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O PARAPLÉGICO NO MERCADO DE TRABALHO – A ... - UFRJ

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<strong>UFRJ</strong><br />

O <strong>PARAPLÉGICO</strong> <strong>NO</strong> <strong>MERCADO</strong> <strong>DE</strong> <strong>TRABALHO</strong> <strong>–</strong> A PERCEPÇÃO<br />

DOS TRABALHADORES SEM <strong>DE</strong>FICIÊNCIA MOTORA:<br />

Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar<br />

Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação<br />

em Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna<br />

Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,<br />

como parte dos requisitos necessários à obtenção<br />

do título de Doutor em Enfermagem.<br />

Orientadora:<br />

Profª. Drª. Regina Célia Gollner Zeitoune<br />

Rio de Janeiro<br />

Outubro/2007


O <strong>PARAPLÉGICO</strong> <strong>NO</strong> <strong>MERCADO</strong> <strong>DE</strong> <strong>TRABALHO</strong> <strong>–</strong> A PERCEPÇÃO DOS<br />

TRABALHADORES SEM <strong>DE</strong>FICIÊNCIA MOTORA:<br />

Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar<br />

Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de<br />

Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - <strong>UFRJ</strong>, como parte dos<br />

requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />

Aprovada por:<br />

______________________________________<br />

Presidente, Profª. Drª. Regina Célia Gollner Zeitoune<br />

__________________________________________________<br />

1º examinador, Prof. Dr. André Laino<br />

__________________________________________________<br />

2º examinador, Profª. Drª. Rosana Glat<br />

__________________________________________________<br />

3º examinador, Profª. Drª. Maria Yvone Chaves Mauro<br />

__________________________________________________<br />

4º examinador, Profª. Drª. Márcia Tereza Luz Lisboa<br />

__________________________________________________<br />

Suplente, Dr. Sérgio Lima<br />

__________________________________________________<br />

Suplente, Profª. Drª. Sheila Nascimento Pereira de Farias<br />

Rio de Janeiro<br />

Outubro /2007<br />

2


Figueiró, Rachel Ferreira Savary.<br />

O paraplégico no mercado de trabalho <strong>–</strong> a percepção dos trabalhadores sem<br />

deficiência motora: Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar<br />

/ Rachel Ferreira Savary Figueiró. - Rio de Janeiro: <strong>UFRJ</strong>/ EEAN, 2007.<br />

185 f. il.; 31 cm.<br />

Orientador: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />

Tese (doutorado) <strong>–</strong> <strong>UFRJ</strong>/Escola de Enfermagem Anna Nery/ Programa<br />

de pós-graduação em enfermagem, 2007.<br />

Referências Bibliográficas: f. 173-181.<br />

1. Trabalhador. 2. Cadeirante. 3. Deficiência. 4. Estigma. I. Zeitoune,<br />

Regina Célia Gollner. II. Universidade Federal do Rio Janeiro, EEAN,<br />

Programa de Pós-graduação em Enfermagem. III. Título.<br />

3


Dedico este trabalho à minha Família Família. Família<br />

Aos meus filhos filhos, filhos<br />

Artur Artur, Artur<br />

Pedro e<br />

Miguel Miguel que me ensinaram o verdadeiro<br />

sentido da palavra “prioridade” e com sua<br />

generosidade, me deram carinho, sorrisos e<br />

colo quando eu precisei. Quem mais, se não<br />

vocês, a dar sentido à minha vida?<br />

<strong>DE</strong>DICATÓRIA<br />

Ao meu querido Esposo Rogério Figueiró Figueiró, Figueiró<br />

agradeço pelo seu amor, sua paciência, generosidade,<br />

carinho e esforço constantes para tornar esse processo<br />

menos turbulento e mais produtivo possível. Sua<br />

compreensão e tolerância nos meus momentos de cansaço e<br />

de humor pouco amigável foram fundamentais para que<br />

eu pudesse perseguir meu objetivo de terminar este<br />

trabalho. Foi com você que reforcei, durante estes últimos<br />

anos, minha crença na união, esperança, e serenidade nas<br />

adversidades. Você é uma pessoa muito especial! Esse<br />

trabalho é seu também. Amo você e nossa Família!<br />

4


AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS ESPECIAIS<br />

Devo agradecer a Deus em primeiro lugar. Foi com Seu auxílio concreto e presença<br />

constante que consegui chegar até aqui. E também à Nossa Senhora que me amparou em<br />

vários momentos nesta jornada.<br />

Á minha Mãe Lina Lina que sempre se antecipou às minhas necessidades de conciliar meu<br />

tempo entre tese, casa, filhos e marido. Sua disponibilidade incondicional foi imprescindível<br />

para a conclusão do meu trabalho. Minha mãe, fonte inesgotável de amor!<br />

Ao meu Pai Alceste que contribuiu com estímulo constante, apoio logístico e<br />

compreensão pelos vários dias sem a companhia de minha mãe em casa. A vocês dois,<br />

referências na minha vida no que se refere aos valores que hoje eu tenho e cultivo, o meu<br />

sincero agradecimento.<br />

Valeu o incentivo de minha irmã Liane Liane, Liane<br />

que, em função do seu trabalho, não tinha<br />

como participar de maneira mais próxima desta etapa da minha vida profissional, mas mesmo<br />

de longe, sei que irradiava pensamentos positivos para que terminasse com sucesso esta<br />

empreitada.<br />

Vovó Vovó Conceição Conceição, Conceição Vovô Vovô Albertino e Tia Alic Alice... Alic<br />

Dedico este meu trabalho também a<br />

vocês porque tenho plena certeza que, mesmo aí no Céu, vocês torceram e ainda torcem por<br />

mim. Meu Deus, quanta saudade!<br />

5


AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />

Agradeço muitíssimo à minha Orientadora Orientadora Profª. Profª. Drª. Regina Célia Célia Goll GollnerZeitoune<br />

Goll<br />

nerZeitoune nerZeitoune,<br />

nerZeitoune<br />

que quase teve sua reserva de paciência esgotada! Apesar das dificuldades inerentes à<br />

construção de um estudo deste porte, penso que valeu a pena. Ouso até dizer que nós duas<br />

aprendemos muita coisa neste período. Acabei sendo privilegiada, pela bagagem de<br />

conhecimento que tanto ela me proporcionou como o curso em si, e também pelos laços que, se<br />

antes eram fortes, agora ficaram mais estreitos. Obrigada pela confiança que depositou em<br />

mim, pela competência com que conduziu as orientações durante todo o curso, pela<br />

cumplicidade na defesa da idéia da tese e pela compreensão infindável nos momentos<br />

complicados. Espero ter feito jus à sua dedicação e competência como Orientadora.<br />

Aos Professores Professores Doutores Doutores que me honraram com sua anuência em participar da minha<br />

Banca Banca Examinadora<br />

Examinadora.<br />

Examinadora<br />

À amiga Profª. Drª. Ângela Abreu Abreu, Abreu<br />

que me iniciou no mundo da Lesão medular e que<br />

acabou sendo tão responsável pela minha paixão pelo tema. Não vou me esquecer nunca das<br />

palavras de incentivo ao meu esforço, dos elogios e apoio na consecução da minha tese.<br />

À Chefia do <strong>DE</strong>SP pela confiança e apoio nas pessoas das Professoras Drªs<br />

Elisabete Elisabete Pimenta Pimenta e Rosane Griepp Griepp. Griepp<br />

A todas minhas colegas do Departamento Departamento de Enfermagem de Saúde Pública Pública Pública que<br />

torceram pelo êxito do meu trabalho, o meu agradecimento.<br />

À Sônia Maria Xavier Xavier, Xavier<br />

secretária do Programa de Ensino de Pós Graduação e<br />

Pesquisa da EEAN/<strong>UFRJ</strong>, pelo atendimento às minhas solicitações durante a realização do<br />

curso.<br />

6


Às empresas que abriram suas portas, franqueando seus departamentos e autorizando<br />

as entrevistas para que eu pudesse coletar os dados e construir esta tese.<br />

Aos trabalhadores<br />

trabalhadores, trabalhadores<br />

sujeitos do meu estudo, obrigada pela compreensão e colaboração.<br />

Muito obrigada!<br />

7


8<br />

[...] um homem se humilha<br />

Se castram seu sonho<br />

Seu sonho é sua vida<br />

E a vida é trabalho<br />

E sem o seu trabalho<br />

Um homem não tem honra<br />

E sem a sua honra<br />

Se morre, se mata<br />

Não dá pra ser feliz<br />

Não dá pra ser feliz<br />

Gonzaga Jr.


RESUMO<br />

O <strong>PARAPLÉGICO</strong> <strong>NO</strong> <strong>MERCADO</strong> <strong>DE</strong> <strong>TRABALHO</strong> <strong>–</strong> A PERCEPÇÃO DOS<br />

TRABALHADORES SEM <strong>DE</strong>FICIÊNCIA MOTORA: Contribuições da enfermagem para<br />

a equipe multidisciplinar<br />

Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em<br />

Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -<br />

<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />

Estudo sobre a percepção do trabalhador sem deficiência motora acerca do paraplégico no<br />

contexto de trabalho. Objetivos: descrever a percepção dos trabalhadores sem deficiência<br />

motora acerca do trabalhador paraplégico no trabalho; analisar, na percepção dos sujeitos do<br />

estudo, atitudes que denotassem uma postura estigmatizante frente ao deficiente cadeirante no<br />

contexto do trabalho; discutir as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência<br />

motora acerca da inclusão do paraplégico no contexto ocupacional, na perspectiva da Saúde<br />

do Trabalhador. O referencial teórico se apoiou, dentre outros, em Erving Goffman (1988,<br />

2005) e Carolyn Vash (1988). Abordagem qualitativa, norteada pelos pressupostos da<br />

dialética. Os dados foram captados através de entrevista semi-estruturada no local de trabalho<br />

dos sujeitos. Os resultados revelaram que: estes percebem a deficiência como um atributo do<br />

indivíduo deficiente e não como uma condição construída socialmente que transforma<br />

dificuldade em incapacidade; a família e o tratamento de reabilitação foram apontados como<br />

ferramentas para que o cadeirante se instrumentalizasse para ingressar e permanecer no<br />

mercado de trabalho; que a noção estigmatizante do deficiente é, de fato, uma realidade no<br />

ambiente ocupacional, mais expressiva nas faixas etárias jovens, independendo do nível de<br />

escolaridade; não guardando coerência com as reais limitações do cadeirante. Tal<br />

comportamento vai repercutir negativamente na saúde do trabalhador cadeirante que não se<br />

sente valorizado pelo grupo onde trabalha. Não vendo seu esforço reconhecido e sentindo-se<br />

preterido em função da sua deficiência, sofre profundo prejuízo em sua auto-estima que pode,<br />

cedo ou tarde, resultar em afastamento por depressão ou por acidentes de trabalho.<br />

Palavras-chave: Trabalhador; Cadeirante; Deficiência; Estigma.<br />

9


ABSTRACT<br />

THE WHEEL CHAIR BOUND INDIVIDUAL IN THE WORK MARKET <strong>–</strong> THE<br />

PERCEPTION OF WORKERS WHO ARE <strong>NO</strong>T MOTOR DISABLED:<br />

Nursing subsidy for multiprofessional team<br />

Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em<br />

Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -<br />

<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />

Study on the worker’s perception who does not suffer from motor disability towards the<br />

wheel chair bound individual in the work context. Objectives: to describe the perception such<br />

workers have about the wheel chair bound individual at work; to analyse, in the subjects’s<br />

perception, attitudes that might represent a stigmatising posture towards the wheel chair<br />

bound individual in the work context; to discuss the implications of such perception vis-a-vis<br />

the inclusion of the wheel chair bound individual in the occupational context, in the light of<br />

the Worker’s Health. The theoretical support has based itself, among others, on Erving<br />

Goffman (1988,2005) and Carolyn Vash (1988), Qualitative approach, guided by the dialetic<br />

principles. The data was gathered through semi-structured interviews at the subjects’s place<br />

of work. The results have revealed that the subjects perceive the disability as a feature of the<br />

disabled individual and not as a condition socially constructed, which transforms difficulty in<br />

lack of ability; the family, as well as the rehabilitation treatment have been shown as tools so<br />

that the wheel chair bound individual could acquire the necessary skills in order to join and<br />

remain in the work market; that the stigmatising notion of the disabled individual constitutes,<br />

indeed, a reality which is part of the occupational environment, more expressive among<br />

younger age groups, regardless their school background; it bears no coherence with the real<br />

limitations of the wheel chair bound individual. Such behaviour will have a negative<br />

repercussion upon the wheel chair bound worker’s health, who does not feel valued by the<br />

group he/she works with. Feeling his/her effort neglected and feeling ostracized due to<br />

his/her physical disability, his/her self-esteem is shattered, which, sooner or later, provokes<br />

the need of taking leaves or triggers accidents at work.<br />

Key-words: Worker; Wheel chair bound individual, Disability; Stigma.<br />

10


RESUMEN<br />

EL PARAPLÉJICO EN EL <strong>MERCADO</strong> <strong>–</strong> LA PERCEPCIÓN <strong>DE</strong> LOS<br />

TRABAJADORES SIN <strong>DE</strong>FICIENCIA MOTORA: contribuiciones de la enfermeria<br />

para la equipo de salud interdisciplinario<br />

Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />

Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />

Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em<br />

Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -<br />

<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />

Estudio sobre la percepción del trabajador sin deficiencia motora acerca del parapléjico en<br />

el contexto de trabajo. Objetivos: describir la percepción de los trabajadores sin deficiencia<br />

motora acerca del trabajador parapléjico en el trabajo; analizar, en la percepción de los sujetos<br />

de estudio, actitudes que denoten una postura estigmatizadora frente al discapacitado motor en<br />

el contexto del trabajo; discutir las implicaciones de la percepción de los trabajadores sin<br />

deficiencia motora acerca de la inclusión del parapléjico en el contexto ocupacional, en la<br />

perspectiva de la salud del trabajador. El referencial teórico ha sido apoyado, entre otros, en<br />

Irving Goffman (1988, 2005) e Carolyn Vash (1988). Abordaje cualitativo, guiado por los<br />

presupuestos de la dialéctica. Los datos han sido captados a través de entrevistas<br />

semiestructuradas en el local de trabajo de los sujetos. Los resultados han revelado que: éstos<br />

perciben la deficiencia como un atributo del individuo deficiente y no como una condición<br />

construida socialmente que trasforma dificultad en incapacidad; la familia y el tratamiento de<br />

rehabilitación, han sido apuntados como las herramientas fundamentales que le permitirán, al<br />

discapacitado motor, ingresar y permanecer en el mercado de trabajo; que la noción<br />

estigmatizadora del deficiente es, de hecho, una realidad en el ambiente ocupacional, más<br />

expresivas en la etapa juvenil, independiente del nivel de escolaridad y que no guarda<br />

coherencia con las limitaciones reales del discapacitado motor. Por otra parte, tal<br />

comportamiento irá a repercutir negativamente en la salud del trabajador discapacitado que no<br />

se siente valorizado por el grupo donde trabaja y no ve su esfuerzo reconocido, por lo que se<br />

ve relegado, en función de su deficiencia motora. Esta actitud le acarrea un profundo perjuicio<br />

en su autoestima que puede llevarlo, más tarde o más temprano a apartarse del ámbito laboral<br />

por depresión o por accidente de trabajo.<br />

Palabras claves: Trabajador; Discapacitado motor; Deficiencia; Estigma.<br />

11


SUMÁRIO<br />

CAPÍTULOS<br />

I CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES INICIAIS<br />

14<br />

1.1 Contextualização do Objeto de Estudo e a Problemática 14<br />

1.2 Questões Norteadoras 24<br />

1.3 Objetivos 25<br />

1.4 Justificativa do Estudo 25<br />

1.5 Relevância do Estudo 28<br />

1.5 A Tese 30<br />

II REFERENCIAL TEÓRICO<br />

2.1 Lesão Medular <strong>–</strong> definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à<br />

vida social<br />

2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular <strong>–</strong> conceito, fatores envolvidos na<br />

reabilitação e fases da reabilitação<br />

2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência <strong>–</strong> a construção histórica do lidar com a<br />

pessoa deficiente - estigma, preconceito, discriminação<br />

2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular <strong>–</strong> aspectos legais e<br />

outros fatores que apontam para a inclusão<br />

2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador <strong>–</strong><br />

saúde do trabalhador, reabilitação profissional<br />

III METODOLOGIA<br />

3.1 Tipo do Estudo<br />

3.2 Local do Estudo<br />

3.3 Sujeitos do Estudo<br />

3.4 Instrumento de Coleta de Dados<br />

3.5 Coleta de Dados<br />

3.6 Tratamento, Análise e Discussão dos Dados<br />

3.7 Aspectos Éticos<br />

IV ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />

4.1 A compreensão sobre a deficiência <strong>–</strong> a deficiência nas palavras dos andantes<br />

4.2 O deficiente cadeirante no ambiente Ocupacional: a percepção dos trabalhadores<br />

sem deficiência motora<br />

4.3 Cadeirantes no ambiente de trabalho: como a deficiência sobressai aos olhos dos<br />

andantes<br />

4.4 O trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes<br />

4.5 Trabalhadores cadeirantes e os trabalhadores andantes: comportamento<br />

preconceituoso no ambiente de trabalho?<br />

V CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

REFERÊNCIAS<br />

APÊNDICES<br />

Apêndice A - Roteiro de Entrevista<br />

Apêndice B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido<br />

12<br />

31<br />

32<br />

42<br />

48<br />

66<br />

69<br />

77<br />

77<br />

75<br />

79<br />

82<br />

84<br />

85<br />

86<br />

87<br />

89<br />

100<br />

114<br />

128<br />

143<br />

164<br />

175<br />

184<br />

185


Apêndice C - Carta de Autorização para Coleta de Dados<br />

ANEXO<br />

Anexo A <strong>–</strong> Carta de Aprovação no CEP<br />

13<br />

186<br />

187


CAPÍTULO I<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES INICIAIS<br />

1.1 Contextualização do Objeto de Estudo e a Problemática<br />

O estudo teve como objeto a percepção do trabalhador sem deficiência motora<br />

acerca do paraplégico no contexto de trabalho. Com vistas ao objeto, cabe inicialmente<br />

esclarecer quais concepções foram adotadas no estudo sobre os termos percepção e<br />

paraplégico.<br />

Em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, percepção é a função cerebral que<br />

atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas. Através<br />

da percepção, um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir<br />

significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das<br />

informações obtidas pelos sentidos. A percepção pode ser estudada do ponto de vista<br />

estritamente biológico ou fisiológico, envolvendo estímulos elétricos evocados pelos<br />

estímulos nos órgãos dos sentidos. Do ponto de vista psicológico ou cognitivo, a percepção<br />

envolve também os processos mentais, a memória e outros aspectos que podem influenciar na<br />

interpretação dos dados percebidos (WIKIPEDIA, 2007).<br />

O conceito de percepção, no sentido mais amplo, é caracterizado por um processo de<br />

cognição em que os procedimentos mentais se realizam mediante o interesse ou a necessidade<br />

de estruturar a nossa interface com a realidade e o mundo, selecionando as informações<br />

percebidas, armazenando-as e conferindo-lhes significado. Trata-se a percepção como uma<br />

situação objetiva baseada em sensações, acompanhada de avaliação e freqüentemente de<br />

juízos (NASCIMENTO; RIO; OLIVEIRA, 1996).<br />

Com vistas às considerações, entender-se-á por percepção, o<br />

14


ato de perceber, ação de formar mentalmente representações dos objetos externos a<br />

partir dos dados sensoriais. Todas as percepções da mente humana se incluem em<br />

dois tipos distintos: impressões (sensações, paixões e emoções) e idéias (pensamento<br />

e raciocínio). A diferença consiste no grau de força e vivacidade segundo os quais<br />

atingem a mente, chegando até o pensamento e a consciência. (JAPIASSU e<br />

MARCON<strong>DE</strong>S, 1999, p. 22)<br />

E por paraplégico aquele que é portador de paraplegia, ou seja:<br />

[...] paralisia que afeta apenas os membros inferiores, podendo ser causa resultante<br />

de uma lesão medular torácica ou lombar, ou ainda por causas não traumáticas como<br />

tumores e infecções. Este trauma ou doença altera a função medular, produz como<br />

conseqüências, além de déficits sensitivos e motores, alterações viscerais e sexuais.<br />

(LIANZA, 2001, p 103)<br />

Nos aspectos legais, o Decreto nº 3.298 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999)<br />

categoriza a paraplegia como uma deficiência física, sendo esta definida como<br />

alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano,<br />

acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de<br />

paraplegia, paraparesia [...], exceto as deformações estéticas e as que não produzam<br />

dificuldades para o desempenho de funções [...].<br />

Cabe ainda esclarecer que, no estudo, foram utilizados, com o mesmo significado da<br />

palavra paraplégico, os termos: portador de necessidades especiais (PNE), cadeirante,<br />

deficiente físico (DF) e deficiente motor (DM). Para nomear o indivíduo sem deficiência<br />

motora, utilizou-se também o termo andante que é usado pelos cadeirantes quando se referem<br />

