A Vida sob Efeitos do Transe - Repositórios Digitais da UFSC
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ecusam a admiti-los. Seja esse sentimento aplica<strong>do</strong> a um Deus invisível, a um<br />
í<strong>do</strong>lo de pedra, a um herói ou a uma idéia política, é sempre de essência<br />
religiosa (Le Bon, 1938: p. 49).<br />
Essa tecnologia a primeira vista pode parecer extremamente alienante na medi<strong>da</strong> em<br />
que o indivíduo parece estar <strong>sob</strong> o <strong>do</strong>mínio de uma enti<strong>da</strong>de exterior que controla ou<br />
impede to<strong>do</strong>s os seus movimentos autônomos. Isso poderia ser ver<strong>da</strong>de para Le Bon em<br />
razão de seu pensamento absolutamente autoritário e conserva<strong>do</strong>r. Porém, os termos que ele<br />
apresenta, a) transe, b) sugestões internaliza<strong>da</strong>s, c) ações regulamenta<strong>da</strong>s, parecem ter<br />
vali<strong>da</strong>de se devi<strong>da</strong>mente complexifica<strong>da</strong>s e dispostas <strong>sob</strong>re uma perspectiva que não<br />
pretende em absoluto po<strong>da</strong>r as iniciativas pessoais, mas em prepará-las. Desse mo<strong>do</strong>,<br />
podemos encontrar um grau de sutileza muito maior <strong>do</strong> que aquilo que observamos num<br />
primeiro momento em Le Bon, demonstran<strong>do</strong> que o essencial dessa tecnologia pode não<br />
estar no controle irrestrito <strong>da</strong> ação voluntária, mas nos efeitos que ela produziria na<br />
subjetivi<strong>da</strong>de <strong>do</strong>s indivíduos. Em outras palavras, a alienação pura e simples poderia ser<br />
substituí<strong>da</strong> por um processo em que o indivíduo preso nas malhas de uma determina<strong>da</strong><br />
tecnologia reproduziria por espontânea vontade os limites <strong>do</strong> ordenamento no qual fora<br />
incluí<strong>do</strong>.<br />
Nesse senti<strong>do</strong>, a afetivi<strong>da</strong>de, ou seja, a a<strong>do</strong>ção de uma norma moral subjetiva de<br />
afastamento ou de aproximação para com os objetos exteriores, seria a chave segun<strong>do</strong> a<br />
qual o indivíduo se inscreveria nas malhas desse poder, que não agiria na interdição, mas na<br />
produção de uma forma determina<strong>da</strong> de relacionamento com o meio externo. Se a<br />
afetivi<strong>da</strong>de foi a forma que encontramos em Le Bon para garantir a eficácia <strong>da</strong>s sugestões<br />
de um poder central é porque ela se traduz em tendências subjetivas, as sugestões <strong>do</strong><br />
hipnotiza<strong>do</strong>r, que o indivíduo sempre a<strong>do</strong>taria em suas relações com o exterior. Nesse<br />
senti<strong>do</strong>, a afetivi<strong>da</strong>de estaria longe de proibir pura e simplesmente um ato, mas o produziria<br />
de uma forma determina<strong>da</strong>. Manuel Bomfim em Noções de Psicologia, livro didático<br />
escrito em 1904 e que analisaremos um pouco mais detalha<strong>da</strong>mente adiante, afirma que a<br />
afetivi<strong>da</strong>de diz respeito às necessi<strong>da</strong>des e exigências para a realização <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>, sen<strong>do</strong><br />
negativa quan<strong>do</strong> se constitui em entrave a esta realização e positiva se apresenta facili<strong>da</strong>de<br />
à conservação e expansão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong>. Aqui, morali<strong>da</strong>de e vi<strong>da</strong> seriam indissociáveis. A<br />
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