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A Escravidão em Mogi das Cruzes - Dialética Cultural

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<strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong><br />

Caderno de Postagens – 2011<br />

<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

2011


Sumário<br />

Introdução<br />

Vilancico de Natal <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Natal de 1873 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

A Variola <strong>em</strong> Biritiba Mirim 1875<br />

Varíola, bexigas e a vaccina<br />

Dia de Reis <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a<br />

Gêneros fornecidos para o Lazareto<br />

O Lazareto de bexiguentos do Itapety<br />

Despesas com o Lazareto do Itapety<br />

Deus não é culpado n<strong>em</strong> a natureza<br />

A Freguesia da Escada: o pouso, tropas e tropeiros<br />

A Freguesia da Escada e os juízes de paz<br />

A Freguesia da Escada, mulheres, tropeiros e violeiros<br />

A Rua <strong>das</strong> Cabras: a rua da vida<br />

Sobre vaga lumes e farofa de iça<br />

Da Folia a Cinzas: o carnaval <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Cotidiano, terra e índios<br />

A Santa Casa e a varíola <strong>em</strong> 1900<br />

Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Domingo, 27 de março de 1881<br />

Sons da cidade: o amolador de facas e o hom<strong>em</strong> do biju<br />

<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o ensino <strong>em</strong> 1830<br />

<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o relatório da Instrução Pública Provincial <strong>em</strong> 1853<br />

Entre salas de aula e corredores: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1896<br />

Entre salas de aula e corredores II: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1914<br />

A Festa do Divino: o império da festa<br />

Congos, Congados e Moçambiques na Serra do Itapety (1929)<br />

Um crime na Freguesia da Escada <strong>em</strong> 1854<br />

Os caminhos de ont<strong>em</strong>: a Estrada Geral <strong>em</strong> 1843<br />

<strong>Mogi</strong> oculta: lugares e pontos de devoção popular<br />

A gruta de Santa Teresinha<br />

Capelas e Ermi<strong>das</strong>: a Capela do Caetano<br />

A <strong>Escravidão</strong> <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - 1874<br />

O mariscar e a febre no Itapety<br />

Exorcismo e Mistérios na Terra <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Anjos e D<strong>em</strong>ônios. O caso Landell<br />

O c<strong>em</strong>itério São Salvador – 140 anos<br />

A escravidão <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> II 1872<br />

Uma anarcof<strong>em</strong>inista no Theatro Vasques <strong>em</strong> 1911<br />

Observar e comprar, observar e desejar – O Natal de 1935<br />

Natal e relações de gênero na <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> de 1921


Introdução<br />

Em seu primeiro ano de existência, a <strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong> produziu publicações acadêmicas (Revista<br />

<strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong>) e organizou, <strong>em</strong> parceria com a Diretoria de Ensino da Região <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>,<br />

o Livro Digital “Meu Bairro, Minha História, Meus Valores”, constituído por mais de 40 portfólios<br />

produzidos por alunos e professores <strong>das</strong> escolas estaduais dos municípios de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>,<br />

Biritiba Mirim e Salesópolis. Foi uma experiência inovadora e gratificante.<br />

A <strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong> t<strong>em</strong> como missão a elaboração de projetos, pesquisas e desenvolvimento<br />

interpretativo de documentos históricos, itens da cultura material e fatos históricos <strong>em</strong> museus,<br />

bibliotecas e arquivos históricos. Publicação de livros e periódicos, prestação de serviços de<br />

produção audiovisual e de comunicação multimídia, montag<strong>em</strong> de exposições etnográficas e<br />

religiosas associa<strong>das</strong> a estudos de meio.<br />

Com o compromisso de divulgar documentos referentes à História de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e região e<br />

contribuir para o conhecimento desta História e com possíveis t<strong>em</strong>as de estudo, viabilizamos um<br />

blog que, utilizando dos atuais recursos da WEB 2,0, disponibilizasse ao alcance de toda a<br />

comunidade WEB, parte do patrimônio documental pesquisado.<br />

Justamente para com<strong>em</strong>orar este primeiro ano, reunimos numa única publicação o conjunto <strong>das</strong><br />

postagens mais relevantes.<br />

<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Dez<strong>em</strong>bro, 2011<br />

Angelo Eduardo Nascimento Nanni<br />

Antonio Sérgio Azevedo Damy<br />

<strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong>


quarta-feira, 22 de dez<strong>em</strong>bro de 2010<br />

Vilancico de Natal <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Esta é uma <strong>das</strong> primeiras melodias natalinas compostas no Brasil, mais particularmente <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, <strong>em</strong> meados do século XVIII. Como seu nome indica é uma peça poética composta por<br />

versos pequenos e dialogados, com a composição musical adaptada a letra deste po<strong>em</strong>a. Clique na<br />

imag<strong>em</strong> para ouvir.<br />

Ilustração 1: Altar-mor da antiga Catedral de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />

<strong>Cruzes</strong>, hoje pertencente à Igreja de Nossa Senhora do<br />

Brasil


quinta-feira, 23 de dez<strong>em</strong>bro de 2010<br />

Natal de 1873 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Corria o início da década de 1870 e o Brasil vivia o que os historiadores<br />

passaram a tratar por Questão Religiosa, que consistia resumidamente, <strong>em</strong><br />

atritos entre o Estado e a Igreja.<br />

O pontificado do Papa Pio IX foi marcado pela predominância dos ideais<br />

conservadores (ultramontanos) materializados na encíclica Quanta Cura<br />

acompanhado do Syllabus Errorum que condenava a civilização moderna,<br />

o racionalismo, o liberalismo, o progresso, a separação entre igreja e Estado.Em suma pretendia a<br />

restauração do poder da Igreja <strong>em</strong> relação a sociedade civil.<br />

No Brasil os bispos de Olinda, frei Vital Maria e de Belém, Dom Antonio de Macedo Costa eram,<br />

entre outros, os representantes dos ideais conservadores (ultramontanos) que dominavam a Igreja e<br />

combatiam além da civilização moderna, a maçonaria.<br />

Em 1871 a primeira punição foi dada ao padre maçom Almeida Martins que fez um discurso <strong>em</strong><br />

homenag<strong>em</strong> ao Visconde de Rio Branco (grão mestre maçom) e a promulgação da Lei do Ventre<br />

livre e fora suspenso.<br />

O ano de 72 assistiu os ânimos se exaltar<strong>em</strong>, de ambos os lados Estado e Igreja, e uma crise de<br />

proporções nacionais se precipitou.<br />

Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, <strong>em</strong> 1873, uma autoridade assistia a missa de Natal na Igreja decorada por um<br />

altar barroco e provavelmente <strong>em</strong>balada por um vilancico natalino.É desta autoridade que partiu o<br />

relato.<br />

“Na noite de 24 para 25 do corrente, por occasião da missa, o Rdo vigário Antonio Candido d’Alvarenga<br />

publicou a carta pastoral do Rdo bispo d’esta diocese e a lettra apostólica do Sumo Pontífice (...)<br />

Antes da leitura de ambas essas peças, aquelle parocho, movido por espírito satânico, recomendou aos fieis<br />

que se abstivess<strong>em</strong> da maçonaria que era composta por assascinos, ladrões e prevaricadores, que o governo<br />

de S M o Imperador injustamente procedia contra os bispos(...)<br />

O cura d’alma abundou <strong>em</strong> outro insultos <strong>em</strong> desabono ao Governo Imperial(...)”<br />

Completava o relato dizendo ser crime ir contra as leis do país, pregar a desobediência e crime<br />

cometido por funcionário publico, pois, como pároco Antonio Candido recebia subvenção do<br />

Estado.<br />

A “ Questão Religiosa “ chegava a <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> através de um m<strong>em</strong>bro da Igreja que defendia<br />

as idéias ultramontanas e os bispos punidos pelo governo imperial, gerando com isso<br />

descontentamentos, desconfianças e pedidos de punição ao religioso.<br />

No inicio do ano seguinte (1874) os desdobramentos levaram os bispos de Olinda e Pará à prisão<br />

com a conseqüente condenação a quatro anos de prisão com trabalhos forçados.<br />

A grafia <strong>das</strong> letras <strong>em</strong> itálico respeita o documento<br />

Veja o documento abaixo:fonte DAESP caixa 1113


segunda-feira, 27 de dez<strong>em</strong>bro de 2010<br />

A Variola <strong>em</strong> Biritiba Mirim 1875<br />

A varíola era uma doença grave, popularmente conhecida como bexiga com alto<br />

índice de mortalidade.Após o 2º ou 3º dia começavam as erupções na pele depois<br />

evoluindo para pústulas (bolhas purulentas).<br />

Há registros da presença da varíola na Europa desde o ano 582, tendo chegado à<br />

América com a colonização e no Brasil do século XVI já fazia milhares de<br />

vitimas.<br />

No século XIX o Vale do Paraíba sofreu vários surtos de varíola através dos anos,<br />

sendo os bairros populares os mais atingidos devido às péssimas condições de<br />

higiene, o que gerava uma lógica que associava saúde com pobreza.<br />

A cidade de Taubaté enfrentou um surto <strong>em</strong> 1873-74 e <strong>em</strong> 1875 a doença se<br />

alastrava e chegava a Biritiba Mirim, próximo de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />

O delegado da cidade (não um médico) tratava nos seguintes termos a doença:<br />

”Acha-se grassando...no bairro de Biritiba...a varíola e ahí já tendo<br />

feito...vitimas:o bairro é habitado por gente pobre, no todo privada de qualquer<br />

recurso.”Terminava o documento pedindo a liberação de “módica quantia para<br />

tratamento dos infelises, atacados de mortífera epid<strong>em</strong>ia.”<br />

Se não cuidava <strong>em</strong> vida, a municipalidade cuidava dos mortos.Os enterros eram<br />

gratuítos.<br />

Ilustração 2: As<br />

marcas da<br />

varíola.<br />

Disponível <strong>em</strong><br />

http://www.ccs.s<br />

aude.gov.br/rev<br />

olta/pdf/M5.pdf<br />

Fonte:DAESP, caixa 1113<br />

Postado por Angelo E N Nanni


domingo, 2 de janeiro de 2011<br />

Varíola, bexigas e a vaccina<br />

Se procurarmos por varíola <strong>em</strong> um dicionário de medicina do século<br />

XIX, encontrar<strong>em</strong>os no Diccionário de Medicina Popular de Pedro<br />

Chernoviz de 1842 a definição de bexigas ou varíola.Após a<br />

descrição da doença, sua causa e sintomas assim se refere ao<br />

tratamento: ”Não possuímos meios de abreviar a marcha <strong>das</strong><br />

bexigas, por conseguinte o officio da medicina consiste<br />

simplesmente <strong>em</strong> ajudar a natureza.”<br />

Fonte Diccionario de Medicina Popular: http://www.ieb.usp.br/online/index.asp<br />

Havia, no entanto, tentativas de prevenção e na palavra vaccina<br />

encontramos no dicionário: “Vírus particular, dotado da<br />

propriedade de preservar <strong>das</strong> bexigas, e chamado vaccina, porque<br />

foi colhido primitivamente <strong>das</strong> borbulhas <strong>das</strong> vaccas.”A vacinação<br />

seguia o seguinte processo:”Depois de pegar no braço...e estender a<br />

pelle com a mão esquerda, o vaccinador com a mão direita<br />

introduz... a lanceta...debaixo da pelle; d<strong>em</strong>ora-se assim alguns<br />

instantes , e depois tira a lanceta.Ordinariamente dão-se três ou<br />

quatro pica<strong>das</strong> <strong>em</strong> cada braço...Se para <strong>em</strong>beber a lanceta ou<br />

agulha não se puder molhar n’um botão vaccinal, o que se chama vaccinar de braço a braço,<br />

<strong>em</strong>prega-se o pus vaccinico conservado entre dois vidros.”<br />

O pus vacinico era enviado às cidades e vilas para que um comissário vacinador municipal<br />

procedesse à inoculação, mas todo este procedimento causava receio na população, e <strong>em</strong> todo lugar<br />

havia o medo da vacinação.<br />

O comissário vacinador municipal era indicado para <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />

<strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> 1854 e o pus vacinico enviado para a cidade <strong>em</strong> 65 e 67<br />

sendo que um novo comissário vacinador foi indicado <strong>em</strong> janeiro<br />

de 1868.Este mesmo comissário pediu exoneração do cargo de<br />

vacinador <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro após passar quase um ano e não coseguir<br />

vacinar ninguém:”...até hoje ainda não se appresentou uma única<br />

pessoa para ser vaccinada...”


Fonte:DAESP caixa 936<br />

http://www.arquivoestado.sp.gov.br/viver/poder_frame.php?<br />

cod=26553&nomen=0093603091&img=ODSP0093603091_001.jpg<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quinta-feira, 6 de janeiro de 2011<br />

Dia de Reis <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a<br />

O Dia de Reis ou Folia de Reis constitui um evento de caráter religioso<br />

pouco praticado <strong>em</strong> nossos dias. Com o passar <strong>das</strong> déca<strong>das</strong> a tradição<br />

foi sendo esquecida, podendo ainda ser encontrada <strong>em</strong> pequenas<br />

cidades brasileiras.<br />

Essa tradição foi incorporada <strong>em</strong> nosso folclore pelos portugueses <strong>em</strong><br />

meados do século XVIII como uma festa tipicamente religiosa. Em<br />

Portugal, no século XVII, tinha a principal finalidade de divertir o<br />

povo, enquanto aqui no Brasil, passou a ter um caráter mais religioso<br />

do que de diversão. No período de 24 de dez<strong>em</strong>bro, véspera de Natal, à<br />

6 de janeiro, Dia de Reis, um grupo de cantadores e instrumentistas<br />

percorre a cidade entoando versos relativos à visita dos Reis Magos ao<br />

Menino Jesus. Passam de porta <strong>em</strong> porta <strong>em</strong> busca de oferen<strong>das</strong>, que pod<strong>em</strong> variar de um prato de<br />

comida à uma simples xícara de café ou alimentos <strong>em</strong> geral.<br />

Acordai povo Cristão<br />

Venha ver com alegria<br />

O nascimento glorioso<br />

do Filho de Maria<br />

Venha ver os reis viajantes<br />

Grandes sábios do oriente<br />

Mandados da providência<br />

Lá pras margens do ocidente<br />

Abre esta porta e acende a luz<br />

Dá um presentinho pra Deus ou pra Jesus<br />

(Agradecimento)<br />

"Vamo agradece" a prenda que nos deu<br />

Qu<strong>em</strong> vos pagará é o nosso santo Rei.<br />

Partindo para uma análise antropológica, o Dia de Reis, torna-se<br />

uma atividade com características próprias e manifestações de rara<br />

beleza. Os preciosos versos musicais são preservados de geração<br />

<strong>em</strong> geração por tradição oral. Os instrumentos musicais utilizados<br />

como: viola, violão, sanfona, reco-reco, chocalho, cavaquinho,<br />

triângulo, pandeiro dão um caráter regionalista para a manifestação.<br />

Já os personagens somam doze pessoas e todos os integrantes do<br />

grupo trajam roupas bastante colori<strong>das</strong>, sendo eles: Mestre, Contra-<br />

Mestre, os Três Reis Magos, Palhaço e Foliões.<br />

Na região metropolitana de São Paulo, na cidade de Guarar<strong>em</strong>a-SP, o Dia de Reis conserva-se<br />

graças a participação de jovens que acabam por dar continuidade à tradição. Na cidade o “Grupo de<br />

Folia de Reis” t<strong>em</strong> suas atividades do dia 2 a 6 de janeiro. Além de conservar as tradições, o grupo<br />

também realiza uma coleta de alimentos, doações ofereci<strong>das</strong> pelas famílias que receb<strong>em</strong> o grupo <strong>em</strong><br />

suas casas. Após o Dia de Reis os alimentos são distribuídos à famílias carentes da região.<br />

Glauco Ricciele P. L. C. Ribeiro<br />

Postado por Sergio Damy


segunda-feira, 24 de janeiro de 2011<br />

Gêneros fornecidos para o Lazareto<br />

O lazareto estava localizado num bairro rural da cidade, na Serra do<br />

Itapetí<br />

Isolar seria a solução? E o pus vacinico. E a vacinação?<br />

Nos anos anteriores a 1878, o vacinador provincial se queixava da<br />

comunicação com a câmara de <strong>Mogi</strong> a respeito da vacinação,<br />

utilização do pus vacínico e a existência de um vacinador<br />

municipal.<br />

Na lista de gêneros enviados ao lazareto pod<strong>em</strong>os notar que além<br />

dos itens básicos de alimentação como milho, feijão, farinha e outros como querosene e água<br />

ardente, figurava o consumo de frango para fazer canja, utilizada como “r<strong>em</strong>édio” para recuperação<br />

de doentes, como indicava o Diccionário de Medicina Popular e também o conhecimento popular.<br />

Fonte:DAESP, caixa 1113<br />

Postado por Angelo E N Nanni


terça-feira, 25 de janeiro de 2011<br />

O Lazareto de bexiguentos do Itapety<br />

Após uma breve pausa, voltamos às postagens que serão regulares e terminar<strong>em</strong>os a série sobre a<br />

varíola <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> com três documentos referentes ao lazareto do Itapety.<br />

Com as epid<strong>em</strong>ias de varíola sendo uma constante <strong>em</strong> todos os lugares do mundo, no século XIX<br />

al<strong>em</strong> da vacinação, desenvolveu-se a idéia de colocar o doente <strong>em</strong> lazaretos, um lugar afastado <strong>das</strong><br />

cidades onde colocavam as pessoas com doenças infecciosas.<br />

Várias localidades nos E.U.A. adotaram a ação de isolar o doente e esta pratica passou a ser uma<br />

constante juntamente com a vacinação.Assim lugares afastados recebiam hospitais de isolamento<br />

como Dartford, bairro periférico <strong>em</strong> Londres-Inglaterra onde havia hospitais de isolamento na<br />

grande epid<strong>em</strong>ia da década de 1880.<br />

Em 1878 a câmara de Taubaté <strong>em</strong> suas Atas (vol.VII) discutiu a idéia de seguir o modelo americano<br />

de isolar o infectado, por<strong>em</strong> abandonou a idéia que somente seria utilizada na epid<strong>em</strong>ia de 1887.<br />

Na cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> o “Lazareto de Bexiguentos do Bairro do Itapety” foi instalado <strong>em</strong><br />

março de 1878, sendo que neste mês entraram 26 pessoas de 5 famílias diferentes e <strong>em</strong> abril 5<br />

pessoas.Seis doentes faleceram após um período de 10-30 dias no lazareto.<br />

Em Maio de 1878 o registro final apontava a saída de 25 pessoas e o falecimento de 6.<br />

Fontes:DAESP caixa 1113, Arquivo Municipal de Taubaté, Atas da Câmara vol.VII<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quarta-feira, 26 de janeiro de 2011<br />

Despesas com o Lazareto do Itapety<br />

Quando <strong>em</strong> 1887 a cidade de Taubaté instalou seu lazareto, enfrentou probl<strong>em</strong>as com a recusa de<br />

soldados para transferir e/ou alimentar os doentes. A estrada foi cortada e vigiada por sentinelas<br />

para evitar a aproximação <strong>das</strong> pessoas.<br />

Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> t<strong>em</strong>os uma lista <strong>das</strong> despesas com o lazareto do Itapety onde consta o trabalho<br />

de enfermeiras, r<strong>em</strong>oção dos doentes, etc. Não há, no entanto, o serviço de um médico, n<strong>em</strong><br />

indicação nesta ou <strong>em</strong> outras listas de aplicação de pus vacínico.<br />