àqueles não portadores de deficiência motora dos membros inferiores.<br />

Assim, na perspectiva de contextualizar o objeto a ser investigado na trajetória da<br />

autora do estudo, vale dizer que a inquietação teve início na carreira de docente de<br />

enfermagem em uma Universidade Pública Federal no Estado do Rio de Janeiro em 1997,<br />

atuando em um programa curricular do curso de graduação que tem como eixo central a<br />

reabilitação, onde passou a ter contato com pessoas vítimas de traumatismo raquimedular<br />

(TRM) pela violência urbana que eram atendidas no cenário de prática dos alunos sob sua<br />

supervisão.<br />

15


Essa clientela com seqüelas de paraplegia ou tetraplegia, ou seja, paralisia dos<br />

membros inferiores e superiores tinha que reaprender a lidar com seu corpo, agora tão<br />

diferente com limitações severas impostas pela lesão.<br />

Portanto, a autora iniciou alguns estudos nesta área buscando compreender não só o<br />

fenômeno neurológico em si e suas complicações, mas, também, as implicações daquela lesão<br />

nos aspectos socioeconômico e psíquico, bem como nos contextos familiar e de lazer do<br />

indivíduo portador de necessidades especiais.<br />

Isto porque, como professora, tinha de instrumentalizar os alunos para a assistência<br />

direta ao deficiente motor desde o momento de instalação da lesão até a fase de reabilitação e<br />

seu ajustamento.<br />

Cabe ressaltar que essa instrumentalização não se restringe apenas aos aspectos<br />

relacionados à mera execução de técnicas invasivas e não invasivas, mas à visão do cliente<br />

como um todo, valorizando aquilo que não foi comprometido pela lesão medular e que será<br />

elemento chave no tratamento de reabilitação.<br />

No entanto, nós, docentes, nos deparamos com uma barreira que obstaculiza a<br />

tentativa de transformação das atitudes dos alunos frente ao deficiente motor, pois, conforme<br />

Costa, Filgueiras e Da Mata. (1999), os alunos se mostram pouco à vontade diante do novo,<br />

do diferente. Suas reações diante dos clientes variam desde pena, medo, tristeza à impotência.<br />

Essas reações e sentimentos que os discentes verbalizam podem, sem que eles percebam,<br />

dificultar a interação com os pacientes.<br />

Foi então que me deparei com o fato de que é muito difícil para o aluno, durante o<br />

tempo que ele passa nesse cenário, compreender e acreditar que se devem investir esforços<br />

nas “capacidades” residuais daquele indivíduo não concentrando exageradamente ou<br />

exclusivamente o foco de atenção naquilo que foi “perdido” com o trauma.<br />

16


Capacidade residual é todo o potencial sensitivo e motor que foi preservado após a<br />

lesão e que pode ser transformado, por meio de um tratamento de reabilitação em capacidade<br />

funcional, ou seja, trabalhar com outras estruturas funcionais do organismo que<br />

permaneceram, total ou parcialmente, intactas após a lesão.<br />

Em outras palavras, quando uma lesão medular não atinge todos os feixes de fibras<br />

nervosas, o que se caracteriza por uma lesão incompleta, tem-se um quadro clínico muito<br />

variável, uma vez que as fibras nervosas íntegras e aquelas parcialmente atingidas servem,<br />

ainda, como ponte para a transmissão de impulsos elétricos.<br />

O’ Sullivan e Schmitz (1993) esclarecem que, após a lesão raquimedular, o paciente<br />

reaverá suas capacidades motoras e sensitivas totalmente ou parcialmente que foram<br />

prejudicadas, abaixo do nível da lesão. Isso dependerá do quão extenso foi o dano causado na<br />

medula espinhal.<br />

Contudo, no processo de reabilitação, há de se valorizar a capacidade residual<br />

tornando-a o mais funcional possível, com vistas ao retorno desse indivíduo para o convívio<br />

familiar, de lazer e laborativo, com o máximo de sua potencialidade funcional.<br />

Assim, o processo ensino-aprendizagem referido objetiva preparar os alunos não só<br />

com relação aos procedimentos técnicos, mas também tem o compromisso de levá-los à<br />

reflexão sobre o significado do termo deficiência, sobre quais são as reais limitações que a<br />

lesão traz ao indivíduo.<br />

Cabe aqui apresentar alguns conceitos de deficiência e apontar aquele que norteará as<br />

discussões do estudo.<br />

De acordo com a Enciclopédia e Dicionário Koogan/Houaiss (1993, p. 253), o<br />

vocábulo “deficiência” deriva do Latim Deficientiae e significa “falta; imperfeição;<br />

insuficiência”. No domínio da saúde, deficiência representa qualquer perda ou anormalidade<br />

da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica (OPAS/OMS, 2003).<br />

17


Dizer que um indivíduo tem uma deficiência não implica, portanto, que ele tenha uma<br />

doença nem que tenha de ser encarado como “doente”. Já o Decreto nº 3.298/99 (BRASIL,<br />

1999) considera que as deficiências podem ser parte ou uma expressão de uma condição de<br />

saúde, mas não indicam necessariamente a presença de uma doença ou que o indivíduo deva<br />

ser considerado doente. Completa, informando que as deficiências podem ser temporárias ou<br />

permanentes, progressivas, regressivas ou estáveis, intermitentes ou contínuas.<br />

Retomando a linha de raciocínio, o que se percebia nas colocações dos alunos era uma<br />

preocupação desproporcional com determinadas complicações do TRM em detrimento da<br />

valorização do potencial do cliente.<br />

Este, muitas vezes, pelo efeito do trauma ou por não ter tido um suporte adequado para<br />

um tratamento direcionado na área de reabilitação, tem esse potencial mascarado ou<br />

embotado; por vezes, diminuído, é verdade, mas por uma procura ou acesso tardio ao<br />

tratamento.<br />

A percepção do aluno passa também a inquietar quando, apesar de todo conteúdo<br />

teórico e prático oferecido durante o desenvolvimento do programa curricular, ainda tem<br />

dificuldade de “enxergar” num paraplégico o que está por traz daquele corpo aparentemente<br />

inerte.<br />

Por outro lado, mesmo com os docentes que dominam a temática, esse entendimento<br />

nem sempre fica completamente estabelecido; talvez em função da carga de preconceitos que<br />

cada um de nós carrega.<br />

Dessa forma, vem a reflexão: o que se pode esperar da população em geral, que<br />

interage em diferentes contextos, com indivíduos deficientes, inclusive no ambiente de<br />

trabalho e que não tem o conhecimento e essa preocupação ou inquietação? Assim, começa a<br />

delinear a problemática de que o portador de deficiência, apesar de reabilitado, tem<br />

18


dificuldade de retornar ou, às vezes, se manter nas atividades laborais pela discriminação<br />

imposta pelos ditos “normais”.<br />

E é esse, se não o maior, um dos maiores entraves para o lesado medular: o de<br />

enfrentar sérias dificuldades para retornar, de forma digna, ao contexto social.<br />

Durante o atendimento a essa clientela, essa queixa é a que mais aparece. Muitos,<br />

inclusive, não querem continuar o tratamento de reabilitação por dois motivos: o fato de que<br />

não voltarão mais a andar com suas pernas e o segundo é que, mesmo fazendo uso de órteses<br />

ou próteses, não conseguem suportar a discriminação ou compaixão das pessoas não<br />

portadoras de deficiência física. Sabem que não vão competir em bases iguais com os<br />

supostamente sãos, melhor dizendo, sem deficiência aparente.<br />

De fato, é comum se observar no dia-a-dia, pessoas não deficientes adotando atitudes<br />

que variam desde a compaixão até ao deboche, passando pela indiferença por uma dificuldade<br />

de não saber como lidar com o diferente.<br />

Há não só a fala dos clientes, mas inclusive a dos alunos que demonstram, como citado<br />

anteriormente, certa dificuldade em lidar com esses indivíduos. Para eles, é como se a idéia<br />

da reabilitação fosse como algo parcial, pela metade. Como o evento “cura” não acontece (no<br />

sentido de que o lesado medular vai ter limitações motoras e sensitivas importantes) é difícil<br />

para eles, vislumbrarem uma possibilidade de viver com qualidade, mesmo com um corpo<br />

diferente.<br />

Provavelmente, o fator idade interfira bastante nessa compreensão. Os alunos estão<br />

numa fase onde tudo é muito intenso, as transformações são rápidas e todos nós somos<br />

impelidos a buscar sempre resultados imediatos. Aliás, independente da idade, vivemos numa<br />

era onde a eficácia e a eficiência são fomentadas ao extremo. Além disso, nosso<br />

comportamento é resultante de um arcabouço de valores e crenças que formamos desde nossa<br />

19


infância. Despojarmo-nos de tudo, inclusive dos preconceitos que temos, para interagir com<br />

pessoas “diferentes” não é fácil.<br />

Sobre isso, Vianna (1997, p. 72) traz em seu estudo uma fala ilustrativa sobre o<br />

comportamento dos profissionais de saúde: “é muito mais difícil e muito mais caro fazer as<br />

pessoas desaprenderem o que elas já sabem do que aprender coisas novas. Esse processo de<br />

transformação dos profissionais que trabalham na área da saúde é o maior entrave”.<br />

Na perspectiva dos deficientes, Esteves e Savary (2003, p. 18), em seu estudo sobre as<br />

facilidades e dificuldades de inserção no mercado de trabalho dos portadores de lesão<br />

medular, ilustram bem a percepção desses clientes com os seguintes depoimentos:<br />

[...] Tudo é difícil na vida. A pessoa (sem deficiência) quando olha para o deficiente,<br />

já olha com pena. Não... vendo que ele tem capacidade. Mas, às vezes o deficiente...<br />

quer mostrar que tem capacidade como outra pessoa qualquer.<br />

A pessoa (sem deficiência) não pode olhar para o deficiente como digno de pena se<br />

ele não é digno de pena. Porque encostar ele e dar um salário mínimo, isso é fácil.<br />

Porque muitas vezes ele está com a cabeça boa, a mão boa... pode mexer num<br />

computador...tem muitas coisas que um deficiente pode fazer. E o deficiente precisa<br />

trabalhar, porque quando não trabalha, a tendência é ficar cabisbaixo, não tem mais<br />

ânimo pra nada. Só fica ali, comendo, engordando... Não vive muito não.<br />

Santos (2000, p. 85) também demonstra o sentimento do portador de lesão medular<br />

frente aos olhares dos “normais”:<br />

Alguns olhares me incomodam. Porque vai depender do ambiente em que estou. Se<br />

ficam me olhando como um coitado, eu nem vou mais lá.<br />

Eu vou dizer para vocês que não saio na rua de cadeira. Eu vou na casa de pessoas<br />

conhecidas, gosto de festa [...] não saio nem na área de casa, eu não me sinto bem...<br />

só vou para casa de parentes.<br />

Elman (2002) também ressalta semelhante dificuldade enfrentada pelos deficientes<br />

mentais que desejam ingressar e se manter no mercado de trabalho.<br />

Os relatos são bastante ilustrativos no que se refere à dificuldade desses indivíduos em<br />

retornarem à vida social. Ficou claro que não basta apenas reabilitar o corpo daquele<br />

indivíduo deficiente. Provavelmente a cabeça/mente/consciência daqueles que se acham<br />

“normais” precisaria de mais atenção.<br />

20


Por outro lado, alguns estudiosos como Goffman (1988) colocam outro elemento para<br />

reflexão que ofusca um pouco a possibilidade de credulidade cega nestes argumentos dados<br />

pelos deficientes. Segundo este autor, uma pessoa estigmatizada pode responder de formas<br />

variadas à situação de “desprestígio” que enfrenta diante dos outros indivíduos “normais”.<br />

Uma destas formas pode ser chamada de “efeito cabide”. Em outras palavras, o<br />

estigmatizado “pendura” na sua deficiência, toda sua insuficiência, todas as suas insatisfações,<br />

todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social que trazem, a reboque,<br />

toda a responsabilidade social. Ou seja, caso o deficiente, intimamente, não deseje trabalhar,<br />

ele pode usar sua deficiência como uma “desculpa” socialmente aceitável para não fazê-lo.<br />

Uma vez que encarar o dia-a-dia do trabalho possa ser, por vezes, enfadonho e penoso,<br />

o deficiente ao se deparar com esta realidade, que é comum a todos, inclusive àqueles que não<br />

têm deficiência, assume uma postura de vítima das circunstâncias. Daí, seu argumento de que<br />

não consegue entrar e se manter no mercado de trabalho em função da discriminação e<br />

preconceito por parte da sociedade dita “normal” acaba, no mínimo, merecendo<br />

questionamentos.<br />

Ainda com relação ao acesso do deficiente no mercado de trabalho, é sabido que há<br />

um amparo legal para a pessoa portadora de necessidades especiais, que será posteriormente<br />

apresentado com todo o detalhamento, bem como há atuação de Organizações<br />

Governamentais como o Centro Integrado de Apoio ao Deficiente (CIAD) no Rio de Janeiro e<br />

as Não Governamentais como o Centro de Vida Independente (CVI), mas, apesar disto, o<br />

deficiente tem trazido, na prática, que estes não têm sido suficientes para que sejam garantidos<br />

os seus direitos.<br />

Ou seja, a população de um modo geral que necessita de reabilitação ainda não tem<br />

seu direito plenamente atendido no que se refere não somente ao tratamento em si, mas no que<br />

21


diz respeito ao seu futuro como cidadão, ao seu papel dentro do seu grupo social, membro<br />

efetivo de uma comunidade, com direitos e deveres.<br />

Há de se dizer que a deficiência 1 depende do ponto de vista das pessoas. Que um<br />

paraplégico apresente limitações motoras e sensitivas, isso já se sabe; contudo, o<br />

desconhecimento e o despreparo das pessoas ditas “normais” para lidar com a deficiência “do<br />

outro’ os levam a um comportamento de preconceito, trazendo prejuízos à PPNE. Preconceito<br />

este entendido como<br />

julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo. No uso moderno<br />

assume conotações diversas, porém à maioria delas, persistem as noções de<br />

julgamento prévio desfavorável, efetuado antes de um exame ponderado e completo<br />

e mantido rigidamente, mesmo em face de provas que o contradigam. (WILLIAN,<br />

1993, p. 53)<br />

Dando continuidade às inquietações sobre o objeto de investigação, a realidade de ser<br />

professora e ter despertado para estas questões, fez a autora do estudo retomar, na memória,<br />

uma situação vivida na área da Enfermagem do Trabalho no ano de 1998, quando atuou em<br />

uma empresa de grande porte, que não contemplava em seu quadro de funcionários, à época, a<br />

presença de pessoas portadoras de deficiência motora, conforme preconiza a Lei nº 8.213 de<br />

1991 (BRASIL, 1991). Hoje se pensa que isso pode ser atribuído, talvez, pelo fato de a<br />

legislação direcionada para a PPNE ser, neste caso, relativamente nova, apesar de já estar em<br />

vigor naquela data.<br />

Ainda na perspectiva de apresentar a magnitude da problemática do estudo, há os<br />

dados estatísticos que retratam a dimensão a ser investigada. Nesta linha de raciocínio,<br />

segundo dados do IBGE do Censo 2000, estima-se a população do Brasil em 169.799.170<br />

sendo que desta, 955.287 são pessoas com deficiências físicas do tipo paraplegia, tetraplegia<br />

ou hemiplegia permanente.<br />

Deste universo de deficientes físicos, 790.153 residem em região urbana, sendo<br />

435.712 do sexo masculino, com uma concentração de 411.547 na Região Sudeste e, como<br />

1 Grifo da autora<br />

22


conseqüência das lesões medulares, as paraplegias foram responsáveis por 60,5% do total de<br />

casos, enquanto as tetraplegias por 39,5% dos casos.<br />

Dentre esses deficientes físicos, há aqueles que foram vítimas por disparos de arma de<br />

fogo, permitindo inferir que a maior parte dos portadores de lesão medular traumática têm<br />

sido vítimas da violência social. É importante observar que a grande maioria das vítimas da<br />

violência urbana é de jovens do sexo masculino com idade entre 10 a 29 anos, faixa etária<br />

correspondente ao período de maior investimento intelectual e ao ingresso no mercado de<br />

trabalho.<br />

No Rio de Janeiro, cidade conhecida pelo crescimento da violência urbana, a<br />

população de deficientes com tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente é de 77.837<br />

(IBGE, 2000), ficando a partir da lesão e durante o processo de reabilitação inicial,<br />

impossibilitadas de assumir integralmente as atividades das quais faziam parte.<br />

Infelizmente, esta dificuldade de inclusão social não ocorre apenas devido à limitação<br />

física imposta pelo trauma, mas também pelas limitações de um Estado que tem dificuldades<br />

em viabilizar sua estrutura física e social para integrar essa parcela da população no contexto<br />

social. Esta realidade também é vista em outros estados e países.<br />

Mas, ainda que fossem observadas todas as leis que dão suporte à questão da PPNE no<br />

Brasil, no sentido de garantir-lhe a gratuidade no transporte, remoção de barreiras<br />

arquitetônicas, garantia de vagas em escolas e nas inscrições em concursos públicos, educação<br />

especial àqueles com déficit de aprendizagem, abatimento em alguns impostos e atendimento<br />

de reabilitação adequado à sua necessidade, esta enfrentaria outro tipo de obstáculo: o estigma<br />

da sociedade relacionado à condição de deficiência do outro; principalmente se for visível,<br />

como é o caso das pessoas que se locomovem em cadeiras de rodas (GLAT, 2004).<br />

Quando ainda compreendido como “algo” que não funciona mais, marginalizado pela<br />

sociedade e pelo Poder Público, o portador de lesão medular pode entrar em um processo de<br />

23


deterioração social e conseqüentemente assumir a categoria de vida que está lhe sendo<br />

imposta pelas limitações e não a que pode ser alcançada através de um trabalho de<br />

reabilitação.<br />

A reabilitação, em seu conceito amplo, compreende os seguintes aspectos: reabilitação<br />

física, que cuida da recuperação física e orgânica; reabilitação psicológica que opera na esfera<br />

psíquica do cliente, atuando de forma a levá-lo a compreender melhor a si mesmo e sua<br />

relação com o meio ambiente; reabilitação profissional, que integra o homem ao seu trabalho<br />

anterior ou a outro compatível com sua deficiência funcional restituindo-lhe o sentimento de<br />

independência e de auto-suficiência; e a reabilitação social, que decorre das precedentes<br />

reintegrando o homem na sociedade (TALIBERTI, 1997).<br />

Diante do exposto, a inquietação da pesquisadora está especificamente na questão da<br />

inclusão no mercado de trabalho da pessoa paraplégica, sob o olhar do trabalhador sem<br />

deficiência motora. Isto porque, sendo a maior parte dos portadores de lesão integrantes da<br />

população economicamente ativa e visto que a reabilitação se compromete em restabelecer,<br />

em seu maior grau de potencialidade, as atividades funcionais do indivíduo em níveis físico e<br />

social, é através da inclusão desse indivíduo no mercado de trabalho que a reabilitação se<br />

concretizará.<br />

1.2 Questões Norteadoras<br />

À luz do objeto do estudo, das inquietações da autora e problemática, traçou-se como<br />

questões norteadoras:<br />

- Qual é a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora, acerca do<br />

trabalhador paraplégico no trabalho?<br />

- A percepção dos não portadores de deficiência motora tem coerência com as<br />

limitações de fato impostas pela lesão medular?<br />

24


- A percepção da pessoa não portadora de deficiência motora se mostra como<br />

uma compreensão estigmatizante sobre os paraplégicos?<br />

- Quais as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora<br />

acerca do paraplégico e a inclusão deste no contexto ocupacional?<br />

1.3 Objetivos do Estudo<br />

Com vistas às questões norteadoras propostas no estudo, têm-se como objetivos:<br />

- Descrever a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora acerca do<br />

trabalhador paraplégico no trabalho;<br />

- Analisar, na percepção dos sujeitos do estudo, atitudes que denotem uma postura<br />

estigmatizante frente ao deficiente cadeirante no contexto do trabalho;<br />

- Discutir as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora<br />

acerca da inclusão do paraplégico no contexto ocupacional, na perspectiva da<br />

Saúde do Trabalhador.<br />

1.4 Justificativa do Estudo<br />

Dando seguimento às questões do estudo, cabe apresentar a justificativa da pesquisa,<br />

sendo esta apoiada na problemática inicialmente apontada baseada na inquietação da autora<br />

bem como pela estatística que mostra o elevado número de pessoas portadoras de paraplegia<br />

na faixa etária produtiva e, conseqüentemente, sujeitas à exclusão do trabalho. Como<br />

justificativa tem-se ainda a insuficiência de produção de conhecimento sobre o objeto em tela.<br />

Neste sentido, buscar-se-á apresentar o que há de investigado sobre o assunto.<br />

Pode-se dizer, então, que a temática “pessoa portadora de deficiência motora”, neste<br />

caso em particular, se apresenta para a autora deste estudo sob diferentes dimensões quando se<br />

refere à produção de conhecimento.<br />

25


São conhecidas investigações na vertente do portador de deficiência sobre as<br />

complicações de ser deficiente físico conforme apontam Pereira, Ávila e Santana (2000),<br />

