processos de territorialização e identidades sociais - UFSCar
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Cap. II Fronteiras e Mobilida<strong>de</strong> Territorial: trajetórias <strong>de</strong> famílias seringueiras na região... 37<br />
Contudo, essas funções foram <strong>de</strong>saparecendo quando o seringueiro se tornou<br />
autônomo, ven<strong>de</strong>ndo sua produção diretamente ao comprador, geralmente a Associação<br />
dos Seringueiros, controladora <strong>de</strong> subsídios governamentais. Para Seu<br />
Pereira, “aquele pessoal era do passado, [atualmente] não temos mais o patrão, o<br />
loteiro, o gerente, o comboeiro, só temos agora o seringueiro”.<br />
O seringueiro “é aquele que corta, que tira o látex, ou seja, o leite que faz a<br />
borracha”. É o que acorda todos os dias durante a madrugada, faz o <strong>de</strong>sjejum e<br />
segue sua rotina itinerante pelas estradas para aplicar os cortes na seringueira. “Por<br />
volta das <strong>de</strong>z, onze horas ele [retorna], come, volta ao meio-dia” para recolher o<br />
leite, volta para casa às três ou quatro horas e trabalha em seu roçado. Antigamente,<br />
também tinha <strong>de</strong> <strong>de</strong>fumar o leite para fabricar a borracha, porém, agora basta<br />
“botar o látex (n)a gameleira, pra coalhar”.<br />
No Acre, a família <strong>de</strong> Pereira morou no seringal Bagaça, <strong>de</strong>pois seguiu para o<br />
distrito <strong>de</strong> Campinas, passou alguns meses em Plácido <strong>de</strong> Castro e, por fim, a<strong>de</strong>ntrou<br />
o território boliviano, on<strong>de</strong> finalmente se fixou. A escolha por esse lugar se <strong>de</strong>veu<br />
à abundância <strong>de</strong> árvores <strong>de</strong> seringa da região, situação inversa da região sul do Acre,<br />
já <strong>de</strong>smatada pelo avanço da agropecuária. A família <strong>de</strong> Seu Pereira migrou para a<br />
Bolívia nas décadas <strong>de</strong> 1970 a 1980, mas antes, como apontamos anteriormente,<br />
já havia brasileiros do outro lado da fronteira.<br />
O primeiro gran<strong>de</strong> momento que <strong>de</strong>monstra a presença <strong>de</strong> seringueiros brasileiros<br />
do outro lado da fronteira, na Bolívia, foi quando estes cortavam seringa<br />
em suas barracas, no tempo áureo da borracha. Mas isso não significa que a diminuição<br />
dos “negócios da borracha” no mercado mundial tenha provocado a saída<br />
<strong>de</strong> brasileiros do território boliviano. Com a queda dos preços no mercado mundial<br />
houve um afrouxamento das relações <strong>de</strong> controle dos seringais, tanto no lado<br />
brasileiro quanto no boliviano. Nessa perspectiva, trabalhar na Bolívia era muito<br />
mais lucrativo, pois, além <strong>de</strong> sempre ter sido “boa <strong>de</strong> leite”, nos seringais bolivianos<br />
não se cobrava a renda pelas estradas <strong>de</strong> seringa e se podia ven<strong>de</strong>r a produção a<br />
quem bem enten<strong>de</strong>sse.<br />
Um segundo momento <strong>de</strong> fluxo migratório <strong>de</strong> seringueiros acreanos para o<br />
Pando foi o das décadas <strong>de</strong> 1970 a 1980, provocado pelas políticas públicas do<br />
regime militar (1964-1985). Nesse período é colocado em prática um programa<br />
<strong>de</strong> ocupação econômica da Amazônia, conhecida como ocupação dos “espaços vazios”,<br />
embora a região estivesse ocupada por povos indígenas e pela população camponesa<br />
“já presente na área <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o século XVIII” (MARTINS, 1997: 85-86). E<br />
falavam também da “mo<strong>de</strong>rnização das ativida<strong>de</strong>s econômicas”, gerando conflitos<br />
e tensões pelo reconhecimento da posse da terra.<br />
O conjunto das políticas e estratégias <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento, levadas a cabo pelo<br />
regime militar, significou para os povos indígenas e populações camponesas a “chegada<br />
do novo” na forma <strong>de</strong> expropriação. Deles foi tirado o que se tinha <strong>de</strong> “vital