A Escravidão em Mogi das Cruzes - Dialética Cultural
A Escravidão em Mogi das Cruzes - Dialética Cultural
A Escravidão em Mogi das Cruzes - Dialética Cultural
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
<strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong><br />
Caderno de Postagens – 2011<br />
<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
2011
Sumário<br />
Introdução<br />
Vilancico de Natal <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Natal de 1873 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
A Variola <strong>em</strong> Biritiba Mirim 1875<br />
Varíola, bexigas e a vaccina<br />
Dia de Reis <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a<br />
Gêneros fornecidos para o Lazareto<br />
O Lazareto de bexiguentos do Itapety<br />
Despesas com o Lazareto do Itapety<br />
Deus não é culpado n<strong>em</strong> a natureza<br />
A Freguesia da Escada: o pouso, tropas e tropeiros<br />
A Freguesia da Escada e os juízes de paz<br />
A Freguesia da Escada, mulheres, tropeiros e violeiros<br />
A Rua <strong>das</strong> Cabras: a rua da vida<br />
Sobre vaga lumes e farofa de iça<br />
Da Folia a Cinzas: o carnaval <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Cotidiano, terra e índios<br />
A Santa Casa e a varíola <strong>em</strong> 1900<br />
Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Domingo, 27 de março de 1881<br />
Sons da cidade: o amolador de facas e o hom<strong>em</strong> do biju<br />
<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o ensino <strong>em</strong> 1830<br />
<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o relatório da Instrução Pública Provincial <strong>em</strong> 1853<br />
Entre salas de aula e corredores: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1896<br />
Entre salas de aula e corredores II: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1914<br />
A Festa do Divino: o império da festa<br />
Congos, Congados e Moçambiques na Serra do Itapety (1929)<br />
Um crime na Freguesia da Escada <strong>em</strong> 1854<br />
Os caminhos de ont<strong>em</strong>: a Estrada Geral <strong>em</strong> 1843<br />
<strong>Mogi</strong> oculta: lugares e pontos de devoção popular<br />
A gruta de Santa Teresinha<br />
Capelas e Ermi<strong>das</strong>: a Capela do Caetano<br />
A <strong>Escravidão</strong> <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - 1874<br />
O mariscar e a febre no Itapety<br />
Exorcismo e Mistérios na Terra <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Anjos e D<strong>em</strong>ônios. O caso Landell<br />
O c<strong>em</strong>itério São Salvador – 140 anos<br />
A escravidão <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> II 1872<br />
Uma anarcof<strong>em</strong>inista no Theatro Vasques <strong>em</strong> 1911<br />
Observar e comprar, observar e desejar – O Natal de 1935<br />
Natal e relações de gênero na <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> de 1921
Introdução<br />
Em seu primeiro ano de existência, a <strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong> produziu publicações acadêmicas (Revista<br />
<strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong>) e organizou, <strong>em</strong> parceria com a Diretoria de Ensino da Região <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>,<br />
o Livro Digital “Meu Bairro, Minha História, Meus Valores”, constituído por mais de 40 portfólios<br />
produzidos por alunos e professores <strong>das</strong> escolas estaduais dos municípios de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>,<br />
Biritiba Mirim e Salesópolis. Foi uma experiência inovadora e gratificante.<br />
A <strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong> t<strong>em</strong> como missão a elaboração de projetos, pesquisas e desenvolvimento<br />
interpretativo de documentos históricos, itens da cultura material e fatos históricos <strong>em</strong> museus,<br />
bibliotecas e arquivos históricos. Publicação de livros e periódicos, prestação de serviços de<br />
produção audiovisual e de comunicação multimídia, montag<strong>em</strong> de exposições etnográficas e<br />
religiosas associa<strong>das</strong> a estudos de meio.<br />
Com o compromisso de divulgar documentos referentes à História de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e região e<br />
contribuir para o conhecimento desta História e com possíveis t<strong>em</strong>as de estudo, viabilizamos um<br />
blog que, utilizando dos atuais recursos da WEB 2,0, disponibilizasse ao alcance de toda a<br />
comunidade WEB, parte do patrimônio documental pesquisado.<br />
Justamente para com<strong>em</strong>orar este primeiro ano, reunimos numa única publicação o conjunto <strong>das</strong><br />
postagens mais relevantes.<br />
<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Dez<strong>em</strong>bro, 2011<br />
Angelo Eduardo Nascimento Nanni<br />
Antonio Sérgio Azevedo Damy<br />
<strong>Dialética</strong> <strong>Cultural</strong>
quarta-feira, 22 de dez<strong>em</strong>bro de 2010<br />
Vilancico de Natal <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Esta é uma <strong>das</strong> primeiras melodias natalinas compostas no Brasil, mais particularmente <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, <strong>em</strong> meados do século XVIII. Como seu nome indica é uma peça poética composta por<br />
versos pequenos e dialogados, com a composição musical adaptada a letra deste po<strong>em</strong>a. Clique na<br />
imag<strong>em</strong> para ouvir.<br />
Ilustração 1: Altar-mor da antiga Catedral de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />
<strong>Cruzes</strong>, hoje pertencente à Igreja de Nossa Senhora do<br />
Brasil
quinta-feira, 23 de dez<strong>em</strong>bro de 2010<br />
Natal de 1873 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Corria o início da década de 1870 e o Brasil vivia o que os historiadores<br />
passaram a tratar por Questão Religiosa, que consistia resumidamente, <strong>em</strong><br />
atritos entre o Estado e a Igreja.<br />
O pontificado do Papa Pio IX foi marcado pela predominância dos ideais<br />
conservadores (ultramontanos) materializados na encíclica Quanta Cura<br />
acompanhado do Syllabus Errorum que condenava a civilização moderna,<br />
o racionalismo, o liberalismo, o progresso, a separação entre igreja e Estado.Em suma pretendia a<br />
restauração do poder da Igreja <strong>em</strong> relação a sociedade civil.<br />
No Brasil os bispos de Olinda, frei Vital Maria e de Belém, Dom Antonio de Macedo Costa eram,<br />
entre outros, os representantes dos ideais conservadores (ultramontanos) que dominavam a Igreja e<br />
combatiam além da civilização moderna, a maçonaria.<br />
Em 1871 a primeira punição foi dada ao padre maçom Almeida Martins que fez um discurso <strong>em</strong><br />
homenag<strong>em</strong> ao Visconde de Rio Branco (grão mestre maçom) e a promulgação da Lei do Ventre<br />
livre e fora suspenso.<br />
O ano de 72 assistiu os ânimos se exaltar<strong>em</strong>, de ambos os lados Estado e Igreja, e uma crise de<br />
proporções nacionais se precipitou.<br />
Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, <strong>em</strong> 1873, uma autoridade assistia a missa de Natal na Igreja decorada por um<br />
altar barroco e provavelmente <strong>em</strong>balada por um vilancico natalino.É desta autoridade que partiu o<br />
relato.<br />
“Na noite de 24 para 25 do corrente, por occasião da missa, o Rdo vigário Antonio Candido d’Alvarenga<br />
publicou a carta pastoral do Rdo bispo d’esta diocese e a lettra apostólica do Sumo Pontífice (...)<br />
Antes da leitura de ambas essas peças, aquelle parocho, movido por espírito satânico, recomendou aos fieis<br />
que se abstivess<strong>em</strong> da maçonaria que era composta por assascinos, ladrões e prevaricadores, que o governo<br />
de S M o Imperador injustamente procedia contra os bispos(...)<br />
O cura d’alma abundou <strong>em</strong> outro insultos <strong>em</strong> desabono ao Governo Imperial(...)”<br />
Completava o relato dizendo ser crime ir contra as leis do país, pregar a desobediência e crime<br />
cometido por funcionário publico, pois, como pároco Antonio Candido recebia subvenção do<br />
Estado.<br />
A “ Questão Religiosa “ chegava a <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> através de um m<strong>em</strong>bro da Igreja que defendia<br />
as idéias ultramontanas e os bispos punidos pelo governo imperial, gerando com isso<br />
descontentamentos, desconfianças e pedidos de punição ao religioso.<br />
No inicio do ano seguinte (1874) os desdobramentos levaram os bispos de Olinda e Pará à prisão<br />
com a conseqüente condenação a quatro anos de prisão com trabalhos forçados.<br />
A grafia <strong>das</strong> letras <strong>em</strong> itálico respeita o documento<br />
Veja o documento abaixo:fonte DAESP caixa 1113
segunda-feira, 27 de dez<strong>em</strong>bro de 2010<br />
A Variola <strong>em</strong> Biritiba Mirim 1875<br />
A varíola era uma doença grave, popularmente conhecida como bexiga com alto<br />
índice de mortalidade.Após o 2º ou 3º dia começavam as erupções na pele depois<br />
evoluindo para pústulas (bolhas purulentas).<br />
Há registros da presença da varíola na Europa desde o ano 582, tendo chegado à<br />
América com a colonização e no Brasil do século XVI já fazia milhares de<br />
vitimas.<br />
No século XIX o Vale do Paraíba sofreu vários surtos de varíola através dos anos,<br />
sendo os bairros populares os mais atingidos devido às péssimas condições de<br />
higiene, o que gerava uma lógica que associava saúde com pobreza.<br />
A cidade de Taubaté enfrentou um surto <strong>em</strong> 1873-74 e <strong>em</strong> 1875 a doença se<br />
alastrava e chegava a Biritiba Mirim, próximo de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />
O delegado da cidade (não um médico) tratava nos seguintes termos a doença:<br />
”Acha-se grassando...no bairro de Biritiba...a varíola e ahí já tendo<br />
feito...vitimas:o bairro é habitado por gente pobre, no todo privada de qualquer<br />
recurso.”Terminava o documento pedindo a liberação de “módica quantia para<br />
tratamento dos infelises, atacados de mortífera epid<strong>em</strong>ia.”<br />
Se não cuidava <strong>em</strong> vida, a municipalidade cuidava dos mortos.Os enterros eram<br />
gratuítos.<br />
Ilustração 2: As<br />
marcas da<br />
varíola.<br />
Disponível <strong>em</strong><br />
http://www.ccs.s<br />
aude.gov.br/rev<br />
olta/pdf/M5.pdf<br />
Fonte:DAESP, caixa 1113<br />
Postado por Angelo E N Nanni
domingo, 2 de janeiro de 2011<br />
Varíola, bexigas e a vaccina<br />
Se procurarmos por varíola <strong>em</strong> um dicionário de medicina do século<br />
XIX, encontrar<strong>em</strong>os no Diccionário de Medicina Popular de Pedro<br />
Chernoviz de 1842 a definição de bexigas ou varíola.Após a<br />
descrição da doença, sua causa e sintomas assim se refere ao<br />
tratamento: ”Não possuímos meios de abreviar a marcha <strong>das</strong><br />
bexigas, por conseguinte o officio da medicina consiste<br />
simplesmente <strong>em</strong> ajudar a natureza.”<br />
Fonte Diccionario de Medicina Popular: http://www.ieb.usp.br/online/index.asp<br />
Havia, no entanto, tentativas de prevenção e na palavra vaccina<br />
encontramos no dicionário: “Vírus particular, dotado da<br />
propriedade de preservar <strong>das</strong> bexigas, e chamado vaccina, porque<br />
foi colhido primitivamente <strong>das</strong> borbulhas <strong>das</strong> vaccas.”A vacinação<br />
seguia o seguinte processo:”Depois de pegar no braço...e estender a<br />
pelle com a mão esquerda, o vaccinador com a mão direita<br />
introduz... a lanceta...debaixo da pelle; d<strong>em</strong>ora-se assim alguns<br />
instantes , e depois tira a lanceta.Ordinariamente dão-se três ou<br />
quatro pica<strong>das</strong> <strong>em</strong> cada braço...Se para <strong>em</strong>beber a lanceta ou<br />
agulha não se puder molhar n’um botão vaccinal, o que se chama vaccinar de braço a braço,<br />
<strong>em</strong>prega-se o pus vaccinico conservado entre dois vidros.”<br />
O pus vacinico era enviado às cidades e vilas para que um comissário vacinador municipal<br />
procedesse à inoculação, mas todo este procedimento causava receio na população, e <strong>em</strong> todo lugar<br />
havia o medo da vacinação.<br />
O comissário vacinador municipal era indicado para <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />
<strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> 1854 e o pus vacinico enviado para a cidade <strong>em</strong> 65 e 67<br />
sendo que um novo comissário vacinador foi indicado <strong>em</strong> janeiro<br />
de 1868.Este mesmo comissário pediu exoneração do cargo de<br />
vacinador <strong>em</strong> dez<strong>em</strong>bro após passar quase um ano e não coseguir<br />
vacinar ninguém:”...até hoje ainda não se appresentou uma única<br />
pessoa para ser vaccinada...”
Fonte:DAESP caixa 936<br />
http://www.arquivoestado.sp.gov.br/viver/poder_frame.php?<br />
cod=26553&nomen=0093603091&img=ODSP0093603091_001.jpg<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quinta-feira, 6 de janeiro de 2011<br />
Dia de Reis <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a<br />
O Dia de Reis ou Folia de Reis constitui um evento de caráter religioso<br />
pouco praticado <strong>em</strong> nossos dias. Com o passar <strong>das</strong> déca<strong>das</strong> a tradição<br />
foi sendo esquecida, podendo ainda ser encontrada <strong>em</strong> pequenas<br />
cidades brasileiras.<br />
Essa tradição foi incorporada <strong>em</strong> nosso folclore pelos portugueses <strong>em</strong><br />
meados do século XVIII como uma festa tipicamente religiosa. Em<br />
Portugal, no século XVII, tinha a principal finalidade de divertir o<br />
povo, enquanto aqui no Brasil, passou a ter um caráter mais religioso<br />
do que de diversão. No período de 24 de dez<strong>em</strong>bro, véspera de Natal, à<br />
6 de janeiro, Dia de Reis, um grupo de cantadores e instrumentistas<br />
percorre a cidade entoando versos relativos à visita dos Reis Magos ao<br />
Menino Jesus. Passam de porta <strong>em</strong> porta <strong>em</strong> busca de oferen<strong>das</strong>, que pod<strong>em</strong> variar de um prato de<br />
comida à uma simples xícara de café ou alimentos <strong>em</strong> geral.<br />
Acordai povo Cristão<br />
Venha ver com alegria<br />
O nascimento glorioso<br />
do Filho de Maria<br />
Venha ver os reis viajantes<br />
Grandes sábios do oriente<br />
Mandados da providência<br />
Lá pras margens do ocidente<br />
Abre esta porta e acende a luz<br />
Dá um presentinho pra Deus ou pra Jesus<br />
(Agradecimento)<br />
"Vamo agradece" a prenda que nos deu<br />
Qu<strong>em</strong> vos pagará é o nosso santo Rei.<br />
Partindo para uma análise antropológica, o Dia de Reis, torna-se<br />
uma atividade com características próprias e manifestações de rara<br />
beleza. Os preciosos versos musicais são preservados de geração<br />
<strong>em</strong> geração por tradição oral. Os instrumentos musicais utilizados<br />
como: viola, violão, sanfona, reco-reco, chocalho, cavaquinho,<br />
triângulo, pandeiro dão um caráter regionalista para a manifestação.<br />
Já os personagens somam doze pessoas e todos os integrantes do<br />
grupo trajam roupas bastante colori<strong>das</strong>, sendo eles: Mestre, Contra-<br />
Mestre, os Três Reis Magos, Palhaço e Foliões.<br />
Na região metropolitana de São Paulo, na cidade de Guarar<strong>em</strong>a-SP, o Dia de Reis conserva-se<br />
graças a participação de jovens que acabam por dar continuidade à tradição. Na cidade o “Grupo de<br />
Folia de Reis” t<strong>em</strong> suas atividades do dia 2 a 6 de janeiro. Além de conservar as tradições, o grupo<br />
também realiza uma coleta de alimentos, doações ofereci<strong>das</strong> pelas famílias que receb<strong>em</strong> o grupo <strong>em</strong><br />
suas casas. Após o Dia de Reis os alimentos são distribuídos à famílias carentes da região.<br />
Glauco Ricciele P. L. C. Ribeiro<br />
Postado por Sergio Damy
segunda-feira, 24 de janeiro de 2011<br />
Gêneros fornecidos para o Lazareto<br />
O lazareto estava localizado num bairro rural da cidade, na Serra do<br />
Itapetí<br />
Isolar seria a solução? E o pus vacinico. E a vacinação?<br />
Nos anos anteriores a 1878, o vacinador provincial se queixava da<br />
comunicação com a câmara de <strong>Mogi</strong> a respeito da vacinação,<br />
utilização do pus vacínico e a existência de um vacinador<br />
municipal.<br />
Na lista de gêneros enviados ao lazareto pod<strong>em</strong>os notar que além<br />
dos itens básicos de alimentação como milho, feijão, farinha e outros como querosene e água<br />
ardente, figurava o consumo de frango para fazer canja, utilizada como “r<strong>em</strong>édio” para recuperação<br />
de doentes, como indicava o Diccionário de Medicina Popular e também o conhecimento popular.<br />
Fonte:DAESP, caixa 1113<br />
Postado por Angelo E N Nanni
terça-feira, 25 de janeiro de 2011<br />
O Lazareto de bexiguentos do Itapety<br />
Após uma breve pausa, voltamos às postagens que serão regulares e terminar<strong>em</strong>os a série sobre a<br />
varíola <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> com três documentos referentes ao lazareto do Itapety.<br />
Com as epid<strong>em</strong>ias de varíola sendo uma constante <strong>em</strong> todos os lugares do mundo, no século XIX<br />
al<strong>em</strong> da vacinação, desenvolveu-se a idéia de colocar o doente <strong>em</strong> lazaretos, um lugar afastado <strong>das</strong><br />
cidades onde colocavam as pessoas com doenças infecciosas.<br />
Várias localidades nos E.U.A. adotaram a ação de isolar o doente e esta pratica passou a ser uma<br />
constante juntamente com a vacinação.Assim lugares afastados recebiam hospitais de isolamento<br />
como Dartford, bairro periférico <strong>em</strong> Londres-Inglaterra onde havia hospitais de isolamento na<br />
grande epid<strong>em</strong>ia da década de 1880.<br />
Em 1878 a câmara de Taubaté <strong>em</strong> suas Atas (vol.VII) discutiu a idéia de seguir o modelo americano<br />
de isolar o infectado, por<strong>em</strong> abandonou a idéia que somente seria utilizada na epid<strong>em</strong>ia de 1887.<br />
Na cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> o “Lazareto de Bexiguentos do Bairro do Itapety” foi instalado <strong>em</strong><br />
março de 1878, sendo que neste mês entraram 26 pessoas de 5 famílias diferentes e <strong>em</strong> abril 5<br />
pessoas.Seis doentes faleceram após um período de 10-30 dias no lazareto.<br />
Em Maio de 1878 o registro final apontava a saída de 25 pessoas e o falecimento de 6.<br />
Fontes:DAESP caixa 1113, Arquivo Municipal de Taubaté, Atas da Câmara vol.VII<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quarta-feira, 26 de janeiro de 2011<br />
Despesas com o Lazareto do Itapety<br />
Quando <strong>em</strong> 1887 a cidade de Taubaté instalou seu lazareto, enfrentou probl<strong>em</strong>as com a recusa de<br />
soldados para transferir e/ou alimentar os doentes. A estrada foi cortada e vigiada por sentinelas<br />
para evitar a aproximação <strong>das</strong> pessoas.<br />
Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> t<strong>em</strong>os uma lista <strong>das</strong> despesas com o lazareto do Itapety onde consta o trabalho<br />
de enfermeiras, r<strong>em</strong>oção dos doentes, etc. Não há, no entanto, o serviço de um médico, n<strong>em</strong><br />
indicação nesta ou <strong>em</strong> outras listas de aplicação de pus vacínico.<br />
As despesas com o lazareto foram cobertas através de uma subscrição e parcialmente com doações<br />
da câmara, cuja arrecadação <strong>em</strong> 12 meses era aproximadamente dez vezes superior ao gasto total<br />
com o lazareto e cinquenta vezes maior que sua doação.<br />
Nas listas não se encontra menção a médicos n<strong>em</strong> aplicação de pus vacínico, mesmo a câmara tendo<br />
entre suas despesas s<strong>em</strong>pre a gratificação de um médico e o tratamento com homeopatias.<br />
Fonte:DAESP, caixa 1113<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011<br />
Deus não é culpado n<strong>em</strong> a natureza<br />
As águas do verão segu<strong>em</strong> o roteiro de todo ano: enchentes, estragos, vítimas, que colocam <strong>em</strong><br />
cheque nosso modelo de desenvolvimento e a (re) produção do espaço urbano.<br />
São construí<strong>das</strong> marginais, aveni<strong>das</strong>, ruas ao longo da várzea dos rios. Nossa sociedade privilegia a<br />
produção do capital materializado numa rede de circulação e comunicação.<br />
A especulação imobiliária e os interesses fundiários são responsáveis pelas tragédias sociais, que<br />
não são fenomenos naturais como as <strong>em</strong>issoras de televisão, jornais e algumas autoridades<br />
comumente apontam.<br />
Não é uma situação nova ou de alguns anos. É muito antiga e o probl<strong>em</strong>a só se agrava.<br />
Ano Novo 1º de Janeiro de 1850, terça-feira, o dia da circuncisão do Senhor, Lua cheia se movendo<br />
lentamente <strong>em</strong> direção ao seu apogeu no dia 12, segundo o calendário do Almanak La<strong>em</strong>mert para<br />
1850. Mas a situação não dependeria da posição dos astros no céu.<br />
