VJ OUT 2008.p65 - Visão Judaica
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10<br />
* Rina<br />
Castelnuovo é<br />
jornalista do The<br />
New York Times.<br />
Tradução: Paulo<br />
Migliacci.<br />
Tecnologia a serviço<br />
do shabat<br />
VISÃO JUDAICA outubro de 2008 Tishrê / Cheszvan 5769<br />
Rina Castelnuovo *<br />
s rabinos, cientistas e engenheiros<br />
do Instituto Zomet estão tentando<br />
resolver problemas que<br />
surgem quando acontecem colisões<br />
entre a tecnologia e a Torá.<br />
Trabalhando em suas instalações de<br />
pesquisa na colônia de Alon Shvut, na<br />
Cisjordânia, eles criam aparelhos eletrônicos<br />
- de telefones a sistemas de alarme<br />
e veículos motorizados - que obedecem<br />
às leis do judaísmo ortodoxo sobre o shabat,<br />
quando até mesmo ligar ou desligar<br />
uma lâmpada é proibido.<br />
"Tentamos combinar um estado judaico<br />
moderno e leis judaicas muito antigas",<br />
disse Dan Marans, diretor<br />
executivo do Zomet. Isso requer<br />
tanto um conhecimento profundo<br />
do código legal judaico, ou halachá,<br />
quanto alguma engenhosidade.<br />
"A cada dia, D-us nos oferece<br />
coisas de que podemos usufruir,<br />
e é preciso apenas descobrir<br />
de que maneira fazê-lo de<br />
acordo com Suas normas", disse<br />
Marans.<br />
Por décadas, grupos de pesquisa<br />
como o que Marans dirige<br />
vêm desfrutando de um quase<br />
monopólio sobre a tecnologia de<br />
aparelhos kosher. Eles vendem a<br />
maior parte de suas invenções<br />
ao governo e às forças armadas<br />
de Israel. Agora multinacionais, as pequenas<br />
empresas e empresários ortodoxos<br />
de todo o mundo estão criando produtos<br />
aprovados pelos rabinos.<br />
As invenções, que ajudam os mais<br />
de 1,5 milhão de judeus ortodoxos do<br />
Empresas criam tecnologias<br />
que respeitam o shabat judaico<br />
mundo a desfrutar das conveniências da<br />
vida moderna, estão ganhando popularidade<br />
devido aos baixos preços propiciados<br />
pela fabricação na Ásia e ao uso<br />
da Internet como ferramenta para comercializar<br />
produtos destinados a nichos<br />
de mercado.<br />
O rabino Shmuel Veffer, presidente<br />
da Kosher Innovations, de Toronto, é<br />
apenas um dos empresários que se beneficiaram<br />
da tendência. Em 2004, Veffer<br />
inventou a Luminária Kosher, que<br />
conta com uma cobertura que pode ser<br />
movimentada de maneira a bloquear a<br />
luz da lâmpada mas sem desligá-la.<br />
Veffer diz ter vendido "dezenas de<br />
milhares" das luminárias, entre as quais<br />
um modelo mais caro e uma versão infantil<br />
em forma de ursinho. Todas elas<br />
são fabricadas na China. A Kosher Innovations<br />
agora vende uma dúzia de produtos,<br />
entre os quais um dispositivo de<br />
iluminação que ajuda a combater insetos<br />
e um despertador que respeita o<br />
shabat, em quase 400 lojas, de Nova York<br />
a Londres e Sydney. Veffer garantiu aprovação<br />
religiosa de renomadas autoridades<br />
rabínicas em todos os países em que<br />
seus produtos estão à venda.<br />
"O mundo dos judeus ortodoxos é<br />
uma comunidade fechada, de modo que<br />
se você oferece algo de que as pessoas<br />
gostam, as boas novas logo se espalham",<br />
afirma o rabino.<br />
Mas "o consumidor kosher tem uma<br />
influência sobre o mercado que vai além<br />
dos números", disse o dr. Avrom Pollak,<br />
presidente da Star-K, de Baltimore, que<br />
certifica como kosher diversos produtos,<br />
de grandes eletrodomésticos a alimentos,<br />
álcool e alguns remédios.<br />
Por exemplo, disse Pollak, os domicílios<br />
judeus ortodoxos dedicam muito<br />
mais tempo, atenção e dinheiro às suas<br />
cozinhas do que a maioria dos demais<br />
consumidores norte-americanos, e é por<br />
isso que 14 grandes marcas de eletrodomésticos<br />
para cozinha solicitaram certificação<br />
kosher da Star-K.<br />