As despesas com o lazareto foram cobertas através de uma subscrição e parcialmente com doações<br />

da câmara, cuja arrecadação <strong>em</strong> 12 meses era aproximadamente dez vezes superior ao gasto total<br />

com o lazareto e cinquenta vezes maior que sua doação.<br />

Nas listas não se encontra menção a médicos n<strong>em</strong> aplicação de pus vacínico, mesmo a câmara tendo<br />

entre suas despesas s<strong>em</strong>pre a gratificação de um médico e o tratamento com homeopatias.<br />

Fonte:DAESP, caixa 1113<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011<br />

Deus não é culpado n<strong>em</strong> a natureza<br />

As águas do verão segu<strong>em</strong> o roteiro de todo ano: enchentes, estragos, vítimas, que colocam <strong>em</strong><br />

cheque nosso modelo de desenvolvimento e a (re) produção do espaço urbano.<br />

São construí<strong>das</strong> marginais, aveni<strong>das</strong>, ruas ao longo da várzea dos rios. Nossa sociedade privilegia a<br />

produção do capital materializado numa rede de circulação e comunicação.<br />

A especulação imobiliária e os interesses fundiários são responsáveis pelas tragédias sociais, que<br />

não são fenomenos naturais como as <strong>em</strong>issoras de televisão, jornais e algumas autoridades<br />

comumente apontam.<br />

Não é uma situação nova ou de alguns anos. É muito antiga e o probl<strong>em</strong>a só se agrava.<br />

Ano Novo 1º de Janeiro de 1850, terça-feira, o dia da circuncisão do Senhor, Lua cheia se movendo<br />

lentamente <strong>em</strong> direção ao seu apogeu no dia 12, segundo o calendário do Almanak La<strong>em</strong>mert para<br />

1850. Mas a situação não dependeria da posição dos astros no céu.<br />

Neste dia à tarde, a cidade de São Paulo vivenciou, segundo a comissão de vereadores encarregada<br />

do levantamento de prejuízos causados pela enchente de 1º de janeiro de 1850, “uma calamidade<br />

athe então nunca vista entre nós” ou pelo relatório do<br />

presidente da província de São Paulo <strong>em</strong> 1850, este<br />

dizia:”Nesta Cidade uma espécie de dilúvio, causado pela<br />

chuva copiosissima da tarde de 1º de janeiro, chuva como<br />

aqui não há m<strong>em</strong>ória de ter-se visto igual...arrasou e<br />

estragou não pequeno numero de casas.(...)<br />

A segurança e consolidação do açude (do Jardim Público)<br />

é de absoluta necessidade:se for arrombado causará os<br />

maiores estragos, e não deixará <strong>em</strong> pé casa alguma <strong>em</strong><br />

todo o Valle do Anhangabaú”.<br />

Os moradores do bairro do Bexiga, também atingidos, <strong>em</strong><br />

abaixo assinado representavam à Câmara Municipal contra<br />

a pretensão de um particular que pretendia construir junto a<br />

ponte do Piques, retendo as águas e impossibilitando sua<br />

livre passag<strong>em</strong>. No mesmo documento retratavam a<br />

obstrução do ribeirão Anhangabaú pelo lodo e cobravam as<br />

providencias prometi<strong>das</strong> pelas autoridades e não cumpri<strong>das</strong><br />

após o “dilúvio” de 1º de janeiro de 1850.<br />

Fontes:<br />

Arquivo Municipal da cidade de São Paulo<br />

http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/984/000011.html<br />

UOL. Galeria exibe 55 imagens de enchentes <strong>em</strong> São Paulo. Entretenimento. Disponível <strong>em</strong><br />

.<br />

Acesso 03 Fev 2011.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011<br />

A Freguesia da Escada: o pouso, tropas e tropeiros<br />

Distante de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> alguns quilômetros, <strong>em</strong> direção a<br />

Guarar<strong>em</strong>a, encontramos um lugar chamado Freguesia da<br />

Escada.<br />

Outrora um aldeamento, a Escada tornou-se Freguesia no início<br />

do século XIX e <strong>em</strong> 1806 um documento escrito por uma viúva<br />

caracteriza a Freguesia ao dizer: ”...finalmente por onde ella eo<br />

seo marido transitavão pª satisfazer<strong>em</strong> ao preceito da Alma na<br />

Fregª de NSª da Escada que lhe fica mais próxima...” [1]<br />

Segundo a caracterização de Antônio Candido <strong>em</strong> Os Parceiros do Rio Bonito: ” a freguesia<br />

supunha um núcleo de habitação compacta e uma igreja provida de sacerdote,geralmente coadjutor<br />

do vigário da paróquia; o bairro era divisão que abrangia os moradores esparsos...”. [2]<br />

Em 1806, já freguesia a Escada tornou-se, <strong>em</strong> função da característica dispersa <strong>das</strong> pessoas da<br />

região, centro de atração principalmente por causa do t<strong>em</strong>plo religioso e a possibilidade de<br />

sociabilidades aí conti<strong>das</strong> ao agrupar as pessoas do entorno. A dificuldade para ter acesso a bens de<br />

consumo, <strong>em</strong> parte era resolvida pelas trocas que envolviam animais de trabalho (cavalo), animais<br />

de criação (galinha, porcos) e pequenos objetos (esporas, facas, etc.).<br />

O contato com outras regiões se fazia através de viajantes que ali passavam.<br />

Havia quatro tipos de alojamento [3] para aqueles que se punham a viajar pelas estra<strong>das</strong> no século<br />

XIX e a Freguesia da Escada era o local de parada de tropas e tropeiros.<br />

O alojamento mais simples, o pouso compreendia apenas o terreno onde os tropeiros poderiam<br />

acampar para passar a noite e dar água aos animais desde que com o consentimento do dono do<br />

lugar.<br />

O rancho era uma construção erguida com<br />

esteios de madeira da região e coberto de sape,<br />

onde a carga estaria protegida da chuva, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po, servia de cama ou o couro que<br />

protegia a carga era estendido no chão de terra<br />

batida para se dormir, as armas ficavam<br />

encosta<strong>das</strong> nas colunas de sustentação e os<br />

arreios e quinquilharias eram pendurados nas<br />

vigas. Encostada <strong>em</strong> um canto havia a viola de<br />

um tropeiro cantador.<br />

A venda compreendia a existência de um<br />

vendeiro e era um local que atendia tanto os<br />

viajantes e tropeiros, como aos moradores do local ao proporcionar alguns produtos básicos como a<br />

carne-seca, fumo de corda, arreios, sal, açúcar, alho, livros de missa, etc.<br />

Vez por outra gatos e cachorros circulavam pelas ven<strong>das</strong> dividindo espaço com os freqüentadores.<br />

Nas acomodações que eram péssimas havia geralmente uma cama com fibras trança<strong>das</strong> e uma<br />

gamela que poderia ser usada como recipiente com água ou escarradeira. Por fim oferecia-se<br />

hospedag<strong>em</strong> também nas estalagens ou hospedarias onde se encontravam quartos de terra batida e<br />

jiraus com colchão.<br />

Fontes:<br />

[1] Acervo do Fórum, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

[2] CANDIDO, Antônio, Os parceiros do rio bonito, Livraria Duas Cidades, 8 ed.1998, S.P., p.63<br />

[3] FRIEIRO, Eduardo-Feijão, Angu e Couve,ed. Itatiaia,MG, p.100, 101<br />

Postado por Angelo E N Nanni


terça-feira, 15 de fevereiro de 2011<br />

A Freguesia da Escada e os juízes de paz<br />

Por volta de 1831, a Freguesia da Escada e região<br />

tornaram-se inclusas no jov<strong>em</strong> Estado brasileiro, que<br />

independente desde 1822, formava sua base e se<br />

estruturava territorialmente através de representações<br />

concretas do poder político.<br />

Uma circular do governo provincial, do início de 1832,<br />

dirigida aos juizes de paz <strong>das</strong> villas da Quarta estrada e<br />

Freguesias da Escada, Queluz e Bananal pedia para dar<br />

“toda publicidade” ao fato de que foram sufoca<strong>das</strong> as<br />

rebeliões que ameaçavam o Império, no entanto<br />

recomendava a necessária vigilância “contra os inimigos<br />

da paz e tranqüilidade pública de qualquer natureza que<br />

sejam”[1]<br />

Agora transformada <strong>em</strong> distrito havia um “<br />

Caderno de Leis Provincial pertencentes ao Juizo de<br />

Paz deste districto de Nossa Senhora da Escada,<br />

publicado nesta Capella...” [2], onde na página 6<br />

observava que os juizes de paz e seus escrivães<br />

ficariam encarregados da leitura <strong>das</strong> leis<br />

provinciais no primeiro domingo ou dia santo, após a missa parochial defronte à Igreja.<br />

Quanto à Guarda Nacional os seus m<strong>em</strong>bros se revesavam no posto de juiz de paz e a<br />

Freguesia da Escada comportava oficiais da Guarda Nacional registra<strong>das</strong> <strong>em</strong> um “termo<br />

de Abertura dos Oficiais da Guarda Nacional de Infantaria da segunda companhia da<br />

Freguesia da Escada.”[3]<br />

Fontes:<br />

[1] - Acervo do Fórum, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

[2] - Acervo do Fórum,Caderno de Leis Provincial pertencentes ao Juiz de Paz do distrito de Nossa<br />

senhora da Escada-13 de junho de 1835,Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

[3]- Termo de Abertura <strong>das</strong> Oficiais da Guarda Nacional de Infantaria da segunda companhia da<br />

Freguesia da Escada 1835, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


sábado, 19 de fevereiro de 2011<br />

A Freguesia da Escada, mulheres, tropeiros e violeiros<br />

A região compreendida por <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - Jacareí era a que apresentava o<br />

maior número de condutores de tropas domiciliados <strong>em</strong> relação às cidades do Vale<br />

do Paraíba.<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - Jacareí apresentava para os anos 1820 -1822 o total<br />

de quarenta condutores, Taubaté 32 e as d<strong>em</strong>ais cidades do vale entre dois e quatro<br />

condutores.[1]<br />

Surgiam negociantes que trabalhavam com fornecimento de bestas e gado para o<br />

Vale do Paraíba e Rio de Janeiro, como Antonio da Silva Prado, o<br />

barão de Iguape, comerciante de gado.<br />

Como local de pouso de tropas e exatamente entre <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

e Jacareí a Freguesia da Escada possivelmente tinha tropeiros<br />

domiciliados.<br />

Já vimos <strong>em</strong> texto anterior que a viola s<strong>em</strong>pre acompanhava o<br />

tropeiro como nas andanças <strong>das</strong> tropas do Barão de Iguape onde havia um condutor<br />

chamado Cantante e nas para<strong>das</strong> a viola era a diversão que acompanhava o lundu<br />

ou o batuque.<br />

No pouso da Freguesia da Escada a viola era uma constante junto aos tropeiros e o<br />

ritmo do batuque e os toques de viola incomodavam as autoridades constituí<strong>das</strong> e o<br />

que era tido como o b<strong>em</strong> viver.<br />

Na tentativa de disciplinar e regular a vida de uma sociedade desigual baseada na escravidão,<br />

tínhamos os termos de b<strong>em</strong> viver que normatizavam a moral aos olhos de<br />

um juiz de paz.<br />

É disto que trata o presente documento de :<br />

Mariana de Lima Camargo, Joaquina Maria de Jesus, Fabiana Maria<br />

Almeida, ” a to<strong>das</strong> estas pessoas, o dito juis de Paz fez ver que dev<strong>em</strong> se<br />

comportar melho e com desencia e não fazer<strong>em</strong> ajuntamento de pessoas <strong>em</strong><br />

sua casa viver honestamente a fim de não pertubar<strong>em</strong> o sossego publico<br />

com batuques de violla ou de gritarias e assim mais bebedeiras, o que elas<br />

prometerão viver onestamente, e não quebrar o termo que assignão, e por<br />

este termo se sujeitão a sofrer trinta dias de cadeia quantas vezes na<br />

reincidencia...”[2]<br />

O texto <strong>em</strong> itálico respeita a grafia original do documento.<br />

Ilustração 3: Viola<br />

artesanal de Santa<br />

Isabel feita pelo Sr.<br />

Luis que reproduz<br />

uma viola do século<br />

XIX com cravelhas<br />

de madeira<br />

Postado por Angelo E N Nanni<br />

Fontes:<br />

[1] - Petrone, Maria Thezeza Schorer, O Barão de Iguape, Cia. Editora<br />

nacional, SP, 1976, p. 73<br />

[2] - Acervo do Forum, termo de b<strong>em</strong> viver, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />

<strong>Cruzes</strong>


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011<br />

A Rua <strong>das</strong> Cabras: a rua da vida<br />

Na divisa da Vila Natal com o Jardim<br />

Camila permanece o nome de um lugar<br />

especial e importante na História de <strong>Mogi</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>: a Rua <strong>das</strong> Cabras.<br />

Recent<strong>em</strong>ente a Rua <strong>das</strong> Cabras recebeu<br />

asfalto e se pensou <strong>em</strong> mudar o nome da<br />

rua já sedimentado no imaginário popular.<br />

Durante milênios o leite de cabra foi mais<br />

importante que o leite de vaca. A regra era<br />

beber leite de cabra, não o de vaca, por<br />

conta de seu superior valor nutritivo com<br />

alto índice de cálcio, vitaminas, ser menos<br />

alergênico e mais digestivo.<br />

Segundo o Núcleo de Estudo <strong>em</strong> Pesquisa <strong>em</strong> Produção Animal (NEPPA) da Universidade do<br />

Estado da Bahia a cabra apresenta uma maior eficiência produtiva e t<strong>em</strong> um papel importante <strong>em</strong><br />

termos de agricultura familiar e segurança alimentar.<br />

Por conta do interesse de grandes criadores de gado e a intensificação da pecuária leiteira,<br />

concentração da propriedade da terra e formação de pastagens artificiais, houve uma mudança de<br />

posições, rebaixando a criação de cabra e o consumo de leite caprino.<br />

Em 1878 na cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> pod<strong>em</strong>os constatar que a criação de cabras de leite era<br />

superior a criação de vacas de leite.<br />

No documento “Ren<strong>das</strong> arrecada<strong>das</strong> pela Câmara Municipal da cidade de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, 1º de<br />

julho de 1877-30ºde junho de 1878” pode-se calcular que havia <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> criação de cabras de leite<br />

superior <strong>em</strong> número a criação de vacas de leite, 37 caprinos e 10 bovinos. Grosso modo a eficiência<br />

produtiva <strong>das</strong> cabras de leite deveria ser <strong>em</strong> torno de 20% superior as vacas de leite com um menor<br />

custo de criação.<br />

Já no século XX a tradição se manteve por conta da criação e manejo muito mais fácil por parte de<br />

pequenos proprietários urbanos como Balbina Maria de Jesus ou mais simplesmente a “Dona<br />

Barbina”no Jardim Camila e outros na vila Industrial, Ponte Grande, etc.<br />

A positividade desta criação se refletia nos bairros, onde o leite era consumido fartamente pelos<br />

habitantes do local.


Fontes:<br />

DAESP nº ord<strong>em</strong> 1113<br />

www.neppa.uneb.br<br />

A criação da Cabra e da Ovelha no Brasil, p72<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quinta-feira, 3 de março de 2011<br />

Sobre vaga lumes e farofa de iça<br />

Na 5º série do ensino fundamental t<strong>em</strong> início o aprendizado<br />

<strong>das</strong> t<strong>em</strong>poralidades da História, a reflexão sobre o t<strong>em</strong>po<br />

histórico e os acontecimentos cotidianos, neste contexto, t<strong>em</strong><br />

um papel importante no conhecimento da historia.<br />

Uma possibilidade é levar o estudante à reflexão histórica a<br />

partir do acontecimento.<br />

Hoje a intensa urbanização cobra seu preço e algumas coisas<br />

que eram comuns, principalmente nos bairros mais afastados<br />

do centro da cidade, estão <strong>em</strong> vias de desaparecimento ou já<br />

não mais exist<strong>em</strong>.<br />

Eram as noites povoa<strong>das</strong> por pisca-pisca ou vaga-lumes e <strong>em</strong><br />

certos dias do ano aconteciam as revoa<strong>das</strong> de iças no Alto do<br />

Ipiranga, Jardim Camila, Braz Cubas, Vila Natal e outros<br />

bairros.<br />

A iça é a fêmea da formiga saúva e a procura ou a “caça” desta<br />

para fazer “farofa” v<strong>em</strong> de longa data: “A içá torrada venceu<br />

to<strong>das</strong> as resistências, urbanizando-se mesmo, quase tão<br />

completamente como a mandioca, o feijão, o milho e a<br />

pimenta da terra. (...) Nos meses de set<strong>em</strong>bro e outubro, <strong>em</strong> que sa<strong>em</strong> aos bandos essas formigas<br />

ala<strong>das</strong>, buscava-as com sofreguidão, nos seus quintais, a gente de São Paulo, e ainda <strong>em</strong> pleno<br />

século XIX, com grande escândalo, para os estudantes forasteiros eram apregoa<strong>das</strong> elas no centro<br />

da cidade.”[1]<br />

Segundo o cartunista Maurício de Souza “Pássaros e crianças<br />

faz<strong>em</strong> a festa no t<strong>em</strong>po da revoada. Em vôos rasantes, os pássaros<br />

ench<strong>em</strong> o papo. Enquanto as crianças, <strong>em</strong>punhando galhos de<br />

árvores, corr<strong>em</strong> atrás e abat<strong>em</strong> as içás.<br />

A última vez que ‘cacei’ içás, quando ainda menino, foi lá num<br />

‘olho de formigueiro’ atrás da igreja matriz de Santa Isabel,<br />

cidade onde nasci.”<br />

Iças torra<strong>das</strong> ou farofa de iça <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, no Vale do<br />

Paraíba ou vendida no centro de São Paulo no século XIX, não era<br />

o único destino <strong>das</strong> formigas, pois, na década de 1880 a Casa Jules<br />

Martin comercializava formigas vesti<strong>das</strong> “<strong>em</strong> costumes da moda”.<br />

[2]<br />

Ilustração 4: Lampyris<br />

noctiluca. Disponível<br />

<strong>em</strong> http://pt.wikipedia.org/wi<br />

ki/Vaga-lume.Acesso 02<br />

Março 2011.<br />

A outra diversão era o pisca-pisca. As <strong>em</strong>issões luminosas dos<br />

pirilampos atraiam as crianças que corriam na noite atrás de<br />

nuvens de vaga-lumes, para capturar algum, colocar <strong>em</strong> um pote<br />

de vidro ou caixa de fósforos e depois soltar.<br />

As luzes ofuscantes da cidade (a urbanização caótica) fizeram<br />

desaparecer a magia da luz dos pirilampos.<br />

Os vaga-lumes ou as revoa<strong>das</strong> de iças que muitos esperavam para<br />

fazer farofa ou paçoca são acontecimentos que se cristalizaram na<br />

m<strong>em</strong>ória.<br />

Fernand Braudel, historiador francês que estudou a multiplicidade do t<strong>em</strong>po histórico atribuiu três<br />

categorias que se refer<strong>em</strong> a diferentes t<strong>em</strong>poralidades: o t<strong>em</strong>po dos acontecimentos, de breve


duração, o t<strong>em</strong>po da conjuntura, de média duração (10, 20 ou mais anos) e o t<strong>em</strong>po de longa<br />

duração, o t<strong>em</strong>po dos séculos e <strong>das</strong> mudanças lentas ou <strong>das</strong> permanências.<br />

Dizia Braudel: ”os acontecimentos são como vaga-lumes nas noites brasileiras: brilham, mas não<br />

aclaram”.[3]<br />

São acontecimentos de nossa história pessoal, da sociabilidade do hom<strong>em</strong> comum, de uma história<br />

do cotidiano, rica de significados ao estabelecermos relações<br />

entre as diversas t<strong>em</strong>poralidades defini<strong>das</strong> por Braudel.<br />