Neste dia à tarde, a cidade de São Paulo vivenciou, segundo a comissão de vereadores encarregada<br />
do levantamento de prejuízos causados pela enchente de 1º de janeiro de 1850, “uma calamidade<br />
athe então nunca vista entre nós” ou pelo relatório do<br />
presidente da província de São Paulo <strong>em</strong> 1850, este<br />
dizia:”Nesta Cidade uma espécie de dilúvio, causado pela<br />
chuva copiosissima da tarde de 1º de janeiro, chuva como<br />
aqui não há m<strong>em</strong>ória de ter-se visto igual...arrasou e<br />
estragou não pequeno numero de casas.(...)<br />
A segurança e consolidação do açude (do Jardim Público)<br />
é de absoluta necessidade:se for arrombado causará os<br />
maiores estragos, e não deixará <strong>em</strong> pé casa alguma <strong>em</strong><br />
todo o Valle do Anhangabaú”.<br />
Os moradores do bairro do Bexiga, também atingidos, <strong>em</strong><br />
abaixo assinado representavam à Câmara Municipal contra<br />
a pretensão de um particular que pretendia construir junto a<br />
ponte do Piques, retendo as águas e impossibilitando sua<br />
livre passag<strong>em</strong>. No mesmo documento retratavam a<br />
obstrução do ribeirão Anhangabaú pelo lodo e cobravam as<br />
providencias prometi<strong>das</strong> pelas autoridades e não cumpri<strong>das</strong><br />
após o “dilúvio” de 1º de janeiro de 1850.<br />
Fontes:<br />
Arquivo Municipal da cidade de São Paulo<br />
http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/984/000011.html<br />
UOL. Galeria exibe 55 imagens de enchentes <strong>em</strong> São Paulo. Entretenimento. Disponível <strong>em</strong><br />
.<br />
Acesso 03 Fev 2011.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011<br />
A Freguesia da Escada: o pouso, tropas e tropeiros<br />
Distante de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> alguns quilômetros, <strong>em</strong> direção a<br />
Guarar<strong>em</strong>a, encontramos um lugar chamado Freguesia da<br />
Escada.<br />
Outrora um aldeamento, a Escada tornou-se Freguesia no início<br />
do século XIX e <strong>em</strong> 1806 um documento escrito por uma viúva<br />
caracteriza a Freguesia ao dizer: ”...finalmente por onde ella eo<br />
seo marido transitavão pª satisfazer<strong>em</strong> ao preceito da Alma na<br />
Fregª de NSª da Escada que lhe fica mais próxima...” [1]<br />
Segundo a caracterização de Antônio Candido <strong>em</strong> Os Parceiros do Rio Bonito: ” a freguesia<br />
supunha um núcleo de habitação compacta e uma igreja provida de sacerdote,geralmente coadjutor<br />
do vigário da paróquia; o bairro era divisão que abrangia os moradores esparsos...”. [2]<br />
Em 1806, já freguesia a Escada tornou-se, <strong>em</strong> função da característica dispersa <strong>das</strong> pessoas da<br />
região, centro de atração principalmente por causa do t<strong>em</strong>plo religioso e a possibilidade de<br />
sociabilidades aí conti<strong>das</strong> ao agrupar as pessoas do entorno. A dificuldade para ter acesso a bens de<br />
consumo, <strong>em</strong> parte era resolvida pelas trocas que envolviam animais de trabalho (cavalo), animais<br />
de criação (galinha, porcos) e pequenos objetos (esporas, facas, etc.).<br />
O contato com outras regiões se fazia através de viajantes que ali passavam.<br />
Havia quatro tipos de alojamento [3] para aqueles que se punham a viajar pelas estra<strong>das</strong> no século<br />
XIX e a Freguesia da Escada era o local de parada de tropas e tropeiros.<br />
O alojamento mais simples, o pouso compreendia apenas o terreno onde os tropeiros poderiam<br />
acampar para passar a noite e dar água aos animais desde que com o consentimento do dono do<br />
lugar.<br />
O rancho era uma construção erguida com<br />
esteios de madeira da região e coberto de sape,<br />
onde a carga estaria protegida da chuva, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po, servia de cama ou o couro que<br />
protegia a carga era estendido no chão de terra<br />
batida para se dormir, as armas ficavam<br />
encosta<strong>das</strong> nas colunas de sustentação e os<br />
arreios e quinquilharias eram pendurados nas<br />
vigas. Encostada <strong>em</strong> um canto havia a viola de<br />
um tropeiro cantador.<br />
A venda compreendia a existência de um<br />
vendeiro e era um local que atendia tanto os<br />
viajantes e tropeiros, como aos moradores do local ao proporcionar alguns produtos básicos como a<br />
carne-seca, fumo de corda, arreios, sal, açúcar, alho, livros de missa, etc.<br />
Vez por outra gatos e cachorros circulavam pelas ven<strong>das</strong> dividindo espaço com os freqüentadores.<br />
Nas acomodações que eram péssimas havia geralmente uma cama com fibras trança<strong>das</strong> e uma<br />
gamela que poderia ser usada como recipiente com água ou escarradeira. Por fim oferecia-se<br />
hospedag<strong>em</strong> também nas estalagens ou hospedarias onde se encontravam quartos de terra batida e<br />
jiraus com colchão.<br />
Fontes:<br />
[1] Acervo do Fórum, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
[2] CANDIDO, Antônio, Os parceiros do rio bonito, Livraria Duas Cidades, 8 ed.1998, S.P., p.63<br />
[3] FRIEIRO, Eduardo-Feijão, Angu e Couve,ed. Itatiaia,MG, p.100, 101<br />
Postado por Angelo E N Nanni
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011<br />
A Freguesia da Escada e os juízes de paz<br />
Por volta de 1831, a Freguesia da Escada e região<br />
tornaram-se inclusas no jov<strong>em</strong> Estado brasileiro, que<br />
independente desde 1822, formava sua base e se<br />
estruturava territorialmente através de representações<br />
concretas do poder político.<br />
Uma circular do governo provincial, do início de 1832,<br />
dirigida aos juizes de paz <strong>das</strong> villas da Quarta estrada e<br />
Freguesias da Escada, Queluz e Bananal pedia para dar<br />
“toda publicidade” ao fato de que foram sufoca<strong>das</strong> as<br />
rebeliões que ameaçavam o Império, no entanto<br />
recomendava a necessária vigilância “contra os inimigos<br />
da paz e tranqüilidade pública de qualquer natureza que<br />
sejam”[1]<br />
Agora transformada <strong>em</strong> distrito havia um “<br />
Caderno de Leis Provincial pertencentes ao Juizo de<br />
Paz deste districto de Nossa Senhora da Escada,<br />
publicado nesta Capella...” [2], onde na página 6<br />
observava que os juizes de paz e seus escrivães<br />
ficariam encarregados da leitura <strong>das</strong> leis<br />
provinciais no primeiro domingo ou dia santo, após a missa parochial defronte à Igreja.<br />
Quanto à Guarda Nacional os seus m<strong>em</strong>bros se revesavam no posto de juiz de paz e a<br />
Freguesia da Escada comportava oficiais da Guarda Nacional registra<strong>das</strong> <strong>em</strong> um “termo<br />
de Abertura dos Oficiais da Guarda Nacional de Infantaria da segunda companhia da<br />
Freguesia da Escada.”[3]<br />
Fontes:<br />
[1] - Acervo do Fórum, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
[2] - Acervo do Fórum,Caderno de Leis Provincial pertencentes ao Juiz de Paz do distrito de Nossa<br />
senhora da Escada-13 de junho de 1835,Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
[3]- Termo de Abertura <strong>das</strong> Oficiais da Guarda Nacional de Infantaria da segunda companhia da<br />
Freguesia da Escada 1835, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
sábado, 19 de fevereiro de 2011<br />
A Freguesia da Escada, mulheres, tropeiros e violeiros<br />
A região compreendida por <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - Jacareí era a que apresentava o<br />
maior número de condutores de tropas domiciliados <strong>em</strong> relação às cidades do Vale<br />
do Paraíba.<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - Jacareí apresentava para os anos 1820 -1822 o total<br />
de quarenta condutores, Taubaté 32 e as d<strong>em</strong>ais cidades do vale entre dois e quatro<br />
condutores.[1]<br />
Surgiam negociantes que trabalhavam com fornecimento de bestas e gado para o<br />
Vale do Paraíba e Rio de Janeiro, como Antonio da Silva Prado, o<br />
barão de Iguape, comerciante de gado.<br />
Como local de pouso de tropas e exatamente entre <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
e Jacareí a Freguesia da Escada possivelmente tinha tropeiros<br />
domiciliados.<br />
Já vimos <strong>em</strong> texto anterior que a viola s<strong>em</strong>pre acompanhava o<br />
tropeiro como nas andanças <strong>das</strong> tropas do Barão de Iguape onde havia um condutor<br />
chamado Cantante e nas para<strong>das</strong> a viola era a diversão que acompanhava o lundu<br />
ou o batuque.<br />
No pouso da Freguesia da Escada a viola era uma constante junto aos tropeiros e o<br />
ritmo do batuque e os toques de viola incomodavam as autoridades constituí<strong>das</strong> e o<br />
que era tido como o b<strong>em</strong> viver.<br />
Na tentativa de disciplinar e regular a vida de uma sociedade desigual baseada na escravidão,<br />
tínhamos os termos de b<strong>em</strong> viver que normatizavam a moral aos olhos de<br />
um juiz de paz.<br />
É disto que trata o presente documento de :<br />
Mariana de Lima Camargo, Joaquina Maria de Jesus, Fabiana Maria<br />
Almeida, ” a to<strong>das</strong> estas pessoas, o dito juis de Paz fez ver que dev<strong>em</strong> se<br />
comportar melho e com desencia e não fazer<strong>em</strong> ajuntamento de pessoas <strong>em</strong><br />
sua casa viver honestamente a fim de não pertubar<strong>em</strong> o sossego publico<br />
com batuques de violla ou de gritarias e assim mais bebedeiras, o que elas<br />
prometerão viver onestamente, e não quebrar o termo que assignão, e por<br />
este termo se sujeitão a sofrer trinta dias de cadeia quantas vezes na<br />
reincidencia...”[2]<br />
O texto <strong>em</strong> itálico respeita a grafia original do documento.<br />
Ilustração 3: Viola<br />
artesanal de Santa<br />
Isabel feita pelo Sr.<br />
Luis que reproduz<br />
uma viola do século<br />
XIX com cravelhas<br />
de madeira<br />
Postado por Angelo E N Nanni<br />
Fontes:<br />
[1] - Petrone, Maria Thezeza Schorer, O Barão de Iguape, Cia. Editora<br />
nacional, SP, 1976, p. 73<br />
[2] - Acervo do Forum, termo de b<strong>em</strong> viver, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />
<strong>Cruzes</strong>
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011<br />
A Rua <strong>das</strong> Cabras: a rua da vida<br />
Na divisa da Vila Natal com o Jardim<br />
Camila permanece o nome de um lugar<br />
especial e importante na História de <strong>Mogi</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>: a Rua <strong>das</strong> Cabras.<br />
Recent<strong>em</strong>ente a Rua <strong>das</strong> Cabras recebeu<br />
asfalto e se pensou <strong>em</strong> mudar o nome da<br />
rua já sedimentado no imaginário popular.<br />
Durante milênios o leite de cabra foi mais<br />
importante que o leite de vaca. A regra era<br />
beber leite de cabra, não o de vaca, por<br />
conta de seu superior valor nutritivo com<br />
alto índice de cálcio, vitaminas, ser menos<br />
alergênico e mais digestivo.<br />
Segundo o Núcleo de Estudo <strong>em</strong> Pesquisa <strong>em</strong> Produção Animal (NEPPA) da Universidade do<br />
Estado da Bahia a cabra apresenta uma maior eficiência produtiva e t<strong>em</strong> um papel importante <strong>em</strong><br />
termos de agricultura familiar e segurança alimentar.<br />
Por conta do interesse de grandes criadores de gado e a intensificação da pecuária leiteira,<br />
concentração da propriedade da terra e formação de pastagens artificiais, houve uma mudança de<br />
posições, rebaixando a criação de cabra e o consumo de leite caprino.<br />
Em 1878 na cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> pod<strong>em</strong>os constatar que a criação de cabras de leite era<br />
superior a criação de vacas de leite.<br />
No documento “Ren<strong>das</strong> arrecada<strong>das</strong> pela Câmara Municipal da cidade de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, 1º de<br />
julho de 1877-30ºde junho de 1878” pode-se calcular que havia <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> criação de cabras de leite<br />
superior <strong>em</strong> número a criação de vacas de leite, 37 caprinos e 10 bovinos. Grosso modo a eficiência<br />
produtiva <strong>das</strong> cabras de leite deveria ser <strong>em</strong> torno de 20% superior as vacas de leite com um menor<br />
custo de criação.<br />
Já no século XX a tradição se manteve por conta da criação e manejo muito mais fácil por parte de<br />
pequenos proprietários urbanos como Balbina Maria de Jesus ou mais simplesmente a “Dona<br />
Barbina”no Jardim Camila e outros na vila Industrial, Ponte Grande, etc.<br />
A positividade desta criação se refletia nos bairros, onde o leite era consumido fartamente pelos<br />
habitantes do local.
Fontes:<br />
DAESP nº ord<strong>em</strong> 1113<br />
www.neppa.uneb.br<br />
A criação da Cabra e da Ovelha no Brasil, p72<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quinta-feira, 3 de março de 2011<br />
Sobre vaga lumes e farofa de iça<br />
Na 5º série do ensino fundamental t<strong>em</strong> início o aprendizado<br />
<strong>das</strong> t<strong>em</strong>poralidades da História, a reflexão sobre o t<strong>em</strong>po<br />
histórico e os acontecimentos cotidianos, neste contexto, t<strong>em</strong><br />
um papel importante no conhecimento da historia.<br />
Uma possibilidade é levar o estudante à reflexão histórica a<br />
partir do acontecimento.<br />
Hoje a intensa urbanização cobra seu preço e algumas coisas<br />
que eram comuns, principalmente nos bairros mais afastados<br />
do centro da cidade, estão <strong>em</strong> vias de desaparecimento ou já<br />
não mais exist<strong>em</strong>.<br />
Eram as noites povoa<strong>das</strong> por pisca-pisca ou vaga-lumes e <strong>em</strong><br />
certos dias do ano aconteciam as revoa<strong>das</strong> de iças no Alto do<br />
Ipiranga, Jardim Camila, Braz Cubas, Vila Natal e outros<br />
bairros.<br />
A iça é a fêmea da formiga saúva e a procura ou a “caça” desta<br />
para fazer “farofa” v<strong>em</strong> de longa data: “A içá torrada venceu<br />
to<strong>das</strong> as resistências, urbanizando-se mesmo, quase tão<br />
completamente como a mandioca, o feijão, o milho e a<br />
pimenta da terra. (...) Nos meses de set<strong>em</strong>bro e outubro, <strong>em</strong> que sa<strong>em</strong> aos bandos essas formigas<br />
ala<strong>das</strong>, buscava-as com sofreguidão, nos seus quintais, a gente de São Paulo, e ainda <strong>em</strong> pleno<br />
século XIX, com grande escândalo, para os estudantes forasteiros eram apregoa<strong>das</strong> elas no centro<br />
da cidade.”[1]<br />
Segundo o cartunista Maurício de Souza “Pássaros e crianças<br />
faz<strong>em</strong> a festa no t<strong>em</strong>po da revoada. Em vôos rasantes, os pássaros<br />
ench<strong>em</strong> o papo. Enquanto as crianças, <strong>em</strong>punhando galhos de<br />
árvores, corr<strong>em</strong> atrás e abat<strong>em</strong> as içás.<br />
A última vez que ‘cacei’ içás, quando ainda menino, foi lá num<br />
‘olho de formigueiro’ atrás da igreja matriz de Santa Isabel,<br />
cidade onde nasci.”<br />
Iças torra<strong>das</strong> ou farofa de iça <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, no Vale do<br />
Paraíba ou vendida no centro de São Paulo no século XIX, não era<br />
o único destino <strong>das</strong> formigas, pois, na década de 1880 a Casa Jules<br />
Martin comercializava formigas vesti<strong>das</strong> “<strong>em</strong> costumes da moda”.<br />
[2]<br />
Ilustração 4: Lampyris<br />
noctiluca. Disponível<br />
<strong>em</strong> http://pt.wikipedia.org/wi<br />
ki/Vaga-lume.Acesso 02<br />
Março 2011.<br />
A outra diversão era o pisca-pisca. As <strong>em</strong>issões luminosas dos<br />
pirilampos atraiam as crianças que corriam na noite atrás de<br />
nuvens de vaga-lumes, para capturar algum, colocar <strong>em</strong> um pote<br />
de vidro ou caixa de fósforos e depois soltar.<br />
As luzes ofuscantes da cidade (a urbanização caótica) fizeram<br />
desaparecer a magia da luz dos pirilampos.<br />
Os vaga-lumes ou as revoa<strong>das</strong> de iças que muitos esperavam para<br />
fazer farofa ou paçoca são acontecimentos que se cristalizaram na<br />
m<strong>em</strong>ória.<br />
Fernand Braudel, historiador francês que estudou a multiplicidade do t<strong>em</strong>po histórico atribuiu três<br />
categorias que se refer<strong>em</strong> a diferentes t<strong>em</strong>poralidades: o t<strong>em</strong>po dos acontecimentos, de breve
duração, o t<strong>em</strong>po da conjuntura, de média duração (10, 20 ou mais anos) e o t<strong>em</strong>po de longa<br />
duração, o t<strong>em</strong>po dos séculos e <strong>das</strong> mudanças lentas ou <strong>das</strong> permanências.<br />
Dizia Braudel: ”os acontecimentos são como vaga-lumes nas noites brasileiras: brilham, mas não<br />
aclaram”.[3]<br />
São acontecimentos de nossa história pessoal, da sociabilidade do hom<strong>em</strong> comum, de uma história<br />
do cotidiano, rica de significados ao estabelecermos relações<br />
entre as diversas t<strong>em</strong>poralidades defini<strong>das</strong> por Braudel.<br />
Postado por Angelo E N Nanni<br />
Notas<br />
[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e Fronteiras.Livraria José<br />
Olimpio Editora,RJ,1975, p64.<br />
[2] TEIXEIRA, Dante Martins; PAPAVERO, Nelson; MONNE, Miguel<br />
Angel. Insetos <strong>em</strong> presépios e as "formigas vesti<strong>das</strong>" de Jules Martin<br />
(1832-1906): uma curiosa manufatura paulistana do final do século XIX.<br />
An. mus. paul., São Paulo, v. 16, n. 2, Dec. 2008 . Available from . access<br />
on 02 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0101-47142008000200004.<br />
[3] FREITAS, Marcos Cezar de(org.).Historiografia Brasileira <strong>em</strong><br />
Perspectiva,editora Contexto,SP,1998,p265
sábado, 5 de março de 2011<br />
Da Folia a Cinzas: o carnaval <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
O carnaval não se resume apenas <strong>em</strong> desfiles como observamos<br />
atualmente <strong>em</strong> nossa região sudeste. Os primórdios do carnaval<br />
r<strong>em</strong>et<strong>em</strong> as folias carnavalescas de rua ou salão que eram<br />
pratica<strong>das</strong> desde o século XIX até metade do século XX. É<br />
importante frisar a influência de diversas culturas integrantes <strong>em</strong><br />
nosso carnaval: afrodescendentes contribuíram com uma maior<br />
gama, mas também houve participação de imigrantes italianos<br />
nessa composição a partir da década de 1920 <strong>em</strong> São Paulo. Em<br />
nossa <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> historicamente as folias de salão são<br />
pratica<strong>das</strong> a partir do século XX. Isaac Grinberg faz inúmeras<br />
referências liga<strong>das</strong> ao carnaval, uma destas “A Lenda do Carnaval”<br />
passada <strong>em</strong> meados da década de 1910, traz inúmeros significados:<br />
Na <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> de antigamente os bailes de Carnaval realizavam-se no Mercado<br />
Municipal. As mulheres sentavam-se à volta do grande salão para assistir à folia e só os<br />
homens brincavam. E quase todos mascarados.<br />
O carnaval terminava exatamente à meia-noite de terça-feira. É que se alguém ousasse<br />
ficar de máscara ou brincasse depois dessa hora, um minuto que fosse, virava lobisom<strong>em</strong>!<br />
Nessas condições, o baile transcorria normalmente e lá até alta madrugada nos outros<br />
dias, mas na terça-feira, às onze e meia da noite, cessava a música, os homens tiravam as<br />
máscaras, encontravam as esposas que já os esperavam e seguiam rapidamente para as<br />
suas casas todos <strong>em</strong> silêncio... (GRINBERG, 1983).<br />
O curioso é que <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, mesmo<br />
situada na região metropolitana de São Paulo<br />
durante os anos de 1910 mantêm uma<br />
mentalidade provinciana, <strong>em</strong> que as tradições<br />
transpõ<strong>em</strong> os desejos e as <strong>em</strong>oções. Outro<br />
aspecto intrigante “As mulheres sentavam-se<br />
à volta do grande salão para assistir à folia e<br />
só os homens brincavam”, as tradições outra<br />
vez se ressaltam, o papel da mulher como<br />
símbolo sedutor, não era importante para a<br />
mentalidade do período, mas as<br />
extravagâncias como as danças individuais e principalmente a ingestão de bebi<strong>das</strong> alcoólicas<br />
satisfaziam o gosto popular. Pois a partir do primeiro minuto da quarta-feira de cinzas to<strong>das</strong> as<br />
extravagâncias e “pecados” tornariam-se heresias perante a Igreja. Até os dias atuais a tradição <strong>em</strong><br />
torno da quarta-feira de cinzas se mantêm viva <strong>em</strong> nossa <strong>Mogi</strong>. Na Catedral de Sant’Anna a partir<br />
da quarta-feira de cinzas até o sábado de aleluia, portanto <strong>em</strong> todo o período da “Quaresma”, to<strong>das</strong><br />
as imagens são cobertas com panos roxos, simbolizando que o foco neste período antecedente à<br />
páscoa, é que todos os fieis reflitam os sofrimentos passados por Cristo anterior a sua morte.
