A Vida sob Efeitos do Transe - Repositórios Digitais da UFSC
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Sen<strong>do</strong> assim, o educan<strong>do</strong> não necessitaria estar muito tempo vincula<strong>do</strong> à escola,<br />
ten<strong>do</strong> que rapi<strong>da</strong>mente se integrar à socie<strong>da</strong>de constituí<strong>da</strong>, sen<strong>do</strong> um erro gravíssimo deixá-<br />
lo afasta<strong>do</strong> dela. Observamos que o desejo de Le Bon de a<strong>da</strong>ptar, mais rapi<strong>da</strong>mente<br />
possível, o educan<strong>do</strong> à socie<strong>da</strong>de ocorre porque há uma adesão <strong>do</strong> autor ao poder<br />
constituí<strong>do</strong>. Agora, se não há essa adesão, a escola, na visão <strong>do</strong>s educa<strong>do</strong>res,<br />
necessariamente passaria a a<strong>do</strong>tar um papel constituinte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de. Essa é,<br />
resumi<strong>da</strong>mente, a diferença <strong>do</strong> estatuto político <strong>da</strong> escola que separam a concepção de Le<br />
Bon <strong>da</strong> concepção de Olavo Bilac e Manoel Bomfim 22 . Estes autores por não concor<strong>da</strong>rem<br />
com o ordenamento constituí<strong>do</strong> na socie<strong>da</strong>de brasileira faziam <strong>da</strong> educação o principal<br />
instrumento de constituição de um novo ordenamento. A escola assumiria, então, uma<br />
função transforma<strong>do</strong>ra.<br />
Para tanto, a escola não poderia ser apenas um apêndice <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de constituí<strong>da</strong>. O<br />
espaço que a escola assumiria, então, em seu papel transforma<strong>do</strong>r passaria a ser a nossa<br />
preocupação neste momento. Pois, a escola seria quase que desnecessária numa concepção<br />
que tomasse a reali<strong>da</strong>de constituí<strong>da</strong> como ideal, sen<strong>do</strong> muito mais prático ao educan<strong>do</strong><br />
inserir-se o mais diretamente possível nela. Apresentaremos, a seguir, três contos infantis 23 ,<br />
para que, por meio deles, possamos descrever o espaço necessário para que a escola<br />
obtivesse o estatuto de poder constituinte <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de social brasileira. O primeiro conto de<br />
Coelho Neto intitula-se O Tesouro, o segun<strong>do</strong> de Olavo Bilac, O Recruta, e o terceiro,<br />
também, de Olavo Bilac, O “Cabeça de ferro”. Neles descreveremos as linhas principais<br />
22 Certamente, Manoel Bomfim está critican<strong>do</strong> Le Bon quan<strong>do</strong>, em O Brasil Nação escrito em 1930, ele<br />
afirma que: A consciência há de conhecer e aceitar, antes de conformar-se, e isto exige, antes de tu<strong>do</strong>, que se<br />
ilumine a inteligência. Ain<strong>da</strong> há objeções, quan<strong>do</strong> se alega que a cultura <strong>da</strong> inteligência também se aproveita<br />
para o crime... São conceitos de ignorância, ou de quem se interessa pela ignorância. Nem há mais<br />
deslava<strong>da</strong> mentira <strong>do</strong> que o afirmar-se que a instrução tenha torna<strong>da</strong> em qualquer parte a massa popular<br />
mais imoral, ou degra<strong>da</strong><strong>da</strong> (Bomfim, 1998: p. 646). Aliás, neste livro, Manoel Bomfim apresenta uma clara<br />
concepção <strong>da</strong> educação enquanto constitutiva <strong>da</strong> reali<strong>da</strong>de, pois o que estava constituí<strong>do</strong> na socie<strong>da</strong>de<br />
brasileira o desagra<strong>da</strong>va profun<strong>da</strong>mente. Falta-nos povo para a livre vi<strong>da</strong> cotidiana. Falta-nos; mas um povo<br />
se faz em duas ou três gerações. A educação caberia o papel de constituir esse povo, pois não há, segun<strong>do</strong><br />
Manoel Bomfim, qualquer determinismo racial, geográfico ou climático na evolução de uma nação. Antes de<br />
tu<strong>do</strong>, somente pela educação que os destinos de uma nação poderiam ser altera<strong>do</strong>s, nesse senti<strong>do</strong>, o autor<br />
demonstra alguns exemplos de como a educação constituiu povos deprimi<strong>do</strong>s em pontífices <strong>da</strong> civilização. Na<br />
Alemanha, abati<strong>da</strong> a Prússia em Iena, quan<strong>do</strong> o desastre já parecia que<strong>da</strong> definitiva, eleva-se a voz de Fitch,<br />
em deprecação de profeta, a pedir a educação <strong>do</strong> povo alemão, como o único remédio possível, na suprema<br />
desgraça (...) Aqui mesmo, na América <strong>do</strong> Sul. Leiam-se as descrições <strong>do</strong>s próprios argentinos – <strong>do</strong> que era a<br />
vi<strong>da</strong> pública ali: dá para horrorizar... Vieram os governos educa<strong>do</strong>res; Sarmiento foi um nome nacional, e<br />
dessa política forma<strong>do</strong>ra saiu a Argentina atual, dianteira <strong>do</strong> progresso no continente (Bomfim, 1998:<br />
p.644)..<br />
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