Machado (2003), Batista et al. (2000), Andrade et al. (2003) e de discentes na posição de<br />

cuidadores desta clientela, de acordo com os estudos de Rangel (2002), Filgueiras (1998),<br />

Souza e Motta (1996) e Moraes et al. (2006).<br />

Há ainda os que discutem a legislação como Silva e Heidemann (2002), Barbosa<br />

(2007) e Pastore (2000), Epidemiologia e Estatística (PREFEITURA DO RIO <strong>DE</strong> JANEIRO,<br />

2007) relacionada à deficiência de um modo geral. Apresentar esta produção permite<br />

visualizar a lacuna no conhecimento sobre a temática, reafirmando a importância de buscar<br />

respostas para questões ainda não investigadas. Estas estão apresentadas com a finalidade de<br />

mostrar a importância de avançar nas investigações ampliando a compreensão do objeto de<br />

estudo.<br />

Assim, têm-se índices estatísticos que são preocupantes. Pelos dados de 2000 do<br />

Censo Demográfico do IBGE, estimava-se que 19.253.901 fosse o número de pessoas<br />

economicamente ativas no país em agosto do mesmo ano. No Rio de Janeiro/Brasil esta<br />

população chegava a 4.549.609 indivíduos no mesmo mês. Outros dados de 1991 indicavam<br />

que o número de homens entre 15 a 29 anos, no mesmo estado, que se enquadrava como<br />

chefes de domicílio era de aproximadamente 409.179, enquanto as mulheres correspondiam a<br />

58.517.<br />

Esta proporção de homens e mulheres no cenário do mercado de trabalho se torna<br />

interessante na medida em que se retoma os dados epidemiológicos referentes à população<br />

mais atingida pelo traumatismo raquimedular, que são os homens. Então, numa relação entre<br />

as informações epidemiológicas com os dados do IBGE, há um panorama pouco confortável<br />

no que se refere à estabilidade econômica destas famílias cujo principal mantenedor é o<br />

homem. Muitas famílias perdem sua sustentabilidade financeira em função do seu<br />

26


afastamento do contexto do trabalho, mas que deverá criar estratégias para continuar a dar<br />

suporte às despesas domésticas e, ainda, aos custos do seu tratamento de reabilitação.<br />

Se pensarmos em termos de proporção, a quantidade de pessoas deficientes no Brasil é<br />

pequena em relação ao todo. Numericamente falando, estes deficientes são “abafados” pelo<br />

contingente dos “normais” que também têm seus problemas e vivem suas agruras do dia-a-<br />

dia.<br />

Todavia, há que se lembrar que cada ser humano é único e como tal tem o direito a<br />

tratamento digno como qualquer cidadão. Por isso, a quantidade expressa em números da<br />

população deficiente não deve ser analisada e considerada de forma isolada, mas sim como<br />

um direito de todos tornando-se, assim, expressiva perto do todo.<br />

Nesta linha de raciocínio, para os próprios deficientes, seus familiares, cuidadores e<br />

sociedade envolvida com sua causa, o número é mais do que expressivo. É gritante.<br />

Verificando, então, que as causas dos traumas que acarretam lesões medulares fazem<br />

parte de um contexto atual que se torna cada vez maior e significativo na sociedade e de que a<br />

parcela da população atingida é, em sua grande maioria, composta por jovens ativos, que em<br />

muitos casos exercem papel de mantenedores de suas famílias, é oportuno que se estude as<br />

possibilidades de reintegração dessa população no mercado de trabalho. Não apenas para<br />

reduzir o ônus do Estado com essa população, mas para que cada indivíduo possa atingir os<br />

objetivos da reabilitação e retomar o espaço perdido temporariamente dentro de suas próprias<br />

vidas.<br />

Desta forma, foi encontrada a produção de conhecimento sobre algumas dimensões<br />

das questões que envolvem a pessoa paraplégica. Contudo, aquilo que se refere ao “olhar” do<br />

não portador de deficiência para o portador e este no contexto do trabalho não foi identificada<br />

produção acerca deste objeto, vindo reafirmar a justificativa do presente estudo.<br />

27


1.5 Relevância do Estudo<br />

Ao se referir à relevância da pesquisa, ao concluí-la, entende-se que houve<br />

contribuições para a assistência de enfermagem à pessoa portadora de necessidades especiais;<br />

para a formação do profissional que deverá estar preparado para atender esta clientela nos<br />

diversos contextos em que ela se encontre, inclusive no trabalho e ainda resgatou a<br />

contribuição para novas pesquisas.<br />

Para entender o impacto na assistência, deve-se lembrar que a população atingida pelo<br />

TRM, caracterizada por ser jovem e economicamente ativa, é atendida em setores de<br />

emergência inicialmente, momento no qual os profissionais devem estar preparados e<br />

capacitados para atender e entender o tipo de assistência que deve ser dispensada ao portador<br />

de lesão medular e sua família.<br />

A partir desse momento, o portador de lesão e sua família não devem ser tratados de<br />

maneira diferenciada e sim com o comprometimento de profissionais que conheçam o<br />

problema do qual estão tratando, para que possam atingir de forma mais plena os objetivos da<br />

reabilitação física, psíquica, profissional e social.<br />

Logo, o estudo trouxe contribuições com subsídios aos profissionais que assistem o<br />

portador de lesão durante o processo de reabilitação para que o atendimento seja direcionado à<br />

realidade a ser vivida pelo deficiente físico, buscando sua reinserção nas esferas bio-psico-<br />

social.<br />

Em outras palavras, pensa-se que divulgando e fomentando a idéia de que uma pessoa<br />

portadora de deficiência motora, uma vez reabilitada, terá condições de se inserir novamente<br />

na sociedade, poder-se-á mudar um pouco a idéia estática e limitada das pessoas, inclusive de<br />

muitos profissionais de saúde, que imaginam que uma lesão medular colocou um ponto final<br />

na vida do indivíduo.<br />

28


Ou seja, os profissionais da área de saúde, particularmente o enfermeiro, por ser ele,<br />

na maioria das vezes, o responsável pelos cuidados a esse cliente, poderão ser muito mais<br />

eficazes em sua assistência, tendo respostas às questões apresentadas no estudo sobre<br />

situações vivenciadas pelo indivíduo portador de alguma deficiência motora ao tentar retornar<br />

ao mercado de trabalho e, por outro lado, com subsídios para preparar e treinar os não<br />

cadeirantes a lidar com o deficiente no contexto do trabalho, a exemplo o profissional da área<br />

da saúde do trabalhador, no contexto das empresas que tem o cadeirante como trabalhador.<br />

Vale aqui dizer que, muitas vezes, o profissional não consegue atender às expectativas<br />

desse cliente porque não teve, em sua formação, essas questões discutidas. Portanto, esta<br />

também é uma contribuição do estudo.<br />

Conhecendo como o trabalhador sem deficiência motora percebe o deficiente, tem-se<br />

subsídios para formarmos enfermeiros trazendo em sua bagagem também este conhecimento<br />

que auxiliará nas discussões com o indivíduo portador de deficiência motora, quando a<br />

questão for inclusão ocupacional.<br />

Esses enfermeiros, ao conhecerem alguns dos aspectos que envolvem as dificuldades e<br />

expectativas apresentadas pela maioria das pessoas livres de deficiência motora em lidarem ou<br />

aceitarem ou trabalharem com uma pessoa em cadeira de rodas, por exemplo, poderão criar e<br />

lançar mão de estratégias em conjunto com os demais profissionais da área da saúde e afins<br />

para minimizar este impacto e tentar, dessa forma, serem agentes facilitadores dessa<br />

integração, contribuindo para a inclusão na atividade laboral desse indivíduo.<br />

E, por fim, para a pesquisa, o projeto está inserido no Núcleo de Pesquisa<br />

Enfermagem e Saúde do Trabalhador <strong>–</strong> NUPENST, do Departamento de Enfermagem de<br />

Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery/<strong>UFRJ</strong>, na linha de pesquisa Enfermagem<br />

e a Saúde do Trabalhador. Esta abordagem dada ao estudo veio ampliar as discussões e<br />

possibilidades de outras pesquisas nesta vertente.<br />

29


Com base na exposição do assunto em tela, a tese defendida foi que os trabalhadores<br />

sem deficiência motora têm uma percepção estigmatizante em relação aos trabalhadores<br />

cadeirantes no contexto laboral.<br />

30


CAPÍTULO II<br />

REFERENCIAL TEÓRICO<br />

Este capítulo está delineado de forma a mostrar as interfaces e balizar as discussões<br />

das questões que envolvem a inclusão do paraplégico no contexto de trabalho.<br />

Como os objetivos mostram, buscou-se o olhar daquele trabalhador sem deficiência<br />

motora de tal forma que se fez necessário buscar o referencial que trata não só deste aspecto,<br />

mas do fenômeno paraplegia e suas implicações como um todo.<br />

A paraplegia é uma seqüela que tem diferentes causas: traumáticas e não traumáticas.<br />

No entanto, este referencial teórico se ocupou de focar a lesão medular como principal agente<br />

desencadeador desta condição que atinge uma população com perfil jovem em franco<br />

desenvolvimento intelectual e de ingresso no mercado de trabalho.<br />

Nesta perspectiva, o capítulo está assim estruturado:<br />

2.1 Lesão Medular - definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à vida<br />

social<br />

Aqui, mostrou-se a dimensão do problema que é a lesão medular e seus prejuízos no<br />

organismo do indivíduo que vão muito além da perda da sensibilidade e motricidade.<br />

2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular <strong>–</strong> conceito, fatores envolvidos na<br />

reabilitação e tipos de reabilitação.<br />

2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência - estigma, preconceito, discriminação<br />

Neste item, foi abordado o processo de construção do estigma e discutido as questões<br />

relativas ao preconceito e à discriminação que, no caso do deficiente motor que usa a<br />

cadeira de rodas, é muito mais acentuado pela visibilidade 2 da deficiência.<br />

2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular <strong>–</strong> aspectos legais e outros<br />

fatores que apontam para a inclusão.<br />

2 Grifo da autora<br />

31


2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador <strong>–</strong><br />

saúde do trabalhador, reabilitação profissional<br />

Política de Inclusão do deficiente no mercado de trabalho, reabilitação profissional. Este<br />

item traz o suporte legal que ampara o deficiente na luta pela sua inclusão ocupacional.<br />

2.1 Lesão Medular - definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à vida<br />

social<br />

Para estabelecer uma ponte entre a lesão medular e os comprometimentos que esta<br />

significa para uma pessoa, faz-se necessário abordar, ainda que de forma breve, alguns tópicos<br />

que tratam da anatomia e fisiologia humana. Estes itens são relevantes para que se possa<br />

dimensionar alguns comprometimentos no contexto biológico de um indivíduo, mas que têm<br />

estreita relação com sua inclusão seja esta no contexto familiar, ocupacional ou de lazer.<br />

Definição:<br />

Para melhor compreender a definição de lesão medular e visualizar o impacto desta na<br />

vida de um indivíduo cabe, primeiramente, estabelecer a importância da medula espinhal para<br />

o organismo humano. A medula espinhal, que está situada dentro do canal vertebral, não é<br />

apenas uma via de comunicação entre as diversas partes do corpo e o cérebro, mas também<br />

um centro regulador que controla importantes funções como a respiração, circulação, a<br />

bexiga, o intestino, o controle térmico e a função sexual.<br />

A Figura 1 ilustra bem a estrutura óssea que comporta e protege a medula espinhal<br />

bem como sua relação com a inervação com as diferentes partes do organismo.<br />

32


Figura 1 - Estrutura das Vértebras e sua relação com os nervos<br />

cranianos.<br />

Portanto, lesão medular pode ser definida como qualquer trauma ou doença que altere<br />

a função medular produzindo, como conseqüência, além de prejuízos motores e sensitivos,<br />

alterações viscerais, sexuais e tróficas. Quanto mais alto for o nível da lesão, mais alterações<br />

ela trará para seu portador (LIANZA, 2001; VENTURA et al., 1996).<br />

Causas:<br />

No que se refere às causas da lesão medular, existem as de origem traumática e as de<br />

origem não traumática. As primeiras representam aproximadamente 80% dos casos, dado<br />

principalmente pelo problema da violência urbana nas grandes metrópoles.<br />

A lesão traumática da medula espinhal ocorre com maior freqüência nos grupos etários<br />

mais jovens; 80% estão abaixo dos 45 anos de idade, sendo que 50% das lesões ocorrem no<br />

grupo de 15 a 25 anos de idade (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />

33


Dos casos admitidos nos centros especializados em lesão medular, cerca de metade das<br />

lesões traumáticas envolve a medula cervical. A maioria dos casos de trauma apresenta<br />

fratura/deslocamento; menos de 25% apresentam somente fratura e um número muito<br />

pequeno apresenta envolvimento da medula espinhal sem dano ósseo óbvio da coluna<br />

vertebral.<br />

Os acidentes com veículos motorizados constituem a principal causa de traumatismos<br />

da coluna cervical, com os acidentes de mergulho sendo a principal causa nas lesões<br />

esportivas (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />

Deve-se destacar que, também, estão inclusos na categoria dos acidentes por<br />

mergulho, não apenas as modalidades esportivas. Os mergulhos em águas rasas,<br />

especialmente durante o verão e férias, com conseqüentes lesões medulares também não são<br />

incomuns.<br />

No contexto da violência urbana, as lesões traumáticas causadas pelas armas de fogo<br />

têm apresentado uma característica peculiar. Nesta panorâmica, a prática tem mostrado que o<br />

quadro que existe hoje em relação aos baleados se modificou um pouco. Devido ao calibre das<br />

armas que são usadas atualmente, é muito difícil que um indivíduo que foi baleado no tronco<br />

ou pescoço, sobreviva.<br />

A conseqüência é que não temos tido muitos baleados com lesão medular para<br />

atendimento em Serviços de Reabilitação, pois eles morrem no local ou durante o processo de<br />

hospitalização devido à severidade e extensão das lesões causadas pelas armas de grosso<br />

calibre tão amplamente usadas nas “guerras urbanas” que presenciamos nas grandes cidades.<br />

Em contrapartida, o número de casos de quedas cresceu, sendo uma das causas do<br />

TRM. Assim, pode-se dizer que sendo, em sua totalidade, causas que poderiam ser evitadas<br />

através de ações educativas para população, devendo-se estar como aliados a esta questão não<br />

apenas o fator terapêutico, mas, também, o preventivo.<br />

34


Ainda sobre as causas traumáticas, os locais mais comuns de lesões com fratura-<br />

luxação são as junções C5-6, C6-7, T12-L1. Certas partes da coluna são relativamente<br />

protegidas de lesões, como as regiões torácica superior e lombar inferior.<br />

As fraturas da coluna torácica podem resultar de um golpe direto como ocorre no<br />

colapso de uma flexão violenta na posição sentada ou de um projétil penetrante. As fraturas-<br />

luxações e toracolombares são mais comuns na porção T12-L1 e se seguem à flexão violenta<br />

como ocorre em uma queda de certa altura (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />

Os casos não traumáticos são, principalmente, o resultado de mielite transversa,<br />

tumores e acidentes vasculares. Trombose ou hemorragia da artéria vertebral causam isquemia<br />

da medula com paralisia resultante.<br />

Não parece haver relação absoluta entre a severidade do dano à coluna vertebral e<br />

aquela da medula espinhal e raízes nervosas. Um paciente pode sofrer uma severa<br />

fratura/luxação e, ainda assim, a medula espinhal pode não ser afetada ou pode apenas sofrer<br />

um dano parcial. Um outro pode não exibir uma lesão vertebral óbvia aos raios X e, contudo,<br />

ter sofrido uma tetraplegia completa irreversível (BROMLEY, 1997).<br />

O Quadro 1, a seguir, resume as diferentes situações que provocam a lesão na medula<br />

de acordo com a etiologia.<br />

35


Fraturas-luxações<br />

Ferimentos<br />

Tumorais<br />

infecciosas<br />

Quadro 1 - Etiologia da Lesão Medular<br />

LESÕES TRAUMÁTICAS<br />

Acidentes de trânsito<br />

Esportes<br />

Quedas<br />

Acidentes de trabalho<br />

Armas de fogo<br />

Armas brancas<br />

LESÕES NÃO-TRAUMÁTICAS<br />

Extradurais: tumor ósseo primário ou matetástases<br />

Intradurais: - extramedulares<br />

- intramedulares<br />

Inespecíficas: abscessos, mielites<br />

Específicas: TBC, LUES<br />

Vasculares Trombose e embolia<br />

Degenerativas Espondilose<br />

Malformações mielomeningocele<br />

Outros Hérnias de disco, estenose do canal medular, siringomielia<br />

Quadro clínico da Lesão Medular<br />

As manifestações clínicas conseqüentes à lesão medular dependem dos efeitos<br />

fisiopatológicos que esta lesão provocou na medula. O dano da medula espinhal, resultando<br />

quer de uma injúria, quer de uma doença, pode produzir tetraplegia ou paraplegia,<br />

dependendo do nível em que ocorreu o dano (BROMLEY, 1997).<br />

Mas estes efeitos vão depender de alguns fatores como:<br />

• Nível da lesão <strong>–</strong> quanto mais próxima da cabeça for a lesão, mais<br />

comprometimentos ela trará ao indivíduo.<br />

• Extensão da lesão (grau da lesão medular nos planos horizontal e transversal) <strong>–</strong><br />

quanto mais extensa for a lesão mais grave ela é. Ou seja, o prejuízo ao organismo é<br />

diretamente proporcional ao número de feixes e fibras nervosas acometidas pela<br />

lesão.<br />

• Tempo de instalação da lesão <strong>–</strong> as lesão instaladas de forma brusca, como é o caso<br />

das traumáticas, são as mais graves, pois nestes eventos o organismo não tem tempo<br />

36


de se adaptar às mudanças ocorridas em seu meio interno. Já naquelas lesões que se<br />

instalam, de forma progressiva, o comprometimento vai se agravando aos poucos,<br />

permitindo ao indivíduo a possibilidade de se organizar interna e externamente, na<br />

busca de condições para se ajustar.<br />

O quadro clínico abordado, neste estudo, refere-se àquele conseqüente a uma lesão<br />

traumática e obedece três estágios distintos, a saber:<br />

• Fase de choque medular<br />

o Caracterizada por uma paralisia flácida, anestesia superficial e profunda,<br />

alterações esfincterianas (arreflexia vesical e atonia intestinal), alterações na<br />

função sexual e alterações do sistema nervoso autônomo. Todas essas disfunções<br />

são observadas abaixo do nível da lesão.<br />

• Fase de retorno das atividades medulares reflexas<br />

o Caracterizada pela reorganização funcional das estruturas medulares localizadas<br />

abaixo do nível da lesão. Clinicamente, o indivíduo apresenta ainda paralisia e<br />

anestesia caso a lesão tenha acometido toda a medula no sentido transversal<br />

(lesão completa). Se a lesão comprometeu apenas parte da medula, o quadro<br />

clínico será variável, mas as alterações sensitivas e motoras estarão presentes,<br />

em maior ou menor grau.<br />

• Fase de ajustamento<br />

o Corresponde à fase de ajuste do indivíduo à sua nova condição de tetra ou<br />

paraplégico. É nesta fase que se consegue domínio sobre todas as funções,<br />

mesmo que elas não respondam ao controle voluntário. Isto constitui condição<br />

básica para poder iniciar o desenvolvimento de toda sua capacidade como ser-<br />

humano na sociedade.<br />

37


A paraplegia é a paralisia dos membros inferiores e todo ou uma porção do tronco.<br />

Quando os membros superiores também estão envolvidos, usa-se o termo tetraplegia para<br />

descrever a deficiência (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />

Em relação às paralisias provocadas por lesão medular, é importante ressaltar que a<br />

lesão física na medula pode se apresentar de várias formas, de acordo com a causa da lesão.<br />

Em alguns casos, pode haver a formação de cicatriz no local lesionado; já em outras situações<br />

ocorre apenas uma desmielinização das fibras nervosas, ou seja, causas diferentes que terão o<br />

mesmo efeito, que é a perda da capacidade da medula em conduzir os estímulos nervosos<br />

através da região lesionada e por fim, a paralisia.<br />

Após a lesão da medula, as alterações vasculares e biológicas levam ao completo<br />

infarto e necrose do segmento lesado. O mecanismo de redução do fluxo sangüíneo na medula<br />

espinhal, após o trauma, não é bem compreendido. No momento da lesão, não ocorre somente<br />

uma lesão direta dos axônios e vasos sangüíneos, mas ocorre, também, uma cadeia secundária<br />

de eventos resultando em hipóxia edema e infarto.<br />

O fator crítico para a função recuperável é o tempo desde o traumatismo até a<br />

instituição de qualquer terapia (HARRISON’S, 1997).<br />

Segundo Bromley (1997), o edema e a hemorragia que ocorrem no interior da medula<br />

podem realmente causar uma ascensão do nível da lesão de um ou mais segmentos dentro dos<br />

primeiros dias após a injúria, mas isto é quase sempre temporário e a lesão neurológica final<br />

provável será a mesma ou até mesmo inferior que aquela observada imediatamente após a<br />

injúria.<br />

O cuidado agudo do indivíduo, com lesão medular, é direcionado à estabilização da<br />

condição clínica e tratamento das lesões associadas quando presentes e apropriadas<br />

imobilizações.<br />

38


Como dito, o quadro clínico, após uma LM, pode ser variável, mas de toda forma<br />

sempre trará limitações importantes e, às vezes, irreversíveis para o indivíduo. Por isso, o<br />

tratamento de reabilitação deve ser imediato para que possa potencializar ao máximo as<br />

capacidades residuais desta pessoa, vislumbrando seu retorno breve à sociedade.<br />