Mas o carnaval mogiano não se resume apenas aos fatos<br />
citados, outros aspectos são importantes como o surgimentos<br />
dos primeiros blocos: “Bloco do Sul”, “Independente”, “X”,<br />
“Estrela” e “Ki Ka Kalor”, estes blocos modificaram a<br />
brincadeira carnavalesca, saindo do salão do mercado<br />
municipal e indo para as ruas estreitas de nosso centro. A<br />
inovação principal foi à criação do campeonato de bonecos e<br />
carros alegóricos feitos de papel mache que sobreviveu até o<br />
inicio dos anos 40.Entre os personagens carnavalescos, um se destaca pela alegria e perseverança: o<br />
Rei Momo João Benegas Ortiz, que incorporou o personag<strong>em</strong> por mais de 40 anos. Ortiz como era<br />
conhecido, não media esforços para a realização do carnaval <strong>em</strong> nossa cidade. Houve anos <strong>em</strong> que o<br />
mesmo angariou fundos para a realização do evento, pois a prefeitura não cobriria os gastos. Ortiz é<br />
l<strong>em</strong>brado por todos os mogianos como o eterno Rei Momo.<br />
Já a partir dos anos 50 até 1980 os mogianos pulavam o carnaval <strong>em</strong> salões e clubes: Itapety, União,<br />
Vila Santista, Náutico e Clube de Campo. Essa fase do nosso carnaval é qu<strong>em</strong> diga a melhor. Nos<br />
anos 50 jovens e adultos frequentavam o local, a oportunidade de acontecer um “flerte” era mais<br />
fácil, pois fora desse momento sobrariam apenas as paqueras nas praças e futuramente um namoro<br />
vigiado pelos pais.<br />
A última fase que sobrevive até hoje, é o carnaval <strong>em</strong> forma de<br />
desfile. Essa fase nasceu a partir da metade da década de 1970<br />
com forte contribuição de imigrantes oriundos de Minas Gerais<br />
e Rio de Janeiro, grande parte trabalhadores da indústria. Nesse<br />
contexto foram funda<strong>das</strong> as primeiras escolas de samba:<br />
Unidos da Vila Industrial, Unidos da Ponte, Unidos do São<br />
João, Estação Primeira de Braz Cubas e Mocidade do Tietê.<br />
Mas <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> conserva aspectos peculiares <strong>em</strong> seu carnaval, ao contrário do que v<strong>em</strong>os <strong>em</strong><br />
São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, um carnaval cada vez mais comercial pautado <strong>em</strong> regras e no<br />
cronômetro. Uma folia para poucos que desfilam ou observam de camarote. O bom e velho carnaval<br />
o brasileiro atualmente desconhece, um evento s<strong>em</strong> preconceitos sociais, onde todos possam<br />
extravasar suas alegrias, trocar sua identidade e sonhar como uma criança ingênua a eterna folia<br />
carnavalesca... como era no passado!<br />
Glauco Ricciele P. L. C. Ribeiro<br />
Fontes:<br />
GRINBERG, Isaac. Folclore se <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>. São Paulo: Câmara Brasileira do Livro, 1983.<br />
Arquivo Municipal de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>. Prefeitura de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />
Postado por Sergio Damy
quinta-feira, 17 de março de 2011<br />
Cotidiano, terra e índios<br />
No processo de produção da vida através da<br />
atividade prática, na existência cotidiana, no<br />
processo real de vida dos homens, viv<strong>em</strong>os<br />
imbricados <strong>em</strong> relações que são<br />
historicamente determina<strong>das</strong> a partir de<br />
certo estágio de desenvolvimento da<br />
sociedade. Junto à produção material há<br />
também a produção de idéias jurídicas,<br />
religiosas, representações, arte, ciência, etc.,<br />
<strong>em</strong> suma, uma totalidade que se influencia<br />
mutuamente <strong>em</strong> relações de alteridade.<br />
Ao historicizar o cotidiano e enfocá-lo<br />
como uma t<strong>em</strong>poralidade composta de uma<br />
sucessão de presentes, t<strong>em</strong>os uma relação<br />
dialética entre o acontecimento, a<br />
conjuntura e a estrutura, entre permanências<br />
e rupturas.<br />
“Na orig<strong>em</strong> latina, quot dies é, ao<br />
mesmo t<strong>em</strong>po, um dia e todos os dias.<br />
Engloba, assim, tanto o instantâneo<br />
como o duradouro, o incisivo e<br />
transformador e o repetitivo. Cotidiano<br />
t<strong>em</strong>, portanto dois sentidos t<strong>em</strong>porais<br />
compl<strong>em</strong>entares. É o que acontece <strong>em</strong><br />
um dado dia, num t<strong>em</strong>po brevíssimo,<br />
uma ef<strong>em</strong>éride, e o que acontece todos os dias, portanto num t<strong>em</strong>po potencialmente longo.”[1]<br />
Aplicando esta breve definição à Freguesia da Escada, outrora terra de índios, t<strong>em</strong>os a seguinte<br />
situação ao analisar documentos de ord<strong>em</strong> jurídica que nos mostra o cotidiano dos moradores do<br />
lugar.<br />
No governo de Morgado de Mateus no ano de 1765 discutiu-se a idéia de transformar os<br />
aldeamentos <strong>em</strong> freguesias e este projeto caminhou para tornar-se realidade <strong>em</strong> 1803 com o<br />
“Plano <strong>em</strong> que se propõ<strong>em</strong> o melhoramento da sorte dos índios, reduzindo-se a<br />
Freguesias as suas Aldeas e extinguindo-se este nome e esta separação <strong>em</strong> que t<strong>em</strong><br />
vivido a mais de dois séculos.”[2]<br />
Neste plano, a aldeia da Escada que ficava junto à estrada Geral, ligando S.P. ao<br />
R.J., era colocada como uma potencial povoação importante, pois contava com 212<br />
habitantes índios, tendo muitos moradores nos seus arredores e se tornava própria para<br />
transformação <strong>em</strong> freguesia. A partir daí, s<strong>em</strong> a atuação e ação dos padres que proibiam<br />
a entrada de colonos no aldeamento e para as terras próximas às dos índios, a população<br />
da freguesia cresceria s<strong>em</strong> nenhuma restrição.<br />
Mas, ao contrario do pretendido no plano referido, a transformação para freguesias resultou<br />
inicialmente <strong>em</strong> disputas por terra e dispersão dos habitantes originais, sendo contraditório a partir<br />
do próprio título do plano de 1803 que pretendia melhorar a “sorte” dos índios.<br />
Ao tentar resolver um probl<strong>em</strong>a causado pela própria administração portuguesa, quando fundou os<br />
aldeamentos e impôs um complexo cultural originariamente europeu, aplicado <strong>em</strong> possessões<br />
portuguesas, com o avanço da colonização e crescimento da colônia se reduzia os índios a meras
peças de trabalho, retirando e desorganizando o sentido coletivo do trabalho <strong>em</strong> sociedades cujo<br />
conceito trabalho estava envolto por categorias morais, sociais, rituais, e não físicas e econômicas<br />
como na Europa mercantilista.<br />
A transformação <strong>em</strong> freguesia gerou a situação que produziu o documento citado abaixo, ou seja,<br />
uma disputa colono x índios pelo lugar denominado barreiro, onde o trabalho tinha características<br />
coletivas para os indígenas e conseqüent<strong>em</strong>ente a fonte de matéria-prima era de uso comum,<br />
diferente da forma utilizada pelo colono que se caracterizou por tornar a terra de uso individual -<br />
utilitário para uso mercantil.<br />
Os moradores da Escada se referiam no início do século XIX a um lugar chamado “barreiro”<br />
utilizado de forma comunitária por várias famílias para produzir “loiças.[3] :<br />
“São o pobres Indígenas moradores junto a esta Cap. 1a de N. S. da Escada (segu<strong>em</strong> quatorze<br />
nomes e famílias), assim todos Moradores de dentro do pateo como de longe, q. desde sua criação,<br />
forão Srs , de hum lugar chamado Barreiro, onde todo porocurão o Barro p. a as facturas de loiça pa serventia de suas casas como donde tirão algum vint<strong>em</strong> p. a os mais socorros, assim todos<br />
moradores de mao comum se serv<strong>em</strong> dos d. os Barreiros:ex q. de repente o Espírito de ambição não<br />
dando lugar ao murador mais perto Manoel Joaq. m de Araújo, se faz S. r do d. o lugar sercando com<br />
caraguatás, afim de ficar<strong>em</strong> privados desta tão antiga posse, m. mo q. o d. o tivesse <strong>em</strong> seos títulos já<br />
se devia amordar aesta utilidade publica portanto [...]".<br />
Este documento também revela o traçado de um aldeamento com a referência a “moradores<br />
de dentro do pateo como de longe”, isto é, a Igreja e o terreno retangular <strong>em</strong> frente com habitações<br />
laterais (pateo) e possivelmente desde a criação do aldeamento os índios utilizavam a argila para<br />
manufaturas.<br />
Nos anos que se seguiram, os conflitos envolvendo d<strong>em</strong>arcação de terras e criações de animais<br />
continuaram a existir como mostra outro documento de 1834, mas, não envolvia mais os habitantes<br />
do ex-aldeamento.<br />
Hoje, praticamente é o mesmo espaço de outrora que encontramos na Freguesia da Escada, quase<br />
duzentos anos depois, com outra destinação e s<strong>em</strong> os habitantes originais ou seus descendentes.<br />
A grafia <strong>em</strong> itálico respeita o documento<br />
Fontes:<br />
[1] GUARINELLO,Norberto Luiz, História científica, história cont<strong>em</strong>porânea e história<br />
cotidiana. S.P., Rev. Bras. De História, v. 24, n° 48, 2004 p.19<br />
[2] - Documentos interessantes para história e costumes de São Paulo, volume 95, ed. Unesp,<br />
( 1990) p.105<br />
[3] - Acervo do Fórum, termos de conciliação,Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Postado por Angelo E N Nanni
quarta-feira, 23 de março de 2011<br />
A Santa Casa e a varíola <strong>em</strong> 1900<br />
As Misericórdias foram instituições de<br />
assistência aos pobres, existente <strong>em</strong> Portugal<br />
desde o século XV e nas colônias<br />
portuguesas posteriormente.<br />
A direção <strong>das</strong> instituições de Misericórdia<br />
cabia a m<strong>em</strong>bros de prestígio e posses <strong>em</strong><br />
uma determinada sociedade, realçando a<br />
importância do cargo de provedor.<br />
Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> o “Asylo da Sociedade<br />
Mogyana de Beneficiência” começava a<br />
funcionar <strong>em</strong> 1873, tendo como 1º<br />
secretário, o futuro redator do primeiro<br />
jornal da cidade “A Gazeta de Mogy <strong>das</strong><br />
<strong>Cruzes</strong>” e na sua direção, m<strong>em</strong>bros da<br />
Câmara Municipal e da Guarda Nacional.<br />
A Câmara Municipal encaminhou para<br />
Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa, no ano de 1900, dois<br />
pedidos de verbas, “concedidos <strong>em</strong> annos<br />
anteriores”para “o Hospital de Isolamento<br />
de variolosos d’esta cidade e a Santa Casa<br />
de Misericórdia, denominada Asylo da<br />
Sociedade Mogyana de Beneficiencia”.<br />
Vinte e dois anos eram passados desde as<br />
primeiras experiências, <strong>em</strong> 1878, com o<br />
isolamento de doentes longe dos locais mais<br />
habitados, seguindo o modelo norte-americano e europeu no tratamento da varíola (assunto tratado<br />
<strong>em</strong> postagens anteriores como varíola e o Lazareto do Itapety), aliando o binômio pobreza-doença.<br />
Segundo Giovana Mastromauro que estudou os hospitais de isolamento:<br />
As pessoas que estavam com suspeitas de doença,quando percebi<strong>das</strong> na rua pela polícia<br />
sanitária, eram recolhi<strong>das</strong> e imediatamente leva<strong>das</strong> ao Desinfetório Municipal. Uma vez<br />
constatada a doença eram leva<strong>das</strong> finalmente ao Hospital de Isolamento. O doente<br />
entregava suas vestes às enfermeiras, que as levavam para desinfetá-las. A partir desse<br />
momento, o enfermo se tornava praticamente num detento, e era considerado nocivo para<br />
a sociedade. (...) O regulamento para os hospitais de isolamento é explicitamente<br />
segregador.<br />
A varíola seguia como realidade, a não aceitação da vacinação e do pus vacínico contribuía para<br />
dizimar vi<strong>das</strong> pelos anos 1880 – 1890, especialmente com a epid<strong>em</strong>ia de 1892 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.
Em 1900 a vacina ainda era recusada, o isolamento era adotado.<br />
Disponível <strong>em</strong> http://www.ceticismoaberto.com/ciencia/3437/a-histeria-da-vacina<br />
Os t<strong>em</strong>ores sobre vacinas eram compreensíveis quando elas eram algo novo, mas são as<br />
preocupações atuais fundamenta<strong>das</strong>?<br />
Fontes:<br />
Arquivo da Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa de São Paulo, caixa 213<br />
Mastromauro G C. Urbanismo e salubridade na São Paulo Imperial: o Hospital de Isolamento e o<br />
C<strong>em</strong>itério do Araçá. [dissertação]. Campinas (SP): Universidade Católica de Campinas; 2008.<br />
As letras <strong>em</strong> italico respeitam a grafia do documento<br />
Postado por Angelo E N Nanni
sábado, 26 de março de 2011<br />
Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Domingo, 27 de março de 1881<br />
Há exatos 130 anos, circulava a edição numero cinco da “Gazeta<br />
de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>: periódico litterário, noticioso e commercial”.<br />
Primeiro jornal da cidade, fundado <strong>em</strong> fevereiro do mesmo ano,<br />
<strong>em</strong> suas quatro páginas iniciava com um artigo a respeito de<br />
núcleos agrícolas, expondo as vantagens que o governo da<br />
província poderia vir a ter caso adquirisse as terras da “campina<br />
do Santo Ângelo que t<strong>em</strong>os na proximidade d’esta cidade”. (atual<br />
Jundiapeba e Santo Ângelo).<br />
O artigo do jornal se referia à criação de núcleos agrícolas com<br />
base <strong>em</strong> uma lei provincial, de 1880, que admitia a formação de<br />
núcleos com menores de 12 anos para o cultivo de gêneros<br />
agrícolas, abastecimento de núcleos urbanos e assim finalizava o<br />
texto do periódico: “Estando estes lindos terrenos tanto nas<br />
proximidades da capital como de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, com as linhas<br />
férreas -- ingleza e do norte-- que lhes ficam a dois passos, o que<br />
resta pois para que tanto terreno perdido seja utilisado?”(anos<br />
depois o núcleo veio a ser <strong>em</strong> Sabaúna, composto por imigrantes).<br />
O jornal ainda <strong>em</strong> sua primeira página possuía uma coluna de Variedades falando sobre “Os<br />
Filantes”.<br />
Na pagina dois e três as colunas “Notícias”, “ Avisos”e “Secção Livre” com acontecimentos da<br />
Europa, EUA, interior da província , da cidade e avisos sobre horário de trens para São Paulo, Rio<br />
de Janeiro e Cachoeira, cotação de gêneros agrícolas no mercado da cidade, <strong>em</strong> Santos, São Paulo e<br />
café no mercado do Rio de Janeiro.<br />
Ainda nesta pagina três, a comunicação da contratação de um Pharmaceutico como médico da<br />
câmara “para tratar dos enfermos pobres do município, sendo necessária por parte d’esses<br />
apresentar<strong>em</strong>-lhe attestado de pobreza” e a notícia da morte, <strong>em</strong> São José dos Campos, de um<br />
escravo liberto, com 120 anos, achado na mata “n’esse estado de decomposição (...) sepultado no<br />
logar onde foi encontrado”.<br />
Escravos ou libertos com idade avançada constituíam uma exceção na sociedade escravocrata no<br />
Brasil do século XIX, principalmente nas regiões monocultoras do sudeste (Vale do Paraíba —<br />
café), como constatou o médico Manoel da Gama Lobo <strong>em</strong> trabalho pioneiro (1865) sobre a<br />
deficiência nutricional causada pelas degradantes condições de vida do escravo:<br />
O trabalho excessivo, a alimentação insuficiente, os castigos corporais <strong>em</strong> excesso<br />
transformam estes entes miseráveis <strong>em</strong> verdadeiras máquinas de fazer dinheiro; s<strong>em</strong><br />
direito de casamento, s<strong>em</strong> laço algum de amizade que os ligue sobre a terra, eles perd<strong>em</strong> o<br />
ânimo, sendo vítimas de opilações, úlceras crônicas, caquexias e to<strong>das</strong> as moléstias que<br />
são ocasiona<strong>das</strong> por uma alimentação insuficiente.” (Gama Lobo, 1865a, p.432).<br />
Finalizando o jornal, a seção “Annuncios”, com os anunciantes da cidade, São Paulo e Vale do<br />
Paraíba.Anúncios da “Casa Bancaria” de São Paulo, Funilaria, Pharmácia, Armarinhos,<br />
Sapataria, Typografia <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e de São José dos Campos o famoso Licor de<br />
Japecanga Iodurado, que consistia numa erva <strong>em</strong> solução de iodeto e álcool, usado no tratamento<br />
de sífilis, gonorréia, corrimento vaginal, lepra, varíola, tumores variados, reumatismo, feri<strong>das</strong>,<br />
micoses, infecções na pele e ossos, gota, tuberculose, enfim “to<strong>das</strong> as moléstias que t<strong>em</strong> sua causa<br />
na impureza do sangue”.
