processos de territorialização e identidades sociais - UFSCar
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Cap. I Fronteiras Amazônicas e os “Focos <strong>de</strong> Calor” – o que as fumaças ocultam e revelam? 5<br />
<strong>de</strong> práticas regulares no espaço público dos templos e no espaço privado das moradias<br />
dos fiéis. O povo indígena kaingang realiza um culto aos mortos através <strong>de</strong><br />
uma festa (kiki) em que a dança ao redor <strong>de</strong> fogueiras é uma das práticas centrais<br />
para reforçar sua <strong>de</strong>fesa psíquica em torno da vonta<strong>de</strong> <strong>de</strong> prolongar a vida, <strong>de</strong>sligando-os<br />
dos mortos e impedindo que os espíritos <strong>de</strong>stes queiram levá-los consigo<br />
(VEIGA, 2000). O uso do fogo em contexto ritual funerário, associado à i<strong>de</strong>ntificação,<br />
coleta e plantio <strong>de</strong> sementes que propiciavam boa lenha, é observado em<br />
fragmentos <strong>de</strong> carvão em sambaquis catarinenses, suscitando a hipótese <strong>de</strong> interferência<br />
humana pré-histórica na paisagem natural tal, como <strong>de</strong>monstram certos<br />
padrões vegetacionais da Floresta Amazônica, cujos estudos arqueológicos <strong>de</strong>sfazem<br />
o mito da ‘floresta virgem’ (BIANCHINI, 2008).<br />
De outra parte, o controle do fogo através <strong>de</strong> tecnologias aperfeiçoadas ao<br />
longo da Revolução Industrial foi aquilo que ensejou a extensão da clarida<strong>de</strong> e do<br />
tempo <strong>de</strong> trabalho nas fábricas, propiciando as jornadas noturnas. Matos (2008)<br />
consi<strong>de</strong>ra que, dos lampiões a gás à iluminação elétrica, houve processual intolerância<br />
perante as práticas <strong>de</strong> passivida<strong>de</strong> no tempo noturno. O repouso e a contemplação<br />
tornam-se <strong>de</strong>scartáveis em vista das exigências da acumulação, e o stress<br />
se torna um estado permanente da condição humana no contexto <strong>de</strong> mo<strong>de</strong>rnida<strong>de</strong>,<br />
afirma a autora. Nada mais parecido com o “inferno da terra”: as cobranças contínuas<br />
por produção e produtivida<strong>de</strong>, por inúmeros e simultâneos contatos, formais<br />
e informais, ambos impeditivos da preservação <strong>de</strong> um tempo interno, que<br />
respeite tanto o relógio biológico quanto as disposições reflexivas não alienantes.<br />
Nessa perspectiva, a estratégia <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> setores mo<strong>de</strong>rnizantes é fazer<br />
ar<strong>de</strong>r a Amazônia brasileira não apenas para subtrair os sistemas <strong>de</strong> objetos que,<br />
na forma como se apresentam, atrapalham a organização dos negócios. Trata-se<br />
<strong>de</strong> alterar o conteúdo das relações <strong>sociais</strong> ali estabelecidas, impondo, juntamente<br />
à nova configuração do espaço, uma nova normatização do tempo para os povos<br />
locais em que o <strong>de</strong>vaneio, o <strong>de</strong>scanso, as práticas rituais e <strong>de</strong>mais aspectos das<br />
interações correntes submetem-se aos ritmos da acumulação.<br />
A AMAZÔNIA EM AGONIA<br />
À racionalida<strong>de</strong> que teima em consi<strong>de</strong>rar a Amazônia brasileira como um<br />
espaço vazio subjaz um projeto <strong>de</strong> expansão econômica <strong>de</strong> setores bem estabelecidos<br />
no i<strong>de</strong>ário <strong>de</strong>senvolvimentista, <strong>de</strong>stacadamente no trinômio construção civil/<br />
energia/agrobusiness, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> <strong>de</strong>riva uma cabal <strong>de</strong>slegitimação da produção social<br />
local do território, entendida como atrasada. Assim, a materialização do intento<br />
<strong>de</strong> transformação do lugar, ajustando-o ao que é entendido pelas forças<br />
sociopolíticas exógenas como o mais apropriado à região, provoca a invisibilização<br />
dos modos <strong>de</strong> vida ali existentes e prece<strong>de</strong>ntes, anulando-os através da alteração<br />
da dinâmica ecossistêmica e da <strong>de</strong>stituição dos <strong>de</strong>mais meios materiais da reprodução<br />
social, como o direito a terra. Nesse intento, o fogo se apresenta como arma<br />
que, ao abrasar matas e florestas e inviabilizar a permanência dos povos que <strong>de</strong>la