Em linhas gerais, isto é muito mais difícil para uma pessoa tetraplégica, uma vez que<br />

as estruturas comprometidas representam um obstáculo na comunicação de grande parte da<br />

medula com o cérebro. Já para uma pessoa paraplégica, com a preservação dos movimentos e<br />

sensibilidade membros superiores, as chances de retorno ao convívio social são mais<br />

concretas.<br />

A titulo de ilustração segue o Quadro 2, que representa, de forma resumida, os níveis<br />

críticos da função da medula espinhal.<br />

Quadro 2 <strong>–</strong> Correlação entre os níveis da lesão medular e comprometimento muscular<br />

correspondente<br />

C4 Diafragma, extensores e flexores da cervical média.<br />

C5 Força parcial de todos os movimentos do ombro e flexão do cotovelo<br />

C6 Força normal de todos os movimentos do ombro e flexão do cotovelo; extensão do punho, a<br />

qual indiretamente permite a garra grosseira dos dedos.<br />

C7 Extensão do cotovelo, flexão e extensão dos dedos.<br />

T1 Braços e mãos totalmente normais<br />

T6 Extensores da coluna torácica, músculos intercostais superiores.<br />

T12 Todos os músculos do tórax, abdômen e coluna lombar.<br />

L4 Flexão do quadril, extensão do joelho.<br />

L5 Força parcial de todos os movimentos do Quadril com flexão normal, força parcial da flexão<br />

do joelho, força parcial do movimento do tornozelo e pé<br />

Complicações da Lesão Medular<br />

É comum que as pessoas, ao ouvirem que alguém sofreu uma lesão medular,<br />

relacionem este fato à perda da capacidade de se movimentar, imaginando apenas que estas<br />

não poderão mais andar ou movimentar os braços.<br />

39


Mas a lesão medular não compromete somente o movimento como muitas pessoas<br />

podem supor. Outras complicações surgem e estabelecem na vida do PLM uma necessidade<br />

de adaptação e cuidados básicos indispensáveis para manutenção de sua qualidade de vida e<br />

saúde.<br />

Uma série de complicações pode decorrer do traumatismo medular e, em sua grande<br />

maioria, se constitui por dificuldades na adaptação do indivíduo, não apenas na parte clínica<br />

da reabilitação, mas também para que possa conviver socialmente.<br />

Dentre as complicações mais expressivas listadas por Kottke e Lehmann (1994),<br />

confirmadas por Lianza (2001) e Ventura et al. (1996), estão a disfunção vesical e intestinal<br />

pós-trauma neurológico, conhecidos por bexiga neurogênica e intestino neurogênico,<br />

respectivamente.<br />

Tais disfunções podem tomar uma dimensão tal na vida do indivíduo lesado medular<br />

que dificultarão, ou até mesmo ceifarão, as possibilidades de retorno ao convívio social, sendo<br />

também um agente complicador na inclusão do LM no contexto ocupacional.<br />

A seguir, estão descritas, de forma pontual e resumida, as complicações supra citadas,<br />

no intuito de ampliar a noção sobre estas perdas a que está exposto o LM.<br />

Complicações Advindas da Lesão Medular <strong>–</strong> Bexiga Neurogênica<br />

Disfunção Vesical<br />

A disfunção vesical vem exemplificar exatamente como existe um comprometimento<br />

clínico e social para o PLM. A lesão medular, independente do nível ou do grau, leva ao que<br />

chamamos de bexiga neurogênica, onde a disfunção vesico-esfincteriana tem como origem<br />

uma causa neurológica congênita ou adquirida. O que ocorre é um comprometimento dos<br />

impulsos nervosos que comandam o esvaziamento vesical, levando a bexiga a perder a<br />

capacidade de contrair-se ou até apresentar contrações a pequenos volumes de urina<br />

armazenada, levando o indivíduo, por exemplo, à perda incontrolável de urina.<br />

40


As bexigas neurogênicas podem ser classificadas, resumidamente, com base em seu<br />

comprometimento neuronal em: bexiga neurogênica hiperreflexa ou bexiga neurogênica<br />

arreflexa.<br />

Nesses casos, se não houver uma intervenção precoce, outras complicações poderão<br />

aparecer como a ruptura do Detrusor (músculo da Bexiga), intoxicação renal e sepse em<br />

função do retorno da urina, através dos ureteres, para o trato urinário superior, infecções<br />

urinárias de repetição, traumatismo da uretra e fibrose da bexiga, causados pela permanência<br />

indefinida de cateteres vesicais no indivíduo.<br />

Além das complicações de ordem fisiológica, o indivíduo convive com<br />

constrangimentos causados pelo descontrole voluntário da micção que o prejudicam em suas<br />

relações sociais, inclusive no que diz respeito do retorno ao ambiente de trabalho. Uma bexiga<br />

neurogênica não cuidada resulta numa maior dificuldade do PLM restabelecer as atividades<br />

cotidianas que incluem o exercício profissional.<br />

Nesses casos, a reeducação vesical é mister para o processo de reabilitação do<br />

indivíduo que deixará de ser “refém” do funcionamento aleatório da sua bexiga, passando a<br />

controlá-la. Este controle nem sempre é voluntário, mas existem estratégias de treinamento<br />

vesical e disciplina nos hábitos de saúde do PLM que vão ser significativos para sua<br />

reabilitação, facilitando pois, seu retorno ao meio social.<br />

Disfunção Gastrointestinal <strong>–</strong> Intestino Neurogênico<br />

As disfunções gastrointestinais também são relevantes para o PLM. Não raro é<br />

encontrada a úlcera péptica que pode ter fundo de estresse e intestino neurogênico. Chama a<br />

atenção este último por ser causa comum da disreflexia autonômica hipertensiva que, como<br />

relatado anteriormente, pode causar danos sérios à saúde do indivíduo, levando-o inclusive à<br />

morte.<br />

41


No intestino neurogênico, o lesado medular perde total ou parcialmente, a capacidade<br />

de controlar seu reflexo da evacuação. A conseqüência prática, na maioria dos casos, é uma<br />

impactação fecal, já que alguns indivíduos ficam até 12 dias ou mais sem evacuar,<br />

experimentando um enorme desconforto, calafrios, tremores, cefaléia intensa havendo a<br />

necessidade de, em alguns casos, fazer retirada cirúrgica do bolo fecal.<br />

Pensemos, então, na outra possibilidade de funcionamento intestinal, também<br />

ocasionada pela lesão medular, onde o PLM perde o controle sobre suas eliminações<br />

intestinais. Assim, como no caso da bexiga neurogênica, ele fica refém das “vontades”<br />

aleatórias do seu organismo, ainda não reeducado.<br />

Isso provoca um nível de estresse e constrangimento tamanho que é muito comum<br />

indivíduos PLM recusarem-se a participar de algum tratamento de reabilitação ou de saírem<br />

de casa para um passeio ou compromisso para não serem “pegos de surpresa”.<br />

A saída, neste caso, é a reeducação intestinal que tem como filosofia a disciplina,<br />

criação de novos hábitos de saúde e algumas manobras não invasivas que podem ser<br />

facilmente realizadas pelo PLM ou, em caso de comprometimento grave, pelo seu cuidador.<br />

Reconquistando o controle sobre seu corpo e suas funções, o PLM aumentará sua auto-<br />

estima, sentirá maior segurança e poderá, enfim, buscar outros desafios como é, por exemplo,<br />

o de retornar ao seio social.<br />

2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular - conceito, fatores envolvidos na<br />

reabilitação e fases da reabilitação<br />

Quando se fala em reabilitação, normalmente a primeira idéia que surge é a de uma<br />

pessoa com limitações locomotoras sérias realizando exercícios para reaver seus movimentos<br />

e voltar a andar. Mas o conceito de reabilitação, atualmente, extrapola esta concepção.<br />

42


Ela se amplia para a esfera bio-psico-social que tem como maior objetivo tornar o<br />

indivíduo o mais independente possível, de forma que este atinja o mais alto nível de reajuste<br />

às atividades antes desenvolvidas e ensinando-lhe alternativas de como viver com as<br />

limitações das funções que não apresentam reminiscência.<br />

É importante ressaltar, portanto, que a idéia de reabilitação que está sendo abordada<br />

neste trabalho, concorda com a transcendência do conceito meramente físico onde a<br />

preocupação é a de que o indivíduo apenas readquira seus movimentos.<br />

A reabilitação tanto como um campo, como um processo já há muito reconheceu a<br />

unidade corpo e mente. Inerentes à natureza dos comprometimentos, tratados pelos<br />

especialistas em reabilitação, estão seus profundos efeitos sobre as múltiplas áreas da função.<br />

Por exemplo, em um tetraplégico por lesão da medula espinhal pode faltar mais do que<br />

o movimento voluntário e a sensação dos membros, o controle urinário e intestinal e uma<br />

gama de outros comportamentos adquiridos na infância e que, em nossa sociedade, são<br />

considerados necessários no processo de socialização e civilização.<br />

Para clientes de serviços de reabilitação, a disfunção orgânica tem impacto sobre a<br />

função social e emocional, e não se pode mais separar um cliente dos contextos familiar,<br />

cultural e social tanto quanto não podemos separar o corpo da mente.<br />

Assim, concorda-se com Kottke e Lehmann (1994) quando inferem que a Reabilitação<br />

pode ser entendida como a restauração a termo de uma pessoa ora incapacitada ou com<br />

dificuldades de readaptação ao seu meio, para sua capacidade máxima física, emocional, e<br />

vocacional. Estes acrescentam ainda que a reabilitação precisa ser iniciada na ocasião mais<br />

precoce possível para assegurar os melhores resultados.<br />

Pensando na essência do processo de reabilitação, constata-se que sua natureza é de<br />

aprendizagem e não de tratamento; isto é, o especialista desta área deve trabalhar com pessoas<br />

e não nelas.<br />

43


Este modelo separa a reabilitação de muitas outras especialidades médicas, uma vez<br />

que, neste contexto, a cura não é uma opção para a maioria dos comprometimentos; os<br />

objetivos finais envolvem ensinar pessoas com prejuízos funcionais a viver com e apesar dos<br />

comprometimentos através do controle e maximização do desempenho funcional e das<br />

habilidades sociais e emocionais de tal forma, que eles possam reassumir algum grau de<br />

controle sobre seus corpos, mentes e ambientes (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />

Não gera dúvidas o fato de que o indivíduo, com lesão medular, passa por uma fase<br />

inicial na qual é totalmente dependente, onde a sua atuação é praticamente nula como diz<br />

Bromley (1997, p. 1): “os pacientes com lesão medular espinhal são, de início, totalmente<br />

dependentes daqueles que estão em torno e necessitam de cuidados especializados e<br />

treinamento para que se tornem independentes novamente”.<br />

A equipe de reabilitação<br />

Qualquer situação que cause desequilíbrio na manutenção do estado de saúde de uma<br />

pessoa exige o trabalho especializado de uma equipe que busque, dentro das medidas cabíveis,<br />

a restauração do padrão ora perdido. Isso exige conhecimento técnico científico atualizado,<br />

envolvimento e uma constante revisão e renovação das atitudes e comportamentos frente ao<br />

indivíduo que está sob os cuidados da equipe de saúde.<br />

Com relação ao pessoal que atua diretamente na reabilitação, cuidando de pessoas<br />

“especiais”, não é diferente.<br />

No processo de reabilitação estão envolvidos vários profissionais, onde cada um, de<br />

acordo com sua formação, será responsável por prestar sua assistência ao cliente que não deve<br />

ser de forma isolada, mas sim integrada, onde todos tenham conhecimento do cliente de forma<br />

globalizada, visando à assistência integral.<br />

44


O que não deve ser ignorado, por estes profissionais, é que a reabilitação, tanto a física<br />

como também os cuidados referentes ao estado emocional que este indivíduo desenvolverá ao<br />

deparar com a nova realidade que se apresenta, deve ser iniciada o mais rápido possível.<br />

O indivíduo após a lesão na medula espinhal experimenta uma fase de ajustamento a<br />

qual, de acordo com Kottke e Lehmann (1994), citando uma observação de Treischman exige,<br />

geralmente, um tempo considerável que pode variar entre 18 a 24 meses. Este dado assume<br />

grande importância, pois o aspecto de reabilitação física pode ser prejudicado por períodos<br />

muito longos de depressão ou negação.<br />

Os profissionais de saúde precisam estar atentos a como o paciente e a família<br />

respondem ao prognóstico. O envolvimento da família e amigos é importante para que eles<br />

não prejudiquem o tratamento ou reforcem a negação.<br />

Após adquirir uma lesão medular e dependendo do quanto esta tenha afetado seu<br />

funcionamento orgânico, o PLM terá que adquirir novos hábitos relativos à sua saúde, que vão<br />

desde manter os ganhos da reabilitação até prevenir potenciais complicações. Sobre este<br />

assunto, Kottke e Lehmann (1994, p.734) expõem:<br />

Uma vida inteira de cuidados após a alta hospitalar. Os objetivos incluem a<br />

refinamento dos ganhos físicos já alcançados, manutenção da capacidade funcional e<br />

ajustamentos alcançados, e identificação de problemas em potencial ou já<br />

desenvolvidos. Esses cuidados incluem reavaliação ambulatorial regular.<br />

Todo o processo faz parte da reabilitação do paciente. À medida que este se torna mais<br />

independente, o profissional de saúde deve também saber quando e como, gradualmente,<br />

retirar seu suporte.<br />

Ou seja, na reabilitação, pretende-se que o indivíduo reaprenda determinadas funções<br />

que exercia antes e que aprenda a lidar, da maneira mais saudável possível, com a rejeição, a<br />

exclusão e a indiferença que a sociedade oferece, não se deixando intimidar e buscando e<br />

garantindo seus direitos.<br />

45


O profissional de saúde deve sempre estimular e encorajar o indivíduo dentro de suas<br />

reais possibilidades, porém nunca iludi-lo. Dessa forma, estará ajudando-o a reorganizar e<br />

readquirir seu equilíbrio psicofísico.<br />

Outro aspecto que tem fundamental importância no correto desempenho da equipe é a<br />

atitude frente ao indivíduo, estimulando sempre a sua identidade e fazendo com que se sinta<br />

ativo dentro do grupo; um simples exemplo disto é a importância de identificar o paciente por<br />

seu nome desde as primeiras etapas e nunca se referir a ele através de um rótulo que o<br />

identifique.<br />

Uma das tarefas essenciais do enfermeiro é facilitar o processo explicando<br />

detalhadamente a realidade da lesão ao paciente e à família.<br />

O enfermeiro, assim como outros profissionais, precisa ser sensível a como o paciente<br />

e a família respondem ao prognóstico. Pode ser que eles não sejam capazes de “ouvir” o<br />

prognóstico até que possam controlar a ansiedade.<br />

Reforça-se aqui a importância do conhecimento e envolvimento que a equipe de<br />

reabilitação deve ter para auxiliar o indivíduo e sua família a superarem todas as fases deste<br />

processo, minimizando as conseqüências tanto físicas quanto psicológicas que a instalação de<br />

uma lesão medular traz ao sujeito.<br />

Castilhos et al. (2003) reforçam que todo o processo de reabilitação deve tomar início<br />

o mais brevemente possível, uma vez que os ganhos funcionais que o indivíduo pode ter estão<br />

diretamente relacionados à brevidade com que o seu corpo e mente são estimulados<br />

positivamente, tão logo o evento incapacitante tenha ocorrido. Caso contrário, contraturas,<br />

vícios posturais e outras complicações orgânicas tomarão dimensões cuja reversão nem<br />

sempre será viável.<br />

46


Retomando agora o objeto do estudo, julgou-se necessário apresentar as fases em que a<br />

Reabilitação está inserida dentro dos níveis de assistência à saúde, facilitando a visibilidade<br />

das possibilidades do cliente o que irá contribuir na inserção do mesmo no contexto de<br />

trabalho, de forma a este ser adequado à realidade do cadeirante, neste caso específico.<br />

Fases da Reabilitação<br />

Pode-se dizer que o espectro total de assistência à saúde é classificado dentro de três<br />

níveis de prevenção: primário, secundário e terciário. A prevenção primária é aplicável<br />

durante os períodos de pré-patogênese ou saúde ótima. Os outros dois níveis cobrem o período<br />

de patogênese e o período de reabilitação (KOTTKE; LEHMANN, 1994)<br />

No estudo em questão, prevenção primária que, segundo Potter e Perry (1999),<br />

consiste em uma prevenção real que precede a doença ou disfunção e aplica-se aos clientes<br />

considerados física e emocionalmente saudáveis, deveria estar voltada para a educação à<br />

saúde. Deveriam atuar com campanhas que visassem à redução das principais causas do<br />

traumatismo medular como os acidentes automobilísticos, mergulhos em águas rasas, entre<br />

outros, explicando as conseqüências destes.<br />

Em seu segundo nível, a prevenção secundária, ainda de acordo com Potter e Perry<br />

(1999), enfoca os indivíduos que estão vivenciando problemas de saúde ou doenças e que se<br />

encontram em risco para desenvolvimento de complicações ou piora de suas condições. Neste<br />

nível se enquadra o diagnóstico e reconhecimento da situação de risco e são mobilizados os<br />

meios necessários para evitar as complicações.<br />

A prevenção terciária, por sua vez, é descrita por Potter e Perry (1999) como o estado<br />

em que a lesão ou invalidez é irreversível e envolve a minimização dos efeitos da doença ou<br />

invalidez por intervenções diretas, visando prevenir complicações e a deterioração do quadro.<br />

As atividades são direcionadas para a reabilitação e tratamento.<br />

47


O trabalho de reabilitação no caso de instalação de lesões traumáticas da medula é<br />

iniciado durante a prevenção secundária e tem continuidade na prevenção terciária, não<br />

podendo nenhuma das fases ser descartada ou de maior ou menor importância que a outra.<br />

Na esfera da enfermagem de reabilitação, esta se baseia em consistentes fundamentos<br />

teóricos e científicos na medida em que se trabalha com os indivíduos para definir objetivos<br />

para níveis máximos de interdependência funcional e atividades de vida diária, promover o<br />

autocuidado, prevenir complicações e posterior deficiência, reforçar comportamentos de<br />

adaptação positiva e assegurar a acessibilidade e continuidade de serviços e cuidados entre<br />

outros (HOEMAN, 2000).<br />

Durante esse processo, o cliente deve estar esclarecido sobre sua situação e do seu<br />

prognóstico; mesmo que a aceitação não ocorra de maneira favorável, este não deve ser<br />

enganado.<br />

A assimilação dessas informações, pelo indivíduo, permite que o trabalho de<br />

reabilitação transcorra de forma mais segura, onde o profissional conhece o limite do seu<br />

cliente e este se propõe a atingir o que lhe é possível.<br />

É importante que o cliente se torne consciente não apenas de seu potencial de<br />

realização no aspecto físico como também das limitações impostas por sua deficiência.<br />

Somente então irá desenvolver uma atitude realista e estará apto a atingir o máximo de sua<br />

reabilitação e de suas habilidades, e de retornar as responsabilidades do lar, da vida em<br />

família e em comunidade (BROMLEY, 1997).<br />

2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência <strong>–</strong> a construção histórica do lidar com a<br />

pessoa deficiente - estigma, preconceito, discriminação<br />

Entende-se aqui que, para falar da reação do “outro” em relação a uma PPNE, faz-se<br />

necessário compreender como o próprio indivíduo PNE reage frente à sua deficiência,<br />

48


percebendo que esta pode, de alguma forma, vir a influenciar na percepção daquele indivíduo<br />

sem lesão medular com relação ao indivíduo cadeirante.<br />

Desta forma, apresentar-se-á este aspecto a seguir.<br />

A aquisição da deficiência física/motora<br />

Postulando-se que o indivíduo lesionado na medula espinhal sofreu uma das lesões<br />

físicas e socialmente mais catastróficas, e considerando-se que esta pessoa tenha fisicamente<br />

voltado à “lactância” em termos de precisar de assistência para realizar as atividades da vida<br />

diária, há grandes ajustamentos a fazer nas semanas, meses, e até anos subseqüentes à lesão.<br />

O naipe de reações psicológicas que se seguem às lesões traumáticas é extremamente<br />

abrangente, tornando qualquer tentativa de sistematização ou generalização potencialmente<br />

falha. Manifestações psicológicas adversas parecem ocorrer com maior freqüência quando há<br />

alterações permanentes na estrutura do corpo ou algum déficit funcional significativo.<br />