As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />
Fontes:<br />
DAESP, colônias caixa 4<br />
VASCONCELOS, Francisco de Assis Guedes de; SANTOS, Leonor Maria Pacheco. Tributo a<br />
Manoel da Gama Lobo (1835-1883), pioneiro na epid<strong>em</strong>iologia da deficiência de<br />
vitamina A no Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, Dec.<br />
200Availablefrom. access on 26 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0104-59702007000400013.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quinta-feira, 31 de março de 2011<br />
Sons da cidade: o amolador de facas e o hom<strong>em</strong> do biju<br />
Agora t<strong>em</strong>os amolador de faca elétrico. Produto<br />
importado, anunciado na televisão.<br />
N<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre foi assim, pois havia aquele senhor<br />
que percorria as ruas da cidade, <strong>em</strong>purrando um<br />
carrinho ou pedalando uma bicicleta adaptada,<br />
soprando uma gaita com quatro ou cinco notas<br />
agu<strong>das</strong>, gritando “olha o amolador”.<br />
O som avisava, era o amolador de facas, alicate<br />
de unha, tesouras, tesouras de cortar grama e tudo<br />
o que tivesse lâmina e pudesse ser afiado.<br />
Amolar uma lâmina requeria a ciência de saber o<br />
ângulo <strong>em</strong> que a lâmina deveria ser posicionada<br />
quando <strong>em</strong> contato com a pedra de amolar, que<br />
acionada por pedal e correia, girava <strong>em</strong><br />
velocidade soltando faíscas <strong>em</strong> contato com o aço<br />
ou ferro da peça que estava sendo afiada.<br />
Hoje esta profissão, essencialmente do meio urbano, quase está extinta.<br />
O amolador que trabalha nos bairros da zona leste de São Paulo, se desloca pelas cidades do Alto<br />
Tiete a procura de fios de navalha e serviço.<br />
O vendedor de biju é outra profissão que não se vê e não se ouve.<br />
A massa de biscoito fino <strong>em</strong> formato de canudo quase desapareceu dos centros urbanos e junto com<br />
ela, o vendedor.<br />
Lá vinha o hom<strong>em</strong> com uma matraca na mão, um pedaço de madeira retangular com uma abertura<br />
onde se colocavam os dedos, uma argola de ferro que batia nos dois lados da madeira, ao realizar<br />
um movimento de vai e v<strong>em</strong> com as mãos e lá vinha o som, tec, tec, tec, “olha o biju”.<br />
Não só os prédios, as coisas materiais, deveriam ser tombados, mas também, o trabalho e o<br />
trabalhador, enquanto patrimônio humano.<br />
Antigo amolador de facas por Genevieve Naylor. Em BOEMIA E NOSTALGIA. Cotidiano<br />
Brasileiro, 1940-1943. Disponível <strong>em</strong> http://bo<strong>em</strong>iaenostalgia.blogspot.com/2008/07/cotidianobrasileiro-1940-1943.html.<br />
Acesso Março, 2011.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quinta-feira, 7 de abril de 2011<br />
<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o ensino <strong>em</strong> 1830<br />
Na Inglaterra por volta do inicio do século XIX, o educador<br />
Lancaster propôs um método conhecido por mútuo ou lancasteriano,<br />
onde um grupo de alunos que obtivesse destaque <strong>em</strong> sala de aula<br />
deveria transmitir os conhecimentos adquiridos a seus colegas. Este<br />
método, de alunos mestres, provou ser fracasso e foi abandonado<br />
pelas escolas britânicas <strong>em</strong> vista de sua ineficácia.<br />
Esta idéia de educação era própria <strong>das</strong> sociedades industriais<br />
européias que, <strong>em</strong> meio à revolução industrial, com o crescimento<br />
<strong>das</strong> cidades e aumento d<strong>em</strong>ográfico, geraram uma nova postura e<br />
orientação <strong>em</strong> relação ao ensino.<br />
No Brasil o probl<strong>em</strong>a educacional figurava na Constituição Imperial<br />
e também <strong>em</strong> decreto de outubro de 1827, onde se estabelecia, no<br />
artigo 1º, a criação <strong>em</strong> to<strong>das</strong> as cidades, vilas com lugares populosos,<br />
de escolas de primeiras letras e no artigo 4º o método de ensino<br />
mútuo ou Lancasteriano seria adotado nestas escolas [2].<br />
A câmara de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> recebia ofício <strong>em</strong> 1830 dizendo que : “Não tendo por ora o<br />
estabelecimento da Escola de 1 as Letras dessa villa pelo methodo Lancastriano, pois que os<br />
utensílios que vierão da Corte <strong>em</strong> conseqüência de minha requisição no ano pp, apenas chegão<br />
para ser<strong>em</strong> reparti<strong>das</strong> pelas 5 Escolas estabeleci<strong>das</strong>, não t<strong>em</strong> essa Câmara, e n<strong>em</strong> a Fazenda<br />
Pública, obrigação de fornecer cazas ao respectivo professor...”[3]<br />
Existia um descompasso entre o que era postulado e o que efetivamente ocorria, não existindo as<br />
condições materiais para a instalação <strong>das</strong> escolas de “primeiras letras”.<br />
O Brasil, a província de São Paulo e especificamente <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, continuavam com uma<br />
feição agrária marcada por uma formação social influenciada por estamentos, pelo patrimonialismo,<br />
pelo mando e pela disciplina dos códigos militares aplicados à sociedade.<br />
Fontes:<br />
[1] -Ensino mútuo, litografia colorida de J. H. Marlet, 1822. INRP/Musée National de l'Education, Rouen,<br />
França http://www.crmariocovas.sp.gov.br/apr.php?t=007a.<br />
[2] -Decreto da Ass<strong>em</strong>bléia Geral Legislativa sobre Escola de primeiras letras <strong>em</strong> to<strong>das</strong> as cidades, villas e<br />
lugares mais populosas do Império do Brasil, 15 de outubro de 1827, in Azevedo, Fernando, A transmissão<br />
da cultura, Melhoramentos,5 ed., SP, 1976,p.72<br />
[3] - Requerimentos e ofícios recebidos 1800-1892, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Postado por Angelo E N Nanni
quarta-feira, 13 de abril de 2011<br />
<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> e o relatório da Instrução Pública Provincial<br />
<strong>em</strong> 1853<br />
com o trabalho livre e assalariado de imigrantes.<br />
Vimos na postag<strong>em</strong> anterior o “methodo” de<br />
ensino adotado no Brasil a partir do final da<br />
terceira década do século XIX e sua aplicação<br />
(ou não) na cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />
Durante essas primeiras déca<strong>das</strong> do século<br />
XIX, a questão da educação, era atribuição<br />
<strong>das</strong> Câmaras Municipais, seus fiscais<br />
exerciam a função de “inspetores de escolas”<br />
e esta realidade começaria a mudar a partir<br />
dos anos 1850.<br />
Em meados do século, sucessivas tentativas<br />
de modernização <strong>das</strong> estruturas do país se<br />
materializaram na Lei de Terras de 1850, no<br />
Código Comercial de 55 e nas experiências<br />
No âmbito da educação essa “modernização” se mostrava desde 1846, quando o governo da<br />
província de São Paulo direcionou suas ações para a organização da instrução pública, de modo<br />
mais sist<strong>em</strong>ático, determinando as matérias que compunham o ensino primário.<br />
Em 1851 o “governo do ensino” foi criado através de uma Inspetoria Geral, subdividindo-se <strong>em</strong><br />
Inspetores de Distrito e um Conselho de Instrução Pública.<br />
Os professores eram enquadrados <strong>em</strong> três categorias: contratados, interinos e definitivos, todos de<br />
nomeação do governo, sendo que os primeiros eram propostos pelo Inspetor de distrito e não fazia<br />
exame, a segunda categoria fazia um exame proposto pelo governo provincial e os últimos eram<br />
escolhidos entre os aprovados na Escola Normal não realizando exames.<br />
A escola ou o local <strong>das</strong> aulas era a própria casa do professor, que providenciava os móveis e<br />
materiais pertinentes a sua atividade, sendo que não era rara a falta de todos esses materiais<br />
(móveis, papel, material de escrita, etc).<br />
A duração do período escolar não era uniforme, a chamada ou presença não era uma atividade<br />
sist<strong>em</strong>ática e o exame final para mudança de série quase não ocorria.<br />
O método de ensino estava distante de Lancaster e do ensino mutuo e se resumia na tradição, ou<br />
seja, o professor ao assumir uma classe l<strong>em</strong>brava como fora ensinado por seu antigo professor e<br />
repetia as mesmas ações. Os alunos decoravam <strong>em</strong> um ou dois dias da s<strong>em</strong>ana orações religiosas,<br />
havia fundamentos de aritmética, se aprendia as quatro operações mat<strong>em</strong>áticas fundamentais, leitura<br />
e escrita, os chamados “crimes escolásticos” (desatenção, desrespeito) eram punidos com castigos<br />
físicos, sendo recorrente o uso da palmatória.
No ano de 1853 o inspetor geral de instrução publica começava a percorrer a província para visitar<br />
as escolas e dizia:<br />
As povoações, que já percorri, são Itaquaquecetuba, Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Santa Isabel, Arujá<br />
e S. Miguel.Ahi inspeccionei e fiscalizei as Casas d’ensino...as escholas, cuja regência me<br />
pareceu satisfatória cont<strong>em</strong>plei as do sexo f<strong>em</strong>inino <strong>das</strong> Villas de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, e<br />
Santa Isabel.(...)<br />
Queixas e más informações me forão presentes contra os Professores de primeiras lettras<br />
de Mogy <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Bragança e Áreas...Tenho b<strong>em</strong> funda<strong>das</strong> esperanças de que o<br />
primeiro,... mediante as admoestações que lhe fiz, se cohibira de sua notória falta de<br />
dedicação ao magistério, que dava logar a geraes clamores, e que pessoalmente verifiquei.<br />
As 183 Cadeiras de primeiras letras, distribuí<strong>das</strong> <strong>em</strong> 125 para o sexo masculino e 58 para o sexo<br />
f<strong>em</strong>inino passavam a ser observa<strong>das</strong> por um inspetor geral e por inpetores de distrito<br />
Nos anos 1890, já na República, as escolas isola<strong>das</strong> dariam lugar aos grupos escolares, também<br />
conhecidos como “t<strong>em</strong>plos de sabedoria”.<br />
A escrita <strong>em</strong> itálico respeita a grafia original do documento<br />
Fontes:<br />
DAESP, Relatório sobre o estado da Instrução Publica Provincial no anno de 1852, Relatório sobre<br />
o estado da Instrução Publica Provincial no anno de 1853.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
domingo, 1 de maio de 2011<br />
Entre salas de aula e corredores: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1896<br />
Vimos nas duas postagens anteriores, a situação da educação na cidade<br />
de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> no século XIX, a política educacional provincial<br />
que criara um departamento de Instrução Publica e a atuação do<br />
inspetor geral de instrução pública percorrendo as escolas da província.<br />
Na terceira postag<strong>em</strong> sobre educação o assunto é a criação dos grupos<br />
escolares e mais especificamente a criação do Grupo Escolar de <strong>Mogi</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> 1896.<br />
Como já foi dito, nas nações que se industrializavam a educação<br />
assumiu uma nova postura, tendo significado político e econômico,<br />
interferindo no complexo processo de desenvolvimento que incorporava métodos de aprendizag<strong>em</strong><br />
<strong>em</strong> sociedades que atravessavam a revolução industrial. Na Inglaterra, Al<strong>em</strong>anha e França 80% a 90<br />
% <strong>das</strong> crianças freqüentavam a escola <strong>em</strong> 1890.<br />
Contrariamente, no Brasil, o recenseamento de 1872 apontava 9 milhões de habitantes da população<br />
livre, com índice de analfabetismo de 78% nos grupos com idade de 15 anos ou mais.Em 1878 no<br />
país, contavam-se 15561 escolas primarias que reuniam 175 mil alunos[1].<br />
O Inspetor Literário do 11° Distrito que abrangia a região de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> escreveu <strong>em</strong> seu<br />
relatório de 1885 sobre a qualidade ruim do ensino público e a exclusão de grande parte da<br />
população, onde “...o governo não cria escolas para ser<strong>em</strong> freqüenta<strong>das</strong> por uma fração do povo,<br />
por dous terços apenas da população escolar, ficando um terço na ignorância e obscuridade s<strong>em</strong><br />
justificar o motivo”.<br />
Também a situação do professor era objeto de relatórios onde se expunha os probl<strong>em</strong>as enfrentados<br />
pelos professores públicos. O relatório de 1886 apresentava o seguinte teor: ”É nomeado um<br />
professor público, tira seu título, vai procurar uma casa <strong>em</strong> que estabelecer a escola, e logo se vê<br />
<strong>em</strong> sérias dificuldades...”<br />
Com o advento da República, esta recebe como herança, um ensino público ineficaz e precário.<br />
Na tentativa de estabelecer um programa de educação, uma reforma educacional de âmbito estadual<br />
é realizada <strong>em</strong> São Paulo <strong>em</strong> 1892 por Caetano de Campos e ligado a esta reforma esta a criação<br />
dos grupos escolares que reuniam <strong>em</strong> um só local varias escolas isola<strong>das</strong>.<br />
Estava aberta a possibilidade de criação dos grupos escolares e, ao mesmo t<strong>em</strong>po, acabar com as<br />
escolas que funcionavam nas casas onde os professores residiam e apresentavam probl<strong>em</strong>as de<br />
acomodação dos alunos por absoluta falta de móveis escolares, inadequação do espaço físico com<br />
probl<strong>em</strong>as de acomodação dos alunos, ausência de métodos de ensino e literatura escolar e a falta<br />
de objetos escolares como lousa, papel, mapas, material para escrita, etc.<br />
Em 1895 <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> contava com 16 escolas isola<strong>das</strong> que foram reuni<strong>das</strong> <strong>em</strong> 1896 no<br />
primeiro Grupo Escolar da cidade <strong>em</strong> prédio adaptado para esta função.<br />
Continuando no t<strong>em</strong>a Educação, na próxima postag<strong>em</strong> será abordado a arquitetura escolar e a<br />
construção de um prédio próprio para abrigar o Grupo Escolar de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />
As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />
Fontes:<br />
APESP, latas - Instrução Pública, 5065 e 5066<br />
[1] Holanda, Sergio Buarque. História Geral da Civilização Brasileira, vol.6. Difel, SP, 1971<br />
Postado por Angelo E N Nanni
sexta-feira, 27 de maio de 2011<br />
Entre salas de aula e corredores II: o Grupo Escolar <strong>em</strong> 1914<br />
A escola pública durante o Império foi, na maioria <strong>das</strong> vezes, a<br />
própria casa do professor, s<strong>em</strong> materiais e moveis escolares, s<strong>em</strong><br />
espaço para acomodação de alunos, situação agravada com as<br />
constantes epid<strong>em</strong>ias do século XIX, principalmente a varíola,<br />
que gerava a situação relatada pelo inspetor literário do 11º<br />
distrito que no inicio dos anos 1890 dizia o seguinte: “... pela<br />
epid<strong>em</strong>ia que ameaçava victimar de preferência os lugares<br />
servidos por estrada de ferro, entendi de meo dever começar<br />
por elles os exames a fim de libertar <strong>das</strong> salas acanha<strong>das</strong> <strong>das</strong><br />
escolas as crianças perigosamente acumula<strong>das</strong>”.<br />
No final do século XIX, já no período republicano, entre as<br />
pessoas liga<strong>das</strong> a educação passava a ser dominante a idéia de<br />
um espaço próprio para a atividade escolar, como atestava o<br />
relatório de um professor da região <strong>em</strong> 1893, sobre a<br />
impossibilidade de o professor lecionar programas diversos “nas<br />
classes e subclasses que o professor é obrigado a ter <strong>em</strong> sua<br />
escola” talvez melhore com a lei “que estabeleceu a permissão<br />
de reunir-se <strong>em</strong> um só edifício as escolas de uma localidade...”.<br />
Desta maneira <strong>em</strong> 1896, <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, agora pertencendo ao 15º distrito literário, contava com<br />
um grupo escolar instalado <strong>em</strong> edificações adapta<strong>das</strong> para abrigar um prédio escolar, todavia a<br />
escola dotada de um prédio próprio com uma identidade direcionada para a educação só viria a<br />
materializar-se <strong>em</strong> 1914 com uma arquitetura escolar voltada para a monumentalidade com a<br />
intenção de sinalizar e simbolizar as finalidades sociais, morais e cívicas da educação pública, assim<br />
como as realizações dos governos republicanos no Estado de São Paulo.<br />
Rosa Fátima de Souza <strong>em</strong> “T<strong>em</strong>plos de Civilização: a implantação da escola primária graduada no<br />
Estado de São Paulo” aponta que:<br />
O edifício-escola deveria exercer (...) uma função educativa no meio social.<br />
Na arquitetura escolar encontram-se inscritas (...) dimensões simbólicas e<br />
pedagógicas.O espaço escolar passa a exercer uma ação educativa dentro e fora<br />
dos seus contornos.<br />
Se no Brasil colônia a Igreja, casa de Câmara, cadeia e o pelourinho ocuparam funções na<br />
organização do espaço público, agora, no período republicano o grupo escolar ocupava o centro dos<br />
núcleos urbanos ordenando a vida cotidiana <strong>em</strong> uma sociedade marcada pela idéia de progresso. O<br />
grupo escolar se juntava a Igreja Matriz, outros prédios públicos, casas de chefes políticos locais,<br />
(geralmente do PRP) e coronéis.<br />
A escola seria o “local de formação do cidadão republicano” e o Relatório Escolar de 1911 nos<br />
mostra que “a construcção de edifícios escolares, tiveram estes, notável incr<strong>em</strong>ento, estando <strong>em</strong><br />
construção...” três prédios na capital e vinte e seis no interior, entre eles o grupo escolar de <strong>Mogi</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, inaugurado <strong>em</strong> 1914 e que anos mais tarde recebeu o nome de Grupo Escolar Coronel<br />
Almeida.<br />
As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />
Fontes:<br />
APESP, lata - Instrução Pública 4923, Annuário do Ensino do Estado de São Paulo, publicação<br />
organizada pela Directoria Geral da Instrucção Pública 1911-1912<br />
Postado por Angelo E N Nanni
terça-feira, 7 de junho de 2011<br />
A Festa do Divino: o império da festa<br />
Presença marcante no Brasil, já no<br />
período colonial, a religião s<strong>em</strong>pre<br />
correspondeu a necessidades, desejos,<br />
esperanças e aspirações <strong>das</strong> pessoas,<br />
atuando <strong>em</strong> diversos sentidos, ora<br />
legitimando a dominação dos poderosos,<br />
ora conscientizando e libertando.<br />
Neste sentido de libertação,<br />
conscientização é que pod<strong>em</strong>os analisar a<br />
festa do Divino, com<strong>em</strong>orada desde os<br />
t<strong>em</strong>pos coloniais onde o sagrado<br />
comungava com o sentido profano <strong>das</strong><br />
festas e revestia a seriedade da liturgia<br />
com a alegria <strong>das</strong> manifestações do povo<br />
e seu entendimento da religiosidade, a<br />
maneira como o povo entendia e praticava seu catolicismo.<br />
Em estreita ligação com a religião as festas imperavam, <strong>em</strong> um sentido de se estabelecer, de<br />
permanecer e o império <strong>das</strong> festas dominava a todos levando à idéia de lugar de reunião,<br />
participação e comunhão. As irmandades incorporavam el<strong>em</strong>entos africanos nas festas, como a<br />
Irmandade do Rosario, onde se encontravam escravos, livres e pobres, que introduziam nas<br />
festividades as danças de Moçambique, a Congada e na festa mais intensamente com<strong>em</strong>orada, a<br />
Festa do Divino, a historiadora Mary Karrach apontou que os escravos de orig<strong>em</strong> africana<br />
identificaram a pomba do Divino com a simbologia de pássaros de regiões africanas que<br />
significavam vida e morte ou dia e noite ou ainda liberdade e igualdade.<br />
Por essas razões havia por parte <strong>das</strong> autoridades tentativas de disciplinar ou intervir nas<br />
manifestações populares, o que não se concretizava inteiramente pela ligação da festa com a<br />
religião e a intensa participação <strong>das</strong> pessoas, onde as manifestações de religiosidade aconteciam<br />
fora da igreja, ou seja, na festa. O viajante frances Saint-Hilaire, ao passar por Taubaté <strong>em</strong> 1822 na<br />
época da festa de Pentecostes anotou <strong>em</strong> seu diário “Já estávamos sob o rancho quando um bando<br />
de gente, de to<strong>das</strong> as idades e cores, ali veio aboletar-se conosco.São músicos que vão...coletar<br />
para a festa de Pentecostes.Em regra esses que assim ped<strong>em</strong> para o Espírito Santo não dev<strong>em</strong> sair<br />
de seu distrito, mas obtém facilmente a permissão para girar pelas freguesias vizinhas”.<br />
Em várias localidades, inclusive <strong>em</strong> nossa região as posturas municipais ou leis municipais<br />
proibiam festas de santos com a concentração de pessoas e <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> um documento de<br />
1835, encontrado no Arquivo da Ass<strong>em</strong>bléia Legislativa, nos mostra que as “festividades” eram<br />
importantes na vila.<br />
