto em assinalar a separação <strong>do</strong>s<br />
<strong>do</strong>is depoimentos, separação em vários senti<strong>do</strong>s: Antimoderne é escrito<br />
no perío<strong>do</strong> de 15 anos em que Maritain esteve na Action<br />
Française, no fim <strong>do</strong> pontifica<strong>do</strong> de Pio X e no princípio <strong>do</strong> de Pio<br />
XI. O segun<strong>do</strong> livro menciona<strong>do</strong>, escrito em inglês, nos Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s,<br />
<strong>do</strong>ze anos depois da tormenta europeia e da catástrofe francesa,<br />
está, por assim dizer, além e por cima de to<strong>do</strong> um perío<strong>do</strong> de inquietações<br />
e de grandes paixões: depois da crise da Action Française,<br />
1926, e de um perío<strong>do</strong> de transição, Maritain passa a frequentar os<br />
meios ditos de esquerda. Em 1932 colabora com Mounier na fundação<br />
da revista Esprit, e depois com os <strong>do</strong>minicanos de Sept, e<br />
depois com a extrema-esquerda de Vendredi e de Temps Présent que<br />
sucedia a Sept, fechada por decisão de Roma. Resistin<strong>do</strong> e contrarian<strong>do</strong><br />
os conselhos de Garrígou-Lagrange, que durante tantos anos<br />
tivera por mestre nos Cercles de Meu<strong>do</strong>n, Maritain se inclina para<br />
68<br />
a filosofia política e escreve Humanismo Integral em 1936, livro<br />
marca<strong>do</strong> pelo "otimismo" da época que exercia a ultracorreção sobre<br />
a quadra anterior de depressão e desespero. Para os franceses, mais<br />
sujeitos às oscilações e contrastes políticos <strong>do</strong> que ninguém, porque<br />
a França corre ao longo da história entre espasmos revolucionários<br />
(ou euforias democráticas) e arroubos monárquicos (ou nostalgias<br />
autocráticas), o novo livro de Maritain representava, na obra <strong>do</strong><br />
filósofo, uma gui<strong>nada</strong> para a esquerda. Não nos deteremos demais<br />
neste ponto porque logo depois entram em cena acontecimentos mais<br />
significativos e marcantes para a vida e para a "política filosófica"<br />
de Maritain, como diz Henry Bars.<br />
Em 1936 desencadeiam-se na Europa duas revoluções de incalculáveis<br />
consequências: uma visível, rui<strong>do</strong>sa e sangrenta; outra invisível<br />
e com mais derramamento de tinta <strong>do</strong> que de sangue. Refirome<br />
à revolução ou contra-revolução espanhola que terminou com a<br />
derrota <strong>do</strong>s comunistas; e à revolução ou infra-revolução francesa,<br />
ocorrida no plano das ideias e em forte antítese à revolução de Espanha,<br />
que terminou com a fragorosa derrota da França, e depois<br />
com a monstruosa vitória <strong>do</strong> comunismo, principalmente nos meios<br />
católicos. Ora, em to<strong>do</strong> esse drama Jylarítain tomou posições, assinou<br />
manifestos, escreveu prefácios, incentivou revistas, tu<strong>do</strong> isto inequivocamente<br />
com as esquerdas, contra os brancos na Espanha, e dia<br />
a dia mais engaja<strong>do</strong> com as esquerdas francesas, contrarian<strong>do</strong> nisto<br />
uma feição de sua personalidade, resistin<strong>do</strong> aos conselhos de Garrigou-Lagrange<br />
e desconhecen<strong>do</strong> com estranho desembaraço os pronunciamentos<br />
normativos e preceptivos <strong>do</strong> Papa Pio XI sobre a Guerra<br />
Civil espanhola. Nos capítulos subsequentes deste livro volverei a<br />
esta tragédia da França, mais grave <strong>do</strong> que a episódica derrota infligida<br />
pelos nazistas. No momento quero consignar estes fatos que<br />
nos preparam para admitir, com o próprio Henry Bars, fidelíssimo<br />
amigo, a ideia de certa duplicação na vida, senão também na personalidade<br />
de Maritain.<br />
Passa<strong>do</strong> aquele perío<strong>do</strong> tumultuoso, instala<strong>do</strong> na América, de<br />
certo mo<strong>do</strong> desliga<strong>do</strong> da seqiiela da Êpuration e da efervescência crescente<br />
das esquerdas católicas de França, Maritain, bem cerca<strong>do</strong> por<br />
<strong>do</strong>is admiráveis representantes <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> feminino, Maritain se<br />
reencontra, se recompõe, e arriscar-me-ia até a dizer que se restabelece<br />
de uma segunda ruptura mais grave e decisiva <strong>do</strong> que a<br />
primeira.<br />
E então consegue escrever em On the Philosophy of History,<br />
sobre o comunismo, páginas que se cosem facilmente ao que escrevia<br />
em 1922, e que serão vistas pelos "progressistas" franceses como<br />
uma espécie de traição, ou de regressão. E é significativo o fato de<br />
escrever em inglês esse livro, e seu grande livro Creative Intuition<br />
69