Segundo Lianza (2001), as reações podem ser mais intensas se a lesão que ocorre<br />

como resultado do trauma envolve uma parte ou função do corpo dotada de maior<br />

investimento emocional, ou se dela resulta deformidade visível.<br />

Lesões traumáticas graves nas extremidades e na face costumam produzir reações<br />

psicológicas bastantes significativas, principalmente quando resultam em desfiguramento e<br />

incapacidade funcional permanente.<br />

Vários fatores estão associados a uma vulnerabilidade maior ao evento traumático, tais<br />

como: transtorno de personalidade prévio, mudanças de vida recentes e estressantes, apoio<br />

sócio-familiar deficiente, presença de um trauma de infância. O suporte, real ou imaginário,<br />

de relacionamentos primordiais pode mediar as respostas comportamentais ou emocionais do<br />

trauma.<br />

49


Ao adquirir uma deficiência como a provocada pela lesão medular, a pessoa vai passar<br />

por algumas etapas que envolvem aspectos emocionais e físicos importantes e que vão<br />

auxiliar na construção do seu mecanismo para lidar com sua nova condição, seu novo corpo.<br />

Fases de Comportamento do Indivíduo diante da aquisição da deficiência<br />

De uma forma geral, ao adquirir uma deficiência, o indivíduo passará por algumas<br />

fases que, independente da natureza da sua deficiência, terão basicamente as mesmas<br />

características que serão apresentadas a seguir. Cabe lembrar que tais reações se aplicam à<br />

diferentes situações onde há algum tipo de perda, como câncer, HIV/AIDs e não apenas se<br />

restringem ao contexto da aquisição de uma deficiência.<br />

Mas, como o enfoque deste estudo está voltado para as pessoas paraplégicas, vítimas<br />

de lesão medular, o olhar foi direcionado para esta clientela, o que também não significa dizer<br />

que todas as pessoas vítimas de TRM passaram ou sempre passarão por todas as fases<br />

descritas. O que existe é uma espécie de padrão de comportamento esperado após um evento<br />

deste porte, onde as pessoas podem se encaixar de forma mais estreita ou não.<br />

Segundo Kottke e Lehmann (1994), de uma forma global, o modelo de comportamento<br />

do indivíduo portador de lesão medular pode ser dividido em quatro fases bem definidas. São<br />

elas:<br />

Fase de Choque: frente à súbita transformação provocada pela lesão medular, a pessoa entra<br />

em um estado de confusão no qual não consegue perceber a magnitude do acontecido. Nesta<br />

fase, ela interrompe seu vínculo com o mundo exterior, numa tentativa inconsciente de<br />

proteger a sua imagem corporal, mantendo-a íntegra.<br />

50


Fase de Negação: o lesado medular que, na fase inicial, tinha interrompido seu vínculo com o<br />

mundo exterior, começa a perceber sua situação, porém de uma forma distorcida, por não ter<br />

condições de aceitá-la, tentando manter, assim, sua antiga imagem.<br />

Esta fuga da situação evita que entre em ansiedade e/ou depressão e comumente, nesta<br />

fase, ele reage de forma regressiva, sem iniciativa.<br />

Durante estas duas primeiras fases a equipe desempenha a parte mais ativa dentro do<br />

processo de reabilitação, devendo tomar decisões firmes, já que, dadas as condições do<br />

indivíduo, este não pode reagir de forma dinâmica por não existir motivação alguma.<br />

Fase de Reconhecimento: a persistência do quadro provocado pela lesão medular e o contato<br />

com outras pessoas portadoras de limitações físicas semelhantes fazem com que o lesado<br />

medular comece a tomar consciência de sua real situação.<br />

A evidência da paralisia, a perda do controle esfincteriano, o temor de tornar-se uma<br />

carga para seus familiares e as possíveis restrições sociais lhe provocam um forte sentimento<br />

de desamparo e intensa ansiedade, levando-o a um estado de depressão.<br />

Esta, comumente se traduz mediante queixas físicas contínuas e, se não for combatida<br />

na fase inicial, pode transformar-se num obstáculo difícil de ser superado. Outras vezes essa<br />

sensação de desvalorização pessoal é tão forte que podem surgir idéias suicidas.<br />

É aqui que o recém-deficiente começa a experimentar as mudanças de sua própria<br />

imagem. Já não pode ocultar-se dentro da fase defensiva de negação, vendo-se forçado a<br />

recompor sua auto-imagem de forma mais realista.<br />

É justamente nesta fase de reconhecimento que a participação ativa do lesado medular<br />

deve ser altamente estimulada. Agora ele está em condições de ser motivado pela equipe para<br />

começar a desenvolver ao máximo todo o seu potencial residual.<br />

O bom relacionamento cliente-equipe facilitará o diálogo, permitindo uma real<br />

conscientização sobre suas possibilidades e suas limitações.<br />

51


Destaca-se a importância de ir estabelecendo, durante o programa de reabilitação,<br />

metas claras e realistas.<br />

Cada meta atingida constitui-se num grande estímulo para continuar o processo de<br />

reabilitação, enquanto metas irreais ou opiniões divergentes dos integrantes da equipe só<br />

levarão a frustrações e desconfiança por parte do indivíduo com a conseguinte regressão a<br />

fases anteriores.<br />

Fase de Adaptação: nesta fase, o indivíduo portador de lesão medular começa a sentir-se<br />

recompensado por seus esforços. Ele está na sua capacidade máxima para agir ativamente no<br />

processo de reabilitação, é realista e, portanto, coopera para atingir as metas estabelecidas.<br />

Reconhece a importância do programa de reabilitação, já que este lhe está devolvendo<br />

a possibilidade de uma reintegração social e uma auto-eficiência dentro de suas limitações.<br />

Logicamente, este quadro apresentado é esquemático e nem todos as pessoas superarão<br />

da mesma forma estas diferentes etapas, porém todos os membros da equipe de reabilitação<br />

que trabalham com pacientes portadores de lesão medular sabem a importância da superação<br />

de cada uma destas fases na obtenção de uma verdadeira reabilitação.<br />

A fixação do lesado medular nas fases iniciais ou a regressão a estas por uma<br />

condução inadequada da equipe, incluindo nesta a família, pode estacionar gravemente o<br />

processo de reabilitação.<br />

Uma das reações psíquicas mais negativas que podem ser notadas é a indiferença<br />

frente à lesão medular; é o paciente que não se deprime nem se mostra agressivo,<br />

apresentando-se passivo, desmotivado, sem iniciativa, conduta que reflete grave perturbação<br />

psíquica, devendo ser corretamente tratada antes de se iniciar o programa de reabilitação.<br />

Freqüentemente, é observada esta conduta em pacientes que passam inativos, por<br />

períodos prolongados, em hospital ou domicílio. Por isso, faz-se necessário que a reabilitação<br />

seja iniciada durante a internação, de modo a evitar que ocorra esse quadro.<br />

52


O conhecimento dessas fases e possíveis complicações psicológicas associadas<br />

permitem à equipe agir corretamente, ajudando o paciente a recuperar sua harmonia<br />

psicofísica. Transformando, segundo as palavras de Gutmann (1994, p. 52), “um conjunto<br />

caótico de componentes em uma nova unidade funcional do sistema nervoso”; somente assim<br />

o paciente portador de lesão medular estará em condições de atingir sua reintegração à<br />

sociedade.<br />

Em outras palavras, as reações psicológicas do PLM representam problemas tão<br />

árduos quanto os resultantes do desastre, que reduziram subitamente um indivíduo com saúde<br />

normal e em atividade a um estado de completa imobilidade e dependência, primordialmente<br />

em sua fase inicial.<br />

A reação psicológica completa a sua condição física e desenvolve-se inevitavelmente<br />

quando o cliente se recobra do choque traumático inicial. A reação naturalmente variará de<br />

acordo com a idade, valores e temperamento individuais. Incertezas, medo e ansiedade fazem<br />

surgir as questões:<br />

− “Será isto permanente?”<br />

− “Eu nunca mais poderei andar ou trabalhar novamente?”<br />

− “Dependerei para sempre do auxílio de outras pessoas para realizar tudo que sempre<br />

executei sozinho?”<br />

O paciente irá apresentar muita ansiedade, dando origem a medo, frustrações, angústia<br />

e freqüentemente uma sensação de isolamento. Eles terão muitos questionamentos com<br />

respeito ao prognóstico, à vida no lar e em família, ao sexo, ao emprego, à reabilitação, à<br />

relação entre sua condição e ao meio ambiente e problemas de ordem financeira (BROMLEY,<br />

1997).<br />

Geralmente, quando procura o hospital ou é levado para internação, qualquer<br />

indivíduo pode sentir-se amedrontado, inseguro e desajustado. É nestas condições que ele<br />

53


necessita da ajuda psicológica e cabe também ao enfermeiro fazer que sinta confiança e<br />

segurança no novo ambiente. Para o PLM, a realidade pode ser mais assustadora, pois tem que<br />

se ajustar à sua entrada no sistema de saúde em uma nova condição pessoal.<br />

A extensão da deficiência é forçosamente trazida à mente do indivíduo quando ele<br />

começa sua reabilitação na cadeira de rodas. Durante a fase aguda no leito, outros assumem o<br />

cuidado com seu corpo, mas uma vez ele o tenha abandonado, o portador de lesão medular é<br />

confrontado com seus membros dependentes, pesados e sem função.<br />

Muitos clientes atravessam um período de depressão nessa época. Uma atitude mais<br />

positiva usualmente desenvolve-se quando o dia torna-se preenchido com trabalho e um<br />

progresso mesmo ligeiro é realizado em direção a independência. A depressão pode anunciar-<br />

se de diversas formas como agressão aos elementos da equipe e comportamento anti-social.<br />

Outros não podem enfrentar a realidade de seu problema e constantemente afirmam<br />

que irão andar novamente (negação). Em vista disso, eles se recusam a aprender as atividades<br />

cotidianas, a partir de uma cadeira de rodas ou a considerar qualquer alteração necessária para<br />

a vida doméstica. Uns poucos, e talvez o grupo mais difícil, parecem completamente<br />

indiferentes. Eles se conformam, mas são inteiramente apáticos (BROMLEY, 1997).<br />

Como forma de assegurar o acompanhamento psicológico, frente à sua importância no<br />

trabalho de reabilitação, este vem a ser garantido no Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de<br />

1999, Artigo 21, que ainda ressalta a necessidade de que este ocorra durante todo o processo<br />

de reabilitação e simultaneamente aos tratamentos funcionais, desde a comprovação da<br />

deficiência ou do início de um processo psicológico que possa originá-la (BRASIL, 1999).<br />

Para oferecer o máximo de auxílio ao cliente durante este período de reajustamento<br />

psicológico, assim como para atingir uma reabilitação física bem sucedida, é necessário que a<br />

equipe esteja bem sintonizada.<br />

54


Todos os membros da equipe de reabilitação deverão estar envolvidos com o<br />

reajustamento do paciente, cada qual sendo responsável por sua contribuição (BROMLEY,<br />

1997).<br />

A descrição deste quadro revela o quanto é difícil e complicado o processo de<br />

reabilitação de um indivíduo após o acidente.<br />

Como o início e o sucesso da reabilitação estão totalmente relacionados não apenas ao<br />

seu estado físico, como também ao seu estado emocional, é essencial que a equipe<br />

multiprofissional se apresente de forma bem organizada, onde cada profissional esteja atento a<br />

todos os sinais e suas necessidades.<br />

Não se pode esquecer que a família e o grupo de amigos desempenham um papel<br />

fundamental dentro do processo de reabilitação; portanto, devem ser esclarecidos e orientados<br />

em todos estes aspectos para agir em total harmonia com o resto da equipe, evitando a<br />

superproteção, dando o apoio necessário e sabendo resistir às possíveis exigências irracionais<br />

do paciente.<br />

Retomando a questão da relação do próprio deficiente em relação à sua deficiência, a<br />

pessoa pode assumir posturas distintas, como a de tentar a todo custo superar suas<br />

dificuldades, tentando provar a todos que é um ser-humano melhor que os ditos “normais”<br />

(como, por exemplo, um amputado que aprende a escalar montanhas); ou pode ainda cultivar<br />

a idéia de que sua deficiência é uma espécie de “bênção” alimentando a certeza de que o<br />

sofrimento tem muito a ensinar a uma pessoa sobre a vida e sobre as outras pessoas,<br />

reafirmando, assim, as limitações dos normais.<br />

Pode, também, tentar corrigir sua deficiência de forma direta, através de cirurgias,<br />

implantação e órteses ou próteses.<br />

Dependendo, ainda, de como se mostra a deficiência deste indivíduo, ou seja, se esta<br />

for facilmente visível, ele será considerado como um sujeito desacreditado.<br />

55


No entanto, caso o defeito não seja tão visível assim, mas o seu portador acredita que<br />

este o torna uma pessoa indigna de compartilhar do convívio social com os demais membros,<br />

ele assume então uma postura desacreditável, já que reafirma sua condição de pessoa<br />

estragada, diminuída (GOFFMAN, 1988).<br />

O modo como este indivíduo lida com sua condição de deficiente vai impregnar, de<br />

uma maneira mais ou menos intensa, a forma de ver do outro, facilitando ou obstaculizando a<br />

interação social.<br />

Pelo exposto, pode-se observar, sem a pretensão de que possamos sentir estas<br />

dificuldades, sem delas sermos protagonistas, a “nova vida” a que é bruscamente apresentado<br />

o portador de lesão medular.<br />

A forma, com que cada um vai enfrentar e se adaptar à situação, é desenvolvida em<br />

nível pessoal, pois cada um tem o seu contexto de vida e estrutura diferente do outro.<br />

O fator de estudo, no presente trabalho, visa apenas tentar esclarecer um pouco, como<br />

se coloca um dos fatores da nova adaptação dos quais o PLM é apresentado, que é o como as<br />

pessoas não portadoras de deficiência o vêem no contexto ocupacional, que se caracteriza<br />

fortemente como um fator de inclusão social ou não da Pessoa Portadora de Deficiência<br />

Física, haja vista a forma como exerce neste uma ação e uma reação proveniente do estigma,<br />

preconceito e discriminação, em relação à sua deficiência.<br />

Reações das pessoas em relação ao Deficiente <strong>–</strong> Construção histórica do lidar com a<br />

pessoa deficiente<br />

Da mesma forma que o lesado medular pode apresentar uma série de reações frente à<br />

sua deficiência, aqueles não portadores de lesão também as têm, sendo estas caracterizadas,<br />

muitas vezes, pelo estigma, preconceito e discriminação, gerando comportamentos que<br />

oscilam entre a segregação e a compaixão, passando pela indiferença.<br />

56


Uma vez que o eixo central da discussão neste estudo gira em torno da percepção do<br />

não deficiente em relação ao outro deficiente no âmbito do trabalho, é importante situar o<br />

entendimento sobre como essa percepção foi sendo construída, tomando como ponto de<br />

partida, uma linha histórica.<br />

Segundo Silva (1986), estudos antropológicos apontam que, desde a pré-história,<br />

pessoas com algum tipo de malformação congênita ou adquirida eram retratadas em pinturas e<br />

cerâmicas, o que nos permite dizer que o tema da deficiência fazia parte da vida diária<br />

daquelas comunidades.<br />

Bahia (2006) acrescenta que cada tribo ou povo estabelecia uma forma de lidar com as<br />

pessoas que tinham alguma deficiência, mas havia dois tipos comuns de atitudes adotadas<br />

frente a pessoas idosas, doentes ou com alguma deficiência: ou elas eram toleradas na<br />

comunidade, recebiam apoio e eram "assimiladas" pelo grupo ou eram desprezadas e<br />

eliminadas de diferentes maneiras. No entanto, o autor ressalta que, em alguns povos, os<br />

indícios de extermínio desses indivíduos acontecia por questões de sobrevivência e não por<br />

preconceito ou discriminação.<br />

A eliminação também era prática corrente entre os gregos. A valorização do corpo<br />

levava ao sacrifício pessoas com alguma deficiência física que, por serem destituídas do<br />

estatuto de pessoas, eram lançadas de penhascos (PALOMBINI, 2003).<br />

Por volta do ano 280 da Era Cristã, em Roma, ainda era vigente a lei do extermínio de<br />

recém-nascidos com deformações. Um número muito grande de nascimentos de crianças com<br />

deficiências fez com que a população romana oferecesse sacrifícios especiais a Plutão para<br />

eliminar um problema que afligia a todos. Também em Roma, bebês considerados anormais<br />

eram abandonados em cestas enfeitadas com flores às margens do rio e eram recolhidos por<br />

famílias pobres que os criavam para depois se utilizarem deles para pedir esmolas. Os<br />

57


omanos, sentindo-se culpados por terem abandonado um filho nessas condições, davam<br />

esmolas para diminuírem seu sentimento de culpa.<br />

Com a ascensão do Cristianismo a partir do século IV, as idéias de eliminação<br />

compulsória de bebês com deficiência passaram a ser condenadas. O direito à vida passou a<br />

ser defendido pelos cristãos, pois as mulheres, as crianças e as pessoas entendidas como<br />

"diferentes" passaram a ser consideradas "filhos de Deus" e donos de uma alma e,<br />

conseqüentemente, humanos. São chamados les enfants du bon Dieu, mas ao mesmo tempo,<br />

com um significado religioso paradoxal, são considerados "expiadores de culpas alheias".<br />

Pessoas com deficiência, loucos e criminosos eram considerados possuídos pelo demônio e<br />

associados às faltas cometidas e à punição por parte de Deus, sendo banidas do convívio<br />

social.<br />

Ceccim (1997, p. 27), estudioso da questão, afirma que a partir da ética cristã torna-se<br />

explícito o dilema entre caridade e castigo, entre proteção e segregação e<br />

[...] despontam duas saídas para a solução do dilema: de um lado, o castigo como<br />

caridade é o meio de salvar a alma das garras do demônio e salvar a humanidade das<br />

condutas indecorosas das pessoas com deficiência. De outro lado, atenua-se o<br />

castigo com o confinamento, isto é, a segregação (a segregação é o castigo caridoso,<br />

dá teto e alimentação enquanto esconde e isola de contato aquele incômodo e inútil<br />

sob condições de total desconforto, algemas e falta de higiene).<br />

No século XV, a Inquisição manda para a fogueira os hereges, que eram considerados<br />

loucos, adivinhos ou pessoas com algum tipo de deficiência mental. Ainda naquele mesmo<br />

século é editado o "Martelo das Bruxas", um livro "de caça às feiticeiras, adivinhos, criaturas<br />

bizarras ou de hábitos estranhos" (CECCIM, 1997, p.28).<br />

Pessoas com deficiência e, principalmente, com deficiência mental eram vistas como<br />

possuídas por espíritos malignos ou como loucas e foram assim levadas à fogueira.<br />

Até o século XVI, crianças com deficiência mental grave eram consideradas como<br />

possuídas por seres demoníacos. Mesmo renomados intelectuais acreditavam que era o<br />

58


demônio que estava ali presente. Segundo o pensamento da época, "o demônio possui esses<br />

retardados e fica onde suas almas deveriam estar" (SILVA, 1986, p. 211).<br />

Com a gradual rejeição do caráter demoníaco associado às pessoas com deficiência,<br />

começam a ser implementadas algumas formas de atenção a tais pessoas, constituindo, assim,<br />

um outro modo de colocar o problema da deficiência, vinculando-o, daqui para frente, a<br />

práticas caritativas e assistencialistas.<br />

Castel (1998), em seu livro "As metamorfoses da questão social: uma crônica do<br />

salário", faz uma excelente reflexão sobre a questão da assistência que nos auxilia a<br />

compreender o modo como serão estruturadas as práticas voltadas para as pessoas com<br />

deficiência a partir do final da Idade Média.<br />

A assistência abrange, segundo o autor, um conjunto diversificado de práticas que, no<br />

entanto, possuem uma estrutura comum determinada pela existência de certos grupos carentes<br />

e pela necessidade de atendê-los. Trata-se de entender de que modo surge esta "necessidade"<br />

de atendimento no âmbito da deficiência, uma vez que a assistência não será oferecida a todas<br />

as pessoas, indiscriminadamente.<br />

Foi preciso definir alguns critérios para o recebimento da assistência: o primeiro seria<br />

o do "pertencimento comunitário" que vincula a assistência à condição de ser membro do<br />

grupo, rejeitando assim os "estrangeiros".<br />

Quer se trate de esmolas, de abrigo em instituição, de distribuições pontuais ou<br />

regulares de auxílio, de tolerância em relação à mendicância etc., o indigente tem mais<br />

oportunidades de ser assistido à medida que é conhecido e reconhecido, isto é, entra nas redes<br />

de vizinhança que expressam um pertencimento que se mantém em relação à comunidade<br />

(CASTEL, 1998).<br />

Um segundo critério era o da "inaptidão para o trabalho", a partir do qual a assistência<br />

era fornecida para aqueles carentes incapazes de suprir, sozinhos, suas necessidades<br />