Neste documento a Câmara de <strong>Mogi</strong> solicitou a Ass<strong>em</strong>bléia que não fosse proibido os “tiros de<br />
roqueira dentro da vila” <strong>em</strong> dia de festa. A roqueira era um tubo de metal cheio de pólvora, preso<br />
<strong>em</strong> um toco de madeira e quando aceso provocava uma forte explosão e servia para dar início às<br />
festividades, seria um equivalente dos morteiros de papelão usados hoje <strong>em</strong> dia.<br />
Pelo menos nas quatro principais festas, a saber, “Páscoa, Espírito Santo, Santa Anna e Natal”, era<br />
requerido a permissão para o uso da roqueira, no entanto, a proibição vigorou.<br />
Durante a década de 1830 as proibições ficaram mais rígi<strong>das</strong> como mostra uma postura municipal<br />
( leis municipais) da cidade de São Paulo, onde, “todo aquele que ...tirar esmolas para festejos de<br />
Santos fora <strong>das</strong> portas <strong>das</strong> igrejas e capelas, e pelas ruas será multado ou dois a seis dias de<br />
prisão” e <strong>em</strong> 1836 na freguesia da Penha <strong>em</strong> São Paulo uma pessoa foi presa por “esmolar com
andeira”.<br />
Em Santa Isabel, cidade onde as posturas municipais haveriam de proibir as danças como o<br />
moçambique, com<strong>em</strong>orava-se a Festa do Divino de 1844 com a sua Imperatriz solicitando licença<br />
para esmolar, segundo documento do Arquivo Histórico do Município de São Paulo, “a fim de<br />
solenizar melhor a festa do Divino”.<br />
Estes ex<strong>em</strong>plos nos mostram que aos olhos do poder instituído as festas e danças populares eram<br />
acompanha<strong>das</strong> e regulamenta<strong>das</strong> pelas leis porque eram vistas como uma possibilidade de<br />
transgressão da ord<strong>em</strong>, principalmente numa sociedade escravocrata, por outro lado mostrava a<br />
autonomia, desejos e vontades do povo.<br />
Sabendo que estas festividades, muitas vezes cercea<strong>das</strong>, eram de extr<strong>em</strong>a importância para manter a<br />
identidade do povo, o modernista Mario de Andrade realizou excursões às cidades que circundam<br />
São Paulo para mapear as festas, danças e costumes <strong>das</strong> comunidades.<br />
Visitando <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> 30 de maio de 1936, escreveu um artigo para a Revista do Arquivo<br />
Municipal de São Paulo, sobre a Entrada dos Palmitos: “Chegado a <strong>Mogi</strong> pelas doze horas do dia<br />
30, para organizar as filmagens que o Departamento de Cultura realizaria no dia seguinte, cuidei<br />
de indagar o que era essa “Entrada dos Palmitos”. Infelizmente perdera a cerimônia que é<br />
tradicionalmente às primeiras horas da manhã. Como julgo ver nessa festa uma curiosa e ainda<br />
viva r<strong>em</strong>iniscência do culto do vegetal da primavera no Brasil, venho comunicá-la para que os<br />
conhecedores mais completos dos costumes nacionais ligu<strong>em</strong> a festa mogiana a outras do país e a<br />
estud<strong>em</strong>”.<br />
Estudar a festa e conhecer seu significado, não deixar a tradição morrer envolvida pela<br />
modernidade, este era o projeto de um modernista como Mario de Andrade.A congada e o<br />
moçambique que ele filmou pouco se modificou, a cavalhada filmada no Largo do Bom Jesus não<br />
mais existe.<br />
A festa chegou até nossos dias muito diferente e muito igual. Igualdade na tradição e fé dos devotos<br />
e participantes. Diferente sob o signo dos valores da sociedade cont<strong>em</strong>porânea, do consumo e da<br />
mercadoria.<br />
As festividades significam encontros, possibilidades de socialização, liberdade e para todos que<br />
viv<strong>em</strong> o Divino, envolvimento, participação, solidariedade e <strong>em</strong>oção. Em qualquer época e <strong>em</strong><br />
qualquer lugar homens e mulheres tornaram e tornam as festas autenticas e concorri<strong>das</strong>.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
terça-feira, 28 de junho de 2011<br />
Congos, Congados e Moçambiques na Serra do Itapety (1929)<br />
Nas celebrações <strong>em</strong> homenag<strong>em</strong> ao Divino<br />
Espirito Santo as danças constitu<strong>em</strong> uma de<br />
suas principais atrações. Proibi<strong>das</strong> no<br />
período da escravidão, muitas delas, <strong>em</strong><br />
especial a Congada, o Moçambique e a<br />
Marujada conseguiram inserir-se neste<br />
contexto.<br />
Verdadeiros bailados populares, estas<br />
“danças dramáticas”, no dizer de Mário de<br />
Andrade (1937), t<strong>em</strong> essencialmente uma<br />
função religiosa:<br />
"Elas são expressões do sagrado,<br />
diversifica<strong>das</strong> pelo espírito lúdico, como as<br />
danças de São Gonçalo, Cururu e Congada<br />
quando articula<strong>das</strong> com os sentidos religiosos do Divino ou de Nossa Senhora do Rosário.<br />
(CASCUDO, 1969, p. 532).<br />
Constitu<strong>em</strong> <strong>em</strong> última instância um “ato de devoção, que representa a alegria e o encontro da<br />
felicidade, que se dá através da música, da dança e do canto para prazerosamente proporcionar o<br />
caminho do diálogo e da comunhão com o Divino” (ARAUJO apud CHAVES, 2003, p. 35).<br />
Além de sua função religiosa, estas danças cumpriam uma função social e educativa, estreitando os<br />
laços de solidariedade, criando uma identidade coletiva e o sentimento de pertença, principalmente<br />
nas áreas rurais, relativamente isola<strong>das</strong> e organiza<strong>das</strong> <strong>em</strong> pequenas comunidades: o bairro.<br />
Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, a Missão de Pesquisas Folclóricas da então recém-fundada Sociedade de<br />
Etnografia e Folclore, coordenada por Mário de Andrade, registra <strong>em</strong> película cin<strong>em</strong>atográfica,<br />
dirigida por Dina Lévy-Strauss, datada de 30 de Maio de 1936, Congos, Congados e Cavalha<strong>das</strong>, na<br />
área central da cidade.<br />
A documentação sobre a ocorrência destes eventos <strong>em</strong> áreas<br />
rurais durante os anos 30 parece não ter sido levada a efeito<br />
por estudiosos e pesquisadores (talvez a única exceção<br />
pertence aos Inquéritos Folclóricos encaminhados pela citada<br />
Sociedade que apontam a ocorrência destas danças na região<br />
de Poá, pertencente ainda ao município de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>).<br />
Em <strong>Mogi</strong>, um destes bairros, situado nos contrafortes da Serra<br />
do Itapety (atual Bairro Beija-Flor), parece ter cultivado estas<br />
formas de dança ainda na década de 20, conforme depoimento cedido pelo Sr. Joaquim de Souza<br />
Mello, nascido e criado nesta região, hoje contando com seus 74 anos, l<strong>em</strong>bra-se da realização <strong>das</strong><br />
Conga<strong>das</strong> e Monçabiques:<br />
"Em 1929, no Itapety, o Sr. Benedito Pinheiro, proprietário do Sítio Duas Irmãs, era Mestre de<br />
Monçambique. Meu Pai dançava Congada, quando ainda eu era solteiro e também participava do<br />
Moçambique, que na época, contava entre 12 a 16 componentes."<br />
Congada e Moçambique, que segundo o Sr. Joaquim, são b<strong>em</strong> diferentes:<br />
"A Congada é diferente do Moçambique, na Congada a pessoa era sorteada, se aproximava do trono<br />
e do rei, chamado Belo, e tinha que beijar o pé do Rei. O rei da Congada, o Sr. Avelino, designado<br />
como o "Belo Sudário", teve inclusive um filho, batizado como Sudário."<br />
A Congada permaneceu no Itapety por muitos anos, apresentando-se por toda a região:
"O pessoal ia a pé até o Bairro do Maracatu, <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a. Um primo do meu pai, muito<br />
brincalhão, antes de chegar nas fazen<strong>das</strong> para as festas, procurava por vestígios de bagaço de limão<br />
no rio, o que significava que um leitão fora preparado e assim, o repasto estava garantido. Agora,<br />
este bairro do Maracatu, é quase deserto. Antigamente, tinha muito mais gente do que hoje."<br />
"Tinha uma venda, do Camilo, que o pessoal quando ia para a dança, cortava as mantas de carne<br />
seca. Pois é um negócio errado isso, mas meu pai contava essas coisas. Puxa, o cara vai fazer uma<br />
devoção... não é uma brincadeira... Comprasse né."<br />
"Na Congada tinha o Rei, o Embaixador. Eu sei que era bonito. A Congada era muito bonita. Eu<br />
cheguei a dançar com o Dito Pinheiro, várias vezes. Ele dançava nas Igrejinhas, no Santo Alberto,<br />
na Moralogia (<strong>em</strong> uma igrejinha que não existe mais) e na Cruz do Pito."<br />
"Na Cruz do Pito, o Salto, eram outros maestros de Moçambique, outros grupos. O moçambique do<br />
Zé Martins, do Dito Mathias. O Salto é o seguinte: Bairro do Itapety do Salto, no ribeirão do Salto.<br />
O Zé Rosa era o folgazão e mestre de São Gonçalo, também o Zé Pereira. O Zé Pereira, era casado<br />
com a irmã do Dito Pinheiro."<br />
Na Congada, as pessoas se aproximavam do Rei, e declamavam pequenos versos:<br />
Sou um soldadinho dest<strong>em</strong>ido,<br />
De calça branca e botina numerada,<br />
Subo morro, desco morro,<br />
Com a mochila na cacunda.<br />
A pinta que o galo t<strong>em</strong>,<br />
O ovo t<strong>em</strong> na g<strong>em</strong>a,<br />
Uma é branca outra amarela,<br />
A pinta que o galo t<strong>em</strong>,<br />
o pinto saiu com ela.<br />
Fontes:<br />
ANDRADE, Mário de. A Entrada dos Palmitos. São Paulo: Revista do Arquivo Municipal XXXII,<br />
1937, p. 51-64.<br />
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do Folclore Brasileiro. 2. Vol. Rio de Janeiro: Edições de<br />
Ouro, 1969. p. 532.<br />
CHAVES, Robson Belchior Oliveira. Salesópolis. Festa do Divino: <strong>das</strong> origens aos dias atuais.<br />
Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2003.<br />
Postado por Sergio Damy
segunda-feira, 25 de julho de 2011<br />
Um crime na Freguesia da Escada <strong>em</strong> 1854<br />
O trabalho do Historiador por vezes incorpora a analise de<br />
documentos de ord<strong>em</strong> jurídica para revelar aspectos do<br />
cotidiano e da vida <strong>em</strong> períodos diversos da História.<br />
Através da analise desta documentação denominada<br />
geralmente de Autos Crimes, pod<strong>em</strong>os conhecer costumes,<br />
padrões de comportamento, religiosidade, captar a<br />
intensidade dos relacionamentos, dos indivíduos e suas<br />
vontades, necessidades, dos atos e seus desdobramentos,<br />
do cotidiano, enfim do que chamam rotina e outras<br />
características culturais de uma dada sociedade que nos é<br />
revelada com a utilização destas fontes.<br />
Autos Crimes é o nome genérico dado aos documentos<br />
cartoriais e judiciais composta, de processos criminais,<br />
auto de corpo de delito, execuções de sentença, apelações,<br />
e termos de b<strong>em</strong> viver. Esses processos passavam por<br />
diversas instâncias, tais como o juízo municipal, o juízo de<br />
direito, juiz de paz, a polícia e as delegacias.<br />
Em postagens anteriores já utilizamos esse tipo de documentação para falar sobre costumes na<br />
primeira metade do século XIX, onde, as simples ações cotidianas <strong>das</strong> pessoas incomodavam as<br />
autoridades constituí<strong>das</strong> e muitas vezes eram ti<strong>das</strong> como ameaça a ord<strong>em</strong>.<br />
Continuando com essa documentação vamos explorar um pouco as possibilidades de um Auto de<br />
Corpo de Delito.<br />
Por volta do dia 10 de dez<strong>em</strong>bro de 1854 o inspetor de quarteirão da Freguesia da Escada<br />
conversava com duas pessoas perto <strong>das</strong> dezoito horas, quando, na frente da casa vizinha de onde<br />
estava e conversava com lavradores do local ouviu-se uma discussão:<br />
-- Isto é muito desaforo!Não há qu<strong>em</strong> agüente!Saia agora! Dizia o freguês para o vendedor de<br />
carne.<br />
Viu-se então o carniceiro com uma foice na mão, falar: -- Eu dou neste sujeito!<br />
-- Não dê! Replicou um dos homens que conversava perto do local e que neste momento acudia o<br />
conflito.<br />
O freguês, Albino Vieira levantando o porrete que havia conseguido, acerta o maxilar de Antonio<br />
Joaquim da Silva ensangüentando-o e pondo-o fora de combate.<br />
O inspetor de quarteirão prende Albino Vieira <strong>em</strong> meio ao ajuntamento de pessoas que corriam para<br />
o local e o solta no dia seguinte.<br />
Os acontecimentos descritos faz<strong>em</strong> parte de um auto de corpo de delito[1] que Antonio Joaquim da<br />
Silva pede ao subdelegado para realizar, instaurando processo onde são ouvi<strong>das</strong> quatro test<strong>em</strong>unhas:<br />
“Diz Antonio Joaquim da Silva morador na capella de Nossa Senhora da Escada d’este município<br />
que no dia 10 do corrente às ave - maria, estando mança e pacificamente <strong>em</strong> sua casa, havendo nesse dia<br />
cortado uma rez, cuja carne durante o dia vendeo aos seus fregueses, ocorre por<strong>em</strong> que naquele dia e horas<br />
menciona<strong>das</strong> veio a casa do supp e Albino Vieira se o m mo suppe lhe dava alguma carne fiada, ao que o<br />
suppe lhe respondeo que lhe não podia vender fiado, por isso que o supp do lhe devia há já perto d’um<br />
ano ...pelo que resolvera não lhe fiar mais coisa alguma...”[2]<br />
Continuava a exposição do conflito e o subdelegado ouviu as test<strong>em</strong>unhas que eram todos<br />
moradores da Freguesia da Escada, alguns lavradores e um negociante. To<strong>das</strong> diziam ter “mais ou<br />
menos” tantos anos. Este é um padrão que se repete, e segundo Norbert Elias ” ...Torna-se explicável
que, nas sociedades s<strong>em</strong> calendário e nas quais não exist<strong>em</strong>, portanto, representações simbólicas exatas da<br />
sucessão dos anos, os homens não saibam ao certo sua idade”[3]<br />
Pod<strong>em</strong>os ver nas fontes primarias, ou seja, nas reclamações que dão orig<strong>em</strong> aos termos jurídicos a<br />
existência do calendário, que marca o inicio e o andamento do processo judicial, no entanto, este<br />
permanece de uso <strong>das</strong> instancias jurídicas.<br />
O saber partilhado entre o grupo social não inclui o uso do calendário, mas isto não significa que<br />
não existam “representações simbólicas” ou “ símbolos sociais” que possibilit<strong>em</strong> marcar a sucessão<br />
dos anos. Elas exist<strong>em</strong> e são de caráter religioso, como as festas de santo, “horas de ave - maria”<br />
ou seja o t<strong>em</strong>po marcado pela presença da Igreja <strong>em</strong> uma região <strong>em</strong> que mesmo os nomes de<br />
orientação da moradia exib<strong>em</strong> esse caráter sagrado, pois l<strong>em</strong>os nas fontes, “ moro na capella da<br />
Escada, moro na Freguesia de Nossa Senhora da Escada”<br />
A orientação pela “hora da ave - maria” mostrava as convenções de uma sociedade pré-industrial,<br />
onde na definição dada por Norbert Elias “ ...o t<strong>em</strong>po não se reduz a uma “idéia” que surja do nada, por<br />
assim dizer, na cabeça dos indivíduos. Ele é também uma instituição cujo caráter varia conforme o estagio<br />
de desenvolvimento atingido pelas sociedades(...) A imag<strong>em</strong> e a representação do t<strong>em</strong>po num dado individuo<br />
depend<strong>em</strong>, pois, do disponível de desenvolvimento <strong>das</strong> instituições sociais que representam o t<strong>em</strong>po...”[4].<br />
Em outra oportunidade outro Auto de Corpo de Delito revelou brigas com sérias conseqüências,<br />
entre moradores <strong>das</strong> cercanias de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> que se dirigiam para uma festa religiosa e um<br />
grupo de operários imigrantes que trabalhavam na construção da ferrovia e <strong>em</strong> determinado<br />
momento os imigrantes “mangaram do santo” no dizer <strong>das</strong> test<strong>em</strong>unhas. Estas disputas revelavam<br />
repertórios culturais distintos.<br />
OBS: Em 26 de junho de 1855 foi lavrado um termo de desistência da acusação crime contra Albino<br />
Vieira devido falecimento de Antonio Joaquim da Silva, possivelmente <strong>em</strong> conseqüência dos<br />
ferimentos.<br />
As letras <strong>em</strong> itálico respeitam a grafia original do documento<br />
Fontes:<br />
[1] -Acervo do Forum, Auto de corpo de delito, Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
[2] -id<strong>em</strong><br />
[3] -Elias, Norbert, Sobre o t<strong>em</strong>po, Jorge Zahar editor, RJ, 1998, p.11<br />
[4]- id<strong>em</strong>, p.15<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quarta-feira, 3 de agosto de 2011<br />
Os caminhos de ont<strong>em</strong>: a Estrada Geral <strong>em</strong> 1843<br />
Jornais e TVs apontaram o atraso nas obras da rodovia <strong>Mogi</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>-Via Dutra, passando por Guarar<strong>em</strong>a e Jacareí.<br />
Entre outras intervenções as obras irão cont<strong>em</strong>plar<br />
recapeamento, correção de traçado e elevação do leito da<br />
estrada.<br />
Antes de ser um assunto corriqueiro, a condição <strong>das</strong><br />
estra<strong>das</strong> e a circulação de mercadorias e principalmente<br />
pessoas é fundamental para a análise da região e alguns<br />
probl<strong>em</strong>as de hoje são probl<strong>em</strong>as de ont<strong>em</strong>.<br />
Há um documento de 1843, com 16 páginas que nos<br />
apresenta o traçado da Estrada Geral que passava por <strong>Mogi</strong><br />
<strong>em</strong> direção ao Rio de Janeiro.<br />
Neste “Relatório do estado <strong>em</strong> q se acha a Estrada Geral q<br />
segue d’esta Villa de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> a Capital da<br />
Província e a Corte do Rio de Janeir°, consertos de q<br />
necessita e orçamento <strong>das</strong> despesas que poderá importar<br />
sua completa redificação a quase dez legoas de estençao” é<br />
indicado as sessões da estrada que precisam de intervenção,<br />
quais as obras e seu custo, no traçado de 66 quilômetros que<br />
passava pela cidade até a divisa com Jacareí.<br />
Saindo de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> direção ao Vale do Paraíba os caminhos ganham contornos e o<br />
relatório apontava :“Em seguimento d’esta estrada thé a Fazenda do Carmo <strong>em</strong> Sabaúma necessita<br />
ser reparado de enchada <strong>em</strong> partes aterrar alguns lugares e dar esgotos necessários as águas<br />
roçar todo o mato q <strong>em</strong> partes já para o transito(...) alargala <strong>em</strong> partes thé vinte parmos pois<br />
lugares há q mal passão dous cargueiros a par(...)como tão b<strong>em</strong> levantar<strong>em</strong>-se alguns pequenos<br />
aterrados, e pontes, p.ª fazer correr as aguas ”.<br />
A importância <strong>das</strong> obras era justificada pelo “...grande tranzito de tropas de caffé, não só desta<br />
Villa, como <strong>das</strong> villas vizinhas que por Ella exportão e importão os gêneros de seo consumo, as<br />
tropas soltas, Boia<strong>das</strong>, q por Ella tranzitão no t<strong>em</strong>po da Feira e os recursos que todos os viajantes<br />
encontrão n’este Município tão antigo e conhecido por todos...”.<br />
Nos caminhos antigos há uma m<strong>em</strong>ória de uma formação histórica regional onde pod<strong>em</strong>os aprender<br />
e apreender a circulação de tropas de comercio, negociantes e pessoas diversas, o ir e vir de<br />
viajantes, dos habitantes da região, enfim dos que deram vida ao local.<br />
Fonte: ALESP<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quinta-feira, 1 de set<strong>em</strong>bro de 2011<br />
<strong>Mogi</strong> oculta: lugares e pontos de devoção popular<br />
<strong>Mogi</strong> se orgulha de sua História de 400 anos, mas se esquece muito rápido desta mesma história.<br />
Uma cidade quatrocentista que mostra <strong>em</strong> seu patrimônio material, aspectos ocultos e simbólicos,<br />
raros à percepção da população.<br />
É importante para a região discutir a História local <strong>em</strong> um contexto onde, a região do Alto Tietê,<br />
que atravessa um crescimento d<strong>em</strong>ográfico grande, gera d<strong>em</strong>an<strong>das</strong> <strong>das</strong> populações novas que não<br />
conhec<strong>em</strong> o lugar, sua cultura e sua história, assim como dos habitantes antigos, que se voltam para<br />
a manutenção de sua identidade, por conta deste crescimento da cidade e outros fatores que, <strong>em</strong><br />
uma sociedade globalizada favorece a fragmentação destas mesmas identidades.<br />
Com a modernidade estes símbolos passam<br />
despercebidos pelos cidadãos. Monumentos<br />
como o Obelisco, a Gruta Santa Terezinha, ou<br />
mesmo os vitrais expostos na Catedral de<br />
Sant’Anna, são artefatos excluídos da<br />
percepção do mogiano.<br />
Inúmeros fatos contribu<strong>em</strong> para este cenário de<br />
perda cultural, tais como, a poluição visual e o<br />
desenvolvimento urbano que acarretam desvios<br />
de olhares sobre uma cidade que enraíza <strong>em</strong> seu<br />
intimo aspectos esquecidos, ocultos e<br />
desconhecidos.<br />
Trabalhar a História, num sentido amplo, significa conhecer e revelar o passado. Mas pod<strong>em</strong>os<br />
perguntar: há uma seleção do que se deve conhecer? Qu<strong>em</strong> seleciona e a qu<strong>em</strong> serve esta seleção?<br />
Para melhor desenvolver esta linha de raciocínio, pod<strong>em</strong>os pensar no significado de três palavras:<br />
velar, desvelar e revelar.
