Por Exemplo, Com O Recente Caso - Visão Judaica
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VISÃO JUDAICA março 2006 Adar/Nissan 5766<br />
* Jacob Dolinger é doutor em<br />
Direito Privado e professor titular<br />
de Direito Internacional Privado<br />
na UERJ e professor visitante de<br />
várias escolas de Direito nos<br />
Estados Unidos e da Academia de<br />
Direito Internacional. Fonte:<br />
Artigo publicado no Boletim ASA<br />
– n o 71 – julho/agosto de 2001<br />
p.3.<br />
VJ INDICA<br />
Jacob Dolinger *<br />
o Pentateuco não há distinção<br />
entre regras de natureza<br />
legal e de natureza moral;<br />
ambas são apresentadas via<br />
revelação e se equiparam no que tange<br />
à sua autoridade. A forma imperativa<br />
é igualmente empregada à<br />
proibição contra o homicídio e o roubo<br />
e à ordem de amar o semelhante.<br />
Um sistema unificado de lei e moral,<br />
apesar de se reconhecer coercibilidade<br />
para um e não para o outro.<br />
Na visão profética de Isaías, Amós<br />
e Miquéias, a perda da soberania e o<br />
exílio se dão devido a corrupção social,<br />
pecados de natureza social, econômica<br />
e política, a violação de normas<br />
jurídico-morais de comportamento,<br />
sem referência a questões de<br />
culto ou ao pecado da idolatria.<br />
No período talmúdico se reconhece<br />
claramente que não há um regime<br />
de coerção para garantir determinadas<br />
formas comportamentais desejadas.<br />
Tanto na Mishná como na Tossefta<br />
— os dois códigos editados<br />
no final do século II<br />
da era atual, sobre os<br />
quais foram subseqüentemente<br />
elaborados e<br />
editados o Talmud de<br />
Jerusalém e o Talmud<br />
da Babilônia —, encontram-sereferências<br />
a certas situações<br />
em que, apesar de<br />
justificado, uma parte<br />
não tem recurso legal contra<br />
a outra parte, só lhe res-<br />
ILME<br />
Modigliani - Paixão pela Vida<br />
Título original: Modigliani<br />
EUA, 2004, 128 minutos<br />
Direção: Mick Davis<br />
Atores: Andy Garcia, Elsa Zylberstein e Omid Djalili<br />
Distribuição: Universal, drama, DVD, colorido.<br />
A Ética no Judaísmo<br />
tando taromet, ressentimento contra<br />
quem prejudicou.<br />
Os sábios talmudistas invocaram<br />
freqüentemente o conceito de<br />
v’assissá haiashar v’hatov — e farás o<br />
que é justo e bom —, encontrado<br />
no Deuteronômio 6, 18, para fundamentar<br />
uma série de normas de comportamento<br />
nas relações humanas,<br />
introduzindo coercibilidade em algumas<br />
delas. Destacam-se as regras<br />
sobre o preço excessivo, a ona’á, que<br />
faculta ao comprador reivindicar a<br />
anulação da transação pela qual o<br />
vendedor cobrou mais de um sexto<br />
acima do preço do mercado. Outra<br />
regra criada com base no ideal do<br />
justo e do bom é o direito do proprietário<br />
da terra executada por dívidas<br />
de reavê-la mais tarde, mediante<br />
o pagamento do valor de sua<br />
dívida. A angústia de quem perde sua<br />
terra ou sua casa inspirou a inovação<br />
talmúdica.<br />
Os juízes da época talmúdica, e<br />
todos que se seguiram àquela era,<br />
se esforçavam para estimular as partes<br />
que compareciam perante as cortes<br />
a ir além da estrita obrigação<br />
legal e isto se traduziu em diversas<br />
máximas. Uma delas é aquela que diz<br />
que a parte está isenta, de acordo<br />
com as leis do homem, mas obrigada,<br />
de acordo com as leis do Céu<br />
(dinei shamaim), significando que,<br />
apesar de o tribunal não ter como<br />
coagir a parte a cumprir com o iashar<br />
v’tov, mesmo assim exercia alguma<br />
pressão verbal para induzi-la a cumprir<br />
com o que é justo e bom.<br />
SINOPSE<br />
A história se passa na Paris dos anos 1920, a cidade mítica por onde circulavam artistas como Pablo Picasso,<br />
Gertrude Stein, Ernest Hemingway, Diego Rivera e Amedeo Modigliani – pintor judeu de origem italiana<br />
interpretado por Andy Garcia. O filme mostra os dramáticos últimos anos da vida do artista, período em que<br />
pintou as suas telas mais famosas e da sua paixão doentia por Jeanne Hebuterne – musa retratada em vários<br />
trabalhos. Filmado na França, Reino Unido, Alemanha, Romênia e Itália. Legendas em <strong>Por</strong>tuguês.<br />
Outra fórmula muito empregada<br />
em mais de dois mil anos de jurisprudência<br />
judaica é a famosa máxima<br />
lifnim meshurat hadin – além da<br />
obrigação legal -, significando que,<br />
apesar de não haver base jurídica para<br />