Postado por Angelo E N Nanni<br />

Notas<br />

[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras.Livraria José<br />

Olimpio Editora,RJ,1975, p64.<br />

[2] TEIXEIRA, Dante Martins; PAPAVERO, Nelson; MONNE, Miguel<br />

Angel. Insetos <strong>em</strong> presépios e as "formigas vesti<strong>das</strong>" de Jules Martin<br />

(1832-1906): uma curiosa manufatura paulistana do final do século XIX.<br />

An. mus. paul., São Paulo, v. 16, n. 2, Dec. 2008 . Available from . access<br />

on 02 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0101-47142008000200004.<br />

[3] FREITAS, Marcos Cezar de(org.).Historiografia Brasileira <strong>em</strong><br />

Perspectiva,editora Contexto,SP,1998,p265


sábado, 5 de março de 2011<br />

Da Folia a Cinzas: o carnaval <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

O carnaval não se resume apenas <strong>em</strong> desfiles como observamos<br />

atualmente <strong>em</strong> nossa região sudeste. Os primórdios do carnaval<br />

r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> as folias carnavalescas de rua ou salão que eram<br />

pratica<strong>das</strong> desde o século XIX até metade do século XX. É<br />

importante frisar a influência de diversas culturas integrantes <strong>em</strong><br />

nosso carnaval: afrodescendentes contribuíram com uma maior<br />

gama, mas também houve participação de imigrantes italianos<br />

nessa composição a partir da década de 1920 <strong>em</strong> São Paulo. Em<br />

nossa <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> historicamente as folias de salão são<br />

pratica<strong>das</strong> a partir do século XX. Isaac Grinberg faz inúmeras<br />

referências liga<strong>das</strong> ao carnaval, uma destas “A Lenda do Carnaval”<br />

passada <strong>em</strong> meados da década de 1910, traz inúmeros significados:<br />

Na <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> de antigamente os bailes de Carnaval realizavam-se no Mercado<br />

Municipal. As mulheres sentavam-se à volta do grande salão para assistir à folia e só os<br />

homens brincavam. E quase todos mascarados.<br />

O carnaval terminava exatamente à meia-noite de terça-feira. É que se alguém ousasse<br />

ficar de máscara ou brincasse depois dessa hora, um minuto que fosse, virava lobisom<strong>em</strong>!<br />

Nessas condições, o baile transcorria normalmente e lá até alta madrugada nos outros<br />

dias, mas na terça-feira, às onze e meia da noite, cessava a música, os homens tiravam as<br />

máscaras, encontravam as esposas que já os esperavam e seguiam rapidamente para as<br />

suas casas todos <strong>em</strong> silêncio... (GRINBERG, 1983).<br />

O curioso é que <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, mesmo<br />

situada na região metropolitana de São Paulo<br />

durante os anos de 1910 mantêm uma<br />

mentalidade provinciana, <strong>em</strong> que as tradições<br />

transpõ<strong>em</strong> os desejos e as <strong>em</strong>oções. Outro<br />

aspecto intrigante “As mulheres sentavam-se<br />

à volta do grande salão para assistir à folia e<br />

só os homens brincavam”, as tradições outra<br />

vez se ressaltam, o papel da mulher como<br />

símbolo sedutor, não era importante para a<br />

mentalidade do período, mas as<br />

extravagâncias como as danças individuais e principalmente a ingestão de bebi<strong>das</strong> alcoólicas<br />

satisfaziam o gosto popular. Pois a partir do primeiro minuto da quarta-feira de cinzas to<strong>das</strong> as<br />

extravagâncias e “pecados” tornariam-se heresias perante a Igreja. Até os dias atuais a tradição <strong>em</strong><br />

torno da quarta-feira de cinzas se mantêm viva <strong>em</strong> nossa <strong>Mogi</strong>. Na Catedral de Sant’Anna a partir<br />

da quarta-feira de cinzas até o sábado de aleluia, portanto <strong>em</strong> todo o período da “Quaresma”, to<strong>das</strong><br />

as imagens são cobertas com panos roxos, simbolizando que o foco neste período antecedente à<br />

páscoa, é que todos os fieis reflitam os sofrimentos passados por Cristo anterior a sua morte.


Mas o carnaval mogiano não se resume apenas aos fatos<br />

citados, outros aspectos são importantes como o surgimentos<br />

dos primeiros blocos: “Bloco do Sul”, “Independente”, “X”,<br />

“Estrela” e “Ki Ka Kalor”, estes blocos modificaram a<br />

brincadeira carnavalesca, saindo do salão do mercado<br />

municipal e indo para as ruas estreitas de nosso centro. A<br />

inovação principal foi à criação do campeonato de bonecos e<br />

carros alegóricos feitos de papel mache que sobreviveu até o<br />

inicio dos anos 40.Entre os personagens carnavalescos, um se destaca pela alegria e perseverança: o<br />

Rei Momo João Benegas Ortiz, que incorporou o personag<strong>em</strong> por mais de 40 anos. Ortiz como era<br />

conhecido, não media esforços para a realização do carnaval <strong>em</strong> nossa cidade. Houve anos <strong>em</strong> que o<br />

mesmo angariou fundos para a realização do evento, pois a prefeitura não cobriria os gastos. Ortiz é<br />

l<strong>em</strong>brado por todos os mogianos como o eterno Rei Momo.<br />

Já a partir dos anos 50 até 1980 os mogianos pulavam o carnaval <strong>em</strong> salões e clubes: Itapety, União,<br />

Vila Santista, Náutico e Clube de Campo. Essa fase do nosso carnaval é qu<strong>em</strong> diga a melhor. Nos<br />

anos 50 jovens e adultos frequentavam o local, a oportunidade de acontecer um “flerte” era mais<br />

fácil, pois fora desse momento sobrariam apenas as paqueras nas praças e futuramente um namoro<br />

vigiado pelos pais.<br />

A última fase que sobrevive até hoje, é o carnaval <strong>em</strong> forma de<br />

desfile. Essa fase nasceu a partir da metade da década de 1970<br />

com forte contribuição de imigrantes oriundos de Minas Gerais<br />

e Rio de Janeiro, grande parte trabalhadores da indústria. Nesse<br />

contexto foram funda<strong>das</strong> as primeiras escolas de samba:<br />

Unidos da Vila Industrial, Unidos da Ponte, Unidos do São<br />

João, Estação Primeira de Braz Cubas e Mocidade do Tietê.<br />

Mas <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> conserva aspectos peculiares <strong>em</strong> seu carnaval, ao contrário do que v<strong>em</strong>os <strong>em</strong><br />

São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, um carnaval cada vez mais comercial pautado <strong>em</strong> regras e no<br />

cronômetro. Uma folia para poucos que desfilam ou observam de camarote. O bom e velho carnaval<br />

o brasileiro atualmente desconhece, um evento s<strong>em</strong> preconceitos sociais, onde todos possam<br />

extravasar suas alegrias, trocar sua identidade e sonhar como uma criança ingênua a eterna folia<br />

carnavalesca... como era no passado!<br />

Glauco Ricciele P. L. C. Ribeiro<br />

Fontes:<br />

GRINBERG, Isaac. Folclore se <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 1983.<br />

Arquivo Municipal de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>. Prefeitura de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />

Postado por Sergio Damy


quinta-feira, 17 de março de 2011<br />

Cotidiano, terra e índios<br />

No processo de produção da vida através da<br />

atividade prática, na existência cotidiana, no<br />

processo real de vida dos homens, viv<strong>em</strong>os<br />

imbricados <strong>em</strong> relações que são<br />

historicamente determina<strong>das</strong> a partir de<br />

certo estágio de desenvolvimento da<br />

sociedade. Junto à produção material há<br />

também a produção de idéias jurídicas,<br />

religiosas, representações, arte, ciência, etc.,<br />

<strong>em</strong> suma, uma totalidade que se influencia<br />

mutuamente <strong>em</strong> relações de alteridade.<br />

Ao historicizar o cotidiano e enfocá-lo<br />

como uma t<strong>em</strong>poralidade composta de uma<br />

sucessão de presentes, t<strong>em</strong>os uma relação<br />

dialética entre o acontecimento, a<br />

conjuntura e a estrutura, entre permanências<br />

e rupturas.<br />

“Na orig<strong>em</strong> latina, quot dies é, ao<br />

mesmo t<strong>em</strong>po, um dia e todos os dias.<br />

Engloba, assim, tanto o instantâneo<br />

como o duradouro, o incisivo e<br />

transformador e o repetitivo. Cotidiano<br />

t<strong>em</strong>, portanto dois sentidos t<strong>em</strong>porais<br />

compl<strong>em</strong>entares. É o que acontece <strong>em</strong><br />

um dado dia, num t<strong>em</strong>po brevíssimo,<br />

uma ef<strong>em</strong>éride, e o que acontece todos os dias, portanto num t<strong>em</strong>po potencialmente longo.”[1]<br />

Aplicando esta breve definição à Freguesia da Escada, outrora terra de índios, t<strong>em</strong>os a seguinte<br />

situação ao analisar documentos de ord<strong>em</strong> jurídica que nos mostra o cotidiano dos moradores do<br />

lugar.<br />

No governo de Morgado de Mateus no ano de 1765 discutiu-se a idéia de transformar os<br />

aldeamentos <strong>em</strong> freguesias e este projeto caminhou para tornar-se realidade <strong>em</strong> 1803 com o<br />

“Plano <strong>em</strong> que se propõ<strong>em</strong> o melhoramento da sorte dos índios, reduzindo-se a<br />

Freguesias as suas Aldeas e extinguindo-se este nome e esta separação <strong>em</strong> que t<strong>em</strong><br />

vivido a mais de dois séculos.”[2]<br />

Neste plano, a aldeia da Escada que ficava junto à estrada Geral, ligando S.P. ao<br />

R.J., era colocada como uma potencial povoação importante, pois contava com 212<br />

habitantes índios, tendo muitos moradores nos seus arredores e se tornava própria para<br />

transformação <strong>em</strong> freguesia. A partir daí, s<strong>em</strong> a atuação e ação dos padres que proibiam<br />

a entrada de colonos no aldeamento e para as terras próximas às dos índios, a população<br />

da freguesia cresceria s<strong>em</strong> nenhuma restrição.<br />

Mas, ao contrario do pretendido no plano referido, a transformação para freguesias resultou<br />

inicialmente <strong>em</strong> disputas por terra e dispersão dos habitantes originais, sendo contraditório a partir<br />

do próprio título do plano de 1803 que pretendia melhorar a “sorte” dos índios.<br />

Ao tentar resolver um probl<strong>em</strong>a causado pela própria administração portuguesa, quando fundou os<br />

aldeamentos e impôs um complexo cultural originariamente europeu, aplicado <strong>em</strong> possessões<br />

portuguesas, com o avanço da colonização e crescimento da colônia se reduzia os índios a meras


peças de trabalho, retirando e desorganizando o sentido coletivo do trabalho <strong>em</strong> sociedades cujo<br />

conceito trabalho estava envolto por categorias morais, sociais, rituais, e não físicas e econômicas<br />

como na Europa mercantilista.<br />

A transformação <strong>em</strong> freguesia gerou a situação que produziu o documento citado abaixo, ou seja,<br />

uma disputa colono x índios pelo lugar denominado barreiro, onde o trabalho tinha características<br />

coletivas para os indígenas e conseqüent<strong>em</strong>ente a fonte de matéria-prima era de uso comum,<br />

diferente da forma utilizada pelo colono que se caracterizou por tornar a terra de uso individual -<br />

utilitário para uso mercantil.<br />

Os moradores da Escada se referiam no início do século XIX a um lugar chamado “barreiro”<br />

utilizado de forma comunitária por várias famílias para produzir “loiças.[3] :<br />

“São o pobres Indígenas moradores junto a esta Cap. 1a de N. S. da Escada (segu<strong>em</strong> quatorze<br />

nomes e famílias), assim todos Moradores de dentro do pateo como de longe, q. desde sua criação,<br />

forão Srs , de hum lugar chamado Barreiro, onde todo porocurão o Barro p. a as facturas de loiça pa serventia de suas casas como donde tirão algum vint<strong>em</strong> p. a os mais socorros, assim todos<br />

moradores de mao comum se serv<strong>em</strong> dos d. os Barreiros:ex q. de repente o Espírito de ambição não<br />

dando lugar ao murador mais perto Manoel Joaq. m de Araújo, se faz S. r do d. o lugar sercando com<br />

caraguatás, afim de ficar<strong>em</strong> privados desta tão antiga posse, m. mo q. o d. o tivesse <strong>em</strong> seos títulos já<br />

se devia amordar aesta utilidade publica portanto [...]".<br />

Este documento também revela o traçado de um aldeamento com a referência a “moradores<br />

de dentro do pateo como de longe”, isto é, a Igreja e o terreno retangular <strong>em</strong> frente com habitações<br />

laterais (pateo) e possivelmente desde a criação do aldeamento os índios utilizavam a argila para<br />

manufaturas.<br />

Nos anos que se seguiram, os conflitos envolvendo d<strong>em</strong>arcação de terras e criações de animais<br />

continuaram a existir como mostra outro documento de 1834, mas, não envolvia mais os habitantes<br />

do ex-aldeamento.<br />

Hoje, praticamente é o mesmo espaço de outrora que encontramos na Freguesia da Escada, quase<br />

duzentos anos depois, com outra destinação e s<strong>em</strong> os habitantes originais ou seus descendentes.<br />

A grafia <strong>em</strong> itálico respeita o documento<br />

Fontes:<br />

[1] GUARINELLO,Norberto Luiz, História científica, história cont<strong>em</strong>porânea e história<br />

cotidiana. S.P., Rev. Bras. De História, v. 24, n° 48, 2004 p.19<br />

[2] - Documentos interessantes para história e costumes de São Paulo, volume 95, ed. Unesp,<br />

( 1990) p.105<br />

[3] - Acervo do Fórum, termos de conciliação,Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Postado por Angelo E N Nanni


quarta-feira, 23 de março de 2011<br />

A Santa Casa e a varíola <strong>em</strong> 1900<br />

As Misericórdias foram instituições de<br />

assistência aos pobres, existente <strong>em</strong> Portugal<br />

desde o século XV e nas colônias<br />

portuguesas posteriormente.<br />

A direção <strong>das</strong> instituições de Misericórdia<br />

cabia a m<strong>em</strong>bros de prestígio e posses <strong>em</strong><br />

uma determinada sociedade, realçando a<br />

importância do cargo de provedor.<br />

Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> o “Asylo da Sociedade<br />

Mogyana de Beneficiência” começava a<br />

funcionar <strong>em</strong> 1873, tendo como 1º<br />

secretário, o futuro redator do primeiro<br />

jornal da cidade “A Gazeta de Mogy <strong>das</strong><br />

<strong>Cruzes</strong>” e na sua direção, m<strong>em</strong>bros da<br />

Câmara Municipal e da Guarda Nacional.<br />

A Câmara Municipal encaminhou para<br />

Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa, no ano de 1900, dois<br />

pedidos de verbas, “concedidos <strong>em</strong> annos<br />

anteriores”para “o Hospital de Isolamento<br />

de variolosos d’esta cidade e a Santa Casa<br />

de Misericórdia, denominada Asylo da<br />

Sociedade Mogyana de Beneficiencia”.<br />

Vinte e dois anos eram passados desde as<br />

primeiras experiências, <strong>em</strong> 1878, com o<br />

isolamento de doentes longe dos locais mais<br />

habitados, seguindo o modelo norte-americano e europeu no tratamento da varíola (assunto tratado<br />

<strong>em</strong> postagens anteriores como varíola e o Lazareto do Itapety), aliando o binômio pobreza-doença.<br />

Segundo Giovana Mastromauro que estudou os hospitais de isolamento:<br />

As pessoas que estavam com suspeitas de doença,quando percebi<strong>das</strong> na rua pela polícia<br />

sanitária, eram recolhi<strong>das</strong> e imediatamente leva<strong>das</strong> ao Desinfetório Municipal. Uma vez<br />

constatada a doença eram leva<strong>das</strong> finalmente ao Hospital de Isolamento. O doente<br />

entregava suas vestes às enfermeiras, que as levavam para desinfetá-las. A partir desse<br />

momento, o enfermo se tornava praticamente num detento, e era considerado nocivo para<br />

a sociedade. (...) O regulamento para os hospitais de isolamento é explicitamente<br />

segregador.<br />

A varíola seguia como realidade, a não aceitação da vacinação e do pus vacínico contribuía para<br />

dizimar vi<strong>das</strong> pelos anos 1880 – 1890, especialmente com a epid<strong>em</strong>ia de 1892 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.


Em 1900 a vacina ainda era recusada, o isolamento era adotado.<br />

Disponível <strong>em</strong> http://www.ceticismoaberto.com/ciencia/3437/a-histeria-da-vacina<br />

Os t<strong>em</strong>ores sobre vacinas eram compreensíveis quando elas eram algo novo, mas são as<br />

preocupações atuais fundamenta<strong>das</strong>?<br />

Fontes:<br />

Arquivo da Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa de São Paulo, caixa 213<br />

Mastromauro G C. Urbanismo e salubridade na São Paulo Imperial: o Hospital de Isolamento e o<br />

C<strong>em</strong>itério do Araçá. [dissertação]. Campinas (SP): Universidade Católica de Campinas; 2008.<br />

As letras <strong>em</strong> italico respeitam a grafia do documento<br />

Postado por Angelo E N Nanni


sábado, 26 de março de 2011<br />

Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Domingo, 27 de março de 1881<br />

Há exatos 130 anos, circulava a edição numero cinco da “Gazeta<br />

de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>: periódico litterário, noticioso e commercial”.<br />

Primeiro jornal da cidade, fundado <strong>em</strong> fevereiro do mesmo ano,<br />

<strong>em</strong> suas quatro páginas iniciava com um artigo a respeito de<br />

núcleos agrícolas, expondo as vantagens que o governo da<br />

província poderia vir a ter caso adquirisse as terras da “campina<br />

do Santo Ângelo que t<strong>em</strong>os na proximidade d’esta cidade”. (atual<br />

Jundiapeba e Santo Ângelo).<br />

O artigo do jornal se referia à criação de núcleos agrícolas com<br />

base <strong>em</strong> uma lei provincial, de 1880, que admitia a formação de<br />

núcleos com menores de 12 anos para o cultivo de gêneros<br />

agrícolas, abastecimento de núcleos urbanos e assim finalizava o<br />

texto do periódico: “Estando estes lindos terrenos tanto nas<br />

proximidades da capital como de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, com as linhas<br />

férreas -- ingleza e do norte-- que lhes ficam a dois passos, o que<br />

resta pois para que tanto terreno perdido seja utilisado?”(anos<br />

depois o núcleo veio a ser <strong>em</strong> Sabaúna, composto por imigrantes).<br />

O jornal ainda <strong>em</strong> sua primeira página possuía uma coluna de Variedades falando sobre “Os<br />

Filantes”.<br />

Na pagina dois e três as colunas “Notícias”, “ Avisos”e “Secção Livre” com acontecimentos da<br />

Europa, EUA, interior da província , da cidade e avisos sobre horário de trens para São Paulo, Rio<br />

de Janeiro e Cachoeira, cotação de gêneros agrícolas no mercado da cidade, <strong>em</strong> Santos, São Paulo e<br />

café no mercado do Rio de Janeiro.<br />

Ainda nesta pagina três, a comunicação da contratação de um Pharmaceutico como médico da<br />

câmara “para tratar dos enfermos pobres do município, sendo necessária por parte d’esses<br />

apresentar<strong>em</strong>-lhe attestado de pobreza” e a notícia da morte, <strong>em</strong> São José dos Campos, de um<br />

escravo liberto, com 120 anos, achado na mata “n’esse estado de decomposição (...) sepultado no<br />

logar onde foi encontrado”.<br />

Escravos ou libertos com idade avançada constituíam uma exceção na sociedade escravocrata no<br />

Brasil do século XIX, principalmente nas regiões monocultoras do sudeste (Vale do Paraíba —<br />

café), como constatou o médico Manoel da Gama Lobo <strong>em</strong> trabalho pioneiro (1865) sobre a<br />

deficiência nutricional causada pelas degradantes condições de vida do escravo:<br />

O trabalho excessivo, a alimentação insuficiente, os castigos corporais <strong>em</strong> excesso<br />

transformam estes entes miseráveis <strong>em</strong> verdadeiras máquinas de fazer dinheiro; s<strong>em</strong><br />

direito de casamento, s<strong>em</strong> laço algum de amizade que os ligue sobre a terra, eles perd<strong>em</strong> o<br />

ânimo, sendo vítimas de opilações, úlceras crônicas, caquexias e to<strong>das</strong> as moléstias que<br />

são ocasiona<strong>das</strong> por uma alimentação insuficiente.” (Gama Lobo, 1865a, p.432).<br />

Finalizando o jornal, a seção “Annuncios”, com os anunciantes da cidade, São Paulo e Vale do<br />

Paraíba.Anúncios da “Casa Bancaria” de São Paulo, Funilaria, Pharmácia, Armarinhos,<br />

Sapataria, Typografia <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e de São José dos Campos o famoso Licor de<br />

Japecanga Iodurado, que consistia numa erva <strong>em</strong> solução de iodeto e álcool, usado no tratamento<br />

de sífilis, gonorréia, corrimento vaginal, lepra, varíola, tumores variados, reumatismo, feri<strong>das</strong>,<br />

micoses, infecções na pele e ossos, gota, tuberculose, enfim “to<strong>das</strong> as moléstias que t<strong>em</strong> sua causa<br />

na impureza do sangue”.