Se procurarmos o sentido de velar, vamos encontrar a definição, esconder, dissimular, prejudicar a<br />
formação da imag<strong>em</strong>. Assim, para conhecer uma dada realidade, necessitamos, obrigatoriamente,<br />
passar pelo estágio de desvelar que significa aclarar, elucidar, para então atingirmos o sentido de<br />
revelar, significando descobrir, mostrar, divulgar.<br />
Há um esquecimento, e neste sentido um ocultamento, onde o conhecimento histórico é s<strong>em</strong>pre<br />
expressão de uma postura política: se de um lado são contraditórios (como a própria história), por<br />
outro, são percebidos segundo o t<strong>em</strong>po, o lugar, a classe e a ideologia (e por isso são ocultados).<br />
Cabe portanto, ao historiador, procurar evidenciar estes fatos, s<strong>em</strong> deformações e ocultações, como<br />
evidenciado na iconografia m<strong>em</strong>orialista, referente ao quarto centenário da cidade, ao apresentar<br />
uma certa noção de progresso e desenvolvimento, viável apenas a partir de uma representação dos<br />
tipos humanos presentes na região.<br />
Postado por Sergio Damy<br />
De outro lado, <strong>em</strong> pontos de devoção popular na<br />
cidade de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, o catolicismo t<strong>em</strong> uma<br />
função mais social do que religiosa, exibindo um<br />
caráter utilitarista, capaz de gerar um sentimento de<br />
identidade e também relações de poder.<br />
Aguard<strong>em</strong>, nas próximas postagens continuar<strong>em</strong>os<br />
a explorar esta mesma t<strong>em</strong>ática -<br />
esquecimento/ocultamento - com novos<br />
documentos e imagens reveladoras deste<br />
imaginário.<br />
Antonio Sérgio Azevedo Damy<br />
Angelo Nascimento Nanni<br />
Glauco Ricciele P. L.C. Ribeiro
quarta-feira, 7 de set<strong>em</strong>bro de 2011<br />
A gruta de Santa Teresinha<br />
A serra do Itapeti, desde o século XVII teve a presença e o<br />
trânsito da religião junto ao avanço da colonização rumo ao<br />
Vale do Paraíba.<br />
Já nos anos 1800 a religiosidade popular esteve presente na<br />
habilidade dos santeiros que moldavam o barro e espalhavam<br />
imagens de culto doméstico, denomina<strong>das</strong> paulistinhas.<br />
Pelos caminhos antigos do Itapeti, <strong>em</strong> direção a cidade de <strong>Mogi</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, havia oratórios de beira de estrada ou pequenas e<br />
diminutas capelas numa caminhada de horas <strong>das</strong> paragens<br />
“detrás da serra” até o centro urbano. Era utilizada uma trilha<br />
que descia onde é hoje o Jardim Aracy ou a vereda que ia dar<br />
no lugar que conhec<strong>em</strong>os por bairro do Rodeio, além de outras<br />
mais.<br />
É do ano de 1888, o relatório da Comissão Central de<br />
Estatística da Província de São Paulo que, ao descrever o<br />
município de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> dizia:<br />
“ Existe no município, no alto do Itapety, uma gruta interessante, que é freqüent<strong>em</strong>ente visitada por<br />
muitas pessoas”.<br />
O “Almanaque de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>”, trinta anos mais tarde assim se referia ao lugar, ao lado da<br />
trilha de tropeiros, que recebia a visita <strong>das</strong> “gentes da cidade”:<br />
“Penetrando-se nela, desce-se uma escada natural, de dez degraus de pedra (...).Acabando-se de<br />
descer a escada, encontra-se outra cavidade de abóboda baixa onde corre uma água pura e<br />
cristalina(...).Esse é outro recanto, muito apreciado pelos mogianos...que aí vão <strong>em</strong> numerosos<br />
grupos”.<br />
Provavelmente por volta dos anos 30 foi construído, acima da entrada principal da gruta, um<br />
oratório dedicado a Santa Teresinha, freira carmelita canonizada <strong>em</strong> 1925.<br />
A partir deste momento a gruta passa a exibir, além de seu atrativo natural, uma função religiosa,
incorporando a peregrinação e as orações.<br />
As fotos dos anos 30, 40 e 50 mostram o grande número de pessoas que subiam a serra <strong>em</strong><br />
domingos e feriados como o 1º de Maio.<br />
Hoje no alto do Itapeti, com vista para a cidade, repousa no alto de uma rocha um oratório com a<br />
imag<strong>em</strong> s<strong>em</strong>i destruída de Santa Teresinha.<br />
Lugar conhecido e freqüentado desde o final do século XIX, no século XXI a intolerância destruiu o<br />
rosto da imag<strong>em</strong>, que não olha mais na direção da cidade.<br />
Fontes:<br />
AESP<br />
Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Attwater, Donald.Dicionário de Santos, 2ºed.pag.274<br />
Postado por Angelo E N Nanni
sexta-feira, 9 de set<strong>em</strong>bro de 2011<br />
Capelas e Ermi<strong>das</strong>: a Capela do Caetano<br />
Normalmente localiza<strong>das</strong> <strong>em</strong> locais distantes<br />
<strong>das</strong> povoações urbanas, nos bairros e locais<br />
ermos, são bastante comuns nas antigas Casas<br />
Grandes do Nordeste, nas Fazen<strong>das</strong> Mineiras e<br />
Paulistas, dentro ou no entorno <strong>das</strong> sedes.<br />
Conheci<strong>das</strong> como "Capelas de Santa Cruz", no<br />
Vale do Paraíba e entorno, muitas serviram<br />
para marcar a fundação de um vilarejo ou<br />
bairro, tendo sua orig<strong>em</strong> relacionada à<br />
proteção de santos padroeiros, de modo que as<br />
santas-cruzes, como são denomina<strong>das</strong> as<br />
capelinhas de beira de estrada, apareceram na<br />
sequência.<br />
Nelas eram coloca<strong>das</strong> imagens quebra<strong>das</strong>, pois acreditava-se não ser de bom presságio possuí-las<br />
dentro de casa ou simplesmente jogá-las.<br />
Estas pequenas capelas domésticas, ou ermi<strong>das</strong>, para ser<strong>em</strong><br />
consagra<strong>das</strong> ao ofício religioso, necessitavam de um<br />
procedimento burocrático que envolvia as autoridades<br />
eclesiásticas, geralmente extr<strong>em</strong>amente moroso e n<strong>em</strong> s<strong>em</strong>pre<br />
levado a efeito. Este distanciamento da tutela do clero,<br />
provavelmente deu marg<strong>em</strong> à inserção de marcas da<br />
religiosidade popular e do papel social destes oratórios.<br />
A Capela de Santa Catarina, ou simplesmente "do Caetano" reflete b<strong>em</strong> esta conjuntura:<br />
Localizada no bairro rural do Itapeti, situada numa encruzilhada, entre a Estrada do Lambari,<br />
Municipal e Goiabal, sua construção r<strong>em</strong>ete ao final do século XIX, pelo Sr. Caetano de Almeida.<br />
Construída <strong>em</strong> taipa, com aproximadamente 12 metros quadrados. Seu salão abriga pequenos<br />
oratórios, aonde são depositados pela população local, imagens de santos protetores, pequenas<br />
cenas bíblicas e objetos reveladores de intenso sincretismo religioso, como orixás, caboclos e<br />
imagens de "santos expurgados" pelo catolicismo oficial.<br />
Tradicionalmente, s<strong>em</strong>pre no último sábado do mês nov<strong>em</strong>bro, a população do bairro celebra no<br />
local, culto à Santa Catarina.<br />
Referências<br />
Museu do Oratório. Oratórios e Ermi<strong>das</strong>. Casa Capitular da Igreja N. Sra. do Carmo,Ouro Preto,<br />
MG. Disponível <strong>em</strong> http://www.oratorio.com.br/port/colecao_txt.asp?<br />
id_categoria=5&id_subcategoria=0.<br />
ALCANTARA, Ailton S. de. Paulistinhas: Imagens sacras, singelas e singulares - São Paulo, 2008.<br />
Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Instituto de<br />
Artes. Orientador: Percival Tirapeli, p. 61.<br />
Postado por Sergio Damy
segunda-feira, 10 de outubro de 2011<br />
A <strong>Escravidão</strong> <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> - 1874<br />
Em 31/01/1874 reuniu-se na cidade de <strong>Mogi</strong><br />
<strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> a junta de classificação de<br />
escravos onde, de acordo com o que<br />
determinava a Lei do Ventre Livre de 1871,<br />
todos os escravos do Império deveriam ser<br />
classificados com declaração de nome, sexo,<br />
estado, aptidão para o trabalho, filiação e os<br />
escravos que não foss<strong>em</strong> classificados seriam<br />
considerados libertos.<br />
Instituiu-se um fundo de <strong>em</strong>ancipação com<br />
receita de diversas fontes e desta maneira,<br />
“deu-se a classificação dos escravos para as<br />
alforrias pelo fundo de <strong>em</strong>ancipação tanto<br />
<strong>em</strong> relação a famílias, como de indivíduos, na forma do Regulamento a que se refere o decreto nº<br />
5135 de 13 de nov<strong>em</strong>bro de 1872 Art. 7º nº III”.<br />
Nesta classificação foram cataloga<strong>das</strong> 1098 escravos sendo que <strong>em</strong> recenseamento do ano de 1872 a<br />
população mogiana era de 16867 habitantes.<br />
A “classificação dos escravos p a ser<strong>em</strong> libertados pelo fundo de <strong>em</strong>ancipação” compreendia as<br />
categorias já cita<strong>das</strong> na lei ou seja na identificação de cada escravo constava além do nome, a cor,<br />
idade, estado, profissão, aptidão para o trabalho e outras como, pessoa da família, moralidade, nome<br />
do senhor e um campo para observação. Colocando na ficha de classificação categorias que não<br />
estavam na lei como moralidade e pessoas da família, a lista do fundo de <strong>em</strong>ancipação servia para<br />
controle e submissão até o momento de liberdade pois estabeleciam-se critérios para a alforria.<br />
Além dos escravos utilizados na lavoura, a lista possuía <strong>em</strong> sua grande parte, registros de ocupações<br />
urbanas como costureira, pag<strong>em</strong>, cozinheira, bordadeira, engomadores, carpinteiro, alfaiate,<br />
lavadeira e jornaleiro (escravo de ganho).<br />
A extinção lenta e gradual da escravidão atingia seu objetivo com a lei do Ventre Livre cuja redação<br />
dava marg<strong>em</strong> a interpretações dúbias.<br />
Fonte :<br />
Arquivo Histórico de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Postado por Angelo E N Nanni
domingo, 16 de outubro de 2011<br />
O mariscar e a febre no Itapety<br />
Em Tristes Trópicos, Lévi-<br />
Strauss ilumina aquilo que<br />
irá tornar-se o principal eixo<br />
teórico de toda a sua vasta<br />
produção científica: a<br />
relação natureza e cultura e<br />
a subsequente indagação<br />
sobre a natureza do<br />
Hom<strong>em</strong>, que para o autor só<br />
poderá ser<br />
convenient<strong>em</strong>ente<br />
compreendida quando<br />
encontrarmos o caminho de<br />
volta à compreensão de<br />
como o Hom<strong>em</strong> está<br />
relacionado à Natureza.<br />
Formular o objeto da investigação nesses termos implica reconhecer que a vida social, <strong>em</strong> qualquer<br />
agrupamento humano, não é um caos incompreensível, mas se ordena através do costume. Que<br />
esses costumes, muitas vezes incompreensíveis para nós, possu<strong>em</strong> significado para os m<strong>em</strong>bros da<br />
sociedade <strong>em</strong> questão. O que caracteriza a "natureza humana" é justamente o grau de ausência de<br />
orientações intrínsecas, geneticamente programa<strong>das</strong>, na modelag<strong>em</strong> do comportamento.<br />
Despojada dessas orientações, toda ação humana e a própria sobrevivência da espécie ficam<br />
condiciona<strong>das</strong> à constituição de orientações extrínsecas, construí<strong>das</strong> socialmente através de<br />
símbolos. A ideia fundamental é a de que a vida social é ordenada através de símbolos organizados<br />
<strong>em</strong> sist<strong>em</strong>as. O corolário dessa concepção é a negação de uma base natural (e biológica) para a<br />
sociedade.<br />
É justamente na busca pela compreensão do que é ser humano e na identificação dos grandes<br />
universais humanos, que Lévi-Strauss desperta nosso interesse sobre a necessidade de melhor<br />
mapearmos os mecanismos envolvidos no processo de comunicação e interpretação simbólica, <strong>em</strong><br />
especial nos sist<strong>em</strong>as classificatórios que procuram dar conta dos signos produzidos na relação do<br />
hom<strong>em</strong> com a natureza. Nesse sentido, parodiando Lévi-Strauss, os animais – e também as plantas,<br />
<strong>em</strong> qualquer ambiente humano, (e muito antes de ser<strong>em</strong> coisas boas ou não para comer), serv<strong>em</strong><br />
como coisas boas para pensar. A cultura portanto, “… não pode ser considerada n<strong>em</strong> simplesmente<br />
justaposta, n<strong>em</strong> simplesmente superposta à vida. Em certo sentido, substitui-se à vida, e <strong>em</strong> outro<br />
sentido utiliza-a e a transforma para realizar uma síntese de nova ord<strong>em</strong>.”(1)<br />
Orientados por estes princípios básicos, é que procuramos transcrever este depoimento, que muito<br />
além de retratar a m<strong>em</strong>ória pessoal, revela parte <strong>das</strong> relações sociais imbrica<strong>das</strong> na tecitura da teia<br />
social formativa da sociedade mogiana atual e <strong>em</strong> especial, do ambiente rural nas primeiras déca<strong>das</strong><br />
do século XX.<br />
O Sr. José Mello, nascido <strong>em</strong> 4 de Março de 1936, filho de Benedito de Souza Mello e de Paulina<br />
Maria de Souza Mello, recorda de seus t<strong>em</strong>pos de criança no bairro do Itapeti onde, por ocasião da<br />
