Heidegger e a fenomenologia husserliana: apropriação e ... - UFRJ
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eferência a uma existência empírica exterior à consciência. “Toda a<br />
consciência é ‘consciência de algo’, ou seja, a consciência visa sempre<br />
um objeto, o que não significa que o próprio ato de visar seja ele mesmo<br />
objeto da consciência.” 22<br />
1.6. – Os diversos modos de referência e o ver na acepção tradicional<br />
Uma vez que as vivências intencionais nos são dadas numa<br />
pluralidade de formas ou tipos, a cada tipo de vivência ou ato<br />
corresponde também um tipo de referência intencional e um tipo de<br />
delineamento do seu objeto. Por sua vez, cada tipo de referência constitui<br />
também um tipo de ver.<br />
Aquilo a que de um modo indeterminado e amplo chamamos de<br />
“ver” abrange um leque muito diferenciado, ou seja, abrange todas as<br />
vivências intencionais. Diz-se que vemos, por exemplo, aquilo que<br />
apreendemos pelos sentidos em geral e não somente aquilo que é<br />
apreendido pelo sentido da visão. 23 Assim, diz-se que se visualiza uma<br />
paisagem, que se visualiza algo de essencial, que ao elaborar uma<br />
proposição compreende-se o seu sentido e como que se vê o estado de<br />
22 Nota-se aqui que tal concepção difere da de Brentano, para quem a vivência intencional da<br />
consciência não só se relaciona a objetos como ela mesma é objeto de certas vivências<br />
intencionais. Em Ideen-I a consciência, vivendo no cogito, não tem consciência da própria<br />
cogitatio como objeto intencional; mas a todo o momento é possível converter a cogitatio<br />
refletindo sobre ela mesma, já que é inerente à sua própria essência a possibilidade de um<br />
regresso reflexivo do olhar, sobre a forma de uma nova cogitatio.<br />
23 Santo Agostinho notou o primado dos olhos sobre os outros sentidos no contexto da sua<br />
reflexão sobre a “cobiça dos olhos” (concupiscentia oculorum) ou da curiosidade: “(…) é aos<br />
olhos que propriamente pertence o ver. Usamos, contudo, esta palavra também para os demais<br />
sentidos, quando eles tendem para o conhecer. É que não dizemos: “escuta como brilha”, ou<br />
“cheira como luz”, ou “saboreia como resplandece” ou “toca como irradia”; mas dizemos que<br />
tudo isto é visto. Dizemos, pois, não somente: “vê como reluz”, o que só os olhos podem sentir,<br />
mas também, “vê como soa”, “vê como cheira”, “vê que gosto”, “vê quão duro é”. Daí que a<br />
experiência geral dos sentidos é chamada concupiscência dos olhos, como já foi dito, porque<br />
também os demais sentidos, analogamente, quando exploram uma certa cognição, se apropriam<br />
do ofício da vista, no qual tem o primado os olhos”. Santo Agostinho, Confissões, Livro X: §35.<br />
A Tentação da curiosidade, p.308.<br />
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