Mortes Vitorianas:Corpos e luto no século XIX - Senac
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carmesim; adeus ao ouro dos cabelos! A vida que deveria animar-lhe a alma lhe<br />
estragaria o corpo. Tornar-se-ia hediondo, repulsivo grotesco.<br />
Amedrontado pelas mudanças do retrato - ao longo dos 18 a<strong>no</strong>s que a narrativa<br />
cobre, período <strong>no</strong> qual toda a graça de Dorian permanece intocada, enquanto sua réplica<br />
transforma-se grotescamente -, obriga-se a trancafiar a obra <strong>no</strong> porão, longe dos olhares<br />
de seus conhecidos e mesmo dos empregados. A possibilidade de escondê-la preserva o<br />
caráter fantástico da história, já que não há cúmplices à corrupção da imagem. Essa<br />
qualidade do Duplo, fantasmagórica, visível somente àquele que é diretamente afetado<br />
por sua existência, é ainda mais algoz <strong>no</strong> caso de William Wilson. Seu sósia, espécie de<br />
gêmeo espectral, que divide com o protagonista semelhanças inverossímeis (como o<br />
mesmo <strong>no</strong>me, data de nascimento e fenótipo) é, ao contrário do que ocorre com Dorian<br />
Gray, um tipo de consciência ética perdida por Wilson <strong>no</strong> decorrer das experiências<br />
mundanas em que se envolve.<br />
Golpista e manipulador, o personagem de Edgar Allan Poe é um dissimulado,<br />
que se esconde detrás de sua estirpe aristocrática para realizar suas vigarices. Seu<br />
antagonista personifica, para seu terror, sua própria culpa, que reconhece e rememora a<br />
todo instante sua decadência e miséria moral. Ao eliminá-la, ou seja, ao escolher ser<br />
exclusivamente o homem inescrupuloso e perverso, torna-se um condenado, sem<br />
salvação, morto para o Mundo, para o Céu e para a Esperança.<br />
Em algum momento esses personagens apercebem-se dos laços indissolúveis<br />
que os unem aos seus Duplos.“Este também era eu” disse Henry Jekyll sobre Edward<br />
Hyde. Durante toda sua vida, trancafiara o monstro na “prisão de sua índole” para ser,<br />
com muito esforço, apenas o amável e discreto médico. Ao libertar esse Duplo cruel e<br />
vil, gozava dos prazeres mais infames e crimi<strong>no</strong>sos sob a máscara do Outro. Pouco a<br />
pouco, eu estava perdendo o controle sobre meu original e melhor eu, e tornando-me o<br />
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