59


através do trabalho. Para Castel (1998), o pobre que mais mobilizava a caridade era aquele<br />

que exibia em seu corpo o sofrimento humano, a incapacidade física, a doença <strong>–</strong> de<br />

preferência incurável <strong>–</strong>, ou seja, aquelas doenças e incapacidades insuportáveis ao olhar eram<br />

as que garantiam a assistência.<br />

A possibilidade de receber assistência estava, portanto, diretamente vinculada a esses<br />

dois vetores: o pertencimento comunitário e a inaptidão para o trabalho. Dessa forma,<br />

recebiam assistência aquelas pessoas moradoras da comunidade e que pudessem comprovar a<br />

sua incapacidade para o trabalho.<br />

Ainda, segundo Castel (1998), é a partir do fim do século XIII que a prática da<br />

caridade se torna uma espécie de "serviço social local" para o qual colaboram todas as<br />

instâncias responsáveis pelo "bom governo" da cidade. Dentre tais instâncias encontra-se a<br />

Igreja <strong>–</strong> não propriamente em função da religião, como seria de se esperar, mas pelo fato de<br />

que as autoridades religiosas (o bispo, o cônego, por exemplo) teriam as mesmas<br />

responsabilidades das autoridades leigas (senhores notáveis e burgueses).<br />

A prática assistencial está diretamente relacionada ao surgimento das instituições de<br />

confinamento. Nesse modelo de intervenção, o atendimento aos carentes constitui objeto de<br />

práticas especializadas. Assim, surgem diferentes equipamentos sociais, tais como hospitais,<br />

asilos, orfanatos, hospícios que oferecerão atendimento especializado a certas categorias da<br />

população que outrora eram assumidos, sem mediação, pelas comunidades. Vão surgindo<br />

estruturas cada vez mais complexas e sofisticadas de atendimento assistencial, esboço de uma<br />

profissionalização futura desse tipo de prática.<br />

A condição social dos pobres que recebem assistência suscita atitudes que vão desde a<br />

comiseração até o desprezo. Eram desprezados pela própria condição de pobreza na qual se<br />

encontravam e pelas condições físicas de deficiência e doença, mas também recebiam<br />

comiseração já que eram "alvos" da boa ação de outras pessoas. Essa contradição se encontra<br />

60


em modos específicos da "gestão da pobreza", na economia da salvação: mesmo desprezado,<br />

o pobre pode, aceitando sua condição de pobreza, auxiliar os ricos para que esses pratiquem a<br />

caridade <strong>–</strong> a "suprema virtude cristã" <strong>–</strong> e obtenham, assim, a salvação. Dessa forma, os pobres<br />

também obteriam a sua própria salvação.<br />

A pobreza torna-se, portanto, um valor de troca na economia da salvação, assim como<br />

a doença e o sofrimento, prova inconteste da pobreza não só econômica, mas física. Doença e<br />

deficiência tornam-se também um valor de troca nessa economia de salvação e na<br />

possibilidade de obter auxílio da comunidade.<br />

Observa-se que pessoas doentes e com deficiência devem permanecer na condição de<br />

pessoas de segunda classe para continuar recebendo auxílio. Por outro lado, a prática<br />

assistencialista que valoriza esse tipo de relação mantém e fixa as pessoas na posição de<br />

subalternas. Para Castel (1998), essas pessoas fazem parte de uma zona intermediária de<br />

vulnerabilidade social, que pode se dilatar, avançando sobre a integração e alimentando a<br />

desfiliação em casos de crises econômicas, aumento do desemprego ou do subemprego. No<br />

entanto, sempre haverá pessoas nessa zona limite entre a integração e a desfiliação.<br />

Pessoas com deficiência, em uma grande parcela, fazem parte dessa zona de<br />

vulnerabilidade social que alimenta a caridade e o assistencialismo. São pessoas, na grande<br />

maioria, fora do mercado de trabalho, com pouco nível de instrução e acostumadas a receber<br />

auxílio e assistência de diversos grupos sociais. Assim, a caridade e o assistencialismo<br />

mantêm as pessoas com deficiência nesse lugar de necessitados, fixam-nos na zona de<br />

vulnerabilidade social, impedindo que aumente a tensão entre a demanda por integração e a<br />

possibilidade de desfiliação. A tensão permanece suportável e retroalimenta o<br />

assistencialismo.<br />

61


Com essa breve panorâmica histórica sobre a condição da pessoa deficiente na<br />

sociedade e o tratamento, por esta última, dispensado aos seus membros “menos afortunados”,<br />

fica mais próximo o entendimento de como hoje tais relações e percepções se reproduzem.<br />

Para reforçar ainda mais este pensamento, recorremos a Goffman (1988) que explica,<br />

de uma maneira geral, como nós nos comportamos diante do outro. Segundo este autor,<br />

quando qualquer pessoa chega à presença de outra, esta procura obter informações a seu<br />

respeito ou evoca aquilo que já possui em seu acervo de impressões e dados.<br />

Essa reação serve para situar o indivíduo diante de uma relação interpessoal que está<br />

prestes a acontecer. A informação a respeito de uma pessoa ou daquilo que ela representa<br />

serve para definir a situação, tornando as outras pessoas capazes de conhecer antecipadamente<br />

o que esperar daquele indivíduo e vice-versa.<br />

Em outras palavras, se conhecemos um indivíduo ou estamos informados a respeito<br />

dele em virtude de uma experiência que precedeu à interação, podemos confiar nas nossas<br />

suposições como meio de predizer qual será o seu comportamento. A isso se dá o nome de<br />

Tipificação. Assim, podemos ajustar nosso comportamento diante da previsibilidade desta<br />

interação social.<br />

No entanto, por não se possuir um elenco variado de experiências ou por não ter<br />

acesso a informações sérias e confiáveis sobre um determinado assunto, pessoa ou situação,<br />

muitas vezes buscamos estas referências em mitos, experiências de outros sujeitos, que podem<br />

estar impregnadas de conceitos errôneos, ultrapassados.<br />

O que acontece então é que nosso julgamento diante do outro, que ainda nem<br />

conhecemos, já fica impregnado de preconceito podendo nos levar a uma atitude<br />

discriminatória sem nem mesmo termos dado a oportunidade (a ele e a nós mesmos) de<br />

interagir, trocar idéias, informações, impressões.<br />

62


Ceifamos a possibilidade de crescer com a diferença ainda na semente. Isso pode<br />

acontecer por medo daquilo que não conhecemos ou ainda por negar nossas próprias<br />

deficiências, uma vez que o indivíduo deficiente, com suas “imperfeições”, por vezes muito<br />

evidentes ou visíveis, nos remetem às nossas próprias limitações e dificuldades.<br />

Portanto, lidar com pessoas que pertencem à um grupo estigmatizado requer de<br />

qualquer um de nós, capacidade para interagir sem se utilizar de julgamentos prévios,<br />

cristalizados e comportamentos viciados, repetitivos, que o senso comum reproduz sem<br />

questionamento.<br />

Tratar-se-á, então, de explicitar o significado dos termos estigma, preconceito e<br />

discriminação, já que, várias vezes, reporta-se a eles como elementos presentes na interação<br />

social daqueles deficientes com os “normais”.<br />

Erving Goffman (1963, citado por HOEMAN, 2000, p.10), em sua teoria sobre o<br />

estigma, comenta que este acompanha a pessoa visivelmente diferente das outras, tornando<br />

esta característica potencialmente negativa o que viria a levar o indivíduo a assimilar o<br />

estigma reforçando a sua “identidade espoliada”.<br />

Com relação à visibilidade de uma deficiência, Goffman (1988, p.59) em uma de suas<br />

obras complementa: “Já que é através de nossa visão que o estigma dos outros se torna<br />

evidente com maior freqüência, talvez o termo visibilidade não crie muita distorção. Na<br />

verdade, o termo mais geral ‘perceptilidade’ seria mais preciso”.<br />

Este dado se configura por um dos mais importantes no contexto estudado, devido ao<br />

que surge do imaginário das pessoas leigas, a respeito das limitações do portador de alguma<br />

deficiência e, em particular, àqueles portadores de lesão medular. Podem imaginar que estes<br />

não apenas tenham limitados seus movimentos físicos, como também sua capacidade<br />

intelectual, subjugando-os, tratando-os de forma diferenciada, limitando suas oportunidades<br />

de emprego ou sucesso. Ou seja, percebe-se que nossa sociedade está acostumada a<br />

63


econhecer essa parcela da população por suas limitações, e não por suas possibilidades<br />

(BARBOSA, 2007).<br />

Segundo Vash (1988), as pessoas portadoras de deficiência constantemente<br />

experimentam a desvalorização aos olhos dos outros e aos seus próprios. Isso é verdade<br />

independente, da natureza da deficiência, isto é, de se prejudicar o funcionamento físico,<br />

sensorial ou mental.<br />

Tal desvalorização pode ser considerada como um problema quando gera o<br />

preconceito, que se revela com uma dificuldade potencial para o PLM quando tenta<br />

reingressar ao mercado de trabalho.<br />

Com relação aos termos preconceito e discriminação, Marques (2002) esclarece que o<br />

primeiro trata de uma indisposição, um julgamento prévio, negativo que se faz de pessoas<br />

estigmatizadas por estereótipos. Já o segundo termo expressa a conduta (ação ou omissão) que<br />

viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como raça, sexo,<br />

idade, opção religiosa e outros.<br />

Ainda sobre o tema, Marques (2002, p. 172) lembra a Convenção 111 da OIT,<br />

ratificada e promulgada no Brasil em 1968 e mais tarde adquirindo status constitucional pois<br />

veio a complementar as garantias expressas na Constituição Federal do Brasil de 1988, que<br />

diz o seguinte:<br />

1. Para fins da presente convenção o termo “discriminação” compreende:<br />

a)[...]<br />

b) qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar<br />

a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que<br />

poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as<br />

organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas<br />

existam, e outros organismos adequados.<br />

“O preconceito e a discriminação não se confundem. O Preconceito legitima a<br />

discriminação e esta, por sua vez, gera o preconceito” (MARQUES, 2002, p. 179).<br />

O que se percebe, então, nas relações entre as PPNE, no caso os paraplégicos em suas<br />

cadeiras de rodas e as pessoas sem deficiência (pelo menos aparente), é que, sem qualquer<br />

64


ase mais profunda, a maioria considerada normal, reproduz, sem muita preocupação com o<br />

que há de verdade em determinados conceitos sobre aqueles com comportamento desviante,<br />

um padrão de comportamento que acaba por segregar os diferentes.<br />

Ou seja, por não terem se permitido uma aproximação daquilo que lhe é diferente, as<br />

pessoas sem defeito aparente perdem a oportunidade de somar com as diferenças. Elas não<br />

permitem a interação, pois o padrão do outro, tão estranho ao que a maioria dominante<br />

entende como possível e aceitável, não se encaixa no seu elenco de possibilidades de interação<br />

social. Então elas se afastam. Além disso, muitos perpetuam a idéia de que a deficiência<br />

física impregna, negativamente, os outros atributos do indivíduo cadeirante, sejam estes bons<br />

ou ruins. Logo, a interação social fica prejudicada.<br />

Com base nestes conceitos, fica fácil entender a dificuldade de aceitação de qualquer<br />

pessoa portadora de deficiência em nossa sociedade, pois como foi exposto, este descrédito<br />

por parte das pessoas sem deficiência, pelo menos aparente, em relação àqueles deficientes,<br />

também pode acabar sendo assimilado pelo PLM, levando-o a duvidar de sua própria<br />

capacidade, acreditando que existem mais limitações do que as físicas.<br />

Não raramente escutam-se casos de deficientes que sofreram discriminação, mas nem<br />

sempre essa discriminação se apresenta de forma tão direta. Em alguns casos pode-se detectar<br />

a discriminação de forma mascarada pelo esquecimento ou simplesmente pelo descaso da<br />

maioria normal. Pode-se dizer que se trata de uma forma velada de violência. Há tempos idos,<br />

os diferentes eram exterminados fisicamente. Hoje, utilizamos uma forma de fazer a mesma<br />

coisa talvez de uma maneira mais discreta, nem por isso menos perversa.<br />

A concepção de enxergar os deficientes como pessoas infelizes ou diferentes, ou ainda,<br />

doentes, é presente e acarreta um movimento de exclusão.<br />

65


2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular <strong>–</strong> aspectos legais e outros<br />

fatores que apontam para a inclusão<br />

Continuando a abordagem deste estudo, retoma-se à importância do conceito da<br />

reabilitação no seu aspecto amplo que abrange as esferas bio-psico-social. Não é possível<br />

imaginar a possibilidade de inclusão social sem que haja um processo de reabilitação a termo<br />

com estas lacunas preenchidas.<br />

Este tópico vem, brevemente, ilustrar que nosso país possui uma teia de leis, decretos e<br />

portarias com vistas à inclusão do portador de deficiência que fazem inveja à alguns Estados<br />

mais desenvolvidos.<br />

No entanto, como explicar o descompasso entre uma legislação ampla, detalhada e<br />

avançada com a real situação em que se encontram as PPNE? Parece que os instrumentos<br />

legais não faltam. O que parece faltar é a implementação das leis, vigilância no seu<br />

cumprimento e conscientização da sociedade, não necessariamente nesta ordem.<br />

Brasil.<br />

A seguir, estão descritas algumas diretrizes para a inclusão das PPNE vigentes no<br />

A possibilidade de inclusão, não só no contexto ocupacional, do deficiente, vem<br />

garantir o direito a esta pessoa de exercer sua cidadania, com seu acesso a oportunidades<br />

idênticas às dos demais cidadãos, bem como de usufruir, em condições de igualdade, das<br />

melhorias nas condições de vida, resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso<br />

social, devolvendo-lhe, assim, sua dignidade (BRASIL, 2003).<br />

A reabilitação também está presente no Decreto nº 3.298, que visa estabelecer os<br />

direitos dos deficientes físicos, garantindo-lhes o direito à reabilitação, de forma integral, em<br />

instituições e com profissionais especializados, visando o desenvolvimento das<br />

potencialidades da pessoa portadora de deficiência, destinada a facilitar sua atividade laboral,<br />

educativa e social (BRASIL, 1999).<br />

66


Na realidade isso não ocorre da forma como preconiza a lei. O Relatório da XXI<br />

Conferência Nacional de Saúde já apontava, em 2003, que o grande problema da reabilitação<br />

em nosso país se resumia basicamente em três pontos: em primeiro lugar não há instituições<br />

de reabilitação em número suficiente para atender à população; em segundo lugar, as<br />

instituições que existem estão muito longe, geograficamente falando, da população mais<br />

carente desse tipo de assistência; e em terceiro lugar, a maioria dos profissionais que trabalha<br />

nestes locais não tem o preparo direcionado para a assistência de reabilitação. Ou seja, existe<br />

uma população significativa que está descoberta deste tipo de atenção.<br />

E, infelizmente, pode-se arriscar um palpite de que esta situação tende a se agravar,<br />

visto a crescente demanda de vítimas da violência urbana que nas grandes metrópoles assume<br />

estatísticas assustadoras.<br />

Dando continuidade aos aspectos legais referentes a PPNE, também no Decreto n.º<br />

3.298 (BRASIL, 1999), há referência à necessidade de prevenção da qual seriam responsáveis<br />

por desenvolvimento de projetos para prevenção de acidentes domésticos, de trabalho, de<br />

trânsito e outros, bem como o tratamento adequado de suas vítimas, os órgãos e entidades da<br />

Administração Pública Federal direta e indireta responsáveis pela Saúde, especificando, ainda,<br />

que prevenção compreende as ações e medidas orientadas a evitar as causas de deficiências<br />

que possam ocasionar incapacidades e as destinadas a evitar sua progressão ou derivação e<br />

outras.<br />

Um grande problema para os portadores de deficiência física, dentre muitos outros,<br />

pode se constituir pela dificuldade de locomoção oferecida pelas suas limitações.<br />

Dependendo de onde vai exercer sua atividade de trabalho, esta pode ser considerada<br />

um entrave para o PLM que tenha necessidade de se locomover exclusivamente com o auxílio<br />

da cadeira de rodas.<br />

67


Como exemplo desta situação, pode-se citar o fato de que na maioria dos projetos de<br />

obras em vias públicas, são considerados os pedestres sem nenhuma deficiência e veículos<br />

automobilísticos, ignorando a possibilidade de que deficientes em cadeira de rodas ou pessoas<br />

com deficiência visual ou outras também possam querer ou precisar se locomover em vias<br />

públicas.<br />

Além das vias e edificações públicas, os deficientes têm o direito e necessidade de<br />

utilizar os meios de transporte coletivos para locomoção; sendo assim, os projetos também<br />

devem apresentar meios de servir a esta parcela da população, o que fica garantido pelo<br />

Decreto nº 3.691 de 19 de dezembro de 2000, que dispõe sobre o transporte de pessoas<br />

portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo e interestadual, mas que<br />

infelizmente na prática não funciona de maneira efetiva (BRASIL, 2000).<br />

Este decreto, que regulamenta uma Lei de 1994 considera que as empresas<br />

permissionárias e autorizatárias de transporte interestadual de passageiros reservarão dois<br />

assentos de cada veículo, destinado a serviço convencional, para ocupação por idosos,<br />

gestantes, lactantes, pessoas portadoras de deficiência e pessoas acompanhadas por crianças<br />

de colo.<br />

A Lei nº 10.048, de 08 de novembro de 2000, que também dispõe sobre a prioridade<br />

de atendimento às pessoas citadas acima, ainda estabelece que os veículos de transporte<br />

coletivo a serem produzidos após doze meses da publicação desta Lei, serão planejados de<br />

forma a facilitar o acesso a seu interior das pessoas portadoras de deficiência, e que os<br />

proprietários de veículos de transporte coletivo em utilização terão o prazo de cento e oitenta<br />

dias, a contar da regulamentação desta Lei, para proceder às adaptações necessárias ao acesso<br />

facilitado das pessoas portadoras de deficiência (BRASIL, 2000).<br />

A infração ao disposto nesta Lei sujeitará os responsáveis por estas empresas<br />

concessionárias de serviço público, à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 2.500,00<br />

68


(dois mil e quinhentos reais) por veículos sem as condições previstas, podendo ser elevadas ao<br />

dobro, em caso de reincidência.<br />

Este fato não ficou excluído do Decreto nº 3.298 (BRASIL, 1999), que em seu capítulo<br />

IX, estabelece normas para reduzir as dificuldades dos deficientes neste sentido. Constam<br />

neste capítulo a necessidade de construções ou reformas destinadas ao uso coletivo que sejam<br />

acessíveis a pessoas portadoras de deficiência ou com a mobilidade reduzida, que pelo menos<br />

um dos acessos ao interior das edificações esteja livre das barreiras arquitetônicas e de<br />

obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade, elevadores e banheiros acessíveis, a<br />

discriminação, em garagens/estacionamentos, de vagas especiais devidamente sinalizadas,<br />

entre outros.<br />

Chamam a atenção as datas destes dispositivos legais. São todas muito recentes, o que<br />

nos faz pensar no quanto os deficientes já sofreram por não terem, em tempos passados, um<br />

amparo legal no qual pudessem recorrer.<br />

Ainda assim, as PPNE relatam o quão difícil é conseguir a execução de qualquer uma<br />

das exigências pontuadas nestas leis. Por vezes, o recurso pleiteado por uma pessoa deficiente<br />

demora meses para ser atendido. Neste caso, o tempo despendido significa aumentar ou<br />

reduzir as chances de inclusão deste deficiente na sociedade.<br />

2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador <strong>–</strong><br />

saúde do trabalhador, reabilitação profissional<br />

Em virtude do contexto em que se desenha a tese, não há como não abordar a Saúde do<br />

Trabalhador, visto que esta se configura como principal preocupação da pesquisadora e<br />

elemento altamente prejudicado, no que se refere ao binômio trabalhador cadeirante-<br />

trabalhador andante no contexto ocupacional.<br />

69


Saúde do Trabalhador<br />

Há uma trajetória que compõe a construção da Saúde do Trabalhador. Resumidamente,<br />

o processo começou com o surgimento da Saúde Ocupacional em 1959, através da<br />

Recomendação nº 112 da OIT (2006) que definiu o serviço, suas funções, pessoal, instalação,<br />

etc, prevendo a participação multi e interdisciplinar, compondo uma equipe multiprofissional<br />

com ênfase na higiene industrial.<br />

No entanto, a filosofia da Saúde Ocupacional não vingou, pois, dentre outros motivos,<br />

manteve seu referencial na Medicina do Trabalho com ênfase na medicalização e não<br />

concretizou a proposta da interdisciplinaridade. Esse processo levou à exigência da<br />

participação do trabalhador nas questões de segurança e saúde no âmbito ocupacional.<br />