As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />

Fontes:<br />

DAESP, colônias caixa 4<br />

VASCONCELOS, Francisco de Assis Guedes de; SANTOS, Leonor Maria Pacheco. Tributo a<br />

Manoel da Gama Lobo (1835-1883), pioneiro na epid<strong>em</strong>iologia da deficiência de<br />

vitamina A no Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, Dec.<br />

200Availablefrom. access on 26 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0104-59702007000400013.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quinta-feira, 31 de março de 2011<br />

Sons da cidade: o amolador de facas e o hom<strong>em</strong> do biju<br />

Agora t<strong>em</strong>os amolador de faca elétrico. Produto<br />

importado, anunciado na televisão.<br />

N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre foi assim, pois havia aquele senhor<br />

que percorria as ruas da cidade, <strong>em</strong>purrando um<br />

carrinho ou pedalando uma bicicleta adaptada,<br />

soprando uma gaita com quatro ou cinco notas<br />

agu<strong>das</strong>, gritando “olha o amolador”.<br />

O som avisava, era o amolador de facas, alicate<br />

de unha, tesouras, tesouras de cortar grama e tudo<br />

o que tivesse lâmina e pudesse ser afiado.<br />

Amolar uma lâmina requeria a ciência de saber o<br />

ângulo <strong>em</strong> que a lâmina deveria ser posicionada<br />

quando <strong>em</strong> contato com a pedra de amolar, que<br />

acionada por pedal e correia, girava <strong>em</strong><br />

velocidade soltando faíscas <strong>em</strong> contato com o aço<br />

ou ferro da peça que estava sendo afiada.<br />

Hoje esta profissão, essencialmente do meio urbano, quase está extinta.<br />

O amolador que trabalha nos bairros da zona leste de São Paulo, se desloca pelas cidades do Alto<br />

Tiete a procura de fios de navalha e serviço.<br />

O vendedor de biju é outra profissão que não se vê e não se ouve.<br />

A massa de biscoito fino <strong>em</strong> formato de canudo quase desapareceu dos centros urbanos e junto com<br />

ela, o vendedor.<br />

Lá vinha o hom<strong>em</strong> com uma matraca na mão, um pedaço de madeira retangular com uma abertura<br />

onde se colocavam os dedos, uma argola de ferro que batia nos dois lados da madeira, ao realizar<br />

um movimento de vai e v<strong>em</strong> com as mãos e lá vinha o som, tec, tec, tec, “olha o biju”.<br />

Não só os prédios, as coisas materiais, deveriam ser tombados, mas também, o trabalho e o<br />

trabalhador, enquanto patrimônio humano.<br />

Antigo amolador de facas por Genevieve Naylor. Em BOEMIA E NOSTALGIA. Cotidiano<br />

Brasileiro, 1940-1943. Disponível <strong>em</strong> http://bo<strong>em</strong>iaenostalgia.blogspot.com/2008/07/cotidianobrasileiro-1940-1943.html.<br />

Acesso Março, 2011.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quinta-feira, 7 de abril de 2011<br />

<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o ensino <strong>em</strong> 1830<br />

Na Inglaterra por volta do inicio do século XIX, o educador<br />

Lancaster propôs um método conhecido por mútuo ou lancasteriano,<br />

onde um grupo de alunos que obtivesse destaque <strong>em</strong> sala de aula<br />

deveria transmitir os conhecimentos adquiridos a seus colegas. Este<br />

método, de alunos mestres, provou ser fracasso e foi abandonado<br />

pelas escolas britânicas <strong>em</strong> vista de sua ineficácia.<br />

Esta idéia de educação era própria <strong>das</strong> sociedades industriais<br />

européias que, <strong>em</strong> meio à revolução industrial, com o crescimento<br />

<strong>das</strong> cidades e aumento d<strong>em</strong>ográfico, geraram uma nova postura e<br />

orientação <strong>em</strong> relação ao ensino.<br />

No Brasil o probl<strong>em</strong>a educacional figurava na Constituição Imperial<br />

e também <strong>em</strong> decreto de outubro de 1827, onde se estabelecia, no<br />

artigo 1º, a criação <strong>em</strong> to<strong>das</strong> as cidades, vilas com lugares populosos,<br />

de escolas de primeiras letras e no artigo 4º o método de ensino<br />

mútuo ou Lancasteriano seria adotado nestas escolas [2].<br />

A câmara de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> recebia ofício <strong>em</strong> 1830 dizendo que : “Não tendo por ora o<br />

estabelecimento da Escola de 1 as Letras dessa villa pelo methodo Lancastriano, pois que os<br />

utensílios que vierão da Corte <strong>em</strong> conseqüência de minha requisição no ano pp, apenas chegão<br />

para ser<strong>em</strong> reparti<strong>das</strong> pelas 5 Escolas estabeleci<strong>das</strong>, não t<strong>em</strong> essa Câmara, e n<strong>em</strong> a Fazenda<br />

Pública, obrigação de fornecer cazas ao respectivo professor...”[3]<br />

Existia um descompasso entre o que era postulado e o que efetivamente ocorria, não existindo as<br />

condições materiais para a instalação <strong>das</strong> escolas de “primeiras letras”.<br />

O Brasil, a província de São Paulo e especificamente <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, continuavam com uma<br />

feição agrária marcada por uma formação social influenciada por estamentos, pelo patrimonialismo,<br />

pelo mando e pela disciplina dos códigos militares aplicados à sociedade.<br />

Fontes:<br />

[1] -Ensino mútuo, litografia colorida de J. H. Marlet, 1822. INRP/Musée National de l'Education, Rouen,<br />

França http://www.crmariocovas.sp.gov.br/apr.php?t=007a.<br />

[2] -Decreto da Ass<strong>em</strong>bléia Geral Legislativa sobre Escola de primeiras letras <strong>em</strong> to<strong>das</strong> as cidades, villas e<br />

lugares mais populosas do Império do Brasil, 15 de outubro de 1827, in Azevedo, Fernando, A transmissão<br />

da cultura, Melhoramentos,5 ed., SP, 1976,p.72<br />

[3] - Requerimentos e ofícios recebidos 1800-1892, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Postado por Angelo E N Nanni


quarta-feira, 13 de abril de 2011<br />

<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o relatório da Instrução Pública Provincial<br />

<strong>em</strong> 1853<br />

com o trabalho livre e assalariado de imigrantes.<br />

Vimos na postag<strong>em</strong> anterior o “methodo” de<br />

ensino adotado no Brasil a partir do final da<br />

terceira década do século XIX e sua aplicação<br />

(ou não) na cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />

Durante essas primeiras déca<strong>das</strong> do século<br />

XIX, a questão da educação, era atribuição<br />

<strong>das</strong> Câmaras Municipais, seus fiscais<br />

exerciam a função de “inspetores de escolas”<br />

e esta realidade começaria a mudar a partir<br />

dos anos 1850.<br />

Em meados do século, sucessivas tentativas<br />

de modernização <strong>das</strong> estruturas do país se<br />

materializaram na Lei de Terras de 1850, no<br />

Código Comercial de 55 e nas experiências<br />

No âmbito da educação essa “modernização” se mostrava desde 1846, quando o governo da<br />

província de São Paulo direcionou suas ações para a organização da instrução pública, de modo<br />

mais sist<strong>em</strong>ático, determinando as matérias que compunham o ensino primário.<br />

Em 1851 o “governo do ensino” foi criado através de uma Inspetoria Geral, subdividindo-se <strong>em</strong><br />

Inspetores de Distrito e um Conselho de Instrução Pública.<br />

Os professores eram enquadrados <strong>em</strong> três categorias: contratados, interinos e definitivos, todos de<br />

nomeação do governo, sendo que os primeiros eram propostos pelo Inspetor de distrito e não fazia<br />

exame, a segunda categoria fazia um exame proposto pelo governo provincial e os últimos eram<br />

escolhidos entre os aprovados na Escola Normal não realizando exames.<br />

A escola ou o local <strong>das</strong> aulas era a própria casa do professor, que providenciava os móveis e<br />

materiais pertinentes a sua atividade, sendo que não era rara a falta de todos esses materiais<br />

(móveis, papel, material de escrita, etc).<br />

A duração do período escolar não era uniforme, a chamada ou presença não era uma atividade<br />

sist<strong>em</strong>ática e o exame final para mudança de série quase não ocorria.<br />

O método de ensino estava distante de Lancaster e do ensino mutuo e se resumia na tradição, ou<br />

seja, o professor ao assumir uma classe l<strong>em</strong>brava como fora ensinado por seu antigo professor e<br />

repetia as mesmas ações. Os alunos decoravam <strong>em</strong> um ou dois dias da s<strong>em</strong>ana orações religiosas,<br />

havia fundamentos de aritmética, se aprendia as quatro operações mat<strong>em</strong>áticas fundamentais, leitura<br />

e escrita, os chamados “crimes escolásticos” (desatenção, desrespeito) eram punidos com castigos<br />

físicos, sendo recorrente o uso da palmatória.


No ano de 1853 o inspetor geral de instrução publica começava a percorrer a província para visitar<br />

as escolas e dizia:<br />

As povoações, que já percorri, são Itaquaquecetuba, Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Santa Isabel, Arujá<br />

e S. Miguel.Ahi inspeccionei e fiscalizei as Casas d’ensino...as escholas, cuja regência me<br />

pareceu satisfatória cont<strong>em</strong>plei as do sexo f<strong>em</strong>inino <strong>das</strong> Villas de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, e<br />

Santa Isabel.(...)<br />

Queixas e más informações me forão presentes contra os Professores de primeiras lettras<br />

de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Bragança e Áreas...Tenho b<strong>em</strong> funda<strong>das</strong> esperanças de que o<br />

primeiro,... mediante as admoestações que lhe fiz, se cohibira de sua notória falta de<br />

dedicação ao magistério, que dava logar a geraes clamores, e que pessoalmente verifiquei.<br />

As 183 Cadeiras de primeiras letras, distribuí<strong>das</strong> <strong>em</strong> 125 para o sexo masculino e 58 para o sexo<br />

f<strong>em</strong>inino passavam a ser observa<strong>das</strong> por um inspetor geral e por inpetores de distrito<br />

Nos anos 1890, já na República, as escolas isola<strong>das</strong> dariam lugar aos grupos escolares, também<br />

conhecidos como “t<strong>em</strong>plos de sabedoria”.<br />

A escrita <strong>em</strong> itálico respeita a grafia original do documento<br />

Fontes:<br />

DAESP, Relatório sobre o estado da Instrução Publica Provincial no anno de 1852, Relatório sobre<br />

o estado da Instrução Publica Provincial no anno de 1853.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


domingo, 1 de maio de 2011<br />

Entre salas de aula e corredores: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1896<br />

Vimos nas duas postagens anteriores, a situação da educação na cidade<br />

de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> no século XIX, a política educacional provincial<br />

que criara um departamento de Instrução Publica e a atuação do<br />

inspetor geral de instrução pública percorrendo as escolas da província.<br />

Na terceira postag<strong>em</strong> sobre educação o assunto é a criação dos grupos<br />

escolares e mais especificamente a criação do Grupo Escolar de <strong>Mogi</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> 1896.<br />

Como já foi dito, nas nações que se industrializavam a educação<br />

assumiu uma nova postura, tendo significado político e econômico,<br />

interferindo no complexo processo de desenvolvimento que incorporava métodos de aprendizag<strong>em</strong><br />

<strong>em</strong> sociedades que atravessavam a revolução industrial. Na Inglaterra, Al<strong>em</strong>anha e França 80% a 90<br />

% <strong>das</strong> crianças freqüentavam a escola <strong>em</strong> 1890.<br />

Contrariamente, no Brasil, o recenseamento de 1872 apontava 9 milhões de habitantes da população<br />

livre, com índice de analfabetismo de 78% nos grupos com idade de 15 anos ou mais.Em 1878 no<br />

país, contavam-se 15561 escolas primarias que reuniam 175 mil alunos[1].<br />

O Inspetor Literário do 11° Distrito que abrangia a região de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> escreveu <strong>em</strong> seu<br />

relatório de 1885 sobre a qualidade ruim do ensino público e a exclusão de grande parte da<br />

população, onde “...o governo não cria escolas para ser<strong>em</strong> freqüenta<strong>das</strong> por uma fração do povo,<br />

por dous terços apenas da população escolar, ficando um terço na ignorância e obscuridade s<strong>em</strong><br />

justificar o motivo”.<br />

Também a situação do professor era objeto de relatórios onde se expunha os probl<strong>em</strong>as enfrentados<br />

pelos professores públicos. O relatório de 1886 apresentava o seguinte teor: ”É nomeado um<br />

professor público, tira seu título, vai procurar uma casa <strong>em</strong> que estabelecer a escola, e logo se vê<br />

<strong>em</strong> sérias dificuldades...”<br />

Com o advento da República, esta recebe como herança, um ensino público ineficaz e precário.<br />

Na tentativa de estabelecer um programa de educação, uma reforma educacional de âmbito estadual<br />

é realizada <strong>em</strong> São Paulo <strong>em</strong> 1892 por Caetano de Campos e ligado a esta reforma esta a criação<br />

dos grupos escolares que reuniam <strong>em</strong> um só local varias escolas isola<strong>das</strong>.<br />

Estava aberta a possibilidade de criação dos grupos escolares e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, acabar com as<br />

escolas que funcionavam nas casas onde os professores residiam e apresentavam probl<strong>em</strong>as de<br />

acomodação dos alunos por absoluta falta de móveis escolares, inadequação do espaço físico com<br />

probl<strong>em</strong>as de acomodação dos alunos, ausência de métodos de ensino e literatura escolar e a falta<br />

de objetos escolares como lousa, papel, mapas, material para escrita, etc.<br />

Em 1895 <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> contava com 16 escolas isola<strong>das</strong> que foram reuni<strong>das</strong> <strong>em</strong> 1896 no<br />

primeiro Grupo Escolar da cidade <strong>em</strong> prédio adaptado para esta função.<br />

Continuando no t<strong>em</strong>a Educação, na próxima postag<strong>em</strong> será abordado a arquitetura escolar e a<br />

construção de um prédio próprio para abrigar o Grupo Escolar de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />

As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />

Fontes:<br />

APESP, latas - Instrução Pública, 5065 e 5066<br />

[1] Holanda, Sergio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira, vol.6. Difel, SP, 1971<br />

Postado por Angelo E N Nanni


sexta-feira, 27 de maio de 2011<br />

Entre salas de aula e corredores II: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1914<br />

A escola pública durante o Império foi, na maioria <strong>das</strong> vezes, a<br />

própria casa do professor, s<strong>em</strong> materiais e moveis escolares, s<strong>em</strong><br />

espaço para acomodação de alunos, situação agravada com as<br />

constantes epid<strong>em</strong>ias do século XIX, principalmente a varíola,<br />

que gerava a situação relatada pelo inspetor literário do 11º<br />

distrito que no inicio dos anos 1890 dizia o seguinte: “... pela<br />

epid<strong>em</strong>ia que ameaçava victimar de preferência os lugares<br />

servidos por estrada de ferro, entendi de meo dever começar<br />

por elles os exames a fim de libertar <strong>das</strong> salas acanha<strong>das</strong> <strong>das</strong><br />

escolas as crianças perigosamente acumula<strong>das</strong>”.<br />

No final do século XIX, já no período republicano, entre as<br />

pessoas liga<strong>das</strong> a educação passava a ser dominante a idéia de<br />

um espaço próprio para a atividade escolar, como atestava o<br />

relatório de um professor da região <strong>em</strong> 1893, sobre a<br />

impossibilidade de o professor lecionar programas diversos “nas<br />

classes e subclasses que o professor é obrigado a ter <strong>em</strong> sua<br />

escola” talvez melhore com a lei “que estabeleceu a permissão<br />

de reunir-se <strong>em</strong> um só edifício as escolas de uma localidade...”.<br />

Desta maneira <strong>em</strong> 1896, <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, agora pertencendo ao 15º distrito literário, contava com<br />

um grupo escolar instalado <strong>em</strong> edificações adapta<strong>das</strong> para abrigar um prédio escolar, todavia a<br />

escola dotada de um prédio próprio com uma identidade direcionada para a educação só viria a<br />

materializar-se <strong>em</strong> 1914 com uma arquitetura escolar voltada para a monumentalidade com a<br />

intenção de sinalizar e simbolizar as finalidades sociais, morais e cívicas da educação pública, assim<br />

como as realizações dos governos republicanos no Estado de São Paulo.<br />

Rosa Fátima de Souza <strong>em</strong> “T<strong>em</strong>plos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no<br />

Estado de São Paulo” aponta que:<br />

O edifício-escola deveria exercer (...) uma função educativa no meio social.<br />

Na arquitetura escolar encontram-se inscritas (...) dimensões simbólicas e<br />

pedagógicas.O espaço escolar passa a exercer uma ação educativa dentro e fora<br />

dos seus contornos.<br />

Se no Brasil colônia a Igreja, casa de Câmara, cadeia e o pelourinho ocuparam funções na<br />

organização do espaço público, agora, no período republicano o grupo escolar ocupava o centro dos<br />

núcleos urbanos ordenando a vida cotidiana <strong>em</strong> uma sociedade marcada pela idéia de progresso. O<br />

grupo escolar se juntava a Igreja Matriz, outros prédios públicos, casas de chefes políticos locais,<br />

(geralmente do PRP) e coronéis.<br />

A escola seria o “local de formação do cidadão republicano” e o Relatório Escolar de 1911 nos<br />

mostra que “a construcção de edifícios escolares, tiveram estes, notável incr<strong>em</strong>ento, estando <strong>em</strong><br />

construção...” três prédios na capital e vinte e seis no interior, entre eles o grupo escolar de <strong>Mogi</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, inaugurado <strong>em</strong> 1914 e que anos mais tarde recebeu o nome de Grupo Escolar Coronel<br />