A Star-K também monitora algumas<br />
fábricas chinesas que produzem bens<br />
kosher, para garantir que elas estejam<br />
cumprindo as leis judaicas.<br />
Embora a tecnologia moderna tenha<br />
por intenção tornar menos difíceis as<br />
tarefas da vida cotidiana, a proliferação<br />
de motores automáticos, sensores e luzes<br />
em mais aparelhos domésticos se<br />
tornou problema cada vez mais grave<br />
para os judeus que seguem estritamente<br />
as leis religiosas.<br />
Por décadas, os judeus ortodoxos<br />
percorriam suas casas antes de cada shabat<br />
em um ritual que envolvia desligar<br />
seus sistemas de alarme, prender com<br />
fita adesiva o botão que acende a luz dentro<br />
da geladeira quando a porta se abre e<br />
deixar acesa uma das bocas do fogão,<br />
para que comida possa ser aquecida.<br />
Nos últimos 10 anos, fabricantes<br />
como Whirlpool e Viking também incluíram<br />
programações para shabat em seus<br />
aparelhos, como fogões, refrigeradores<br />
e até sistemas de armazenagem de vinho.<br />
A General Electric introduziu seu<br />
modo shabat em 2000, e informa que o<br />
recurso está disponível em mais de 150<br />
de seus fornos, fogões e outros utensílios<br />
culinários.<br />
Esses modos ou desligam automaticamente<br />
certas luzes, ventiladores e<br />
alarmes ou usam um conceito legal ju-<br />
O anti-semitismo e suas faces<br />
Roberto Romano * inclusão acadêmica, elas eram negativas. Exis- com a tenure (estabilidade) nos estudos clás-<br />
O Estado de Israel agrega sete milhões e<br />
duzentos mil habitantes, dos quais cinco milhões<br />
e trezentos são judeus, um milhão e quatrocentos<br />
árabes, quatrocentos de outras origens.<br />
A maioria dos judeus seguiu para a região<br />
após perseguições e massacres que chegaram<br />
ao genocídio de seis milhões dos seus irmãos.<br />
Após 60 anos de existência, o país sofre violências<br />
mascaradas de anti-sionismo, quando na<br />
verdade trata-se de virulento anti-semitismo.<br />
Cérebros sem prudência tentam por todos os<br />
meios impedir que os filhos de Abraão tenham<br />
uma pátria e possam lutar para evitar um novo<br />
Holocausto. O imaginário ideológico está cheio<br />
de muitas desculpas dos que vivem o mesmo<br />
ódio racista que nutriu, já antes do totalitarismo,<br />
as elites ocidentais e orientais.<br />
Como hoje as cotas em favor dos negros está<br />
tiam cotas com números máximos para o ingresso<br />
de judeus na Universidade de Yale, o alvo<br />
era diminuir o número de judeus no campus.<br />
Mesmo em outras universidades norte americanas<br />
imperou tal política de exclusão. (Oren,<br />
D.A. Joining the Club: a History of Jews at Yale,<br />
New Haven, Yale Univ. Press, 1985).<br />
Não se trata de um setor "pouco esclarecido",<br />
para usar o jargão dos conservadores de<br />
todos os matizes. Temos naquela prática a posição<br />
de mestres renomados no mundo acadêmico,<br />
em especial nos estudos clássicos. Se<br />
a vida nas universidades, como enuncia Hegel<br />
na Fenomenologia do Espírito, é o reino animal<br />
onde os indivíduos são nutridos com a carne<br />
do "colega", se ali as manadas têm suas lideranças<br />
que ensinam aos do rebanho quem<br />
deve ser estraçalhado ou acarinhado, não surpreende<br />
encontrar o racismo anti-semita nos<br />
sicos da famosa Ivy League. Ele ensinou de<br />
1924 a 1980. Entre seus trabalhos, é relevante<br />
a tradução da ciceroniana Rethorica ad Herenium<br />
(Loeb Classical Series). Em 1919 o docente<br />
se candidatou ao lugar de professor na Universidade.<br />
Recebeu uma carta, que traduzo literalmente:<br />
"Meu caro Caplan: quero apoiar a<br />
opinião do professor Bristol e lhe aconselhar<br />
vivamente a seguir rumo ao ensino secundário.<br />
As oportunidades para os cargos na faculdade,<br />
nunca suficientes, agora são poucas e<br />
provavelmente diminuirão. Não posso encorajar<br />
