processos de territorialização e identidades sociais - UFSCar
processos de territorialização e identidades sociais - UFSCar
processos de territorialização e identidades sociais - UFSCar
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Cap. II Fronteiras e Mobilida<strong>de</strong> Territorial: trajetórias <strong>de</strong> famílias seringueiras na região... 33<br />
“O mais importante pra mim foi apren<strong>de</strong>r a ler e a calcular e consegui um estudo,<br />
e porque eu cortava seringa, eu aprendi quando eu cortava seringa e também<br />
eu fazia a contagem das borrachas, e quem me ensinou foi o Piro, mais<br />
ele primeiro me ensinou a ler e <strong>de</strong>pois a calcular em nosso idioma, e só <strong>de</strong>pois<br />
estudamos o português com professores brasileiros. Eu aprendi a ler com o João<br />
Piru, pai do Jaime. Isso no ano <strong>de</strong> 1957. E foi ele que me ensinou a ler e a<br />
calcular” (Zé Urias Manchineri).<br />
A trajetória do povo Manchineri em sua inserção no mercado <strong>de</strong> trabalho dos<br />
seringais e das fazendas aparece neste <strong>de</strong>poimento:<br />
“Eu, José Severino da Silva (Zé Urias Manchineri), da tribo Manchineri, nasci<br />
em 1942, no Seringal Petrópolis, na Colocação União. Mamãe era uma seringueira<br />
<strong>de</strong>sta colocação. Eu tinha nove anos quando meu pai morreu, no Seringal<br />
Petrópolis, na Colocação Maloquinho. Aí minha mãe (Pretonia Maimará<br />
Manchineri) assumiu todo o trabalho, cortando seringa, e como éramos dois<br />
irmãos, começamos a ajudar nossa mãe a cortar seringa. Em 1954 eu já tinha<br />
12 anos <strong>de</strong> ida<strong>de</strong> e já cortava seringa por conta, eu fui trabalhar no meio <strong>de</strong><br />
outros seringueiros “brancos”. Também fui ma<strong>de</strong>ireiro e empreiteiro para o<br />
patrão no Seringal Petrópolis. Fui caçador para os fazen<strong>de</strong>iros <strong>de</strong> 1951 até 1975.<br />
A vida <strong>de</strong> seringueiro era uma vida muito sofrida, a gente dava duas voltas na<br />
estrada para po<strong>de</strong>r dar conta. De manhã nós cortávamos as seringas; e à tar<strong>de</strong><br />
nós fazíamos a coleta. Assim era nossa vida nos seringais.<br />
O seringalista era Alfredo Vieira Lima, ele era nosso patrão. Ele movimentava<br />
quatro seringais: São Francisco, Icuriã, Petrópolis e Guanabara. Eu, como era<br />
bom seringueiro, durante um ano eu produzia 1.000 quilos <strong>de</strong> borracha; eu,<br />
além <strong>de</strong> seringueiro, era ma<strong>de</strong>ireiro do seringalista. E como eu era ma<strong>de</strong>ireiro<br />
e seringueiro do seringalista, eu ensinava os que vinha da cida<strong>de</strong> que não sabiam<br />
cortar seringa. Em 1957, quando Bechil Canizio Brasil comprou o movimento<br />
do seringal Petrópolis com todos os seringueiros que tinha no seringal,<br />
continuamos a cortar seringa. Então, eu somente mu<strong>de</strong>i <strong>de</strong> patrão, mas continuei<br />
morando no seringal com o mesmo trabalho <strong>de</strong> seringueiro no seringal.<br />
Eu também comprava mercadoria do Belchil Canizio Brasil, ele também tinha<br />
muita confiança em mim, porque eu sempre fui consi<strong>de</strong>rado bom seringueiro.<br />
Antes do Canizio eu cortei seringa no Seringal São Francisco, Icuriã e no Rio<br />
Iaco. Depois voltei para o Seringal Petrópolis, quando eu fui convidado pelo<br />
patrão porque eu tinha duas profissões, o <strong>de</strong> seringueiro e o <strong>de</strong> ma<strong>de</strong>ireiro.<br />
Muitas vezes eu tinha um saldo <strong>de</strong> 15.000 cruzeiros, mas isso o patrão me<br />
pagava em dinheiro. Quando não se produzia a quantida<strong>de</strong> que o patrão <strong>de</strong>sejava,<br />
não se vendia mercadoria <strong>de</strong> jeito nenhum para eles. Só se tivesse borracha<br />
no terreno e mostrasse para ele, aí se vendia para os Manchineri a<br />
quantida<strong>de</strong> mínima <strong>de</strong> mercadoria. Quando outros Manchineri que também<br />
eram seringueiros produziam pouca borracha, o patrão vendia pouca mercadoria<br />
para eles e era menos <strong>de</strong> 200 quilos <strong>de</strong> borracha.