Almeida.<br />

As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />

Fontes:<br />

APESP, lata - Instrução Pública 4923, Annuário do Ensino do Estado de São Paulo, publicação<br />

organizada pela Directoria Geral da Instrucção Pública 1911-1912<br />

Postado por Angelo E N Nanni


terça-feira, 7 de junho de 2011<br />

A Festa do Divino: o império da festa<br />

Presença marcante no Brasil, já no<br />

período colonial, a religião s<strong>em</strong>pre<br />

correspondeu a necessidades, desejos,<br />

esperanças e aspirações <strong>das</strong> pessoas,<br />

atuando <strong>em</strong> diversos sentidos, ora<br />

legitimando a dominação dos poderosos,<br />

ora conscientizando e libertando.<br />

Neste sentido de libertação,<br />

conscientização é que pod<strong>em</strong>os analisar a<br />

festa do Divino, com<strong>em</strong>orada desde os<br />

t<strong>em</strong>pos coloniais onde o sagrado<br />

comungava com o sentido profano <strong>das</strong><br />

festas e revestia a seriedade da liturgia<br />

com a alegria <strong>das</strong> manifestações do povo<br />

e seu entendimento da religiosidade, a<br />

maneira como o povo entendia e praticava seu catolicismo.<br />

Em estreita ligação com a religião as festas imperavam, <strong>em</strong> um sentido de se estabelecer, de<br />

permanecer e o império <strong>das</strong> festas dominava a todos levando à idéia de lugar de reunião,<br />

participação e comunhão. As irmandades incorporavam el<strong>em</strong>entos africanos nas festas, como a<br />

Irmandade do Rosario, onde se encontravam escravos, livres e pobres, que introduziam nas<br />

festividades as danças de Moçambique, a Congada e na festa mais intensamente com<strong>em</strong>orada, a<br />

Festa do Divino, a historiadora Mary Karrach apontou que os escravos de orig<strong>em</strong> africana<br />

identificaram a pomba do Divino com a simbologia de pássaros de regiões africanas que<br />

significavam vida e morte ou dia e noite ou ainda liberdade e igualdade.<br />

Por essas razões havia por parte <strong>das</strong> autoridades tentativas de disciplinar ou intervir nas<br />

manifestações populares, o que não se concretizava inteiramente pela ligação da festa com a<br />

religião e a intensa participação <strong>das</strong> pessoas, onde as manifestações de religiosidade aconteciam<br />

fora da igreja, ou seja, na festa. O viajante frances Saint-Hilaire, ao passar por Taubaté <strong>em</strong> 1822 na<br />

época da festa de Pentecostes anotou <strong>em</strong> seu diário “Já estávamos sob o rancho quando um bando<br />

de gente, de to<strong>das</strong> as idades e cores, ali veio aboletar-se conosco.São músicos que vão...coletar<br />

para a festa de Pentecostes.Em regra esses que assim ped<strong>em</strong> para o Espírito Santo não dev<strong>em</strong> sair<br />

de seu distrito, mas obtém facilmente a permissão para girar pelas freguesias vizinhas”.<br />

Em várias localidades, inclusive <strong>em</strong> nossa região as posturas municipais ou leis municipais<br />

proibiam festas de santos com a concentração de pessoas e <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> um documento de<br />

1835, encontrado no Arquivo da Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa, nos mostra que as “festividades” eram<br />

importantes na vila.<br />

Neste documento a Câmara de <strong>Mogi</strong> solicitou a Ass<strong>em</strong>bléia que não fosse proibido os “tiros de<br />

roqueira dentro da vila” <strong>em</strong> dia de festa. A roqueira era um tubo de metal cheio de pólvora, preso<br />

<strong>em</strong> um toco de madeira e quando aceso provocava uma forte explosão e servia para dar início às<br />

festividades, seria um equivalente dos morteiros de papelão usados hoje <strong>em</strong> dia.<br />

Pelo menos nas quatro principais festas, a saber, “Páscoa, Espírito Santo, Santa Anna e Natal”, era<br />

requerido a permissão para o uso da roqueira, no entanto, a proibição vigorou.<br />

Durante a década de 1830 as proibições ficaram mais rígi<strong>das</strong> como mostra uma postura municipal<br />

( leis municipais) da cidade de São Paulo, onde, “todo aquele que ...tirar esmolas para festejos de<br />

Santos fora <strong>das</strong> portas <strong>das</strong> igrejas e capelas, e pelas ruas será multado ou dois a seis dias de<br />

prisão” e <strong>em</strong> 1836 na freguesia da Penha <strong>em</strong> São Paulo uma pessoa foi presa por “esmolar com


andeira”.<br />

Em Santa Isabel, cidade onde as posturas municipais haveriam de proibir as danças como o<br />

moçambique, com<strong>em</strong>orava-se a Festa do Divino de 1844 com a sua Imperatriz solicitando licença<br />

para esmolar, segundo documento do Arquivo Histórico do Município de São Paulo, “a fim de<br />

solenizar melhor a festa do Divino”.<br />

Estes ex<strong>em</strong>plos nos mostram que aos olhos do poder instituído as festas e danças populares eram<br />

acompanha<strong>das</strong> e regulamenta<strong>das</strong> pelas leis porque eram vistas como uma possibilidade de<br />

transgressão da ord<strong>em</strong>, principalmente numa sociedade escravocrata, por outro lado mostrava a<br />

autonomia, desejos e vontades do povo.<br />

Sabendo que estas festividades, muitas vezes cercea<strong>das</strong>, eram de extr<strong>em</strong>a importância para manter a<br />

identidade do povo, o modernista Mario de Andrade realizou excursões às cidades que circundam<br />

São Paulo para mapear as festas, danças e costumes <strong>das</strong> comunidades.<br />

Visitando <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> 30 de maio de 1936, escreveu um artigo para a Revista do Arquivo<br />

Municipal de São Paulo, sobre a Entrada dos Palmitos: “Chegado a <strong>Mogi</strong> pelas doze horas do dia<br />

30, para organizar as filmagens que o Departamento de Cultura realizaria no dia seguinte, cuidei<br />

de indagar o que era essa “Entrada dos Palmitos”. Infelizmente perdera a cerimônia que é<br />

tradicionalmente às primeiras horas da manhã. Como julgo ver nessa festa uma curiosa e ainda<br />

viva r<strong>em</strong>iniscência do culto do vegetal da primavera no Brasil, venho comunicá-la para que os<br />

conhecedores mais completos dos costumes nacionais ligu<strong>em</strong> a festa mogiana a outras do país e a<br />

estud<strong>em</strong>”.<br />

Estudar a festa e conhecer seu significado, não deixar a tradição morrer envolvida pela<br />

modernidade, este era o projeto de um modernista como Mario de Andrade.A congada e o<br />

moçambique que ele filmou pouco se modificou, a cavalhada filmada no Largo do Bom Jesus não<br />

mais existe.<br />

A festa chegou até nossos dias muito diferente e muito igual. Igualdade na tradição e fé dos devotos<br />

e participantes. Diferente sob o signo dos valores da sociedade cont<strong>em</strong>porânea, do consumo e da<br />

mercadoria.<br />

As festividades significam encontros, possibilidades de socialização, liberdade e para todos que<br />

viv<strong>em</strong> o Divino, envolvimento, participação, solidariedade e <strong>em</strong>oção. Em qualquer época e <strong>em</strong><br />

qualquer lugar homens e mulheres tornaram e tornam as festas autenticas e concorri<strong>das</strong>.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


terça-feira, 28 de junho de 2011<br />

Congos, Congados e Moçambiques na Serra do Itapety (1929)<br />

Nas celebrações <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao Divino<br />

Espirito Santo as danças constitu<strong>em</strong> uma de<br />

suas principais atrações. Proibi<strong>das</strong> no<br />

período da escravidão, muitas delas, <strong>em</strong><br />

especial a Congada, o Moçambique e a<br />

Marujada conseguiram inserir-se neste<br />

contexto.<br />

Verdadeiros bailados populares, estas<br />

“danças dramáticas”, no dizer de Mário de<br />

Andrade (1937), t<strong>em</strong> essencialmente uma<br />

função religiosa:<br />

"Elas são expressões do sagrado,<br />

diversifica<strong>das</strong> pelo espírito lúdico, como as<br />

danças de São Gonçalo, Cururu e Congada<br />

quando articula<strong>das</strong> com os sentidos religiosos do Divino ou de Nossa Senhora do Rosário.<br />

(CASCUDO, 1969, p. 532).<br />

Constitu<strong>em</strong> <strong>em</strong> última instância um “ato de devoção, que representa a alegria e o encontro da<br />

felicidade, que se dá através da música, da dança e do canto para prazerosamente proporcionar o<br />

caminho do diálogo e da comunhão com o Divino” (ARAUJO apud CHAVES, 2003, p. 35).<br />

Além de sua função religiosa, estas danças cumpriam uma função social e educativa, estreitando os<br />

laços de solidariedade, criando uma identidade coletiva e o sentimento de pertença, principalmente<br />

nas áreas rurais, relativamente isola<strong>das</strong> e organiza<strong>das</strong> <strong>em</strong> pequenas comunidades: o bairro.<br />

Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, a Missão de Pesquisas Folclóricas da então recém-fundada Sociedade de<br />

Etnografia e Folclore, coordenada por Mário de Andrade, registra <strong>em</strong> película cin<strong>em</strong>atográfica,<br />

dirigida por Dina Lévy-Strauss, datada de 30 de Maio de 1936, Congos, Congados e Cavalha<strong>das</strong>, na<br />

área central da cidade.<br />

A documentação sobre a ocorrência destes eventos <strong>em</strong> áreas<br />

rurais durante os anos 30 parece não ter sido levada a efeito<br />

por estudiosos e pesquisadores (talvez a única exceção<br />

pertence aos Inquéritos Folclóricos encaminhados pela citada<br />

Sociedade que apontam a ocorrência destas danças na região<br />

de Poá, pertencente ainda ao município de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>).<br />

Em <strong>Mogi</strong>, um destes bairros, situado nos contrafortes da Serra<br />

do Itapety (atual Bairro Beija-Flor), parece ter cultivado estas<br />

formas de dança ainda na década de 20, conforme depoimento cedido pelo Sr. Joaquim de Souza<br />

Mello, nascido e criado nesta região, hoje contando com seus 74 anos, l<strong>em</strong>bra-se da realização <strong>das</strong><br />

Conga<strong>das</strong> e Monçabiques:<br />

"Em 1929, no Itapety, o Sr. Benedito Pinheiro, proprietário do Sítio Duas Irmãs, era Mestre de<br />

Monçambique. Meu Pai dançava Congada, quando ainda eu era solteiro e também participava do<br />

Moçambique, que na época, contava entre 12 a 16 componentes."<br />

Congada e Moçambique, que segundo o Sr. Joaquim, são b<strong>em</strong> diferentes:<br />

"A Congada é diferente do Moçambique, na Congada a pessoa era sorteada, se aproximava do trono<br />

e do rei, chamado Belo, e tinha que beijar o pé do Rei. O rei da Congada, o Sr. Avelino, designado<br />

como o "Belo Sudário", teve inclusive um filho, batizado como Sudário."<br />

A Congada permaneceu no Itapety por muitos anos, apresentando-se por toda a região:


"O pessoal ia a pé até o Bairro do Maracatu, <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a. Um primo do meu pai, muito<br />

brincalhão, antes de chegar nas fazen<strong>das</strong> para as festas, procurava por vestígios de bagaço de limão<br />

no rio, o que significava que um leitão fora preparado e assim, o repasto estava garantido. Agora,<br />

este bairro do Maracatu, é quase deserto. Antigamente, tinha muito mais gente do que hoje."<br />

"Tinha uma venda, do Camilo, que o pessoal quando ia para a dança, cortava as mantas de carne<br />

seca. Pois é um negócio errado isso, mas meu pai contava essas coisas. Puxa, o cara vai fazer uma<br />

devoção... não é uma brincadeira... Comprasse né."<br />

"Na Congada tinha o Rei, o Embaixador. Eu sei que era bonito. A Congada era muito bonita. Eu<br />

cheguei a dançar com o Dito Pinheiro, várias vezes. Ele dançava nas Igrejinhas, no Santo Alberto,<br />

na Moralogia (<strong>em</strong> uma igrejinha que não existe mais) e na Cruz do Pito."<br />

"Na Cruz do Pito, o Salto, eram outros maestros de Moçambique, outros grupos. O moçambique do<br />

Zé Martins, do Dito Mathias. O Salto é o seguinte: Bairro do Itapety do Salto, no ribeirão do Salto.<br />

O Zé Rosa era o folgazão e mestre de São Gonçalo, também o Zé Pereira. O Zé Pereira, era casado<br />

com a irmã do Dito Pinheiro."<br />

Na Congada, as pessoas se aproximavam do Rei, e declamavam pequenos versos:<br />

Sou um soldadinho dest<strong>em</strong>ido,<br />

De calça branca e botina numerada,<br />

Subo morro, desco morro,<br />

Com a mochila na cacunda.<br />

A pinta que o galo t<strong>em</strong>,<br />

O ovo t<strong>em</strong> na g<strong>em</strong>a,<br />

Uma é branca outra amarela,<br />

A pinta que o galo t<strong>em</strong>,<br />

o pinto saiu com ela.<br />

Fontes:<br />

ANDRADE, Mário de. A Entrada dos Palmitos. São Paulo: Revista do Arquivo Municipal XXXII,<br />

1937, p. 51-64.<br />

CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 2. Vol. Rio de Janeiro: Edições de<br />

Ouro, 1969. p. 532.<br />

CHAVES, Robson Belchior Oliveira. Salesópolis. Festa do Divino: <strong>das</strong> origens aos dias atuais.<br />

Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003.<br />

Postado por Sergio Damy


segunda-feira, 25 de julho de 2011<br />

Um crime na Freguesia da Escada <strong>em</strong> 1854<br />

O trabalho do Historiador por vezes incorpora a analise de<br />

documentos de ord<strong>em</strong> jurídica para revelar aspectos do<br />

cotidiano e da vida <strong>em</strong> períodos diversos da História.<br />

Através da analise desta documentação denominada<br />

geralmente de Autos Crimes, pod<strong>em</strong>os conhecer costumes,<br />

padrões de comportamento, religiosidade, captar a<br />

intensidade dos relacionamentos, dos indivíduos e suas<br />

vontades, necessidades, dos atos e seus desdobramentos,<br />

do cotidiano, enfim do que chamam rotina e outras<br />

características culturais de uma dada sociedade que nos é<br />

revelada com a utilização destas fontes.<br />

Autos Crimes é o nome genérico dado aos documentos<br />

cartoriais e judiciais composta, de processos criminais,<br />

auto de corpo de delito, execuções de sentença, apelações,<br />

e termos de b<strong>em</strong> viver. Esses processos passavam por<br />

diversas instâncias, tais como o juízo municipal, o juízo de<br />

direito, juiz de paz, a polícia e as delegacias.<br />

Em postagens anteriores já utilizamos esse tipo de documentação para falar sobre costumes na<br />

primeira metade do século XIX, onde, as simples ações cotidianas <strong>das</strong> pessoas incomodavam as<br />

autoridades constituí<strong>das</strong> e muitas vezes eram ti<strong>das</strong> como ameaça a ord<strong>em</strong>.<br />

Continuando com essa documentação vamos explorar um pouco as possibilidades de um Auto de<br />

Corpo de Delito.<br />

Por volta do dia 10 de dez<strong>em</strong>bro de 1854 o inspetor de quarteirão da Freguesia da Escada<br />

conversava com duas pessoas perto <strong>das</strong> dezoito horas, quando, na frente da casa vizinha de onde<br />

estava e conversava com lavradores do local ouviu-se uma discussão:<br />

-- Isto é muito desaforo!Não há qu<strong>em</strong> agüente!Saia agora! Dizia o freguês para o vendedor de<br />

carne.<br />

Viu-se então o carniceiro com uma foice na mão, falar: -- Eu dou neste sujeito!<br />

-- Não dê! Replicou um dos homens que conversava perto do local e que neste momento acudia o<br />

conflito.<br />

O freguês, Albino Vieira levantando o porrete que havia conseguido, acerta o maxilar de Antonio<br />

Joaquim da Silva ensangüentando-o e pondo-o fora de combate.<br />

O inspetor de quarteirão prende Albino Vieira <strong>em</strong> meio ao ajuntamento de pessoas que corriam para<br />

o local e o solta no dia seguinte.<br />

Os acontecimentos descritos faz<strong>em</strong> parte de um auto de corpo de delito[1] que Antonio Joaquim da<br />

Silva pede ao subdelegado para realizar, instaurando processo onde são ouvi<strong>das</strong> quatro test<strong>em</strong>unhas:<br />

“Diz Antonio Joaquim da Silva morador na capella de Nossa Senhora da Escada d’este município<br />

que no dia 10 do corrente às ave - maria, estando mança e pacificamente <strong>em</strong> sua casa, havendo nesse dia<br />

cortado uma rez, cuja carne durante o dia vendeo aos seus fregueses, ocorre por<strong>em</strong> que naquele dia e horas<br />

menciona<strong>das</strong> veio a casa do supp e Albino Vieira se o m mo suppe lhe dava alguma carne fiada, ao que o<br />

suppe lhe respondeo que lhe não podia vender fiado, por isso que o supp do lhe devia há já perto d’um<br />

ano ...pelo que resolvera não lhe fiar mais coisa alguma...”[2]<br />

Continuava a exposição do conflito e o subdelegado ouviu as test<strong>em</strong>unhas que eram todos<br />

moradores da Freguesia da Escada, alguns lavradores e um negociante. To<strong>das</strong> diziam ter “mais ou<br />

menos” tantos anos. Este é um padrão que se repete, e segundo Norbert Elias ” ...Torna-se explicável


que, nas sociedades s<strong>em</strong> calendário e nas quais não exist<strong>em</strong>, portanto, representações simbólicas exatas da<br />

sucessão dos anos, os homens não saibam ao certo sua idade”[3]<br />

Pod<strong>em</strong>os ver nas fontes primarias, ou seja, nas reclamações que dão orig<strong>em</strong> aos termos jurídicos a<br />

existência do calendário, que marca o inicio e o andamento do processo judicial, no entanto, este<br />

permanece de uso <strong>das</strong> instancias jurídicas.<br />

O saber partilhado entre o grupo social não inclui o uso do calendário, mas isto não significa que<br />

não existam “representações simbólicas” ou “ símbolos sociais” que possibilit<strong>em</strong> marcar a sucessão<br />

dos anos. Elas exist<strong>em</strong> e são de caráter religioso, como as festas de santo, “horas de ave - maria”<br />

ou seja o t<strong>em</strong>po marcado pela presença da Igreja <strong>em</strong> uma região <strong>em</strong> que mesmo os nomes de<br />

orientação da moradia exib<strong>em</strong> esse caráter sagrado, pois l<strong>em</strong>os nas fontes, “ moro na capella da<br />

Escada, moro na Freguesia de Nossa Senhora da Escada”<br />

A orientação pela “hora da ave - maria” mostrava as convenções de uma sociedade pré-industrial,<br />

onde na definição dada por Norbert Elias “ ...o t<strong>em</strong>po não se reduz a uma “idéia” que surja do nada, por<br />

assim dizer, na cabeça dos indivíduos. Ele é também uma instituição cujo caráter varia conforme o estagio<br />

de desenvolvimento atingido pelas sociedades(...) A imag<strong>em</strong> e a representação do t<strong>em</strong>po num dado individuo<br />

depend<strong>em</strong>, pois, do disponível de desenvolvimento <strong>das</strong> instituições sociais que representam o t<strong>em</strong>po...”[4].<br />

Em outra oportunidade outro Auto de Corpo de Delito revelou brigas com sérias conseqüências,<br />

entre moradores <strong>das</strong> cercanias de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> que se dirigiam para uma festa religiosa e um<br />

grupo de operários imigrantes que trabalhavam na construção da ferrovia e <strong>em</strong> determinado<br />

momento os imigrantes “mangaram do santo” no dizer <strong>das</strong> test<strong>em</strong>unhas. Estas disputas revelavam<br />

repertórios culturais distintos.<br />

OBS: Em 26 de junho de 1855 foi lavrado um termo de desistência da acusação crime contra Albino<br />

