A Vida sob Efeitos do Transe - Repositórios Digitais da UFSC
A Vida sob Efeitos do Transe - Repositórios Digitais da UFSC
A Vida sob Efeitos do Transe - Repositórios Digitais da UFSC
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
Introdução<br />
O filósofo italiano Giorgio Agamben em recente livro publica<strong>do</strong> no Brasil 1 insere<br />
na fratura entre a vi<strong>da</strong> nua e a vi<strong>da</strong> qualifica<strong>da</strong> a oposição fun<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> polis ocidental. A<br />
vi<strong>da</strong> nua estaria no centro de origem <strong>da</strong> moderna política ocidental. A novi<strong>da</strong>de apresenta<strong>da</strong><br />
encontra-se na identificação por parte deste autor <strong>do</strong> movimento de exclusão inclusiva <strong>da</strong><br />
vi<strong>da</strong> nua na forma como esta se relaciona com a vi<strong>da</strong> qualifica<strong>da</strong>. A biopolítica 2 apresenta-<br />
se, assim, como pressuposto fun<strong>da</strong>nte <strong>da</strong> política moderna, inicia-se nos primeiros<br />
processos na época clássica de exclusão <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> nua até os processos modernos aonde a<br />
vi<strong>da</strong> nua vem progressivamente a coincidir com o espaço político, e exclusão e inclusão,<br />
externo e interno, bíos e zoé, direito e fato entram em uma zona de irredutível indistinção.<br />
(Agamben, 2002; p. 16)<br />
Acompanhemos um pouco mais os argumentos introdutórios de Agamben.<br />
O termo vi<strong>da</strong>, conforme o autor, assumiu entre os gregos duas formas distintas: zoé,<br />
que expressaria o simples fato de viver, comum a to<strong>do</strong>s os seres vivos e bios, indican<strong>do</strong><br />
uma maneira particularmente ordena<strong>da</strong> de vi<strong>da</strong> <strong>do</strong>s indivíduos e <strong>do</strong>s grupos. Sen<strong>do</strong> assim, a<br />
fun<strong>da</strong>ção política <strong>da</strong> polis aconteceria no momento de exclusão <strong>da</strong> zoé, restrita ao âmbito<br />
menor <strong>da</strong> vi<strong>da</strong> reprodutiva. É em referência a esta definição que Foucault, ao final <strong>da</strong><br />
Vontade de Saber, resume o processo através <strong>do</strong> qual, nos limiares <strong>da</strong> I<strong>da</strong>de Moderna, a<br />
vi<strong>da</strong> natural começa, por sua vez, a ser incluí<strong>da</strong> nos mecanismos e nos cálculos <strong>do</strong> poder<br />
estatal, e a política transforma-se em biopolítica. (Agamben, 2002; p.11) Nesse senti<strong>do</strong>, na<br />
moderni<strong>da</strong>de, a zoé insere-se definitivamente na vi<strong>da</strong> política, enquanto categoria<br />
fun<strong>da</strong>mental de intervenção <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> <strong>sob</strong>re o controle subjetivo <strong>do</strong> corpo e <strong>sob</strong>re o<br />
ordenamento <strong>do</strong> mo<strong>do</strong> de vi<strong>da</strong> <strong>da</strong> população. O Esta<strong>do</strong> moderno através <strong>da</strong> biopolítica<br />
1<br />
AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder <strong>sob</strong>erano e a vi<strong>da</strong> nua. Tradução de Henrique Burigo. Belo<br />
Horizonte: Editora UFMG, 2002.<br />
2<br />
A biopolítica, conforme Michel Foucault em A Vontade de Saber, constitui-se <strong>da</strong> a<strong>do</strong>ção de categorias<br />
científicas e não mais, somente, jurídicas na ordenação <strong>do</strong> poder no Esta<strong>do</strong>. Este passa, ca<strong>da</strong> vez mais, a partir<br />
desses novos dispositivos, a interferir na vi<strong>da</strong> biológica <strong>da</strong>s populações, tal como a sexuali<strong>da</strong>de. A finali<strong>da</strong>de<br />
<strong>da</strong> biopolítica está, <strong>sob</strong>retu<strong>do</strong>, no fato de que a disciplina seja produzi<strong>da</strong> subjetivamente, não mais somente<br />
por mecanismos coercitivos externos, forman<strong>do</strong> aquilo que Foucault chamou de corpos dóceis, ou seja,<br />
corpos dispostos ao trabalho regular e constante necessários à acumulação capitalista.<br />
4