ninguém na busca de assegurar um emprego<br />
na faculdade. Existe, além disso, um<br />
preconceito muito real contra o judeu. Não<br />
partilho pessoalmente tal atitude, estou certo<br />
que o mesmo é verdadeiro em se tratando<br />
de todo o pessoal daqui. Mas vimos tantos judeus<br />
bem preparados falhar na busca de em-<br />
na ordem do dia, recordo que os Estados Uni- departamentos escolares.<br />
pregos que semelhante fato nos forçou a tandos<br />
da América, fonte de inspiração das citadas Uma carta foi encontrada em 1980, na gato. Lembro Alfred Gudeman, E.A. Loew - bri-<br />
cotas, as instituiu para os judeus por volta de veta do professor Harry Caplan, de Cornell, lhantes acadêmicos de reputação internacio-<br />
1920. Só que em vez de serem chaves para a durante muito tempo o único professor judeu nal, e mesmo assim incapazes de obter um<br />
daico conhecido como "gramma", ou<br />
ação indireta, para manter os aparelhos<br />
em operação no dia de repouso. Nos refrigeradores,<br />
por exemplo, um mecanismo<br />
programado impede que o compressor<br />
entre em ação imediatamente quando<br />
a porta é aberta.<br />
Mais de 750 mil judeus ortodoxos<br />
modernos e ultra-ortodoxos vivem nos<br />
Estados Unidos. Israel abriga mais de 800<br />
mil ortodoxos modernos e ultra-ortodoxos,<br />
e 31% das pessoas com idade superior<br />
a 20 anos no país se identificam como<br />
ortodoxas, de acordo com Serviço Central<br />
de Estatísticas de Israel.<br />
A comunidade exerce considerável<br />
influência política e econômica, e o mesmo<br />
se aplica a Eliyahu Yishai, primeiroministro<br />
assistente e ministro da Indústria,<br />
Comércio e Trabalho, ele mesmo<br />
judeu ortodoxo. No ano passado, o ministério<br />
que ele dirige colaborou com<br />
estudiosos da religião e com a Associação<br />
da Indústria de Israel para desenvolver<br />
produtos próprios ao shabat, com o<br />
objetivo de atender a comunidade ortodoxa<br />
em todo o mundo.<br />
"Ser ortodoxo hoje precisa ser mais<br />
fácil do que era no passado", disse Yair<br />
Shiran, que representa Israel nos Estados<br />
Unidos para questões de cooperação econômica<br />
e apontou que mais de 20 produtos<br />
já haviam sido desenvolvidos especificamente<br />
para os judeus ortodoxos, entre<br />
os quais um condicionador de ar, uma<br />
cafeteira elétrica e um sistema de alarme<br />
adaptados para o shabat.<br />
"A tecnologia está disponível, e a<br />
idéia é simplesmente a de comercializála<br />
para uso em comunidades específicas",<br />
declarou Shiran.<br />
cargo na faculdade. Sinto que é errado encorajar<br />
qualquer um a se devotar a longos estudos,<br />
caminhos escarpados cuja pista é barrada<br />
por um inegável preconceito racial. Nesse assunto,<br />
unem-se a mim todos os meus colegas<br />
dos Estudos Clássicos que me autorizaram a<br />
colocar suas assinaturas, com a minha, nesta<br />
carta. Assinado: Charles E. Bennet, C.L. Durham,<br />
George S. Bristol, E. P. Andrews. 27/3/<br />
1919, Ithaca". O documento foi publicado no<br />
Cornell Alumni News (número 84, 9/Julho<br />
1981, página 7). O documento é reproduzido<br />
por Martin Bernal, num texto que deveria ser<br />
lido por todos os que afirmam lutar contra o<br />
racismo, mas que na defesa dos movimentos<br />
negros não hesitam um instante em usar teses<br />
racistas contra os judeus, sempre com o<br />
disfarce da crítica ao sionismo. Eu me refiro ao<br />
livro Black Athena, the Afroasiatic Roots of<br />
Classical Civilization (New Jersey, Rutgers University<br />
Press, 1987).<br />
Lutar contra o racismo é lutar contra todos<br />
os racismos. E disto, boa parte dos intelectuais<br />
empenhados está muito longe.<br />
* Roberto Romano é professor de Ética e Filosofia Política na Unicamp e recebeu a Medalha Direitos Humanos B'nai B'rith em 2007. Publicado no jornal Correio Popular, de Campinas em 4/6/2008