Vieira devido falecimento de Antonio Joaquim da Silva, possivelmente <strong>em</strong> conseqüência dos<br />

ferimentos.<br />

As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />

Fontes:<br />

[1] -Acervo do Forum, Auto de corpo de delito, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

[2] -id<strong>em</strong><br />

[3] -Elias, Norbert, Sobre o t<strong>em</strong>po, Jorge Zahar editor, RJ, 1998, p.11<br />

[4]- id<strong>em</strong>, p.15<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quarta-feira, 3 de agosto de 2011<br />

Os caminhos de ont<strong>em</strong>: a Estrada Geral <strong>em</strong> 1843<br />

Jornais e TVs apontaram o atraso nas obras da rodovia <strong>Mogi</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>-Via Dutra, passando por Guarar<strong>em</strong>a e Jacareí.<br />

Entre outras intervenções as obras irão cont<strong>em</strong>plar<br />

recapeamento, correção de traçado e elevação do leito da<br />

estrada.<br />

Antes de ser um assunto corriqueiro, a condição <strong>das</strong><br />

estra<strong>das</strong> e a circulação de mercadorias e principalmente<br />

pessoas é fundamental para a análise da região e alguns<br />

probl<strong>em</strong>as de hoje são probl<strong>em</strong>as de ont<strong>em</strong>.<br />

Há um documento de 1843, com 16 páginas que nos<br />

apresenta o traçado da Estrada Geral que passava por <strong>Mogi</strong><br />

<strong>em</strong> direção ao Rio de Janeiro.<br />

Neste “Relatório do estado <strong>em</strong> q se acha a Estrada Geral q<br />

segue d’esta Villa de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> a Capital da<br />

Província e a Corte do Rio de Janeir°, consertos de q<br />

necessita e orçamento <strong>das</strong> despesas que poderá importar<br />

sua completa redificação a quase dez legoas de estençao” é<br />

indicado as sessões da estrada que precisam de intervenção,<br />

quais as obras e seu custo, no traçado de 66 quilômetros que<br />

passava pela cidade até a divisa com Jacareí.<br />

Saindo de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> direção ao Vale do Paraíba os caminhos ganham contornos e o<br />

relatório apontava :“Em seguimento d’esta estrada thé a Fazenda do Carmo <strong>em</strong> Sabaúma necessita<br />

ser reparado de enchada <strong>em</strong> partes aterrar alguns lugares e dar esgotos necessários as águas<br />

roçar todo o mato q <strong>em</strong> partes já para o transito(...) alargala <strong>em</strong> partes thé vinte parmos pois<br />

lugares há q mal passão dous cargueiros a par(...)como tão b<strong>em</strong> levantar<strong>em</strong>-se alguns pequenos<br />

aterrados, e pontes, p.ª fazer correr as aguas ”.<br />

A importância <strong>das</strong> obras era justificada pelo “...grande tranzito de tropas de caffé, não só desta<br />

Villa, como <strong>das</strong> villas vizinhas que por Ella exportão e importão os gêneros de seo consumo, as<br />

tropas soltas, Boia<strong>das</strong>, q por Ella tranzitão no t<strong>em</strong>po da Feira e os recursos que todos os viajantes<br />

encontrão n’este Município tão antigo e conhecido por todos...”.<br />

Nos caminhos antigos há uma m<strong>em</strong>ória de uma formação histórica regional onde pod<strong>em</strong>os aprender<br />

e apreender a circulação de tropas de comercio, negociantes e pessoas diversas, o ir e vir de<br />

viajantes, dos habitantes da região, enfim dos que deram vida ao local.<br />

Fonte: ALESP<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quinta-feira, 1 de set<strong>em</strong>bro de 2011<br />

<strong>Mogi</strong> oculta: lugares e pontos de devoção popular<br />

<strong>Mogi</strong> se orgulha de sua História de 400 anos, mas se esquece muito rápido desta mesma história.<br />

Uma cidade quatrocentista que mostra <strong>em</strong> seu patrimônio material, aspectos ocultos e simbólicos,<br />

raros à percepção da população.<br />

É importante para a região discutir a História local <strong>em</strong> um contexto onde, a região do Alto Tietê,<br />

que atravessa um crescimento d<strong>em</strong>ográfico grande, gera d<strong>em</strong>an<strong>das</strong> <strong>das</strong> populações novas que não<br />

conhec<strong>em</strong> o lugar, sua cultura e sua história, assim como dos habitantes antigos, que se voltam para<br />

a manutenção de sua identidade, por conta deste crescimento da cidade e outros fatores que, <strong>em</strong><br />

uma sociedade globalizada favorece a fragmentação destas mesmas identidades.<br />

Com a modernidade estes símbolos passam<br />

despercebidos pelos cidadãos. Monumentos<br />

como o Obelisco, a Gruta Santa Terezinha, ou<br />

mesmo os vitrais expostos na Catedral de<br />

Sant’Anna, são artefatos excluídos da<br />

percepção do mogiano.<br />

Inúmeros fatos contribu<strong>em</strong> para este cenário de<br />

perda cultural, tais como, a poluição visual e o<br />

desenvolvimento urbano que acarretam desvios<br />

de olhares sobre uma cidade que enraíza <strong>em</strong> seu<br />

intimo aspectos esquecidos, ocultos e<br />

desconhecidos.<br />

Trabalhar a História, num sentido amplo, significa conhecer e revelar o passado. Mas pod<strong>em</strong>os<br />

perguntar: há uma seleção do que se deve conhecer? Qu<strong>em</strong> seleciona e a qu<strong>em</strong> serve esta seleção?<br />

Para melhor desenvolver esta linha de raciocínio, pod<strong>em</strong>os pensar no significado de três palavras:<br />

velar, desvelar e revelar.


Se procurarmos o sentido de velar, vamos encontrar a definição, esconder, dissimular, prejudicar a<br />

formação da imag<strong>em</strong>. Assim, para conhecer uma dada realidade, necessitamos, obrigatoriamente,<br />

passar pelo estágio de desvelar que significa aclarar, elucidar, para então atingirmos o sentido de<br />

revelar, significando descobrir, mostrar, divulgar.<br />

Há um esquecimento, e neste sentido um ocultamento, onde o conhecimento histórico é s<strong>em</strong>pre<br />

expressão de uma postura política: se de um lado são contraditórios (como a própria história), por<br />

outro, são percebidos segundo o t<strong>em</strong>po, o lugar, a classe e a ideologia (e por isso são ocultados).<br />

Cabe portanto, ao historiador, procurar evidenciar estes fatos, s<strong>em</strong> deformações e ocultações, como<br />

evidenciado na iconografia m<strong>em</strong>orialista, referente ao quarto centenário da cidade, ao apresentar<br />

uma certa noção de progresso e desenvolvimento, viável apenas a partir de uma representação dos<br />

tipos humanos presentes na região.<br />

Postado por Sergio Damy<br />

De outro lado, <strong>em</strong> pontos de devoção popular na<br />

cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, o catolicismo t<strong>em</strong> uma<br />

função mais social do que religiosa, exibindo um<br />

caráter utilitarista, capaz de gerar um sentimento de<br />

identidade e também relações de poder.<br />

Aguard<strong>em</strong>, nas próximas postagens continuar<strong>em</strong>os<br />

a explorar esta mesma t<strong>em</strong>ática -<br />

esquecimento/ocultamento - com novos<br />

documentos e imagens reveladoras deste<br />

imaginário.<br />

Antonio Sérgio Azevedo Damy<br />

Angelo Nascimento Nanni<br />

Glauco Ricciele P. L.C. Ribeiro


quarta-feira, 7 de set<strong>em</strong>bro de 2011<br />

A gruta de Santa Teresinha<br />

A serra do Itapeti, desde o século XVII teve a presença e o<br />

trânsito da religião junto ao avanço da colonização rumo ao<br />

Vale do Paraíba.<br />

Já nos anos 1800 a religiosidade popular esteve presente na<br />

habilidade dos santeiros que moldavam o barro e espalhavam<br />

imagens de culto doméstico, denomina<strong>das</strong> paulistinhas.<br />

Pelos caminhos antigos do Itapeti, <strong>em</strong> direção a cidade de <strong>Mogi</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, havia oratórios de beira de estrada ou pequenas e<br />

diminutas capelas numa caminhada de horas <strong>das</strong> paragens<br />

“detrás da serra” até o centro urbano. Era utilizada uma trilha<br />

que descia onde é hoje o Jardim Aracy ou a vereda que ia dar<br />

no lugar que conhec<strong>em</strong>os por bairro do Rodeio, além de outras<br />

mais.<br />

É do ano de 1888, o relatório da Comissão Central de<br />

Estatística da Província de São Paulo que, ao descrever o<br />

município de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> dizia:<br />

“ Existe no município, no alto do Itapety, uma gruta interessante, que é freqüent<strong>em</strong>ente visitada por<br />

muitas pessoas”.<br />

O “Almanaque de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>”, trinta anos mais tarde assim se referia ao lugar, ao lado da<br />

trilha de tropeiros, que recebia a visita <strong>das</strong> “gentes da cidade”:<br />

“Penetrando-se nela, desce-se uma escada natural, de dez degraus de pedra (...).Acabando-se de<br />

descer a escada, encontra-se outra cavidade de abóboda baixa onde corre uma água pura e<br />

cristalina(...).Esse é outro recanto, muito apreciado pelos mogianos...que aí vão <strong>em</strong> numerosos<br />

grupos”.<br />

Provavelmente por volta dos anos 30 foi construído, acima da entrada principal da gruta, um<br />

oratório dedicado a Santa Teresinha, freira carmelita canonizada <strong>em</strong> 1925.<br />

A partir deste momento a gruta passa a exibir, além de seu atrativo natural, uma função religiosa,


incorporando a peregrinação e as orações.<br />

As fotos dos anos 30, 40 e 50 mostram o grande número de pessoas que subiam a serra <strong>em</strong><br />

domingos e feriados como o 1º de Maio.<br />

Hoje no alto do Itapeti, com vista para a cidade, repousa no alto de uma rocha um oratório com a<br />

imag<strong>em</strong> s<strong>em</strong>i destruída de Santa Teresinha.<br />

Lugar conhecido e freqüentado desde o final do século XIX, no século XXI a intolerância destruiu o<br />

rosto da imag<strong>em</strong>, que não olha mais na direção da cidade.<br />

Fontes:<br />

AESP<br />

Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Attwater, Donald.Dicionário de Santos, 2ºed.pag.274<br />

Postado por Angelo E N Nanni


sexta-feira, 9 de set<strong>em</strong>bro de 2011<br />

Capelas e Ermi<strong>das</strong>: a Capela do Caetano<br />

Normalmente localiza<strong>das</strong> <strong>em</strong> locais distantes<br />

<strong>das</strong> povoações urbanas, nos bairros e locais<br />

ermos, são bastante comuns nas antigas Casas<br />

Grandes do Nordeste, nas Fazen<strong>das</strong> Mineiras e<br />

Paulistas, dentro ou no entorno <strong>das</strong> sedes.<br />

Conheci<strong>das</strong> como "Capelas de Santa Cruz", no<br />

Vale do Paraíba e entorno, muitas serviram<br />

para marcar a fundação de um vilarejo ou<br />

bairro, tendo sua orig<strong>em</strong> relacionada à<br />

proteção de santos padroeiros, de modo que as<br />

santas-cruzes, como são denomina<strong>das</strong> as<br />

capelinhas de beira de estrada, apareceram na<br />

sequência.<br />

Nelas eram coloca<strong>das</strong> imagens quebra<strong>das</strong>, pois acreditava-se não ser de bom presságio possuí-las<br />

dentro de casa ou simplesmente jogá-las.<br />

Estas pequenas capelas domésticas, ou ermi<strong>das</strong>, para ser<strong>em</strong><br />

consagra<strong>das</strong> ao ofício religioso, necessitavam de um<br />

procedimento burocrático que envolvia as autoridades<br />

eclesiásticas, geralmente extr<strong>em</strong>amente moroso e n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />

levado a efeito. Este distanciamento da tutela do clero,<br />

provavelmente deu marg<strong>em</strong> à inserção de marcas da<br />

religiosidade popular e do papel social destes oratórios.<br />

A Capela de Santa Catarina, ou simplesmente "do Caetano" reflete b<strong>em</strong> esta conjuntura:<br />

Localizada no bairro rural do Itapeti, situada numa encruzilhada, entre a Estrada do Lambari,<br />

Municipal e Goiabal, sua construção r<strong>em</strong>ete ao final do século XIX, pelo Sr. Caetano de Almeida.<br />

Construída <strong>em</strong> taipa, com aproximadamente 12 metros quadrados. Seu salão abriga pequenos<br />

oratórios, aonde são depositados pela população local, imagens de santos protetores, pequenas<br />

cenas bíblicas e objetos reveladores de intenso sincretismo religioso, como orixás, caboclos e<br />

imagens de "santos expurgados" pelo catolicismo oficial.<br />

Tradicionalmente, s<strong>em</strong>pre no último sábado do mês nov<strong>em</strong>bro, a população do bairro celebra no<br />

local, culto à Santa Catarina.<br />

Referências<br />

Museu do Oratório. Oratórios e Ermi<strong>das</strong>. Casa Capitular da Igreja N. Sra. do Carmo,Ouro Preto,<br />

MG. Disponível <strong>em</strong> http://www.oratorio.com.br/port/colecao_txt.asp?<br />

id_categoria=5&id_subcategoria=0.<br />

ALCANTARA, Ailton S. de. Paulistinhas: Imagens sacras, singelas e singulares - São Paulo, 2008.<br />

Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de<br />

Artes. Orientador: Percival Tirapeli, p. 61.<br />

Postado por Sergio Damy


segunda-feira, 10 de outubro de 2011<br />

A <strong>Escravidão</strong> <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - 1874<br />

Em 31/01/1874 reuniu-se na cidade de <strong>Mogi</strong><br />

<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> a junta de classificação de<br />

escravos onde, de acordo com o que<br />

determinava a Lei do Ventre Livre de 1871,<br />

todos os escravos do Império deveriam ser<br />

classificados com declaração de nome, sexo,<br />

estado, aptidão para o trabalho, filiação e os<br />

escravos que não foss<strong>em</strong> classificados seriam<br />

considerados libertos.<br />

Instituiu-se um fundo de <strong>em</strong>ancipação com<br />

receita de diversas fontes e desta maneira,<br />

“deu-se a classificação dos escravos para as<br />

alforrias pelo fundo de <strong>em</strong>ancipação tanto<br />

<strong>em</strong> relação a famílias, como de indivíduos, na forma do Regulamento a que se refere o decreto nº<br />

5135 de 13 de nov<strong>em</strong>bro de 1872 Art. 7º nº III”.<br />

Nesta classificação foram cataloga<strong>das</strong> 1098 escravos sendo que <strong>em</strong> recenseamento do ano de 1872 a<br />

população mogiana era de 16867 habitantes.<br />

A “classificação dos escravos p a ser<strong>em</strong> libertados pelo fundo de <strong>em</strong>ancipação” compreendia as<br />

categorias já cita<strong>das</strong> na lei ou seja na identificação de cada escravo constava além do nome, a cor,<br />

idade, estado, profissão, aptidão para o trabalho e outras como, pessoa da família, moralidade, nome<br />

do senhor e um campo para observação. Colocando na ficha de classificação categorias que não<br />

estavam na lei como moralidade e pessoas da família, a lista do fundo de <strong>em</strong>ancipação servia para<br />

controle e submissão até o momento de liberdade pois estabeleciam-se critérios para a alforria.<br />

Além dos escravos utilizados na lavoura, a lista possuía <strong>em</strong> sua grande parte, registros de ocupações<br />

urbanas como costureira, pag<strong>em</strong>, cozinheira, bordadeira, engomadores, carpinteiro, alfaiate,<br />

lavadeira e jornaleiro (escravo de ganho).<br />

A extinção lenta e gradual da escravidão atingia seu objetivo com a lei do Ventre Livre cuja redação<br />

dava marg<strong>em</strong> a interpretações dúbias.<br />

Fonte :<br />

Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Postado por Angelo E N Nanni


domingo, 16 de outubro de 2011<br />

O mariscar e a febre no Itapety<br />

Em Tristes Trópicos, Lévi-<br />

Strauss ilumina aquilo que<br />

irá tornar-se o principal eixo<br />

teórico de toda a sua vasta<br />

produção científica: a<br />

relação natureza e cultura e<br />

a subsequente indagação<br />

sobre a natureza do<br />

Hom<strong>em</strong>, que para o autor só<br />

poderá ser<br />

convenient<strong>em</strong>ente<br />

compreendida quando<br />

encontrarmos o caminho de<br />

volta à compreensão de<br />

como o Hom<strong>em</strong> está<br />

relacionado à Natureza.<br />

Formular o objeto da investigação nesses termos implica reconhecer que a vida social, <strong>em</strong> qualquer<br />

agrupamento humano, não é um caos incompreensível, mas se ordena através do costume. Que<br />

esses costumes, muitas vezes incompreensíveis para nós, possu<strong>em</strong> significado para os m<strong>em</strong>bros da<br />

sociedade <strong>em</strong> questão. O que caracteriza a "natureza humana" é justamente o grau de ausência de<br />

orientações intrínsecas, geneticamente programa<strong>das</strong>, na modelag<strong>em</strong> do comportamento.<br />

Despojada dessas orientações, toda ação humana e a própria sobrevivência da espécie ficam<br />

condiciona<strong>das</strong> à constituição de orientações extrínsecas, construí<strong>das</strong> socialmente através de<br />

símbolos. A ideia fundamental é a de que a vida social é ordenada através de símbolos organizados<br />

<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>as. O corolário dessa concepção é a negação de uma base natural (e biológica) para a<br />

sociedade.<br />

É justamente na busca pela compreensão do que é ser humano e na identificação dos grandes<br />

universais humanos, que Lévi-Strauss desperta nosso interesse sobre a necessidade de melhor<br />

mapearmos os mecanismos envolvidos no processo de comunicação e interpretação simbólica, <strong>em</strong><br />

especial nos sist<strong>em</strong>as classificatórios que procuram dar conta dos signos produzidos na relação do<br />

hom<strong>em</strong> com a natureza. Nesse sentido, parodiando Lévi-Strauss, os animais – e também as plantas,<br />

<strong>em</strong> qualquer ambiente humano, (e muito antes de ser<strong>em</strong> coisas boas ou não para comer), serv<strong>em</strong><br />

como coisas boas para pensar. A cultura portanto, “… não pode ser considerada n<strong>em</strong> simplesmente<br />

justaposta, n<strong>em</strong> simplesmente superposta à vida. Em certo sentido, substitui-se à vida, e <strong>em</strong> outro<br />

sentido utiliza-a e a transforma para realizar uma síntese de nova ord<strong>em</strong>.”(1)<br />

Orientados por estes princípios básicos, é que procuramos transcrever este depoimento, que muito<br />

além de retratar a m<strong>em</strong>ória pessoal, revela parte <strong>das</strong> relações sociais imbrica<strong>das</strong> na tecitura da teia<br />

social formativa da sociedade mogiana atual e <strong>em</strong> especial, do ambiente rural nas primeiras déca<strong>das</strong><br />

do século XX.<br />

O Sr. José Mello, nascido <strong>em</strong> 4 de Março de 1936, filho de Benedito de Souza Mello e de Paulina<br />

Maria de Souza Mello, recorda de seus t<strong>em</strong>pos de criança no bairro do Itapeti onde, por ocasião da<br />

S<strong>em</strong>ana Santa (entre os meses de Abril e Maio), abundavam os cardumes do camarão de água doce<br />

