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Comecei hoje. Começo agora, nestas Unhas, um livro com<br />
que venho sonhan<strong>do</strong> há mais de quatro anos e que agora, depois<br />
de muitas hesitações, resolvi começar, mas logo pressenti que<br />
este livro, como to<strong>do</strong>s os que quis escrever e escrevi, e como<br />
os milhares que não escrevi, está rigorosamente acima de minhas<br />
forças. O fato é que tu<strong>do</strong> o que li nestes últimos cinco anos<br />
sobre o que aconteceu no mun<strong>do</strong> católico, e sobre o que me<br />
parece explicar o que está acontecen<strong>do</strong>, compele-me imperativamente,<br />
preceptivamente, a escrever este livro, não por julgálo<br />
necessário e útil para a Igreja e para o mun<strong>do</strong>, mas simplesmente<br />
por julgá-lo indispensável à completação e ao retoque<br />
<strong>do</strong> testemunho que venho deixan<strong>do</strong> há tantos anos em livros,<br />
aulas e artigos. Mas, além desse imperativo de algumas retratações<br />
que tenho impaciência de formular, não escon<strong>do</strong> o velho<br />
vezo de professor que me leva ao temerário empreendimento<br />
de buscar explicações nas águas turvas deste <strong>século</strong>. Daí os<br />
subtítulos que já tenho antes de ter o título:<br />
RETRATAÇÕES<br />
REAFIRMAÇÕES<br />
INTERROGAÇÕES<br />
E OUTROS...ÕES.<br />
Hestas páginas de introdução, tentarei dar ao leitor algumas<br />
explicações pessoais sobre posições tomadas, que hoje me<br />
obrigam às retratações e me estimulam à busca das causas. O<br />
tom será aqui e ali pessoal, evocativo e afetivo, porque na verdade<br />
vou reabrir feridas, ou ferir-me onde me julgava ileso.<br />
Deixarei correr a memória sem preocupação de méto<strong>do</strong> e de<br />
sistematização, mas depois desse desabafo no ombro imaginário,<br />
de um leitor imaginariamente amigo, levantarei vôo para<br />
as terras onde to<strong>do</strong> o drama deste <strong>século</strong> se iniciou e se desenrolou,<br />
e então tratarei de esquecer-me de mim e <strong>do</strong> leitor, para<br />
entregar-me de corpo e alma à observação <strong>do</strong> registro <strong>do</strong>s fatos,<br />
que nos trouxeram tão inimagináveis calamidades. Teremos de<br />
entrevistar muitos autores, teremos de nos afastar aqui e ali<br />
de alguns a que estivemos quase cola<strong>do</strong>s, mas também teremos<br />
de nos aproximar de outros que um preconceito <strong>do</strong>s anos quarenta<br />
e cinquenta nos impedira de ver e de admirar. Tu<strong>do</strong> isto<br />
custou para o autor destas linhas um esforço de estu<strong>do</strong> que só<br />
pôde realizar porque, no momento em que se aposentava de<br />
alguns deveres de esta<strong>do</strong> e se simplificava a família, teve ainda<br />
reservas de força e saúde para rever e ler tu<strong>do</strong> o que não lera<br />
em trinta anos de estu<strong>do</strong> mais aplica<strong>do</strong> à <strong>do</strong>utrina perene <strong>do</strong><br />
que aos turbilhões produzi<strong>do</strong>s na história pelos contatos, sempre<br />
difíceis e sempre trágicos, entre a Igreja e o Mun<strong>do</strong>.<br />
Comecemos, pois, as explicações pessoais prometidas. E<br />
como sempre convém a qualquer obra que, embora minúscula,<br />
pretenda ser serviço de Deus, comecemos pelo sinal da santa<br />
cruz.<br />
In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti.<br />
Antes de mais <strong>nada</strong>, convém agradecer a Deus o fato de<br />
estarmos nós ainda em tempo de colher e de louvar. Por mim,<br />
considero com estupefação, e certo constrangimento, este eleva<strong>do</strong><br />
patamar da vida que nunca julguei alcançar.<br />
Desde que me lembro de mim, vejo-me sempre espanta<strong>do</strong><br />
de sobreviver. Não que tivesse ín<strong>do</strong>le melancólica ou tristonha.<br />
Ao contrário, fui um menino alegre e cheio de vida, mas por<br />
isso mesmo, ou por uma das tantas contradições <strong>do</strong> pêndulo<br />
da alma, sempre senti muito vivo, muito aguça<strong>do</strong>, o provisório<br />
de tu<strong>do</strong> o que por aqui andei fazen<strong>do</strong>. Desde os dez ou<br />
<strong>do</strong>ze anos vivo eu a sobreviver e a me espantar. Quan<strong>do</strong> fiz<br />
vinte e quatro achei-me um Matusalém e apostei comigo mesmo<br />
que não chegaria aos vinte e cinco.<br />
Anos atrás conheci Oswal<strong>do</strong> Goeldi. Estava queren<strong>do</strong> ilustrar<br />
minhas Lições de Abismo e julgou que, antes de prosseguir<br />
o trabalho, devia conhecer pessoalmente o autor. Foi assim, em<br />
busca de minha alma, que uma tarde bateu-me à porta. Con-<br />
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