forçar-me a uma determinada atitude<br />
ou omissão, se eu quero me comportar<br />
além da estrita letra da lei,<br />
preocupando-me com o nível moral<br />
de meu comportamento, devo agir<br />
de determinada forma para com o<br />
nível moral de meu comportamento,<br />
devo agir de determinada forma para<br />
com meu co-contratante, meu vizinho,<br />
ou a pessoa que nem conheço<br />
e cujo objeto perdido eu achei, levando-me<br />
até a indenizar a pessoa<br />
que teve prejuízo por um conselho<br />
que lhe dei (nenhuma relação com a<br />
malpratice profissional, eis que o Talmud<br />
trata aqui de conselho gratuito<br />
[BM 24b e 30b e BK 99b]).<br />
Uma análise terminológica comparativa<br />
dos conceitos de tsedek e<br />
chessed torna mais fácil compreender<br />
a distinção entre o din (a lei) e o<br />
lifnim meshurat hadin (além da obrigação<br />
legal). Tsedek significa justiça,<br />
o ato correto, paralelo a emet,<br />
verdade. Tsedek e/ou emet representam<br />
os atos verdadeiros e corretos<br />
que cada um está obrigado a cumprir,<br />
equivalendo ao din, à lei.<br />
Chessed representa o ato caridoso,<br />
paralelo a hen — graça ou favor<br />
— e a rachamim —misericórdia. Chessed<br />
e/ou rachamim (apesar de, numa<br />
análise mais profunda, serem distintos)<br />
representam atos benevolentes,<br />
são expressões da boa vontade e de<br />
amor (“E amarás teu semelhante...”),<br />
e materializam o lifnim meshurat hadin,<br />
atos que vão além da estrita<br />
observância da lei, do din.<br />
Consequentemente, o tsadik é o<br />
homem justo que cumpre a lei, de<br />
acordo com os princípios emanados<br />
do tsedek-emet, já o chassid (o chassid<br />
mencionado no Talmud, não o<br />
judeu pertencente a um dos grupos<br />
chassídicos, oriundos do movimento<br />
do Baal Shem Tov, do século XVIII)<br />
é a pessoa que age com chessed-rachamim,<br />
uma pessoa bondosa, rápida<br />
para fazer um favor, uma pessoa<br />
que vai além das exigências da lei,<br />
agindo lifnim meshurat hadin.<br />
Moisés é o homem da lei, e seu<br />
irmão, Aaron, o homem que amava a<br />
paz, perseguia a paz, e reconciliava<br />
as pessoas umas com as outras por<br />
meio de concessões e de renúncias<br />
além da exigência da lei. Aaron<br />
acrescentava seu chessed ao din do<br />
irmão Moisés.<br />
No campo das transações comerciais,<br />
não tendo fundamento legal<br />
para forçar o inadimplente a cumprir<br />
seu compromisso, a corte endereça<br />
uma censura-maldição a<br />
quem não honra a palavra empenhada<br />
(mi shepara). Em circunstâncias<br />
menos graves a censura se materializa<br />
cognominando o faltante<br />
como mechussar emuná (destituído<br />
de lealdade). Uma censura mais<br />
branda é a que proclama que determinado<br />
comportamento da pessoa<br />
envolvida “não é do agrado dos<br />
sábios de Israel”. <strong>Por</strong> outro lado,<br />
aquele que paga uma dívida já prescrita<br />
(pela shmitá que ocorria a<br />
cada sete anos) executa um ato que<br />
“agrada aos sábios de Israel”.<br />
A punição pelo uso de pesos e<br />
medidas adulterados é mais grave do<br />
que por relações sexuais vedadas,<br />
pois o comerciante nunca mais saberá<br />
a quem locupletou para fazer a<br />
restituição. O Talmud diz que no julgamento<br />
final a primeira pergunta<br />
que se faz à alma é se ela conduziu<br />
seus negócios com boa fé.<br />
Finalmente, qualquer palavra<br />
que possa induzir outra pessoa a<br />
uma impressão errônea sobre qualquer<br />
situação é proibida (onaat devarim),<br />
mesmo sem acarretar prejuízo<br />
monetário.<br />
Uma clássica regra da moral judaica,<br />
contida no Pirkei Avot — a<br />
Ética dos Pais — é citar a autoria de<br />
tudo que se diz e escreve. <strong>Com</strong>o todos<br />
os conceitos aqui expostos derivam<br />
do Talmud faz-se tão somente<br />
uma referência às obras consultadas<br />
para elaborar uma concisa apresentação<br />
do tema: Menachem Elon<br />
(ed.), The Principles of Jewish Law;<br />
Saul Berman, Law and Morality, verbete<br />
na obra pré-citada; Aaron Kirschenbaum,<br />
Equity in Jewish Law;<br />
Boaz Cohen, Jewish na Roman Law –<br />
A <strong>Com</strong>parative Study; Moshe Silberg,<br />
Law and Morals in Jewish Jurisprudence<br />
(Harvard Law Review, 1961);<br />
Itzhak Halevi Herzog, Moral Rights<br />
and Duties in Jewish Law, Studies in<br />
Jewish Jurisprudence; Nahum Rakover,<br />
Ethics in the Market Place.