(Macrobrachium sp), popularmente designado como Pitu. A pesca deste crustáceo era exercida


durante todo o ano como compl<strong>em</strong>ento alimentar mas, seja pela coincidência do costume católico<br />

de não ingerir carne, seja pelo aumento da ocorrência, a captura ampliava-se durante este período.<br />

A coleta é feita com uma peneira entretecida com pequenas fasquias de taquara de lixa ou pinima.(2)<br />

Ao trabalho envolvendo a captura, chamam por mariscar. “Por ocasião da S<strong>em</strong>ana Santa,<br />

mariscava-se por 10 minutos e a gente recolhia uns 2 quilos de camarão.”<br />

Hoje, o camarão t<strong>em</strong> uma ocorrência extr<strong>em</strong>amente reduzida na região, provavelmente devido à<br />

contaminação dos córregos e ribeirões pelo uso não controlado de defensivos agrícolas. Mas mesmo<br />

àquela época de fartura, peixes e camarões começaram a escassear.<br />

O motivo então, devia-se ao fato de os filhos da proprietária da Fazenda Maria Leite, “Nhá Maria”,<br />

localizada às margens do rio Lambari, passar<strong>em</strong> a utilizar a pesca com timbó com muita frequência.<br />

Os peixes iam descendo, mortos, pelo Lambari até o (rio) Paratey”.<br />

Mesmo nos períodos de menor abundância, o mariscar era constant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong>pregado. Com o<br />

camarão, preparavam-se bolinhos com farinha de milho, consumidos assados ou fritos. Mas o<br />

mariscar envolve alguns perigos: a gripe e a febre: “Nos meses de Janeiro até Março, a pessoa<br />

marisca cedinho, na madrugada, e à noite, no dia seguinte pode ficar doente, com febre. A febre<br />

pode matar. Para curar, apenas curador.<br />

Me l<strong>em</strong>bro de Dona Crava (Cravelina Pereira), avó do senhor Angenor<br />

Pereira, ardendo de febre, no meio do dia, após mariscar pela manhã.<br />

Mandou chamar uma curandeira (de qu<strong>em</strong> não l<strong>em</strong>bro o nome). Morava<br />

retirada do bairro, veio a cavalo, ainda com a luz do dia e ordenou pro<br />

marido de Dona Crava:<br />

__ Nhô Paulo, vai lá no pasto e procura a Erva de Passarinho (3) no pé da<br />

Vassoura Branca (provavelmente Sida sp)!<br />

__ Mas Dona, nunca vi Erva de Passarinho na Vassoura Branca!<br />

__ Vai ali, que Vosmecê encontra.<br />

A erva localizada e retirada da árvore é cozida e ainda quente, administrada. Logo após, a enferma<br />

adormece.<br />

“Vai dormir uma hora”. Diz a curandeira. E realmente, uma hora após, Dona Crava acorda<br />

chamando por uma <strong>das</strong> filhas, reclamando de fome, pedindo o que comer. Estava curada!<br />

S<strong>em</strong> assistência médica, pública ou privada, s<strong>em</strong>i-isolados, os habitantes do Lambari tratavam as<br />

doenças cotidianas com curadores e benzedores, o único socorro. Muitas as doenças pulmonares, a<br />

febre amarela, a varicela e o tifo: “A pessoa ia apodrecendo por dentro, fedia”. Como preventivo,<br />

chá de marcelinha.(4)<br />

Nos anos 30-40, Miguelzinho, um dos mais reconhecidos curadores da região, tinha por moradia as<br />

proximidades da Freguesia da Escada, <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a. Negro e cego de um olho, preparava<br />

garrafa<strong>das</strong>. Pela distância e dificuldade de transporte, o enfermo era representado por um <strong>em</strong>issário<br />

– normalmente parente próximo – que narrava ao benzedor os sintomas do doente. A partir desta<br />

anamnese cabocla, Miguelzinho preparava a garrafada. Em certas ocasiões, após o preparo, olhava<br />

o recipiente contra a luz e já ia avisando: “Pode levar, mas esse aí não t<strong>em</strong> mais jeito.”. Era comum<br />

acontecer, quando do retorno, o <strong>em</strong>issário encontrar morto o parente...<br />

Mas o que nenhum curador ou benzedor dava jeito mesmo era à febre. Ela vinha entre os meses de<br />

janeiro e março. Não era a “febre do macaco”, n<strong>em</strong> gripe, apenas a febre. Altamente contagiosa,<br />

atingia os caboclos s<strong>em</strong> distinção e com certa preferência aos mais fortes:<br />

No Engenho Beija-Flor, tinha um caboclo que montou moradia recente. Era<br />

um caboclo forte, bom de trabalho, que trabalhava 12, 14 horas segui<strong>das</strong>.<br />

Num final de s<strong>em</strong>ana, estava amolando a enxada prá capinar a cana. Na<br />

segunda-feira, após o trabalho, deitou-se com febre. Na terça-feira estava<br />

morto.<br />

Também o ajudante de meu pai morreu assim, <strong>em</strong> um dia.<br />

O último recurso, era a “dosa acônica” - acônico (5) + beladona (6). A “dosa”, pela toxidade <strong>das</strong><br />

substâncias <strong>em</strong>prega<strong>das</strong> no composto, era administrada <strong>em</strong> pequenas gotas, diluída <strong>em</strong> água. Para


isso, utilizavam de um pequeno dosador, um pequeno bastão de vidro maciço <strong>em</strong> forma de L, que<br />

mergulhado no recipiente, retinha pequena parte do preparado, extr<strong>em</strong>amente viscoso. Curava a<br />

gripe, mas não a febre.<br />

A febre provocava tr<strong>em</strong>ores de frio e suadouros. “Mexia com a ideia da pessoa. A pessoa ficava<br />

andando pela casa, a esmo, agitada. Depois morria.”<br />

Não só da febre morria-se no Itapety. A varicela também grassava: “o corpo todo pipocado, <strong>em</strong><br />

carne viva” e também, a “bexiga preta”:<br />

Perto de Jacareí, muita gente morria com a bexiga. Passava um carroção<br />

pelo bairro levando os corpos. As pessoas se escondiam do piloto e do<br />

ajudante, mato a dentro, com medo do contágio.<br />

Uma vez, levaram um farmacêutico, a cavalo, prá prestar socorro. Um<br />

casal morreu, horas segui<strong>das</strong>, um após o outro. Nas vizinhanças, morria o<br />

cunhado.<br />

Meu pai, Benedito de Souza Mello, era capelão da Capela do Santo Alberto<br />

e benzedor bastante conhecido aqui no bairro do Itapeti. Era o responsável<br />

por preparar os enterros.<br />

Os médicos da cidade (<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>), por total falta de recursos, não<br />

conseguiam realizar as vistorias sanitárias necessárias, e quando um<br />

doente morria, meu pai se encarregava de conseguir o atestado de óbito<br />

junto aos médicos.<br />

Àquela época, tinha o Dr. Rosa (7), o Dr. Deodato Wertheimer e o Dr.<br />

Lamartine. Ir até <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, representava 3 horas a cavalo, ou 4<br />

horas no lombo de mula ou burro. O Dr. Lamartine era o mais complicado,<br />

pois fazia questão de visitar o falecido prá expedir o atestado. Já com o Dr.<br />

Rosa, era mais simples, pois ele conhecia b<strong>em</strong> meu pai e também porque<br />

gostava de “chutar” (beber).<br />

Meu pai o procurava, primeiro pelos bares, quase nunca no consultório, e<br />

no bar, o Dr. Rosa perguntava:<br />

__ Oi Mello! Morreu gente por lá, não foi?<br />

Caminhava com papai, do bar ao consultório e lá arr<strong>em</strong>atava:<br />

__ E o tipo da doença?<br />

__ Febre, seu Doutor.<br />

E daí, encaminhava o atestado de óbito, s<strong>em</strong> nada cobrar …<br />

Notas<br />

(1) LEACH, R. As idéias de Lévi-Strauss. São Paulo: Cultrix, 1970 :40-48.<br />

(2) O Sr. José Mello e seu irmão, Joaquim de Souza Mello, insist<strong>em</strong> <strong>em</strong> fazer uma distinção entre<br />

peneira e apá. Não só conhec<strong>em</strong> a atribuição tupi mas a diferenciam funcionalmente: na peneira, o<br />

entretecido é maior, de forma a permitir o escoamento rápido da água, já no apá, as malhas<br />

encontram-se uni<strong>das</strong>, fecha<strong>das</strong>. A apá é utilizada para “abanar” o arroz, separando os grãos<br />

previamente pilados da casca,<br />

(3) Erva-de-passarinho, Struthantus flexicaulis. O suco <strong>das</strong> folhas frescas, é recomendado para<br />

bronquites, pneumonia, pleurisias, h<strong>em</strong>optises, dores no peito, ponta<strong>das</strong> e outras afecções<br />

respiratórias. O decocto, para doenças do útero e h<strong>em</strong>orragias. (BARBOSA, Edglay Lima. Arte e<br />

Ciência. 05 Fev 2008. Disponível <strong>em</strong> http://www.webartigos.com/artigos/erva-de-passarinhoproliferacao-ou-erradicacao/4029/).<br />

(4) A marcelinha, marcela ou marcela-do-campo (Achyrocline sp), possui orig<strong>em</strong> na região sul e<br />

sudoeste do Brasil, dotada com as seguintes propriedades terapeuticas: Antiinflamatório,<br />

antiespasmódico (reduz contrações musculares involuntárias) e analgésico, sedativa e <strong>em</strong>enagoga.<br />

Disponível <strong>em</strong> CULTIVANDO.


http://www.cultivando.com.br/plantas_medicinais_detalhes/marcela_do_campo.html).<br />

(5) Aconitum napellus. Trata-se de um veneno de ação potente e rápida. Seu uso deve ser realizado<br />

<strong>em</strong> doses homeopáticas. É indicado <strong>em</strong> casos de asma, bronquite, congestão pulmonar, coriza,<br />

doença inflamatória, febre com delírios, feri<strong>das</strong> na pele, gota, gripe, hipertrofia do coração, laringite<br />

aguda, nevralgia facial, nevralgia lombociática e do trigênio, palpitação nervosa, pneumonia,<br />

reumatismo, tosse espasmódica e úlceras (PLANTAMED. Aconitum napellus L – Acônito.<br />

Disponível <strong>em</strong> http://www.plantamed.com.br/plantaservas/especies/Aconitum_napellus.htm).<br />

(6) Planta de extr<strong>em</strong>a toxicidade <strong>em</strong> to<strong>das</strong> as suas partes, a beladona (Atropa belladona), rica <strong>em</strong><br />

atropina e escopolamina, possui efeitos terapêuticos utilizados no tratamento da bradicardia sinusal,<br />

na dilatação pupilar no Parkinsonismo, na prevenção de cinetose, como pré-medicação anestésica<br />

para ressecar secreções e <strong>em</strong> doenças espásticas do trato biliar, cólico-ureteral e renal, entre outras<br />

indicações (ERVAS e Insumos. Disponível <strong>em</strong><br />

http://ervaseinsumos.blogspot.com/2009/03/beladona.html).<br />

(7) Dr. Luiz de Azevedo Rosa.<br />

Postado por Sergio Damy


quinta-feira, 20 de outubro de 2011<br />

Exorcismo e Mistérios na Terra <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Mistérios s<strong>em</strong>pre rondaram o cotidiano mogiano.<br />

Crenças se destacam e ilustram a mentalidade na<br />

cidade. Qu<strong>em</strong> nunca ouviu falar do túnel entre as<br />

Igrejas do Rosário (atual Hotel Binder) e a Catedral<br />

de Sant’Anna, onde <strong>em</strong> seu revestimento estariam<br />

sepultados inúmeros fetos. Esta lenda se incorporou<br />

no imaginário <strong>das</strong> pessoas e ainda causa<br />

curiosidade, referente à sua veracidade.<br />

Mas entre os anos de 1906 a 1907, as bases do<br />

catolicismo foram sacudi<strong>das</strong> com a vinda do Pe.<br />

Roberto Landell de Moura, sua permanência no<br />

cargo de pároco da Matriz de Sant’Anna foi breve,<br />

mas marcante para os paroquianos e cidadãos. Pe.<br />

Landell é considerado um dos vários "pais" do rádio,<br />

no caso o pai brasileiro do Rádio. Foi pioneiro na<br />

transmissão da voz humana s<strong>em</strong> fio (radio<strong>em</strong>issão e<br />

telefonia por rádio) antes mesmo que outros<br />

inventores, como o canadense Reginald Fessenden<br />

(dez<strong>em</strong>bro de 1900). Marconi se notabilizou por transmitir sinais de telegrafia por rádio; e<br />

só transmitiu a voz humana <strong>em</strong> 1914.<br />

Pe. Landell foi <strong>em</strong>possado pároco <strong>em</strong> fevereiro de 1906, e ficou no cargo até 4 de abril de<br />

1907, sendo que, neste mesmo mês o Pe. Braz Mercadante escreveu “...fui nomeado<br />

vigário encomendado desta paroquia de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> substituição ao Revmo Pe.<br />

Roberto Landell de Moura que sollicitou sua exoneração”. Em sua permanência na<br />

cidade, segundo relatos da época, “era um pouco curvo, as mãos nos bolsos da batina, o<br />

olhar perdido como num sonho“. Mas envolto <strong>em</strong> uma aura de mistério naquele ano de<br />

1906, Pe. Landell “O Bruxo”, como era conhecido na cidade foi requisitado por uma<br />

família, pois sua filha exibia sinais de possessão maligna.<br />

O possível exorcismo praticado na ocasião deveria seguir os cânones sagrados do Sumo<br />

Pontífice Leão XIII. E tal fato ocorreu, sendo que na ocasião Pe. Landell realizou<br />

experiências cientificas, monitorando o caso.<br />

Exorcizamos-te, espírito imundo, potência satânica, invasão do inimigo infernal, legião ou<br />

seita diabólica, <strong>em</strong> nome e virtude de Nosso Senhor Jesus Cristo + sejas desarraigado e<br />

expulso da Igreja de Deus, <strong>das</strong> almas cria<strong>das</strong> à imag<strong>em</strong> de Deus e resgata<strong>das</strong> pelo<br />

Precioso Sangue do Divino Cordeiro +. Desde esse momento, não te atrevas mais, pérfida<br />

serpente, a enganar o gênero humano, perseguir+ a Igreja de Deus e sacudir e joeirar<br />

como trigo os eleitos de Deus +. Manda Deus Altíssimo, a qu<strong>em</strong> <strong>em</strong> tua insolente soberba<br />

ainda pretendes ass<strong>em</strong>elhar-te, “o qual quer que todos os homens se salv<strong>em</strong> e chegu<strong>em</strong> ao<br />

conhecimento da verdade” (II Tim. 2).


Manda-to Deus Pai +.<br />

Manda-to Deus Filho +.<br />

Manda-to Deus Espírito Santo +.<br />

Das <strong>em</strong>bosca<strong>das</strong> do d<strong>em</strong>ônio,<br />

R. Livrai-nos Senhor.<br />

Dignai-vos conceder à nossa Igreja a segurança e a liberdade para<br />

Vos servir.<br />

R. Nós Vos suplicamos, ouvi-nos Senhor.<br />

Dignai-vos humilhar os inimigos da Santa Igreja.<br />

R. Nós Vos suplicamos, escutai-nos Senhor.Amém<br />

(Aspergir com água benta as pessoas e o lugar.)<br />

Está ação trouxe um choque para a pacata cidade, tanto que durante sua visita pastoral<br />

de 1909 Dom Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo Metropolitano de São Paulo relatava:<br />

“...Encontramos a parochia ainda sob a lamentável impressão de dois gravíssimos<br />

escândalos que aqui se deram, para os quais pedimos toda a imensa e inesgotável<br />

Misericórdia do Senhor...”<br />

Tais ações pratica<strong>das</strong> pelo padre, não estavam <strong>em</strong> confluência com Arquidiocese de São<br />

Paulo. Pe. Landell possivelmente foi exonerado do cargo de pároco pelas diversas<br />

experiências <strong>em</strong> torno do rádio e finalmente como estopim, o exorcismo, feito segundo<br />

suas palavras, com o acompanhamento de "instrumentos e aparelhos" científicos.<br />

Na próxima postag<strong>em</strong> continuar<strong>em</strong>os com o caso Landell e o exorcismo que chocou uma<br />

cidade.<br />

Fontes:<br />

Livro do Tombo. Cúria Diocesana de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Ritual de Exorcismo<br />

Código de Direito Canônico, Wikipédia.<br />

Postado por Glauco Ricciele Prado L<strong>em</strong>es da Cruz Ribeiro


domingo, 30 de outubro de 2011<br />

Anjos e D<strong>em</strong>ônios. O caso Landell<br />

Na ultima postag<strong>em</strong> sobre o Padre Landell recordamos que <strong>em</strong> 1909 o Arcebispo<br />

Metropolitano de São Paulo relatava: “ ...Encontramos a parochia ainda sob a lamentável<br />

impressão de dois gravíssimos escândalos que aqui se deram ...” e possivelmente se referia ao<br />

exorcismo praticado pelo Pr Landell.<br />

A questão do exorcismo nos r<strong>em</strong>ete a uma série de observações, escritos científicosfilosóficos<br />

e a uma invenção de Landell, cont<strong>em</strong>porânea a sua presença como pároco <strong>em</strong><br />

<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />

Para aprofundar a compreensão de sua estada <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> dev<strong>em</strong>os r<strong>em</strong><strong>em</strong>orar<br />

que Padre Landell é l<strong>em</strong>brado como o inventor do radio, mas seria uma injustiça se<br />

apenas esse invento lhe fosse atribuído.<br />

No início dos anos 1980, um grupo de trabalho de engenheiros de telecomunicação da<br />

Telebras considerou Padre Landell como precursor da Televisão, do Teletipo e do controle<br />

r<strong>em</strong>oto por rádio 1 e além destes inventos deixados <strong>em</strong> croquis, pod<strong>em</strong>os lhe atribuir o<br />

estudo da transmissão de voz através de fontes de luz.<br />

A produção de conhecimento por parte do pároco era imensa e entre seus interesses<br />

intelectuais estava o de compreender o que envolve o ser humano e não deixava de tratar<br />

de uma aproximação entre ciência e religião.<br />

A conciliação entre ciência e religião não é um t<strong>em</strong>a novo e recent<strong>em</strong>ente foi tratado no<br />

filme Anjos e D<strong>em</strong>ônios. Sobre o t<strong>em</strong>a assim se manifestava Landell no início do século<br />

XX.<br />

“(...) Santos Dumont está b<strong>em</strong>, porém o seu colega cont<strong>em</strong>porâneo vive esquecido<br />

porque cometeu um crime, o de querer sair da sacristia para mostrar ao mundo que a<br />

religião nunca se opôs ao progresso da humanidade(...)”<br />

No caso de exorcismo <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Landell afirmava que o havia realizado com o<br />

acompanhamento de "instrumentos e aparelhos" científicos. Ora um de seus inventos que<br />

foi cont<strong>em</strong>porâneo de sua estada na cidade era a bioeletrografia ou fotografia Kirlian<br />

como ficou conhecido mais tarde esse tipo de fotografia, descoberta na URSS <strong>em</strong> 1939,<br />

sendo portanto, a descoberta de Landell b<strong>em</strong> anterior.<br />

Nesse tipo de fotografia que mostraria a energia que circunda a matéria (s<strong>em</strong> a aceitação<br />

unanime de cientistas), chamou de perianto os efeitos eletroluminescentes, e chegou<br />

entre outras à seguinte conclusão, sobre o perianto e fotografia:”que, se esse indivíduo<br />

estiver sob a ação do hipnotismo ou de qualquer outro estado anormal capaz de mudarlhe<br />

a personalidade , o seu perianto,nesse caso, apresentara as feições da personalidade<br />