Em meados de 1970, inicia-se a transição para o modelo da saúde do trabalhador com<br />

intenção de estabelecer interfaces com a Saúde Pública, Medicina Social e Saúde Coletiva,<br />

diferenciando-se, assim, da saúde ocupacional.<br />

A saúde do trabalhador se ocupa, então, em explicar o adoecer e o morrer dos<br />

trabalhadores através do estudo dos processos de trabalho, de forma articulada com o conjunto<br />

de valores, crenças e idéias, as representações sociais e as possibilidades de consumo de bens<br />

e serviços.<br />

No contexto desta pesquisa, buscar-se-á elementos que poderão subsidiar uma reflexão<br />

sobre como se processam as relações de trabalho entre pessoas portadoras de deficiência<br />

motora (cadeirantes) e aqueles supostamente normais, uma vez que, no discurso dos PLM há<br />

normalmente uma referência sobre a forma discriminatória e estigmatizante nesta relação,<br />

prejudicando-a.<br />

A deficiência acarreta para o indivíduo portador, significativos problemas de convívio<br />

social e profissional. Em relação ao ambiente ocupacional não é diferente.<br />

Muitos empregadores acham que os portadores de deficiência não se adaptam bem<br />

ao trabalho em grupo; que são rejeitados pelos colegas; que são demasiadamente<br />

sensíveis, temperamentais e até ingratos; que magnificam seus problemas para<br />

70


trabalhistas.<br />

conseguirem benesses; que criam problemas para os colegas; que afastam clientes;<br />

que constituem um grande problema numa hora de incêndio ou outra emergência;<br />

etc. (MARQUES, 2002, p. 128)<br />

A realidade exposta se contrapõe à legislação que ampara os deficientes nas questões<br />

No que diz respeito à oferta de trabalho e aos direitos dos portadores de deficiência,<br />

por exemplo, estes estão descritos ao longo de vários trechos do Decreto nº 3.298 (BRASIL,<br />

1999).<br />

Segundo este, cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar o pleno<br />

exercício de seus direitos básicos dentre estes, o de trabalho. Neste contexto, o decreto visa<br />

ampliar as alternativas de inserção econômica do portador de deficiência, proporcionando-lhe<br />

qualificação profissional e incorporação ao mercado de trabalho.<br />

Para tanto, os serviços de reabilitação devem estar dotados dos recursos necessários,<br />

inclusive orientação profissional, para atender o portador de deficiência preparando-lhe para<br />

um trabalho que seja adequado, onde haja perspectiva de progredir.<br />

Ainda como uma forma de garantir o acesso desse trabalhador no mercado de trabalho,<br />

as empresas, com cem ou mais empregados, estão obrigadas a preencher de 2 a 5% de seus<br />

cargos com pessoa portadora de deficiência habilitada, de acordo com uma proporção também<br />

determinada por este decreto.<br />

A importância do trabalho não apenas se reflete em estabelecer uma concretização do<br />

processo de reabilitação, mas, também, é refletida no valor que nossa sociedade dá à<br />

produtividade e nas conseqüências sociais e psicológicas negativas que o desemprego traz<br />

para o indivíduo.<br />

Portanto, o bem-estar do indivíduo manda que o profissional de saúde considere o<br />

trabalho como um possível alvo da reabilitação. Sobre este assunto Sir Ludwig Guttman<br />

escreveu:<br />

71


O resultado mais gratificante do retorno de um paraplégico à vida útil, além do efeito<br />

benéfico sobre a condição física e a perspectiva mental, é a conscientização de que o<br />

trabalho é essencial para a felicidade humana. Quanto a isso se observa que muitos<br />

paraplégicos com pensões militares ou industriais, para quem o trabalho pode não<br />

ser essencial do ponto de vista financeiro, reconhecem que trabalhar é essencial para<br />

o seu bem-estar. (KOTTKE; LEHMANN, 1994, p.179)<br />

Desde a emergência do capitalismo e suas características de produção e incentivo ao<br />

consumo foi construída uma realidade na qual o homem que não gera recursos fica totalmente<br />

excluído da vida social. O desemprego se torna um sinônimo de exclusão social, visto que o<br />

indivíduo não produz e não consome, como dita as regras do sistema capitalista.<br />

Segundo Souza (1996a, 1996b), para manter o equilíbrio, o organismo humano deve<br />

ajustar-se às condições ambientais.<br />

Para isso, há não só necessidade de adaptação fisiológica a fatores adversos, tais como<br />

clima, agentes biológicos, substâncias químicas, como também de ajustamento social que<br />

modificam sempre, como as de natureza econômica, as que se relacionam com sistemas de<br />

valores morais e as que os indivíduos diferem quanto à capacidade para manter o equilíbrio<br />

fisiológico e para resistir ou sobrepor-se à doença, que varia no que se refere à manutenção ou<br />

recuperação do seu ajustamento social.<br />

De acordo com a OMS (2005), os maiores desafios para a saúde do trabalhador<br />

atualmente e no futuro são os problemas de saúde ocupacional ligados com as novas<br />

tecnologias de informação e automação, novas substâncias químicas e energias físicas, riscos<br />

de saúde associados a novas biotecnologias, transferência de tecnologias perigosas,<br />

envelhecimento da população trabalhadora, problemas especiais dos grupos vulneráveis<br />

(doenças crônicas e deficientes físicos), incluindo migrantes e desempregados, problemas<br />

relacionados com a crescente mobilidade dos trabalhadores e ocorrência de novas doenças<br />

ocupacionais de várias origens.<br />

A saúde do trabalhador e um ambiente de trabalho saudável são valiosos bens<br />

individuais, comunitários e dos países. A saúde ocupacional é uma importante estratégia não<br />

72


somente para garantir a saúde dos trabalhadores, mas também para contribuir positivamente<br />

para a produtividade, qualidade dos produtos, motivação e satisfação do trabalho e, portanto,<br />

para a melhoria geral na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo<br />

(OMS, 2005).<br />

A reabilitação profissional<br />

Ainda na perspectiva da saúde do trabalhador portador de deficiência motora, a<br />

questão da reabilitação profissional assim está considerada em seu conceito amplo,<br />

compreendendo os seguintes aspectos: reabilitação física, que cuida da recuperação física e<br />

orgânica, reabilitação psicológica, que opera na esfera psíquica do cliente, atuando de forma a<br />

levá-lo a compreender melhor a si mesmo e sua relação com seu ambiente, reabilitação<br />

profissional, que integra o homem ao seu trabalho anterior ou a outro compatível com sua<br />

deficiência funcional, restituindo-lhe o sentimento de independência e de auto-suficiência, e a<br />

reabilitação social, que decorre das precedentes, reintegrando o homem na sociedade<br />

(TALIBERTI, 1997).<br />

Exercer uma atividade laboral após o período de reabilitação necessário, consagra a<br />

reabilitação e aproxima novamente o indivíduo do que é ter uma vida considerada como<br />

“normal”.<br />

Entre as medidas que devem ser avaliadas durante este processo de reabilitação, uma é<br />

de grande importância no sentido de concretizar o sucesso deste é a atuação profissional do<br />

indivíduo portador de lesão medular.<br />

É interessante que se tenha conhecimento da atividade laboral desenvolvida por ele<br />

antes do trauma e desenvolver a reabilitação de forma que esta venha a possibilitar o seu<br />

retorno a esta atividade se possível. Quando não, a reabilitação deve pretender atingir níveis<br />

que lhe ofereçam possibilidades de trabalho em outras atividades.<br />

73


A atividade que será exercida pelo PLM dependerá não mais apenas do que ele sabe<br />

fazer, mas também do que suas limitações lhe permitam alcançar.<br />

Se o trabalho vai ser formal ou informal e a área em que vai atuar são decisões que<br />

serão tomadas através da soma de todos os fatores que compõe a nova vida do indivíduo.<br />

Nesta decisão, também, irão influenciar fatores como oferta de emprego, qualificação<br />

profissional e habilidades. Mas, mesmo com limitações impostas pela lesão, o indivíduo PLM<br />

ainda pode, se iniciar rapidamente sua reabilitação, realçar suas habilidades remanescentes e<br />

ainda descobrir outras que estavam embotadas.<br />

Para o processo de reabilitação profissional não existe um ponto final; o cliente pode<br />

atingir o nível máximo de reabilitação mediante suas limitações, mas deverá estar sempre<br />

atuando e recebendo assistência para manter este nível máximo.<br />

Uma das formas de avaliar se a reabilitação alcançou os objetivos a que se propõe é a<br />

avaliação do retorno do PLM às atividades de vida diária, no lar, no trabalho, na vida social.<br />

Quanto menores forem as alterações no dia-a-dia do paciente comparando-se sua vida antes<br />

do trauma e após o início do processo de reabilitação, pode-se considerar mais proveitoso este<br />

processo.<br />

O potencial da pessoa com lesão medular na ausência de complicações médicas e<br />

psicológicas, mesmo na presença de múltipla deficiência física, é imensurável. Rusk (in<br />

KOTTKE; LEHMANN, 1994, p.734) declara:<br />

Você não obtém porcelana delicada expondo argila ao sol. Você tem que passar a<br />

argila pelo calor do forno se quiser fazer porcelana. O calor quebra alguns pedaços.<br />

A deficiência quebra algumas pessoas. Mas, uma vez que a argila passa pelo fogo e<br />

sai inteira, ela nunca será argila novamente; uma vez que a pessoa supera a<br />

deficiência com sua própria coragem, determinação e trabalho duro, ela tem uma<br />

profundidade de espírito da qual você e eu conhecemos muito pouco.<br />

Além de oportunidades de emprego limitadas, a falta de qualificação profissional pode<br />

contribuir na dificuldade para o retorno a atividade laboral; visando melhorar este problema, o<br />

decreto ainda prevê a implementação de programas de formação e qualificação profissional<br />

74


voltadas para o deficiente no Âmbito Nacional de Formação de Profissional (PLANFOR), que<br />

terá como objetivos, além de criar condições para que o portador de deficiência receba uma<br />

formação profissional adequada, organizar os meios para que esta formação se concretize de<br />

forma a viabilizar a sua inserção, de maneira competitiva, no mercado de trabalho.<br />

É importante ressaltar que, apesar da existência dos incentivos oferecidos pelas leis<br />

para ingresso no mercado de trabalho e qualificação profissional, necessariamente este fato<br />

não garante que ocorram na prática.<br />

Pode-se verificar até então que o retorno do PLM ao mercado de trabalho não se<br />

constitui por uma tarefa isolada e muito menos simples. Após enfrentar todos os problemas<br />

clínicos, emocionais e se reestruturar ao máximo física e mentalmente, o que ocorre de forma<br />

concomitante com sua reinserção familiar e social, o PLM pode averiguar as possibilidades de<br />

trabalho que poderá assumir, e se dentro destas possibilidades existem vagas para ele.<br />

Na sociedade capitalista, a maioria das pessoas cresce esperando e querendo trabalhar.<br />

Mais do que seguir os passos dos pais ou a identificação com uma profissão em particular, o<br />

trabalho se tornou uma necessidade que emerge da dificuldade econômica e da exclusão social<br />

decorrentes do desemprego.<br />

Para muitos a ausência de uma atividade laboral pode representar uma série de<br />

problemas pessoais, sociais e familiares causando um abalo ao paciente, que pode alterar seu<br />

desejo de restabelecer-se de forma positiva ou negativa.<br />

O trabalho, então, deve ser considerado como uma forma que o homem encontra de se<br />

elevar dentro de seu contexto pessoal, familiar, social, pois não gera somente ganhos<br />

financeiros, mas, também, se relaciona com o sistema de valores morais e educacionais, sendo<br />

apreciado com respeito no âmbito social o indivíduo qualificado como “trabalhador”.<br />

Para Vash (1988), o desemprego gera ausência de poder sócio-político e econômico e<br />

a ausência de poder é a base do desamparo aprendido.<br />

75


Para o PLM, esta realidade não se modifica devido à sua deficiência, na verdade tende<br />

a se agravar, visto que atuam ao mesmo tempo a pressão capitalista e a possibilidade de se<br />

tornar um indivíduo improdutivo, diante da família, da sociedade e para si próprio.<br />

O desemprego prolongado pode ser psicologicamente e socialmente devastador,<br />

mesmo quando a incapacidade proporciona uma desculpa socialmente aceitável (KOTTKE;<br />

LEHMANN, 1994).<br />

Soma-se a estes, o agravante de que um problema de saúde geralmente acarreta<br />

maiores gastos financeiros. É bem conhecida atualmente, a realidade de que tratamentos,<br />

remédios e outros cuidados relacionados a saúde podem ser extremamente dispendiosos.<br />

Com a deficiência, um trabalho planejado ou desempenhado no passado pode<br />

repentinamente se tornar impossível ou uma deficiência pode ser tão grave que ninguém<br />

consegue ver qualquer tipo de trabalho apropriado.<br />

É claro que as deficiências não limitam às opções profissionais na medida em que as<br />

pessoas têm sido levadas a acreditar em tal fato. Entretanto, as limitações funcionais<br />

associadas com as condições de deficiência realmente deixam de fora algumas ocupações e<br />

cercam outras com uma probabilidade menor de sucesso.<br />

Nesta perspectiva, sendo a reabilitação ocupacional de suma importância para a PPNE,<br />

o empenho tem que ser não somente do deficiente, mas, também, do empregador e dos<br />

colegas de trabalho e de profissionais da área da saúde do trabalhador contribuindo,<br />

sobremaneira, para a inclusão da pessoa portadora de necessidades especiais no contexto<br />

laboral.<br />

76


3.1 Tipo do Estudo<br />

CAPÍTULO III<br />

METODOLOGIA<br />

O estudo foi do tipo descritivo com abordagem qualitativa.<br />

Segundo Flegner e Dias (1995), o estudo descritivo se preocupa com a descrição do<br />

fenômeno. Eles delineiam o que é, abordando quatro aspectos que são: descrição, registro,<br />

análise e interpretação de fenômenos atuais, objetivando seu funcionamento no presente.<br />

Minayo (1994) refere que as pesquisas qualitativas são aquelas capazes de incorporar a<br />

questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às<br />

estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no advento, quanto na sua transformação<br />

como construções humanas significativas.<br />

3.2 Local do Estudo<br />

Os locais de estudo foram os postos de trabalho de empresas que possuíam, em seu<br />

quadro de funcionários, o trabalhador paraplégico.<br />

Na necessidade de garantir a exeqüibilidade do estudo foi necessário realizar o acesso<br />

às empresas que foram cenário de estudo. Neste sentido, o mesmo foi realizado através do<br />

Centro de Vida Independente (CVI), uma ONG voltada para a inclusão social das pessoas<br />

portadoras de necessidades especiais (PPNE), que possui cadastro de empresas que contratam<br />

estas pessoas e também da Associação Nacional de Apoio ao Deficiente - AN<strong>DE</strong>F que tem os<br />

mesmos propósitos do CVI.<br />

Vale ressaltar que tanto o CVI como a AN<strong>DE</strong>F possuem uma lista de empresas que<br />

contratam pessoas com algum tipo de deficiência. Tal listagem foi a referência para obtenção<br />

das demais empresas para compor o elenco de sujeitos para atingir a saturação dos dados.<br />

77


No entanto, cabe aqui destacar que são poucas aquelas que recebem um cadeirante. A<br />

explicação, segundo informações destas instituições que fazem o elo entre as PPNE e os<br />

empregadores, é que estes últimos solicitam que sejam encaminhados ao setor de<br />

recrutamento e seleção das empresas, apenas aqueles deficientes com limitações leves, ou<br />

seja, perda auditiva leve ou moderada, visão subnormal ou deficiência motora onde o<br />

deficiente use bengala ou, no máximo, muletas.<br />

Uma vez discutindo, neste estudo, a questão da inclusão da PPNE no contexto de<br />

trabalho, o fato nos parece, salvo melhor juízo, caracterizar uma discriminação.<br />

De acordo com o CVI, a alegação dos empregadores se baseia nas barreiras<br />

arquitetônicas existentes no ambiente ocupacional, o que dificultaria o ir e vir deste<br />

cadeirante.<br />

Outras fontes além do CVI e da AN<strong>DE</strong>F foram consultadas pela pesquisadora a fim de<br />

identificar mais empresas que possuíam paraplégicos em seu quadro de funcionários, dada a<br />

dificuldade de encontrar estas instituições, segundo o cadastro apresentado por estas duas<br />

organizações, que se encaixem no perfil necessário de pesquisa.<br />

Desta forma, serviram de referência para localizar tais instituições, os clientes<br />

portadores de para e tetraplegia ora atendidos pela mesma, setor de RH de grandes redes de<br />

supermercado, bancos, Estatais e Multinacionais.<br />

A seleção das empresas foi feita através de contato com as mesmas no sentido de obter<br />

autorização para realizar o estudo.<br />

Serviram de base para coleta dos dados as seguintes Instituições:<br />

• BR Distribuidora<br />

• Caixa Econômica Federal <strong>–</strong> Agência Teleporto<br />

• Caixa Econômica Federal <strong>–</strong> Setor Jurídico Consultivo<br />

78


• Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ (Gabinete da<br />

Deputada Georgete Vidor)<br />

• Petrobrás <strong>–</strong> Edifício Sede<br />

3.3 Sujeitos do Estudo<br />

Participaram da pesquisa 29 trabalhadores sem deficiência motora que possuíam, em<br />

seu ambiente de trabalho pessoa portadora de deficiência física cadeirante e que concordaram<br />

participar do estudo.<br />

Como critério de inclusão buscou-se aqueles trabalhadores que tinham contato direto<br />

com o cadeirante, no seu contexto de trabalho.<br />

A Tabela 1 a seguir, sintetiza o perfil dos respondentes.<br />

79


Tabela 1 - Caracterização dos Sujeitos (n=29)<br />

Indicadores Respostas F<br />

sexo<br />

Escolaridade<br />

Religião<br />

Profissão<br />

Faixa etária<br />

Masculino<br />

Feminino<br />

Superior completo<br />

Superior incompleto<br />

Médio incompleto<br />

Médio completo<br />

Fundamental completo<br />

Fundamental incompleto<br />

Católica<br />

Protestante<br />

Espírita<br />

Sem religião<br />

Jornalista<br />

Estudante<br />

Frentista<br />

Vendedor<br />

Engenheiro<br />

Fonoaudiólogo<br />

Bancário<br />

Técnico bancário<br />

Advogado<br />

Musicoterapeuta<br />

24 a 30 anos<br />

31 a 40 anos<br />

41 a 50 anos<br />

51 a 54 anos<br />

Treinamento para lidar com o cadeirante Sim<br />

Conhecimento do cadeirante antes do<br />

acidente<br />

Tempo que trabalha com o colega cadeirante<br />

Conhecimento sobre as circunstâncias em que<br />

ocorreu o evento que tornou o colega<br />

paraplégico<br />

não<br />

Sim<br />

Não<br />

15 dias a 10 meses<br />

1 ano<br />

2 anos<br />

3 anos<br />

Mais de 3 anos<br />

Sim<br />

Não<br />

15<br />

14<br />

15<br />

9<br />

1<br />

0<br />

3<br />

1<br />

23<br />

1<br />

3<br />

2<br />

2<br />

2<br />

4<br />

1<br />

1<br />

1<br />

11<br />

1<br />

5<br />

1<br />

4<br />

17<br />

5<br />

3<br />

1<br />

28<br />

0<br />

29<br />

8<br />

3<br />

10<br />

4<br />

4<br />

27<br />

2<br />

80


Dados sobre a idade, sexo, religião, foram utilizados na discussão das respostas<br />

coletadas, pois contribuíram nas reflexões sobre questões de maturidade, gênero e constituição<br />

de crenças e valores dos respondentes.<br />

A profissão e o cargo foram também contemplados no perfil uma vez que a formação<br />

profissional de um indivíduo poderia influenciar sua capacidade para atuar e lidar com<br />

questões de relacionamento interpessoal dentro e fora do ambiente de trabalho.<br />

Com relação à escolaridade, embora sempre existam exceções, imaginou-se que<br />

quanto maior o nível de escolaridade de um indivíduo, maior seria seu universo de<br />

conhecimento o que poderia ampliar também sua capacidade de compreensão sobre fatos,<br />

fenômenos e comportamentos. No entanto, não se pode esperar sempre que um indivíduo<br />

portador de títulos e honras acadêmicas vá ter, em função disso, um comportamento<br />

despojado de preconceitos, pronto para uma interação social plena. Desta forma, a<br />

escolaridade também não foi um critério de exclusão.<br />

Foram ainda incluídas nos dados do perfil, questões referentes ao tempo de trabalho<br />

com seu colega paraplégico; conhecimento do colega cadeirante antes do acidente que o<br />

deixou paraplégico; conhecimento da circunstância em que ocorreu o evento que o deixou<br />

paraplégico, se fosse o caso, e treinamento para trabalhar com um colega cadeirante.<br />

Pretendeu-se, com estes dados, aumentar as possibilidades e enriquecimento de análise dos<br />

discursos dos sujeitos facilitando sua compreensão.<br />

Assim, teve-se uma população de entrevistados bastante heterogênea, formada por 15<br />

pessoas do sexo masculino e 14 do sexo feminino, com o nível de escolaridade assim<br />

distribuído: 15 indivíduos com nível superior completo, estando dois deles cursando Pós<br />

graduação; 9 respondentes com 3º grau incompleto; um com 2º grau incompleto; três que<br />

completaram o 1º grau e apenas com 1º grau incompleto.<br />

81


A religião predominante era a católica com 23 sujeitos, seguida por 1 indivíduo<br />

Protestante (Evangélica); três Espíritas e dois afirmaram não praticar religião alguma.<br />

