Mortes Vitorianas:Corpos e luto no século XIX - Senac
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dos procedimentos utilizados pela <strong>no</strong>breza para marcar e manter sua distinção de<br />
casta; pois a aristocracia <strong>no</strong>biliárquica também afirmara a especificidade de seu<br />
próprio corpo. Mas era na forma de sangue, isto é, da antiguidade das ascendências e<br />
do valor das alianças; a burguesia, para assumir um corpo, olhou, ao contrário, para a<br />
sua descendência e da saúde do seu organismo. O “sangue” da burguesia foi seu<br />
próprio sexo. 40 Ao substituir a ordem aristocrática, o sangue azul, impôs um organismo<br />
são e uma sexualidade sadia, seguindo preceitos tipicamente burgueses e <strong>no</strong>vos – e por<br />
isso, talvez, tão intransigentemente criticados.<br />
Os discursos referentes à moralidade vitoriana dão a entender que o mundo<br />
burguês era perseguido pelo sexo, ou ainda, pela proibição do sexo. Certamente exigia-<br />
se a discrição sobre determinados assuntos e, mesmo concernente ao vestuário, nunca o<br />
corpo fora tão coberto <strong>no</strong> caso das mulheres, e pouco chamativo <strong>no</strong> caso dos homens,<br />
numa tentativa de dessexualizar a imagem pessoal. Porém, chamam a atenção as<br />
histórias fabulosas sobre um severíssimo decoro imposto pela etiqueta vitoriana que<br />
chegava ao ponto de obrigar que se escondesse os objetos que lembrassem partes do<br />
corpo huma<strong>no</strong>, como as pernas das mesas e dos pia<strong>no</strong>s, ou ainda que, ao comer,<br />
pedissem não o peito, mas o colo da galinha.<br />
Ainda que não seja possível afirmar veementemente que a vida sexual dos casais<br />
vitoria<strong>no</strong>s fosse lascivamente admirável, tampouco é possível concordar que a classe<br />
média era contra o sexo. É possível acreditar que, por muito que se falasse acerca do<br />
sexo (mesmo quando para se dizer de sua proibição), a profusão de discursos, antes de<br />
evitar o intercurso, promovia uma prática sexual mais consciente. Durante mais de um<br />
<strong>século</strong> os historiadores que desdenhavam os vitoria<strong>no</strong>s passaram adiante a calúnia de<br />
que os maridos burgueses daquela época se sentiam compelidos a recorrer a<br />
prostitutas para compensar a inescapável frustração sexual <strong>no</strong> lar. Evidentemente<br />
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