1 Almeida, Hamilton.Padre Landell de Moura-Um herói s<strong>em</strong> glória, editora Record, p.306


que ele supõe ser no momento.” 2<br />

Mais tarde, dando sequencia ao processo de suas deduções escreveu:”Nestes estados,<br />

notam-se modificações mais ou menos pronuncia<strong>das</strong> de personalidade, seja pelo físico,<br />

seja pela moral, porque, geralmente falando, ele toma o porte, a atitude, os gestos, a voz<br />

e, até, os mesmos defeitos ou imperfeições característicos dos indivíduos que ele supõe<br />

ser. Ele dá corpo, vida, expressão, numa palavra, a todos os fantasmas da imaginação, e<br />

com eles conversa, come, ri e se diverte, como o faria na realidade se se achasse <strong>em</strong> tais<br />

circunstancias e <strong>em</strong> seu estado normal.” 3<br />

Os fantasmas da imaginação, nossos anjos e d<strong>em</strong>ônios que Landell ousou compreender<br />

e não foi compreendido.<br />

O país perdeu.<br />

Fontes:<br />

Jornal “A vida”, <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> 1907<br />

Cúria Diocesana de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Almeida, Hamilton.Padre Landell de Moura-Um herói s<strong>em</strong> glória, editora Record,<br />

2006<br />

Postado por Angelo E N Nanni<br />

2 Id<strong>em</strong>, p.141<br />

3 Ibid<strong>em</strong>, p. 192


terça-feira, 1 de nov<strong>em</strong>bro de 2011<br />

O c<strong>em</strong>itério São Salvador – 140 anos<br />

A rotina é modificada no c<strong>em</strong>itério São Salvador no período que antecede o dia de Finados.<br />

Avisos fixados na parede de entrada indicam as datas limite para obras de pinturas nos túmulos e<br />

lápides. Pessoas chegam carregando vassouras e produtos de limpeza para realizar um ritual que se<br />

repete por anos a fio. A limpeza dos túmulos.<br />

A preocupação de uns contrasta com o abandono de outros, a devoção coletiva na forma de<br />

peregrinação à determinados túmulos convive com mortos anônimos e outros conhecidos.<br />

O c<strong>em</strong>itério se tornou também uma forma de compreender as relações sociais <strong>em</strong> determinada<br />

época e estudar a sociedade através dos espaços destinados aos enterramentos, a arte, estatuária e<br />

significado dos túmulos, os trabalhos <strong>em</strong> mármore, a técnica e os marmoristas, entendimento da<br />

religião, classes sociais e locais de enterramentos, etc..<br />

Como política pública, a preservação c<strong>em</strong>iterial ou o patrimônio funerário visto como patrimônio<br />

cultural, constitui hoje uma ação realizada <strong>em</strong> várias partes do mundo e também no Brasil, sendo<br />

que, no âmbito federal, os primeiros c<strong>em</strong>itérios tombados datam de 1930 e os últimos do ano 2000.<br />

Na História dos enterramentos no Brasil, a Igreja des<strong>em</strong>penhou um papel relevante quando os<br />

mortos eram enterrados <strong>em</strong> seu interior ou no entorno.<br />

A atribuição de zelar pelos c<strong>em</strong>itérios passou para as câmaras municipais a partir de 1828.<br />

A lei de 1º de outubro de 1828, que regulamentava a atuação <strong>das</strong> câmaras municipais, atribuía a<br />

estas (câmaras) “o estabelecimento dos c<strong>em</strong>itérios fora dos t<strong>em</strong>plos (...)”<br />

Em prestação de contas da câmara municipal de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> Cuzes, no ano de 1843 havia gastos com<br />

reparos no portão do c<strong>em</strong>itério, plano e orçamento detalhado (forro, caibros, pregos, vigas, vigotão,<br />

etc.) de“uma capellinha dentro do S<strong>em</strong>iterio”.<br />

Em 11 de fevereiro de 1871, a Ass<strong>em</strong>bleia Legislativa Provincial, examinava o regulamento<br />

enviado pela Câmara de <strong>Mogi</strong> para a nova organização do C<strong>em</strong>itério Publico Municipal,<br />

estabelecendo ser, no artigo 1º, de exclusiva administração da Câmara Municipal.<br />

O artigo IV estabelecia que haveria um espaço para a exumação “dos acatholicos ou dos, a qu<strong>em</strong> a<br />

Igreja catholica recusar sepultura eclesiastica.Um muro o distinguira do terreno sagrado”.Mas no<br />

artigo XXXVIII “Em duvida se o cadaver é de cathólico ou acatholico...prevalecera a presunpção<br />

de que é cathólico.<br />

O artigo XXXIII, estabelecia que toda a renda do c<strong>em</strong>itério pertencia a câmara municipal, exceto<br />

10%, e isto gerava manifestações de descontentamento por parte da Igreja. Neste regulamento<br />

pod<strong>em</strong>os perceber um início de tensão nas relações Igreja-Estado com a perda gradual de<br />

influencias da Igreja e a laicização contínua da vida.<br />

Benzido de acordo com o rito romano, <strong>em</strong> 27/06/1871, a localização do C<strong>em</strong>itério São Salvador<br />

indicava uma preocupação sanitária, pois desde meados do século XIX se questionava, <strong>em</strong> vários<br />

locais da província, a localização dos c<strong>em</strong>itérios. Mesmo sendo posterior, o Código Sanitário de<br />

1894, nos dá pistas sobre a localização que deveria ter um c<strong>em</strong>itério. Em um dos artigos<br />

dizia:”Deverão ser construidos s<strong>em</strong>pre que possível, <strong>em</strong> pontos elevados e contra-vertente <strong>das</strong><br />

águas....”<br />

Ora, <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> com a evolução urbana <strong>em</strong> meados do século XIX, o espaço dos mortos<br />

estava “na cidade” e integrava um espaço comunitário, desta forma, com as discussões <strong>em</strong> torno da<br />

saúde publica, houve um distanciamento da comunidade dos vivos, com o deslocamento do<br />

c<strong>em</strong>itério para o “alto do campo santo”.<br />

Este breve olhar para os 140 anos do c<strong>em</strong>itério São Salvador nos mostra um patrimônio<br />

potencialmente importante que, no entanto, não t<strong>em</strong> sido tratado desta forma.<br />

Fonte: Alesp<br />

Postado por Angelo E N Nanni


sábado, 12 de nov<strong>em</strong>bro de 2011<br />

A escravidão <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> II 1872<br />

A leitura e interpretação dos censos indicam<br />

possibilidades de pesquisa <strong>em</strong> História.<br />

A população livre no município de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />

<strong>Cruzes</strong> pelo censo de 1872 era de 15033<br />

habitantes, sendo 10301 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>,<br />

1788 na Freguesia de Itaquaquecetuba, 1463 na<br />

Escada e 1531 <strong>em</strong> Arujá. No município de São<br />

José do Paraytinga havia 3042 livres.<br />

Dentre os livres havia no recenseamento de<br />

1872 as seguintes categorias: sexo, estado civil,<br />

brancos, pardos, pretos, caboclos, religião,<br />

nacionalidades, instrução e casas.<br />

O quadro geral da população escrava contava com as categorias sexo, estado civil, raça, religião,<br />

nacionalidade e grau de instrução.<br />

A região de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> contava com 1496 cativos, Santa Isabel 1105, Santa Branca 967 e São<br />

José do Paraytinga 161.No quesito instrução, a cidade de <strong>Mogi</strong> apresentava 1% da população<br />

escrava alfabetizados, enquanto <strong>em</strong> outras regiões esse número era menor ou nulo e somente Itu<br />

apresentava número s<strong>em</strong>elhante a <strong>Mogi</strong>. Isto poderia indicar as características da região e da<br />

escravidão urbana , voltada para os escravos de ganho.<br />

No quadro referente a “defeitos physicos” encontramos as categorias Livres – Escravos, com os<br />

seguintes números:Para os livres, entre cegos, surdo mudos, aleijados e probl<strong>em</strong>as mentais<br />

encontramos por volta de 15% da população da região, sendo que o número de mulheres com<br />

probl<strong>em</strong>as mentais superava <strong>em</strong> quase 40% o número de homens, o que poderia indicar as<br />

condições <strong>em</strong> que viviam e eram trata<strong>das</strong> as mulheres.<br />

Entre os escravos, <strong>em</strong> números absolutos, a maior deficiência física constatada no recenseamento,<br />

se dava na categoria “cegos”, o que confirmava o trabalho pioneiro do médico Manoel da Gama<br />

Lobo, "Da oftalmia brasiliana", publicada originalmente <strong>em</strong> 1865 sobre a deficiência nutricional<br />

causada pelas degradantes condições de vida do escravo e os probl<strong>em</strong>as na visão decorrentes desta<br />

deficiência nutricional.<br />

“O trabalho excessivo, a alimentação insuficiente, os castigos corporais <strong>em</strong> excesso transformam<br />

estes entes miseráveis <strong>em</strong> verdadeiras máquinas de fazer dinheiro; s<strong>em</strong> direito de casamento, s<strong>em</strong><br />

laço algum de amizade que os ligue sobre a terra, eles perd<strong>em</strong> o ânimo, sendo vítimas de opilações,<br />

úlceras crônicas, caquexias e to<strong>das</strong> as moléstias que são ocasiona<strong>das</strong> por uma alimentação<br />

insuficiente.” (Gama Lobo, 1865a, p.432).<br />

Fontes:<br />

VASCONCELOS, Francisco de Assis Guedes de; SANTOS, Leonor Maria Pacheco. Tributo a<br />

Manoel da Gama Lobo (1835-1883), pioneiro na epid<strong>em</strong>iologia da deficiência de vitamina A no<br />

Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, Dec. 200Availablefrom. access<br />

on 26 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0104-59702007000400013.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


sexta-feira, 25 de nov<strong>em</strong>bro de 2011<br />

Uma anarcof<strong>em</strong>inista no Theatro Vasques <strong>em</strong> 1911<br />

Belén de Sarraga nasceu <strong>em</strong> Valladolid <strong>em</strong> 1874.<br />

Foi f<strong>em</strong>inista, leitora de Bakunin e Kropotkin, livre pensadora e militante<br />

anti clerical, tendo escrito “El clericalismo en América”.<br />

Defendia a liberdade de consciência, a liberdade de instrução, a<br />

tolerância e os objetivos pacifistas<br />

Na Espanha esteve presa durante alguns meses por pronunciar um<br />

discurso contra um general responsável pelo fuzilamento de um poeta,<br />

militou ativamente durante a segunda república espanhola e percorreu a<br />

América, do México à Argentina, passando pelo Brasil, promovendo<br />

concorri<strong>das</strong> palestras onde o t<strong>em</strong>a era a mulher, família, Estado e<br />

religião.<br />

Na cidade de São Paulo chegou <strong>em</strong> abril de 1911, onde, um jornal local a<br />

chamou de “Anjo da Revolução”. Em sua conferencia assinalava:<br />

Diz-se com razão que a família é a base dos Estados. T<strong>em</strong> estes de ser, portanto, o que<br />

a família é; a cultura, o valor moral, as tendências profun<strong>das</strong> e características da<br />

comunidade social são outros tantos reflexos <strong>das</strong> qualidades e dos defeitos daquela<br />

unidade básica. Mas a família por sua vez t<strong>em</strong> um centro, uma célula mater, uma base<br />

insubstituível: a mulher-mãe. Portanto, os destinos do Estado repousam, <strong>em</strong> ultima<br />

analise, na educação da mulher, na mãe de família.<br />

Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> algumas pessoas se agitavam e formavam uma comissão para trazer Belén<br />

Sárraga à cidade, uns movidos pelo anticlericalismo <strong>das</strong> idéias de Sárraga, outros pelo<br />

humanitarismo e ainda outros pelas posições políticas sobre o poder (poder dos homens sobre as<br />

mulheres, poder de Estado, etc), pois, a cidade apresentava um alto índice de imigrantes espanhóis e<br />

italianos que compartilhavam destas posições.<br />

A cidade se preparava para receber o “Anjo da Revolução” e o vigário da Matriz dizia: “Chegou<br />

nesta cidade a exploradora espanhola Bélen Sárraga, espanhola expulsa de sua pátria por causa<br />

<strong>das</strong> ideias subversivas que pregava. Os católicos desta cidade não tomaram parte nas festas dessa<br />

espanhola. As senhoras (mais de mil) prottestaram contra a vinda dessa anticlerical.”<br />

No dia 22 de junho de 1911, uma quinta-feira, Bélen Sárraga chegava por tr<strong>em</strong> de subúrbio e era<br />

conduzida ao Teatro Vasques para falar sobre um t<strong>em</strong>a que envolvia formas de poder:”A família e a<br />

Igreja”.<br />

Apresentada por um ex-sacerdote católico, iniciou sua fala as nove e trinta e as onze horas se dirigia<br />

ao hotel onde ficou hospedada, acompanhada por “uma massa compacta” segundo o jornal “A<br />

Vida”.<br />

No dia seguinte, seu destino era novamente a capital e outras peregrinações <strong>em</strong> torno da liberdade e<br />

<strong>das</strong> vontades do ser.<br />

Fontes:<br />

Livro do Tombo da Cúria Diocesana de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />

Jornal “A Vida” 25/06/1911<br />

Postado por Angelo E N Nanni


quinta-feira, 22 de dez<strong>em</strong>bro de 2011<br />

Observar e comprar, observar e desejar – O Natal de 1935<br />

Uma possibilidade na produção de conhecimento histórico<br />

está na análise de periódicos locais e sua contextualização.<br />

Na antevéspera do Natal de 1935, um dos ícones da<br />

sociedade industrial no século XX, assumia o centro <strong>das</strong><br />

atenções:o automóvel.<br />

O jornal “O Liberal” estampava <strong>em</strong> sua primeira página, do<br />

dia 22 de dez<strong>em</strong>bro de 1935, o objeto de desejo da sociedade<br />

de consumo, que dava seus primeiros passos. Uma caravana<br />

com cinquenta carros desfilava pelas ruas da cidade, tendo a<br />

imprensa e autoridades como convidados.<br />

Para aquele que só podia observar e desejar, os novos<br />

modelos do Ford V8 ficaria <strong>em</strong> exposição na agencia do<br />

município.<br />

Mas a ideia pretendida de progresso como el<strong>em</strong>ento<br />

fundamental para eliminar contrastes sociais, era desfeita na<br />

terceira pagina com a noticia do “Natal dos pobres” e a<br />

exposição da desigualdade presente na sociedade industrial.<br />

O Natal dos pobres era realizado desde 1911 e nas palavras<br />

do periódico “A Vida”, a realização da festa “...nas amplas varan<strong>das</strong> do Mercado Municipal …<br />

indica que nós já t<strong>em</strong>os dado um grande passo na senda da civilização”. Presidia esta visão o<br />

conceito evolucionista de civilização, onde, o resultado de civilizar era o estado de adiantamento<br />

cultural e social.<br />

As cronicas de Natal, a religiosidade da festa, presentes nas primeiras páginas de jornais locais <strong>em</strong><br />

anos anteriores, davam lugar aos desejos de uma sociedade de mercado. As características solidarias<br />

da festa ficavam relega<strong>das</strong> a pequenas notas no interior da edição.<br />

Postado por Angelo E N Nanni


domingo, 25 de dez<strong>em</strong>bro de 2011<br />

Natal e relações de gênero na <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> de 1921<br />

No Natal de 1921, o jornal A Vida, retrata <strong>em</strong> sua<br />

primeira página, uma crônica natalina que realça a<br />

solidariedade entre a população mogiana deste<br />

período: o costume de, após a Missa do Galo, os fieis<br />

se dirigir<strong>em</strong> à casa de outras famílias católicas para<br />

apreciar seus presépios, quando a “[...] cidade<br />

apresenta um movimento desusado.” Também o<br />

profano é mencionado, como o costume <strong>das</strong> crianças<br />

de apresentar sapatinhos atrás da porta de seus<br />

quartos para receber<strong>em</strong> presentes, b<strong>em</strong> como a<br />

utilização de costumes e refeições mais elabora<strong>das</strong>.<br />

Neste espírito de solidariedade, também “[...] a<br />

pobreza faz o seu natal, dada a bela iniciativa de<br />

instituições e agr<strong>em</strong>iações de caridade, que angariam<br />

donativos entre os corações piedosos, e assim, v<strong>em</strong>os<br />

também satisfeita essa classe desprotegida da sorte.”<br />

No entanto, à aparente harmonia existente numa<br />

sociedade imaginada s<strong>em</strong> contrastes sociais, salta aos<br />

olhos quando, na mesma página <strong>em</strong> que foi<br />

publicada a Crônica de Natal, um artigo sobre o voto<br />

f<strong>em</strong>inino (ainda <strong>em</strong> tramitação no Congresso),<br />

assinado por S.F.Q. revela, se não a desigualdade presente nas relações sociais, a tensão presente<br />

entre as relações de gênero. Eis o texto transcrito na íntegra.<br />

O Voto F<strong>em</strong>inino<br />

O direito de voto às mulheres é – pode-se afirmar desde já – uma realidade, entre nós.<br />

Isto está a nos dizer o Congresso Nacional que a estas horas estuda o projeto com<br />

interesse e não está longe o dia <strong>em</strong> que o ver<strong>em</strong>os nas mãos do Executivo para o seu<br />

sancionamento.<br />

E o belo sexo, que nos dirá? Estará de acordo com as leis governamentais que o coloca<br />

<strong>em</strong> igualdade de condições político-sociais com os seus s<strong>em</strong>elhantes do sexo forte?<br />

Quererá a mulher deixar a sua simpática e nobre posição de mãe de família para<br />

correr às urnas e intervir na política com risco a uma tr<strong>em</strong>enda catástrofe de<br />

transformar o lar numa torre de Babel?<br />

Sim, porque, imagin<strong>em</strong> lá. O marido político e dos aferroados; os filhos – pode muito<br />

b<strong>em</strong> acontecer – políticos e partidaristas apaixonados; todos de ideias e de partidos<br />

diferentes; si nestas condições ainda entra a mulher com sua opinião e teimosia (as<br />

mulheres são às vezes teimosas, pirracentas até por esporte), que será dessa casa?<br />

Imagin<strong>em</strong> numa época como esta <strong>em</strong> que os partidos ferv<strong>em</strong> e as opiniões se diverg<strong>em</strong>.<br />

Teríamos comida s<strong>em</strong> sal, s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>pero ou s<strong>em</strong> gordura, quando não, cabeças parti<strong>das</strong><br />

ou divórcios <strong>em</strong> cartórios.<br />

Se na atualidade os ciúmes e as intrigas faz<strong>em</strong> <strong>das</strong> mulheres inimigas irreconciliáveis e<br />

mal encara<strong>das</strong> entre si, que dir<strong>em</strong>os se ainda se envolver<strong>em</strong> <strong>em</strong> questões políticas, que<br />

apaixonam e desnorteiam?<br />

Perderiam por certo o seu completo prestígio.<br />

A mulher brasileira compreende e interpreta muito diferent<strong>em</strong>ente a lei que ora anda<br />

pelo Parlamento. Isto o sab<strong>em</strong>os. Ela por si acha inoportuna essa concessão de voto e<br />

abster-se-á de ir às urnas, mesmo porque não estará disposta a levar algumas paula<strong>das</strong>


Fontes<br />

nos dias de eleições.<br />

Quererá, é certo, conservar-se no lar, entre as carícias de seus filhinhos, que são todo<br />

seu afeto, e alimentará, como até aqui, no seu coração a verdadeira política – a<br />

Política do Amor.<br />

<strong>Mogi</strong>, Dez<strong>em</strong>bro de 1921. S.F.Q.<br />

A Vida. Órgão do Partido Republicano Governista<br />

25 de Dez<strong>em</strong>bro de 1921 Ano 16, N. 687<br />

Postado por Sérgio Damy

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