S<strong>em</strong>ana Santa (entre os meses de Abril e Maio), abundavam os cardumes do camarão de água doce<br />
(Macrobrachium sp), popularmente designado como Pitu. A pesca deste crustáceo era exercida
durante todo o ano como compl<strong>em</strong>ento alimentar mas, seja pela coincidência do costume católico<br />
de não ingerir carne, seja pelo aumento da ocorrência, a captura ampliava-se durante este período.<br />
A coleta é feita com uma peneira entretecida com pequenas fasquias de taquara de lixa ou pinima.(2)<br />
Ao trabalho envolvendo a captura, chamam por mariscar. “Por ocasião da S<strong>em</strong>ana Santa,<br />
mariscava-se por 10 minutos e a gente recolhia uns 2 quilos de camarão.”<br />
Hoje, o camarão t<strong>em</strong> uma ocorrência extr<strong>em</strong>amente reduzida na região, provavelmente devido à<br />
contaminação dos córregos e ribeirões pelo uso não controlado de defensivos agrícolas. Mas mesmo<br />
àquela época de fartura, peixes e camarões começaram a escassear.<br />
O motivo então, devia-se ao fato de os filhos da proprietária da Fazenda Maria Leite, “Nhá Maria”,<br />
localizada às margens do rio Lambari, passar<strong>em</strong> a utilizar a pesca com timbó com muita frequência.<br />
Os peixes iam descendo, mortos, pelo Lambari até o (rio) Paratey”.<br />
Mesmo nos períodos de menor abundância, o mariscar era constant<strong>em</strong>ente <strong>em</strong>pregado. Com o<br />
camarão, preparavam-se bolinhos com farinha de milho, consumidos assados ou fritos. Mas o<br />
mariscar envolve alguns perigos: a gripe e a febre: “Nos meses de Janeiro até Março, a pessoa<br />
marisca cedinho, na madrugada, e à noite, no dia seguinte pode ficar doente, com febre. A febre<br />
pode matar. Para curar, apenas curador.<br />
Me l<strong>em</strong>bro de Dona Crava (Cravelina Pereira), avó do senhor Angenor<br />
Pereira, ardendo de febre, no meio do dia, após mariscar pela manhã.<br />
Mandou chamar uma curandeira (de qu<strong>em</strong> não l<strong>em</strong>bro o nome). Morava<br />
retirada do bairro, veio a cavalo, ainda com a luz do dia e ordenou pro<br />
marido de Dona Crava:<br />
__ Nhô Paulo, vai lá no pasto e procura a Erva de Passarinho (3) no pé da<br />
Vassoura Branca (provavelmente Sida sp)!<br />
__ Mas Dona, nunca vi Erva de Passarinho na Vassoura Branca!<br />
__ Vai ali, que Vosmecê encontra.<br />
A erva localizada e retirada da árvore é cozida e ainda quente, administrada. Logo após, a enferma<br />
adormece.<br />
“Vai dormir uma hora”. Diz a curandeira. E realmente, uma hora após, Dona Crava acorda<br />
chamando por uma <strong>das</strong> filhas, reclamando de fome, pedindo o que comer. Estava curada!<br />
S<strong>em</strong> assistência médica, pública ou privada, s<strong>em</strong>i-isolados, os habitantes do Lambari tratavam as<br />
doenças cotidianas com curadores e benzedores, o único socorro. Muitas as doenças pulmonares, a<br />
febre amarela, a varicela e o tifo: “A pessoa ia apodrecendo por dentro, fedia”. Como preventivo,<br />
chá de marcelinha.(4)<br />
Nos anos 30-40, Miguelzinho, um dos mais reconhecidos curadores da região, tinha por moradia as<br />
proximidades da Freguesia da Escada, <strong>em</strong> Guarar<strong>em</strong>a. Negro e cego de um olho, preparava<br />
garrafa<strong>das</strong>. Pela distância e dificuldade de transporte, o enfermo era representado por um <strong>em</strong>issário<br />
– normalmente parente próximo – que narrava ao benzedor os sintomas do doente. A partir desta<br />
anamnese cabocla, Miguelzinho preparava a garrafada. Em certas ocasiões, após o preparo, olhava<br />
o recipiente contra a luz e já ia avisando: “Pode levar, mas esse aí não t<strong>em</strong> mais jeito.”. Era comum<br />
acontecer, quando do retorno, o <strong>em</strong>issário encontrar morto o parente...<br />
Mas o que nenhum curador ou benzedor dava jeito mesmo era à febre. Ela vinha entre os meses de<br />
janeiro e março. Não era a “febre do macaco”, n<strong>em</strong> gripe, apenas a febre. Altamente contagiosa,<br />
atingia os caboclos s<strong>em</strong> distinção e com certa preferência aos mais fortes:<br />
No Engenho Beija-Flor, tinha um caboclo que montou moradia recente. Era<br />
um caboclo forte, bom de trabalho, que trabalhava 12, 14 horas segui<strong>das</strong>.<br />
Num final de s<strong>em</strong>ana, estava amolando a enxada prá capinar a cana. Na<br />
segunda-feira, após o trabalho, deitou-se com febre. Na terça-feira estava<br />
morto.<br />
Também o ajudante de meu pai morreu assim, <strong>em</strong> um dia.<br />
O último recurso, era a “dosa acônica” - acônico (5) + beladona (6). A “dosa”, pela toxidade <strong>das</strong><br />
substâncias <strong>em</strong>prega<strong>das</strong> no composto, era administrada <strong>em</strong> pequenas gotas, diluída <strong>em</strong> água. Para
isso, utilizavam de um pequeno dosador, um pequeno bastão de vidro maciço <strong>em</strong> forma de L, que<br />
mergulhado no recipiente, retinha pequena parte do preparado, extr<strong>em</strong>amente viscoso. Curava a<br />
gripe, mas não a febre.<br />
A febre provocava tr<strong>em</strong>ores de frio e suadouros. “Mexia com a ideia da pessoa. A pessoa ficava<br />
andando pela casa, a esmo, agitada. Depois morria.”<br />
Não só da febre morria-se no Itapety. A varicela também grassava: “o corpo todo pipocado, <strong>em</strong><br />
carne viva” e também, a “bexiga preta”:<br />
Perto de Jacareí, muita gente morria com a bexiga. Passava um carroção<br />
pelo bairro levando os corpos. As pessoas se escondiam do piloto e do<br />
ajudante, mato a dentro, com medo do contágio.<br />
Uma vez, levaram um farmacêutico, a cavalo, prá prestar socorro. Um<br />
casal morreu, horas segui<strong>das</strong>, um após o outro. Nas vizinhanças, morria o<br />
cunhado.<br />
Meu pai, Benedito de Souza Mello, era capelão da Capela do Santo Alberto<br />
e benzedor bastante conhecido aqui no bairro do Itapeti. Era o responsável<br />
por preparar os enterros.<br />
Os médicos da cidade (<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>), por total falta de recursos, não<br />
conseguiam realizar as vistorias sanitárias necessárias, e quando um<br />
doente morria, meu pai se encarregava de conseguir o atestado de óbito<br />
junto aos médicos.<br />
Àquela época, tinha o Dr. Rosa (7), o Dr. Deodato Wertheimer e o Dr.<br />
Lamartine. Ir até <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, representava 3 horas a cavalo, ou 4<br />
horas no lombo de mula ou burro. O Dr. Lamartine era o mais complicado,<br />
pois fazia questão de visitar o falecido prá expedir o atestado. Já com o Dr.<br />
Rosa, era mais simples, pois ele conhecia b<strong>em</strong> meu pai e também porque<br />
gostava de “chutar” (beber).<br />
Meu pai o procurava, primeiro pelos bares, quase nunca no consultório, e<br />
no bar, o Dr. Rosa perguntava:<br />
__ Oi Mello! Morreu gente por lá, não foi?<br />
Caminhava com papai, do bar ao consultório e lá arr<strong>em</strong>atava:<br />
__ E o tipo da doença?<br />
__ Febre, seu Doutor.<br />
E daí, encaminhava o atestado de óbito, s<strong>em</strong> nada cobrar …<br />
Notas<br />
(1) LEACH, R. As idéias de Lévi-Strauss. São Paulo: Cultrix, 1970 :40-48.<br />
(2) O Sr. José Mello e seu irmão, Joaquim de Souza Mello, insist<strong>em</strong> <strong>em</strong> fazer uma distinção entre<br />
peneira e apá. Não só conhec<strong>em</strong> a atribuição tupi mas a diferenciam funcionalmente: na peneira, o<br />
entretecido é maior, de forma a permitir o escoamento rápido da água, já no apá, as malhas<br />
encontram-se uni<strong>das</strong>, fecha<strong>das</strong>. A apá é utilizada para “abanar” o arroz, separando os grãos<br />
previamente pilados da casca,<br />
(3) Erva-de-passarinho, Struthantus flexicaulis. O suco <strong>das</strong> folhas frescas, é recomendado para<br />
bronquites, pneumonia, pleurisias, h<strong>em</strong>optises, dores no peito, ponta<strong>das</strong> e outras afecções<br />
respiratórias. O decocto, para doenças do útero e h<strong>em</strong>orragias. (BARBOSA, Edglay Lima. Arte e<br />
Ciência. 05 Fev 2008. Disponível <strong>em</strong> http://www.webartigos.com/artigos/erva-de-passarinhoproliferacao-ou-erradicacao/4029/).<br />
(4) A marcelinha, marcela ou marcela-do-campo (Achyrocline sp), possui orig<strong>em</strong> na região sul e<br />
sudoeste do Brasil, dotada com as seguintes propriedades terapeuticas: Antiinflamatório,<br />
antiespasmódico (reduz contrações musculares involuntárias) e analgésico, sedativa e <strong>em</strong>enagoga.<br />
Disponível <strong>em</strong> CULTIVANDO.
http://www.cultivando.com.br/plantas_medicinais_detalhes/marcela_do_campo.html).<br />
(5) Aconitum napellus. Trata-se de um veneno de ação potente e rápida. Seu uso deve ser realizado<br />
<strong>em</strong> doses homeopáticas. É indicado <strong>em</strong> casos de asma, bronquite, congestão pulmonar, coriza,<br />
doença inflamatória, febre com delírios, feri<strong>das</strong> na pele, gota, gripe, hipertrofia do coração, laringite<br />
aguda, nevralgia facial, nevralgia lombociática e do trigênio, palpitação nervosa, pneumonia,<br />
reumatismo, tosse espasmódica e úlceras (PLANTAMED. Aconitum napellus L – Acônito.<br />
Disponível <strong>em</strong> http://www.plantamed.com.br/plantaservas/especies/Aconitum_napellus.htm).<br />
(6) Planta de extr<strong>em</strong>a toxicidade <strong>em</strong> to<strong>das</strong> as suas partes, a beladona (Atropa belladona), rica <strong>em</strong><br />
atropina e escopolamina, possui efeitos terapêuticos utilizados no tratamento da bradicardia sinusal,<br />
na dilatação pupilar no Parkinsonismo, na prevenção de cinetose, como pré-medicação anestésica<br />
para ressecar secreções e <strong>em</strong> doenças espásticas do trato biliar, cólico-ureteral e renal, entre outras<br />
indicações (ERVAS e Insumos. Disponível <strong>em</strong><br />
http://ervaseinsumos.blogspot.com/2009/03/beladona.html).<br />
(7) Dr. Luiz de Azevedo Rosa.<br />
Postado por Sergio Damy
quinta-feira, 20 de outubro de 2011<br />
Exorcismo e Mistérios na Terra <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Mistérios s<strong>em</strong>pre rondaram o cotidiano mogiano.<br />
Crenças se destacam e ilustram a mentalidade na<br />
cidade. Qu<strong>em</strong> nunca ouviu falar do túnel entre as<br />
Igrejas do Rosário (atual Hotel Binder) e a Catedral<br />
de Sant’Anna, onde <strong>em</strong> seu revestimento estariam<br />
sepultados inúmeros fetos. Esta lenda se incorporou<br />
no imaginário <strong>das</strong> pessoas e ainda causa<br />
curiosidade, referente à sua veracidade.<br />
Mas entre os anos de 1906 a 1907, as bases do<br />
catolicismo foram sacudi<strong>das</strong> com a vinda do Pe.<br />
Roberto Landell de Moura, sua permanência no<br />
cargo de pároco da Matriz de Sant’Anna foi breve,<br />
mas marcante para os paroquianos e cidadãos. Pe.<br />
Landell é considerado um dos vários "pais" do rádio,<br />
no caso o pai brasileiro do Rádio. Foi pioneiro na<br />
transmissão da voz humana s<strong>em</strong> fio (radio<strong>em</strong>issão e<br />
telefonia por rádio) antes mesmo que outros<br />
inventores, como o canadense Reginald Fessenden<br />
(dez<strong>em</strong>bro de 1900). Marconi se notabilizou por transmitir sinais de telegrafia por rádio; e<br />
só transmitiu a voz humana <strong>em</strong> 1914.<br />
Pe. Landell foi <strong>em</strong>possado pároco <strong>em</strong> fevereiro de 1906, e ficou no cargo até 4 de abril de<br />
1907, sendo que, neste mesmo mês o Pe. Braz Mercadante escreveu “...fui nomeado<br />
vigário encomendado desta paroquia de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> <strong>em</strong> substituição ao Revmo Pe.<br />
Roberto Landell de Moura que sollicitou sua exoneração”. Em sua permanência na<br />
cidade, segundo relatos da época, “era um pouco curvo, as mãos nos bolsos da batina, o<br />
olhar perdido como num sonho“. Mas envolto <strong>em</strong> uma aura de mistério naquele ano de<br />
1906, Pe. Landell “O Bruxo”, como era conhecido na cidade foi requisitado por uma<br />
família, pois sua filha exibia sinais de possessão maligna.<br />
O possível exorcismo praticado na ocasião deveria seguir os cânones sagrados do Sumo<br />
Pontífice Leão XIII. E tal fato ocorreu, sendo que na ocasião Pe. Landell realizou<br />
experiências cientificas, monitorando o caso.<br />
Exorcizamos-te, espírito imundo, potência satânica, invasão do inimigo infernal, legião ou<br />
seita diabólica, <strong>em</strong> nome e virtude de Nosso Senhor Jesus Cristo + sejas desarraigado e<br />
expulso da Igreja de Deus, <strong>das</strong> almas cria<strong>das</strong> à imag<strong>em</strong> de Deus e resgata<strong>das</strong> pelo<br />
Precioso Sangue do Divino Cordeiro +. Desde esse momento, não te atrevas mais, pérfida<br />
serpente, a enganar o gênero humano, perseguir+ a Igreja de Deus e sacudir e joeirar<br />
como trigo os eleitos de Deus +. Manda Deus Altíssimo, a qu<strong>em</strong> <strong>em</strong> tua insolente soberba<br />
ainda pretendes ass<strong>em</strong>elhar-te, “o qual quer que todos os homens se salv<strong>em</strong> e chegu<strong>em</strong> ao<br />
conhecimento da verdade” (II Tim. 2).
