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O século do nada - Suma Teológica

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ção lógica de uma propriedade <strong>do</strong>s entes de razão matemáticos. Se ò<br />

leitor quiser entender melhor essa ideia, trace num pedaço de papel a<br />

figura de <strong>do</strong>is triângulos simétricos, recorte-os com a tesoura e verá<br />

que não conseguirá superpô-los enquanto mantiver esses <strong>do</strong>is entes<br />

geométricos de duas dimensões no seu espaço de duas dimensões, o<br />

plano. Para conseguir a superposição, a identificação posicionai, será<br />

preciso tirar um deles <strong>do</strong> plano e, graças à terceira dimensão de que<br />

dispomos, deitá-lo sobre o plano com a outra face sobre o triângulo<br />

que permaneceu no plano. Generalizan<strong>do</strong>, direí que duas formas simétricas<br />

de n dimensões só se superporão graças a um rebatimento por<br />

um espaço de n+1 dimensões.<br />

Deixemos o mun<strong>do</strong> fantasioso <strong>do</strong>s entes de razão e voltemos às<br />

nossas mãos. Ei-las: sua igualdade simétrica é um desafio e um<br />

convite. Estamos diante de uma contraposição feita para composição,<br />

ou de uma disjunção que pede conjunção. A diferença na igualdade<br />

é um incentivo para a união, para a complementação e para a colaboração.<br />

Nós sabemos, nas profundezas de nossa alma, que nosso eu está<br />

sempre ameaça<strong>do</strong> de uma disjunção, de um mal-estar, de uma inimizade<br />

interna, semente e modelo de todas as inimizades exteriores. O<br />

mais profun<strong>do</strong> de nossos instintos é o da unidade pessoal reforça<strong>do</strong><br />

e aguça<strong>do</strong> pelo sentimento da unicidade <strong>do</strong> eu. A vida nos solicita,<br />

nos desafia, e em cada uma de suas arestas nos fere e nos quer<br />

dilacerar, e os outros nos chamam, nos pedem, nos comem. Aprendemos<br />

com a vida e com os outros, se alguma coisa aprendemos, a<br />

lição para<strong>do</strong>xal, a líção quase absurda das leis <strong>do</strong> amor. Cabem em<br />

duas palavras: integridade difusiva. Só é difusivo, capaz de plena<br />

vida de conhecimento e amor, só é capaz de entrega, <strong>do</strong>m de si<br />

mesmo, difusão de seu ser e de seus <strong>do</strong>ns, quem em si mesmo e<br />

consigo mesmo estiver bem integra<strong>do</strong>. Em outro lugar (14) já vimos<br />

que nosso relacionamento com os outros é homólogo <strong>do</strong> relacionamento<br />

que temos em nosso próprio eu: amamos e desamamos o próximo<br />

conforme nos amamos e desamamos a nós mesmos. B <strong>do</strong> supremo<br />

mandamento: "Amar a Deus, e ao próximo como a ti mesmo" que<br />

Santo Tomás (II a II ae , q.26, a.4), tira a ordem da caridade, e que<br />

tiramos nós a lei de sua difusão em conformidade com sua integração.<br />

Mas a perfeita integração que capacita a alma para a perfeita<br />

difusão de amor só se obtém se nosso próprio eu procura em<br />

Deus, e não no seu eu-exterior, a fonte de to<strong>do</strong> o verdadeiro amor.<br />

O amor-próprio, ou egoísmo, cicatriz <strong>do</strong> peca<strong>do</strong> original, cisão <strong>do</strong><br />

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eu, está na raiz de to<strong>do</strong>s os descomedimentos humanos. De to<strong>do</strong>s os<br />

peca<strong>do</strong>s. Nosso tempo, por causa de sua atmosfera civilizacional, é<br />

especialmente marca<strong>do</strong> por uma terrível abundância de eus em avança<strong>do</strong><br />

processo de desintegração. E as energias liberadas por essas<br />

desintegrações atómicas enchem de letal egoísmo, de essencial inimizade,<br />

a atmosfera de nossa civilização. O mun<strong>do</strong> morre de desamor.<br />

E as filantropias que inventa são a mais cruel forma desse desamor.<br />

Ora, está em nossas mãos, nesta, naquela, na direita, na esquerda,<br />

duas, duais, diversas, iguais e inconciliáveis no espaço, simétricas<br />

—• está em nossas mãos a figura exterior mais eloquente de<br />

nosso drama interior. Separadas, alheias, diversas, duas, duais, devem<br />

complementar-se diligentemente para a obra comum: vede o artífice<br />

como sabe bem explorar e conjugar o bom dualismo quan<strong>do</strong> a esquerda<br />

segura a peça enquanto a direita busca o instrumento; vede<br />

o pianista como distribui as partes da mesma música nas duas mãos<br />

espalhadas, ora afastadas como se se desconhecessem, ora aproximadas<br />

como se quisessem na obra comum encontrar a tão desejada<br />

integração. Vede como se afastam ou se juntam nos sinais da amizade.<br />

Mas é no rebatimento que realiza numa espécie de quarta<br />

dimensão que nossas pobres mãos divididas, duas, duais, conseguem<br />

<strong>do</strong>cemente realizar o gesto perfeito de súplica e de a<strong>do</strong>ração. Mas<br />

devem afastar-se, abrir-se, ignorar-se, esquecer-se cada uma de si<br />

mesma, na hora de dar: "nesciat sinistra tua quid faciat dextera<br />

tua." (Mat. VI, 3)<br />

E o símbolo <strong>do</strong> jogo E—D? O símbolo escondi<strong>do</strong> na persistente<br />

e difundida metáfora, que tumultua um <strong>século</strong>, está agora desvenda<strong>do</strong>.<br />

Denunciemo-lo. O sucesso da metáfora e a violência de sua<br />

aplicação e sobretu<strong>do</strong> a sua capacidade de confundir, mentir e falsear<br />

se explicam pelo humanismo que Maritain em Humanisme Integral<br />

chamou de humanismo antropocêntrico, e nós (na mesma linha de<br />

ideias) preferimos chamar de humanismo antropoexcêntrico. (15) Ou<br />

se explicam por to<strong>do</strong> um processo civilizacional aberrantemente afasta<strong>do</strong><br />

de Deus e gera<strong>do</strong>r de inimizades. Os homens quiseram-se bastar,<br />

pretenderam desvincular-se de todas as "alienações", e nesse ato de<br />

suprema soberba produziram um humanismo que só tem consciência<br />

de sua interna inimizade, e fabricaram um mun<strong>do</strong> novo que rapidamente<br />

se aproxima <strong>do</strong> modelo <strong>do</strong>s institutos para aliena<strong>do</strong>s.<br />

O símbolo da antítese esquerda-direita está no secreto desejo<br />

de rasgar o homem. O <strong>século</strong> disputa a hegemonia da nova civilização<br />

e disputa com a Igreja a posse <strong>do</strong> filho, preferin<strong>do</strong>-o rasga<strong>do</strong><br />

em <strong>do</strong>is como a falsa mãe desvendada pelo rei sábio.<br />

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