Manda-to Deus Pai +.<br />
Manda-to Deus Filho +.<br />
Manda-to Deus Espírito Santo +.<br />
Das <strong>em</strong>bosca<strong>das</strong> do d<strong>em</strong>ônio,<br />
R. Livrai-nos Senhor.<br />
Dignai-vos conceder à nossa Igreja a segurança e a liberdade para<br />
Vos servir.<br />
R. Nós Vos suplicamos, ouvi-nos Senhor.<br />
Dignai-vos humilhar os inimigos da Santa Igreja.<br />
R. Nós Vos suplicamos, escutai-nos Senhor.Amém<br />
(Aspergir com água benta as pessoas e o lugar.)<br />
Está ação trouxe um choque para a pacata cidade, tanto que durante sua visita pastoral<br />
de 1909 Dom Duarte Leopoldo e Silva, Arcebispo Metropolitano de São Paulo relatava:<br />
“...Encontramos a parochia ainda sob a lamentável impressão de dois gravíssimos<br />
escândalos que aqui se deram, para os quais pedimos toda a imensa e inesgotável<br />
Misericórdia do Senhor...”<br />
Tais ações pratica<strong>das</strong> pelo padre, não estavam <strong>em</strong> confluência com Arquidiocese de São<br />
Paulo. Pe. Landell possivelmente foi exonerado do cargo de pároco pelas diversas<br />
experiências <strong>em</strong> torno do rádio e finalmente como estopim, o exorcismo, feito segundo<br />
suas palavras, com o acompanhamento de "instrumentos e aparelhos" científicos.<br />
Na próxima postag<strong>em</strong> continuar<strong>em</strong>os com o caso Landell e o exorcismo que chocou uma<br />
cidade.<br />
Fontes:<br />
Livro do Tombo. Cúria Diocesana de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Ritual de Exorcismo<br />
Código de Direito Canônico, Wikipédia.<br />
Postado por Glauco Ricciele Prado L<strong>em</strong>es da Cruz Ribeiro
domingo, 30 de outubro de 2011<br />
Anjos e D<strong>em</strong>ônios. O caso Landell<br />
Na ultima postag<strong>em</strong> sobre o Padre Landell recordamos que <strong>em</strong> 1909 o Arcebispo<br />
Metropolitano de São Paulo relatava: “ ...Encontramos a parochia ainda sob a lamentável<br />
impressão de dois gravíssimos escândalos que aqui se deram ...” e possivelmente se referia ao<br />
exorcismo praticado pelo Pr Landell.<br />
A questão do exorcismo nos r<strong>em</strong>ete a uma série de observações, escritos científicosfilosóficos<br />
e a uma invenção de Landell, cont<strong>em</strong>porânea a sua presença como pároco <strong>em</strong><br />
<strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>.<br />
Para aprofundar a compreensão de sua estada <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> dev<strong>em</strong>os r<strong>em</strong><strong>em</strong>orar<br />
que Padre Landell é l<strong>em</strong>brado como o inventor do radio, mas seria uma injustiça se<br />
apenas esse invento lhe fosse atribuído.<br />
No início dos anos 1980, um grupo de trabalho de engenheiros de telecomunicação da<br />
Telebras considerou Padre Landell como precursor da Televisão, do Teletipo e do controle<br />
r<strong>em</strong>oto por rádio 1 e além destes inventos deixados <strong>em</strong> croquis, pod<strong>em</strong>os lhe atribuir o<br />
estudo da transmissão de voz através de fontes de luz.<br />
A produção de conhecimento por parte do pároco era imensa e entre seus interesses<br />
intelectuais estava o de compreender o que envolve o ser humano e não deixava de tratar<br />
de uma aproximação entre ciência e religião.<br />
A conciliação entre ciência e religião não é um t<strong>em</strong>a novo e recent<strong>em</strong>ente foi tratado no<br />
filme Anjos e D<strong>em</strong>ônios. Sobre o t<strong>em</strong>a assim se manifestava Landell no início do século<br />
XX.<br />
“(...) Santos Dumont está b<strong>em</strong>, porém o seu colega cont<strong>em</strong>porâneo vive esquecido<br />
porque cometeu um crime, o de querer sair da sacristia para mostrar ao mundo que a<br />
religião nunca se opôs ao progresso da humanidade(...)”<br />
No caso de exorcismo <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>, Landell afirmava que o havia realizado com o<br />
acompanhamento de "instrumentos e aparelhos" científicos. Ora um de seus inventos que<br />
foi cont<strong>em</strong>porâneo de sua estada na cidade era a bioeletrografia ou fotografia Kirlian<br />
como ficou conhecido mais tarde esse tipo de fotografia, descoberta na URSS <strong>em</strong> 1939,<br />
sendo portanto, a descoberta de Landell b<strong>em</strong> anterior.<br />
Nesse tipo de fotografia que mostraria a energia que circunda a matéria (s<strong>em</strong> a aceitação<br />
unanime de cientistas), chamou de perianto os efeitos eletroluminescentes, e chegou<br />
entre outras à seguinte conclusão, sobre o perianto e fotografia:”que, se esse indivíduo<br />
estiver sob a ação do hipnotismo ou de qualquer outro estado anormal capaz de mudarlhe<br />
a personalidade , o seu perianto,nesse caso, apresentara as feições da personalidade<br />
1 Almeida, Hamilton.Padre Landell de Moura-Um herói s<strong>em</strong> glória, editora Record, p.306
que ele supõe ser no momento.” 2<br />
Mais tarde, dando sequencia ao processo de suas deduções escreveu:”Nestes estados,<br />
notam-se modificações mais ou menos pronuncia<strong>das</strong> de personalidade, seja pelo físico,<br />
seja pela moral, porque, geralmente falando, ele toma o porte, a atitude, os gestos, a voz<br />
e, até, os mesmos defeitos ou imperfeições característicos dos indivíduos que ele supõe<br />
ser. Ele dá corpo, vida, expressão, numa palavra, a todos os fantasmas da imaginação, e<br />
com eles conversa, come, ri e se diverte, como o faria na realidade se se achasse <strong>em</strong> tais<br />
circunstancias e <strong>em</strong> seu estado normal.” 3<br />
Os fantasmas da imaginação, nossos anjos e d<strong>em</strong>ônios que Landell ousou compreender<br />
e não foi compreendido.<br />
O país perdeu.<br />
Fontes:<br />
Jornal “A vida”, <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> 1907<br />
Cúria Diocesana de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Almeida, Hamilton.Padre Landell de Moura-Um herói s<strong>em</strong> glória, editora Record,<br />
2006<br />
Postado por Angelo E N Nanni<br />
2 Id<strong>em</strong>, p.141<br />
3 Ibid<strong>em</strong>, p. 192
terça-feira, 1 de nov<strong>em</strong>bro de 2011<br />
O c<strong>em</strong>itério São Salvador – 140 anos<br />
A rotina é modificada no c<strong>em</strong>itério São Salvador no período que antecede o dia de Finados.<br />
Avisos fixados na parede de entrada indicam as datas limite para obras de pinturas nos túmulos e<br />
lápides. Pessoas chegam carregando vassouras e produtos de limpeza para realizar um ritual que se<br />
repete por anos a fio. A limpeza dos túmulos.<br />
A preocupação de uns contrasta com o abandono de outros, a devoção coletiva na forma de<br />
peregrinação à determinados túmulos convive com mortos anônimos e outros conhecidos.<br />
O c<strong>em</strong>itério se tornou também uma forma de compreender as relações sociais <strong>em</strong> determinada<br />
época e estudar a sociedade através dos espaços destinados aos enterramentos, a arte, estatuária e<br />
significado dos túmulos, os trabalhos <strong>em</strong> mármore, a técnica e os marmoristas, entendimento da<br />
religião, classes sociais e locais de enterramentos, etc..<br />
Como política pública, a preservação c<strong>em</strong>iterial ou o patrimônio funerário visto como patrimônio<br />
cultural, constitui hoje uma ação realizada <strong>em</strong> várias partes do mundo e também no Brasil, sendo<br />
que, no âmbito federal, os primeiros c<strong>em</strong>itérios tombados datam de 1930 e os últimos do ano 2000.<br />
Na História dos enterramentos no Brasil, a Igreja des<strong>em</strong>penhou um papel relevante quando os<br />
mortos eram enterrados <strong>em</strong> seu interior ou no entorno.<br />
A atribuição de zelar pelos c<strong>em</strong>itérios passou para as câmaras municipais a partir de 1828.<br />
A lei de 1º de outubro de 1828, que regulamentava a atuação <strong>das</strong> câmaras municipais, atribuía a<br />
estas (câmaras) “o estabelecimento dos c<strong>em</strong>itérios fora dos t<strong>em</strong>plos (...)”<br />
Em prestação de contas da câmara municipal de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> Cuzes, no ano de 1843 havia gastos com<br />
reparos no portão do c<strong>em</strong>itério, plano e orçamento detalhado (forro, caibros, pregos, vigas, vigotão,<br />
etc.) de“uma capellinha dentro do S<strong>em</strong>iterio”.<br />
Em 11 de fevereiro de 1871, a Ass<strong>em</strong>bleia Legislativa Provincial, examinava o regulamento<br />
enviado pela Câmara de <strong>Mogi</strong> para a nova organização do C<strong>em</strong>itério Publico Municipal,<br />
estabelecendo ser, no artigo 1º, de exclusiva administração da Câmara Municipal.<br />
O artigo IV estabelecia que haveria um espaço para a exumação “dos acatholicos ou dos, a qu<strong>em</strong> a<br />
Igreja catholica recusar sepultura eclesiastica.Um muro o distinguira do terreno sagrado”.Mas no<br />
artigo XXXVIII “Em duvida se o cadaver é de cathólico ou acatholico...prevalecera a presunpção<br />
de que é cathólico.<br />
O artigo XXXIII, estabelecia que toda a renda do c<strong>em</strong>itério pertencia a câmara municipal, exceto<br />
10%, e isto gerava manifestações de descontentamento por parte da Igreja. Neste regulamento<br />
pod<strong>em</strong>os perceber um início de tensão nas relações Igreja-Estado com a perda gradual de<br />
influencias da Igreja e a laicização contínua da vida.<br />
Benzido de acordo com o rito romano, <strong>em</strong> 27/06/1871, a localização do C<strong>em</strong>itério São Salvador<br />
indicava uma preocupação sanitária, pois desde meados do século XIX se questionava, <strong>em</strong> vários<br />
locais da província, a localização dos c<strong>em</strong>itérios. Mesmo sendo posterior, o Código Sanitário de<br />
1894, nos dá pistas sobre a localização que deveria ter um c<strong>em</strong>itério. Em um dos artigos<br />
dizia:”Deverão ser construidos s<strong>em</strong>pre que possível, <strong>em</strong> pontos elevados e contra-vertente <strong>das</strong><br />
águas....”<br />
Ora, <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> com a evolução urbana <strong>em</strong> meados do século XIX, o espaço dos mortos<br />
estava “na cidade” e integrava um espaço comunitário, desta forma, com as discussões <strong>em</strong> torno da<br />
saúde publica, houve um distanciamento da comunidade dos vivos, com o deslocamento do<br />
c<strong>em</strong>itério para o “alto do campo santo”.<br />
Este breve olhar para os 140 anos do c<strong>em</strong>itério São Salvador nos mostra um patrimônio<br />
potencialmente importante que, no entanto, não t<strong>em</strong> sido tratado desta forma.<br />
Fonte: Alesp<br />
Postado por Angelo E N Nanni
sábado, 12 de nov<strong>em</strong>bro de 2011<br />
A escravidão <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> II 1872<br />
A leitura e interpretação dos censos indicam<br />
possibilidades de pesquisa <strong>em</strong> História.<br />
A população livre no município de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong><br />
<strong>Cruzes</strong> pelo censo de 1872 era de 15033<br />
habitantes, sendo 10301 <strong>em</strong> <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong>,<br />
1788 na Freguesia de Itaquaquecetuba, 1463 na<br />
Escada e 1531 <strong>em</strong> Arujá. No município de São<br />
José do Paraytinga havia 3042 livres.<br />
Dentre os livres havia no recenseamento de<br />
1872 as seguintes categorias: sexo, estado civil,<br />
brancos, pardos, pretos, caboclos, religião,<br />
nacionalidades, instrução e casas.<br />
O quadro geral da população escrava contava com as categorias sexo, estado civil, raça, religião,<br />
nacionalidade e grau de instrução.<br />
A região de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> contava com 1496 cativos, Santa Isabel 1105, Santa Branca 967 e São<br />
José do Paraytinga 161.No quesito instrução, a cidade de <strong>Mogi</strong> apresentava 1% da população<br />
escrava alfabetizados, enquanto <strong>em</strong> outras regiões esse número era menor ou nulo e somente Itu<br />
apresentava número s<strong>em</strong>elhante a <strong>Mogi</strong>. Isto poderia indicar as características da região e da<br />
escravidão urbana , voltada para os escravos de ganho.<br />
No quadro referente a “defeitos physicos” encontramos as categorias Livres – Escravos, com os<br />
seguintes números:Para os livres, entre cegos, surdo mudos, aleijados e probl<strong>em</strong>as mentais<br />
encontramos por volta de 15% da população da região, sendo que o número de mulheres com<br />
probl<strong>em</strong>as mentais superava <strong>em</strong> quase 40% o número de homens, o que poderia indicar as<br />
condições <strong>em</strong> que viviam e eram trata<strong>das</strong> as mulheres.<br />
Entre os escravos, <strong>em</strong> números absolutos, a maior deficiência física constatada no recenseamento,<br />
se dava na categoria “cegos”, o que confirmava o trabalho pioneiro do médico Manoel da Gama<br />
Lobo, "Da oftalmia brasiliana", publicada originalmente <strong>em</strong> 1865 sobre a deficiência nutricional<br />
causada pelas degradantes condições de vida do escravo e os probl<strong>em</strong>as na visão decorrentes desta<br />
deficiência nutricional.<br />
“O trabalho excessivo, a alimentação insuficiente, os castigos corporais <strong>em</strong> excesso transformam<br />
estes entes miseráveis <strong>em</strong> verdadeiras máquinas de fazer dinheiro; s<strong>em</strong> direito de casamento, s<strong>em</strong><br />
laço algum de amizade que os ligue sobre a terra, eles perd<strong>em</strong> o ânimo, sendo vítimas de opilações,<br />
úlceras crônicas, caquexias e to<strong>das</strong> as moléstias que são ocasiona<strong>das</strong> por uma alimentação<br />
insuficiente.” (Gama Lobo, 1865a, p.432).<br />
Fontes:<br />
VASCONCELOS, Francisco de Assis Guedes de; SANTOS, Leonor Maria Pacheco. Tributo a<br />
Manoel da Gama Lobo (1835-1883), pioneiro na epid<strong>em</strong>iologia da deficiência de vitamina A no<br />
Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 14, n. 4, Dec. 200Availablefrom. access<br />
on 26 Mar. 2011. doi: 10.1590/S0104-59702007000400013.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
sexta-feira, 25 de nov<strong>em</strong>bro de 2011<br />
Uma anarcof<strong>em</strong>inista no Theatro Vasques <strong>em</strong> 1911<br />
Belén de Sarraga nasceu <strong>em</strong> Valladolid <strong>em</strong> 1874.<br />
Foi f<strong>em</strong>inista, leitora de Bakunin e Kropotkin, livre pensadora e militante<br />
anti clerical, tendo escrito “El clericalismo en América”.<br />
Defendia a liberdade de consciência, a liberdade de instrução, a<br />
tolerância e os objetivos pacifistas<br />
Na Espanha esteve presa durante alguns meses por pronunciar um<br />
discurso contra um general responsável pelo fuzilamento de um poeta,<br />
militou ativamente durante a segunda república espanhola e percorreu a<br />
América, do México à Argentina, passando pelo Brasil, promovendo<br />
concorri<strong>das</strong> palestras onde o t<strong>em</strong>a era a mulher, família, Estado e<br />
religião.<br />
Na cidade de São Paulo chegou <strong>em</strong> abril de 1911, onde, um jornal local a<br />
chamou de “Anjo da Revolução”. Em sua conferencia assinalava:<br />
Diz-se com razão que a família é a base dos Estados. T<strong>em</strong> estes de ser, portanto, o que<br />
a família é; a cultura, o valor moral, as tendências profun<strong>das</strong> e características da<br />
comunidade social são outros tantos reflexos <strong>das</strong> qualidades e dos defeitos daquela<br />
unidade básica. Mas a família por sua vez t<strong>em</strong> um centro, uma célula mater, uma base<br />
insubstituível: a mulher-mãe. Portanto, os destinos do Estado repousam, <strong>em</strong> ultima<br />
analise, na educação da mulher, na mãe de família.<br />
Em <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> algumas pessoas se agitavam e formavam uma comissão para trazer Belén<br />
Sárraga à cidade, uns movidos pelo anticlericalismo <strong>das</strong> idéias de Sárraga, outros pelo<br />
humanitarismo e ainda outros pelas posições políticas sobre o poder (poder dos homens sobre as<br />
mulheres, poder de Estado, etc), pois, a cidade apresentava um alto índice de imigrantes espanhóis e<br />
italianos que compartilhavam destas posições.<br />
A cidade se preparava para receber o “Anjo da Revolução” e o vigário da Matriz dizia: “Chegou<br />
nesta cidade a exploradora espanhola Bélen Sárraga, espanhola expulsa de sua pátria por causa<br />
<strong>das</strong> ideias subversivas que pregava. Os católicos desta cidade não tomaram parte nas festas dessa<br />
espanhola. As senhoras (mais de mil) prottestaram contra a vinda dessa anticlerical.”<br />
No dia 22 de junho de 1911, uma quinta-feira, Bélen Sárraga chegava por tr<strong>em</strong> de subúrbio e era<br />
conduzida ao Teatro Vasques para falar sobre um t<strong>em</strong>a que envolvia formas de poder:”A família e a<br />
Igreja”.<br />
Apresentada por um ex-sacerdote católico, iniciou sua fala as nove e trinta e as onze horas se dirigia<br />
ao hotel onde ficou hospedada, acompanhada por “uma massa compacta” segundo o jornal “A<br />
Vida”.<br />
No dia seguinte, seu destino era novamente a capital e outras peregrinações <strong>em</strong> torno da liberdade e<br />
<strong>das</strong> vontades do ser.<br />
Fontes:<br />
Livro do Tombo da Cúria Diocesana de <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong><br />
Jornal “A Vida” 25/06/1911<br />
Postado por Angelo E N Nanni
quinta-feira, 22 de dez<strong>em</strong>bro de 2011<br />
Observar e comprar, observar e desejar – O Natal de 1935<br />
Uma possibilidade na produção de conhecimento histórico<br />
está na análise de periódicos locais e sua contextualização.<br />
Na antevéspera do Natal de 1935, um dos ícones da<br />
sociedade industrial no século XX, assumia o centro <strong>das</strong><br />
atenções:o automóvel.<br />
O jornal “O Liberal” estampava <strong>em</strong> sua primeira página, do<br />
dia 22 de dez<strong>em</strong>bro de 1935, o objeto de desejo da sociedade<br />
de consumo, que dava seus primeiros passos. Uma caravana<br />
com cinquenta carros desfilava pelas ruas da cidade, tendo a<br />
imprensa e autoridades como convidados.<br />
Para aquele que só podia observar e desejar, os novos<br />
modelos do Ford V8 ficaria <strong>em</strong> exposição na agencia do<br />
município.<br />
Mas a ideia pretendida de progresso como el<strong>em</strong>ento<br />
fundamental para eliminar contrastes sociais, era desfeita na<br />
terceira pagina com a noticia do “Natal dos pobres” e a<br />
exposição da desigualdade presente na sociedade industrial.<br />
O Natal dos pobres era realizado desde 1911 e nas palavras<br />
do periódico “A Vida”, a realização da festa “...nas amplas varan<strong>das</strong> do Mercado Municipal …<br />
indica que nós já t<strong>em</strong>os dado um grande passo na senda da civilização”. Presidia esta visão o<br />
conceito evolucionista de civilização, onde, o resultado de civilizar era o estado de adiantamento<br />
cultural e social.<br />
As cronicas de Natal, a religiosidade da festa, presentes nas primeiras páginas de jornais locais <strong>em</strong><br />
anos anteriores, davam lugar aos desejos de uma sociedade de mercado. As características solidarias<br />
da festa ficavam relega<strong>das</strong> a pequenas notas no interior da edição.<br />
Postado por Angelo E N Nanni
domingo, 25 de dez<strong>em</strong>bro de 2011<br />
Natal e relações de gênero na <strong>Mogi</strong> <strong>das</strong> <strong>Cruzes</strong> de 1921<br />
No Natal de 1921, o jornal A Vida, retrata <strong>em</strong> sua<br />
primeira página, uma crônica natalina que realça a<br />
solidariedade entre a população mogiana deste<br />
período: o costume de, após a Missa do Galo, os fieis<br />
se dirigir<strong>em</strong> à casa de outras famílias católicas para<br />
apreciar seus presépios, quando a “[...] cidade<br />
apresenta um movimento desusado.” Também o<br />
profano é mencionado, como o costume <strong>das</strong> crianças<br />
de apresentar sapatinhos atrás da porta de seus<br />
quartos para receber<strong>em</strong> presentes, b<strong>em</strong> como a<br />
utilização de costumes e refeições mais elabora<strong>das</strong>.<br />
Neste espírito de solidariedade, também “[...] a<br />
pobreza faz o seu natal, dada a bela iniciativa de<br />
instituições e agr<strong>em</strong>iações de caridade, que angariam<br />
donativos entre os corações piedosos, e assim, v<strong>em</strong>os<br />
também satisfeita essa classe desprotegida da sorte.”<br />
No entanto, à aparente harmonia existente numa<br />
sociedade imaginada s<strong>em</strong> contrastes sociais, salta aos<br />
olhos quando, na mesma página <strong>em</strong> que foi<br />
publicada a Crônica de Natal, um artigo sobre o voto<br />
f<strong>em</strong>inino (ainda <strong>em</strong> tramitação no Congresso),<br />
assinado por S.F.Q. revela, se não a desigualdade presente nas relações sociais, a tensão presente<br />
entre as relações de gênero. Eis o texto transcrito na íntegra.<br />
O Voto F<strong>em</strong>inino<br />
O direito de voto às mulheres é – pode-se afirmar desde já – uma realidade, entre nós.<br />
Isto está a nos dizer o Congresso Nacional que a estas horas estuda o projeto com<br />
interesse e não está longe o dia <strong>em</strong> que o ver<strong>em</strong>os nas mãos do Executivo para o seu<br />
sancionamento.<br />
E o belo sexo, que nos dirá? Estará de acordo com as leis governamentais que o coloca<br />
<strong>em</strong> igualdade de condições político-sociais com os seus s<strong>em</strong>elhantes do sexo forte?<br />
Quererá a mulher deixar a sua simpática e nobre posição de mãe de família para<br />
correr às urnas e intervir na política com risco a uma tr<strong>em</strong>enda catástrofe de<br />
transformar o lar numa torre de Babel?<br />
Sim, porque, imagin<strong>em</strong> lá. O marido político e dos aferroados; os filhos – pode muito<br />
b<strong>em</strong> acontecer – políticos e partidaristas apaixonados; todos de ideias e de partidos<br />
diferentes; si nestas condições ainda entra a mulher com sua opinião e teimosia (as<br />
mulheres são às vezes teimosas, pirracentas até por esporte), que será dessa casa?<br />
Imagin<strong>em</strong> numa época como esta <strong>em</strong> que os partidos ferv<strong>em</strong> e as opiniões se diverg<strong>em</strong>.<br />
Teríamos comida s<strong>em</strong> sal, s<strong>em</strong> t<strong>em</strong>pero ou s<strong>em</strong> gordura, quando não, cabeças parti<strong>das</strong><br />
ou divórcios <strong>em</strong> cartórios.<br />
Se na atualidade os ciúmes e as intrigas faz<strong>em</strong> <strong>das</strong> mulheres inimigas irreconciliáveis e<br />
mal encara<strong>das</strong> entre si, que dir<strong>em</strong>os se ainda se envolver<strong>em</strong> <strong>em</strong> questões políticas, que<br />
apaixonam e desnorteiam?<br />
Perderiam por certo o seu completo prestígio.<br />
A mulher brasileira compreende e interpreta muito diferent<strong>em</strong>ente a lei que ora anda<br />
pelo Parlamento. Isto o sab<strong>em</strong>os. Ela por si acha inoportuna essa concessão de voto e<br />
abster-se-á de ir às urnas, mesmo porque não estará disposta a levar algumas paula<strong>das</strong>
Fontes<br />
nos dias de eleições.<br />
Quererá, é certo, conservar-se no lar, entre as carícias de seus filhinhos, que são todo<br />
seu afeto, e alimentará, como até aqui, no seu coração a verdadeira política – a<br />
Política do Amor.<br />
<strong>Mogi</strong>, Dez<strong>em</strong>bro de 1921. S.F.Q.<br />
A Vida. Órgão do Partido Republicano Governista<br />
25 de Dez<strong>em</strong>bro de 1921 Ano 16, N. 687<br />
Postado por Sérgio Damy