Os cargos ocupados eram de acordo com a formação profissional, com exceção de dois<br />

indivíduos que trabalhavam em áreas diferentes daquelas em que foram formados/treinados<br />

como era o caso da fonoaudióloga atuando como assessora de gabinete, o de um vendedor que<br />

trabalhava como frentista e de uma musicoterapeuta que atuava na gerência de uma agência<br />

bancária.<br />

Com relação ao treinamento para lidar com o cadeirante, 28 dos 29 entrevistados<br />

informaram não terem tido este tipo de abordagem no trabalho nem fora dele. Nenhum deles<br />

conheceu o colega cadeirante antes deste se tornar paraplégico. Apenas dois respondentes<br />

disseram não saber em que circunstâncias seu colega se tornou paraplégico.<br />

O tempo em que trabalhavam junto com o colega cadeirante variou entre 15 dias a 3<br />

anos, com predominância de 2 anos de contato.<br />

Os trabalhadores cadeirantes que serviram como referência para a base de coleta dos<br />

dados tiveram como etiologia da sua paraplegia a Poliomielite (1) (advogada da CEF), dois<br />

sofreram acidente automobilístico (Relações Públicas Gab. Georgete Vidor - ALERJ, e<br />

Frentista), outros três foram vítimas por Projétil de arma de fogo (PAF) (frentista, atendente<br />

do setor SAC da Petrobras e gerente da CEF).<br />

3.4 Instrumento de Coleta de Dados<br />

Os dados foram coletados através de um roteiro de entrevista semi-estruturado. A<br />

escolha por este tipo de entrevista reside no fato de que esta confere todas as perspectivas<br />

possíveis para que o informante alcance a liberdade e espontaneidade necessárias,<br />

enriquecendo a investigação (MINAYO, 1994).<br />

82


Para Triviños (1995), a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios de que<br />

dispõe o investigador para realizar a coleta de dados, ou seja, parte de certos questionamentos<br />

básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa e que, em seguida,<br />

oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida<br />

que recebem respostas do informante.<br />

Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente sua linha de pensamento e de<br />

suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na<br />

elaboração do conteúdo da pesquisa.<br />

Assim, para atingir os objetivos da pesquisa foi elaborado um roteiro de entrevista<br />

(Apêndice A) contendo inicialmente dados mais objetivos sobre os sujeitos do estudo que<br />

contribuiu para traçar o perfil dos participantes.<br />

A segunda parte da entrevista trouxe questões subjetivas, que ofereceram amplo<br />

campo de interrogativas com vistas a atender os objetivos propriamente ditos da pesquisa<br />

(Apêndice A).<br />

Considerando que se pretendeu discutir a questão da percepção dos “andantes” em<br />

relação aos cadeirantes no contexto de trabalho e que esta questão carreia opiniões que podem<br />

ser caracterizadas como estigmatizantes em relação aos deficientes, foi utilizada a técnica de<br />

formulação das questões de entrevista de forma tal que os sujeitos do estudo são levados a<br />

dizer como eles percebem a atitude do outro e não a dele.<br />

Esta estratégia, denominada técnica de substituição, apoiada em Abric in Oliveira e<br />

Campos (2005), faz com que, na realidade, o sujeito revele sua real impressão sobre as<br />

questões formuladas. Consiste em diminuir a pressão normativa, reduzindo o nível de<br />

implicação do sujeito.<br />

Em outras palavras, ao invés de solicitar ao sujeito que responda a uma questão, para<br />

nos dizer o que pensa, vamos lhe propor várias questões sucessivas (no mínimo,<br />

duas). Uma primeira questão clássica e normal em que ele responde em seu próprio<br />

nome[...]. A segunda questão vai consistir em solicitar ao sujeito para responder no<br />

lugar de outras pessoas, perguntar-lhe o que outras pessoas, que não o próprio<br />

83


sujeito, responderiam sobre a mesma questão. (ABRIC in OLIVEIRA; CAMPOS,<br />

2005, p. 28)<br />

De acordo com estes autores, esta técnica permite que o sujeito tome uma certa<br />

distância do objeto do questionamento, reduzindo seu envolvimento. Pode-se, assim, permitir<br />

que ele expresse <strong>–</strong> sob a cobertura dos outros <strong>–</strong> suas próprias idéias.<br />

Nas pesquisas que buscam as representações sociais, esta questão é denominada “zona<br />

muda” que, segundo Abric in Oliveira e Campos (2005), faz parte da consciência dos<br />

indivíduos, ela é conhecida por eles; contudo, não pode ser expressa porque o indivíduo ou o<br />

grupo não quer expressá-la pública ou explicitamente.<br />

Esta estratégia foi utilizada no presente estudo, o que vai ao encontro da necessidade<br />

de se obter a fala dos sujeitos desprovida de uma sensação de “crítica” na percepção dos<br />

sujeitos em relação ao pesquisador.<br />

Pensou-se nesta abordagem porque alguns objetos de investigação são envoltos de<br />

tabus, preconceitos e estigmas e quando são feitas perguntas diretas, a tendência dos sujeitos é<br />

responder aquilo que é o "politicamente correto", ou o que não vai comprometer sua imagem<br />

já construída dentro do grupo que ora pertence.<br />

O primeiro passo é descontextualizar o sujeito, ou seja, pergunta-se para ele "o que ele<br />

acha que os outros pensam" sobre determinado objeto. Desta forma, ao falar sobre o que "o<br />

outro pensa", ele acaba falando de si. Os sujeitos pensam, mas não sozinhos, pois o fazem à<br />

luz do seu grupo social de pertença.<br />

3.5 Coleta de Dados<br />

Os dados foram coletados no próprio local de trabalho dos sujeitos, garantindo sua<br />

privacidade e com agendamento prévio, de acordo com a disponibilidade do trabalhador,<br />

sujeito do estudo.<br />

84


As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora com o auxílio de um<br />

gravador para que fossem mantidas a integridade e realidade das respostas dos sujeitos.<br />

A coleta se deu por concluída no 29º respondente, quando se obteve a certeza da<br />

saturação dos dados, o que começou a ser observado a partir do vigésimo respondente.<br />

3.6 Tratamento, Análise e Discussão dos Dados<br />

Os dados foram aglutinados em categorias afins, cujo teor trouxe elucidações às<br />

questões norteadoras antes formuladas, sendo analisadas à luz do referencial teórico. Com a<br />

finalidade de preservar o sigilo dos nomes dos entrevistados, utilizou-se identificação<br />

numérica quando da apresentação das falas que levaram às categorias.<br />

A análise dos dados aconteceu precedida da classificação dos achados que<br />

apresentaram características comuns ou que se relacionam entre si, o que resultou nas<br />

categorias analíticas do estudo. A discussão dos dados visou estabelecer articulações entre o<br />

conteúdo das categorias e o referencial teórico do estudo, no sentido de atingir os objetivos<br />

com base nas questões norteadoras da pesquisa.<br />

Assim, buscou-se destacar os pontos essenciais do conhecimento, ampliando a<br />

compreensão dos fenômenos presentes no contexto de trabalho do cadeirante, identificando as<br />

contradições inerentes a esse conhecimento e indicando os níveis de saturação e<br />

possibilidades de transformação.<br />

Os procedimentos de análise dos resultados estão fundamentados nos pressupostos da<br />

dialética, que apontam para a construção do conhecimento a partir do real, do concreto,<br />

procurando ir além do nível das aparências, para atingir a essência do fenômeno, o que é<br />

possível através das contradições da realidade (KON<strong>DE</strong>R, 1999).<br />

Com vistas a estas considerações, chegou-se, então, às seguintes categorias:<br />

85


4.1 O Trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes<br />

4.4.1 Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante;<br />

4.4.2 A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho.<br />

4.2 Trabalhadores cadeirantes e trabalhadores andantes: comportamento preconceituoso<br />

no ambiente de trabalho?<br />

4.5.1 - Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e<br />

dos colegas no contexto ocupacional<br />

4.5.2 - A expressão do preconceito no ambiente de trabalho:<br />

4.5.2.1 A forma velada<br />

4.5.2.2 A forma explícita<br />

A dialética é um método que busca desvendar as contradições do objeto investigado,<br />

partindo do princípio de que a realidade que nos cerca é contraditória. Para analisar a<br />

percepção do andante em relação ao cadeirante, no seu contexto de trabalho, se fez necessário<br />

identificar, conhecer e refletir as contradições da realidade, sendo a dialética o referencial que<br />

melhor se ajusta à proposta do estudo.<br />

3.7 Aspectos Éticos<br />

Para a realização da pesquisa a autora teve como respaldo a Resolução 196 do<br />

Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996) que prevê a participação do sujeito na pesquisa<br />

através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B) de acordo com as<br />

normas de bioética.<br />

Os entrevistados foram devidamente esclarecidos individualmente quanto ao estudo,<br />

seus benefícios e objetivos e ainda que não havia riscos em participar da pesquisa, uma vez<br />

86


que o anonimato estava garantido e, nessa oportunidade, foram fornecidas todas as<br />

informações pertinentes ao desenvolvimento e conclusão da pesquisa, bem como se<br />

estabeleceu o compromisso da autora do estudo em utilizar os dados coletados somente para<br />

fins desta pesquisa e divulgados em eventos, revistas ou livros científicos.<br />

Foram informados também da possibilidade de desistência em qualquer momento da<br />

realização da pesquisa, sem qualquer prejuízo para os mesmos, conforme preconiza a referida<br />

resolução.<br />

Tais informações compuseram o TCLE apresentado e assinado pelos sujeitos, ficando<br />

os mesmos com uma cópia que, após este primeiro momento de aproximação com a<br />

pesquisadora para os esclarecimentos, concordaram em participar da pesquisa.<br />

O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da<br />

EEAN/HESFA (Apêndice C) e após seu parecer favorável, iniciou-se a coleta de dados.<br />

Com relação aos benefícios, pode-se afirmar que não apenas os sujeitos do estudo<br />

foram contemplados, mas também profissionais da área da saúde, com destaque para os<br />

enfermeiros e para a população trabalhadora que é portadora de alguma deficiência motora.<br />

Acredita-se que as reflexões que este estudo proporcionou, servirão de ponto de partida para<br />

outros estudos e iniciativas na área da Saúde do Trabalhador.<br />

estudada.<br />

Pelo teor do estudo, não se considera que este ofereceu algum risco à população<br />

87


CAPÍTULO IV<br />

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />

Neste capítulo, as informações obtidas no estudo foram analisadas em cinco categorias<br />

que permitiram um melhor entendimento, buscando responder os objetivos do estudo e estão<br />

assim estruturadas:<br />

Categoria 4.1 - A compreensão sobre a deficiência - a deficiência nas palavras dos andantes<br />

Categoria 4.2 - O deficiente cadeirante no ambiente ocupacional: a percepção dos<br />

trabalhadores sem deficiência motora<br />

4.2.1 A diferença promovendo a aprendizagem<br />

4.2.2 A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional<br />

4.2.3 A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente<br />

cadeirante<br />

Categoria 4.3 - Cadeirantes no ambiente de trabalho: como a deficiência sobressai aos<br />

olhos dos andantes<br />

4.3.1 A visibilidade da deficiência - a Cadeira de rodas como impeditivo da<br />

liberdade<br />

4.3.2 Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente - a surpresa<br />

diante do cadeirante no ambiente de trabalho<br />

4.3.3 A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania<br />

Categoria 4.4 - O trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes<br />

Categoria 4.5 <strong>–</strong> Trabalhadores cadeirantes e trabalhadores andantes: comportamento<br />

preconceituoso no ambiente de trabalho?<br />

88


4.1 A Compreensão sobre a Deficiência - a deficiência nas palavras dos andantes<br />

Esta categoria surgiu da compilação dos depoimentos dos sujeitos do estudo acerca do<br />

termo “deficiência”, que traduziram em palavras sua percepção.<br />

Ao discutir o aspecto que diz respeito à compreensão do termo “deficiência” por parte<br />

dos trabalhadores andantes, obteve-se opiniões que, embora diferentes na sua forma, se<br />

aproximavam em essência e ilustram bem a questão.<br />

Antes, porém, de pontuar as falas, é mister apresentar o conceito de deficiência no<br />

qual o estudo se apóia para, assim, poder proceder à análise.<br />

Buscando compreender o significado da palavra deficiência, mas sem a preocupação,<br />

ainda, de pensá-la dentro de um contexto social, buscou-se o auxílio do dicionário que nos diz<br />

que esta palavra vem do Latin Deficientia e tem como significado a falta; imperfeição e<br />

insuficiência (FERREIRA, 2000). No entanto, não está se tratando deste termo de forma<br />

isolada, dissecada, mas sim dentro de uma esfera de relações sociais.<br />

Falar-se-á sobre a pessoa deficiente e, desta forma, é preciso avançar com este<br />

conceito estático, embora bastante útil oferecido pelo dicionário, para uma compreensão mais<br />

ampliada sobre este termo.<br />

Para tanto, buscou-se qual é o entendimento da legislação brasileira direcionada à<br />

população deficiente sobre o que é deficiência.<br />

A Política Nacional para as Pessoas Portadoras de Deficiência, instrumento que<br />

orienta as ações no setor Saúde, voltadas a esse segmento populacional, adota o conceito<br />

fixado pelo Decreto nº 3.298/99 que considera a “pessoa portadora de deficiência como<br />

aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou<br />

função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de<br />

atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano" (BRASIL, 1999).<br />

89


Diniz (2007) já aponta uma severa crítica a essa definição, que imputa ao indivíduo a<br />

responsabilidade pela origem de sua deficiência e também pelo seu agravamento, isentando o<br />

contexto social onde esta pessoa está inserida.<br />

Além disso, questiona o vocábulo “normal” usado. Qual é o parâmetro para se<br />

considerar alguém anormal? Por que uma pessoa diferente tem que ser considerada anormal?<br />

Isso acontece por que o modelo usado nessa comparação é o de um corpo belo, simétrico e<br />

que atende aos ideais de produção vigentes.<br />

Wendell (1996) reforça esta idéia, afirmando que a organização física e social da<br />

sociedade é baseada num modelo jovem, macho, com o corpo ideal, não deficiente, que leva a<br />

expectativas de performance que a todos atinge, em especial àqueles que se distanciam do<br />

padrão imposto, padrão este ditado por uma sociedade capitalista.<br />

Cabe ressaltar que o conceito relativo à população com deficiência tem evoluído com<br />

o passar dos tempos, acompanhando, de uma forma ou de outra, as mudanças ocorridas na<br />

sociedade e as próprias conquistas alcançadas pelas pessoas portadoras de deficiência.<br />

O marco dessa evolução é a década de 60, em cujo período tem início o processo de<br />

formulação de um conceito de deficiência, no qual é refletida a “estreita relação existente<br />

entre as limitações que experimentam as pessoas portadoras de deficiências, a concepção e a<br />

estrutura do meio ambiente e a atitude da população em geral com relação à questão”<br />

(BRASIL, 2006).<br />

Tal concepção passou a ser adotada em todo mundo, a partir da divulgação do<br />

documento Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, elaborado por um<br />

grupo de especialistas e aprovado pela ONU, em 1982.<br />

Um outro marco foi a declaração da Organização das Nações Unidas-ONU (1982) que<br />

fixou 1981 como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, colocando em evidência e em<br />

discussão, entre os países membros, a situação da população portadora de deficiência no<br />

90


mundo e, particularmente, nos países em desenvolvimento, onde a pobreza e a injustiça social<br />

tendem a agravar a situação.<br />

A principal conseqüência daquele Ano Internacional foi a aprovação na assembléia<br />

geral da ONU, realizada em 3 de dezembro de 1982, do Programa de Ação Mundial para<br />

Pessoas com Deficiências, referido anteriormente (Resolução n.º 37/52).<br />

Esse documento ressalta o direito dessas pessoas a oportunidades idênticas às dos<br />

demais cidadãos, bem como o de usufruir, em condições de igualdade, das melhorias nas<br />

condições de vida, resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso social.<br />

Nesse Programa, foram estabelecidas diretrizes nas diversas áreas de atenção à<br />

população portadora de deficiência, como a de saúde, de educação, de emprego e renda, de<br />

seguridade social, de legislação, entre outras, as quais os estados membros devem considerar<br />

na definição e execução de suas políticas, planos e programas voltados a estas pessoas.<br />

No âmbito específico do setor, cabe registro a Classificação Internacional de<br />

Deficiências, Incapacidades e Desvantagens <strong>–</strong> CIDID, elaborada pela Organização Mundial<br />

da Saúde <strong>–</strong> OMS, em 1989, que definiu os termos deficiência, incapacidade e desvantagem<br />

como a seguir:<br />

*deficiência: toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,<br />

fisiológica ou anatômica;<br />

*incapacidade: toda restrição ou falta <strong>–</strong> devida a uma deficiência <strong>–</strong> da capacidade de<br />

realizar uma atividade na forma ou na medida em que se considera normal para um ser<br />

humano;<br />

*desvantagem: uma situação prejudicial para um determinado indivíduo, em<br />

conseqüência de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho<br />

de um papel que é normal em seu caso (em função da idade, sexo e fatores sociais e culturais).<br />

91


Em 2001, a OMS começou a revisão deste documento na década de 1990 e foi<br />

encerrada em 2001, com a divulgação da Classificação Internacional de Funcionalidade,<br />

Deficiência e Saúde <strong>–</strong> CIF, que foi aprovada por 191 países, fazendo parte da Família de<br />

classificações Internacionais da OMS, devendo ser adotada por todos os países membros<br />

(FARIAS; BUCHALLA, 2005).<br />

Esta classificação tem como objetivo geral proporcionar uma linguagem unificada e<br />

padronizada e uma estrutura que descreva a saúde e os estados relacionados à saúde. Ela<br />

define os componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados à saúde tais<br />

como educação e trabalho.<br />

A CIF apresenta um novo conceito de deficiência muito mais abrangente tirando o<br />

foco do modelo biomédico que até então se apresentava.<br />

Nesse documento, a deficiência caracteriza-se pelo resultado de um relacionamento<br />

complexo entre as condições de saúde de um indivíduo e os fatores pessoais e externos.<br />

Denota os aspectos negativos da interação entre o indivíduo e os fatores contextuais.<br />

A CIF não é um instrumento para identificar as lesões nas pessoas, mas para descrever<br />

situações particulares em que as pessoas podem experimentar desvantagens, as quais, por sua<br />

vez, são passíveis de serem classificadas como deficiências em domínios relacionados à<br />

saúde.<br />

Esse documento veio reforçar que o modelo biomédico até então, vigente, não era<br />

suficiente para entender a experiência da deficiência. Seu mérito está na aglutinação destes<br />

dois modelos <strong>–</strong> o biomédico e o social, que se complementam.<br />

Essa nova abordagem representa um outro marco significativo na evolução dos<br />

conceitos, em termos filosóficos, políticos e metodológicos, na medida em que propõe uma<br />

nova forma de se encarar as pessoas portadoras de deficiência e suas limitações para o<br />

exercício pleno das atividades decorrentes da sua condição.<br />

92


Por outro lado, influencia um novo entendimento das práticas relacionadas com a<br />

reabilitação e a inclusão social dessas pessoas.<br />

Na raiz dessa nova abordagem está a perspectiva da inclusão social, entendida por<br />

Sassaki (2003) como o processo pelo qual a sociedade se adapta para incluir, em seus<br />

sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se<br />

preparam para assumir seus papéis na sociedade.<br />

A inclusão social constitui, então, um processo de mão dupla no qual as pessoas,<br />

deficientes ou ainda excluídas por qualquer outra razão, e a sociedade buscam, em parceria,<br />

equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para<br />

todos, no sentido de assegurarem o exercício da cidadania.<br />

Dizer que um indivíduo tem uma deficiência não implica, portanto, que ele tenha uma<br />

doença nem que tenha de ser encarado como "doente”.<br />

Omote (1995) também faz a leitura da deficiência como uma condição social que,<br />

embora aparentemente iniciada na consideração da diferença, é construída socialmente, a<br />

partir de desvalorização, por parte da audiência social.<br />

Ele propõe ser a deficiência uma condição social caracterizada pela limitação ou<br />

impedimento da participação da pessoa diferente nas diferentes instâncias do debate de idéias<br />

e de tomada de decisões na sociedade.<br />

Cabe dizer que ainda existe um intenso debate acerca da questão conceitual sobre a<br />

deficiência, incapacidade e funcionalidade, conforme apontam Farias e Buchalla (2005) e<br />

Amiralian et al. (2000), no intuito de diminuir algumas dificuldades relacionadas à<br />

imprecisão dos conceitos que acarreta problemas na aplicação e na utilização do<br />

conhecimento produzido em diversos países.<br />

Este estudo, porém, limitou-se a trazer a definição da CIF ora em vigor e que, como<br />

visto, repudia a adoção do modelo biomédico como soberano, e também de outro autor, no<br />

93


caso Omote (1995), que amplia a discussão para o terreno social, para que na análise dos<br />

dados haja possibilidade de ampliação da visão de mundo, contextualizada nos conceitos de<br />

diferentes autores.<br />

Abordando, então, as falas dos sujeitos, um dos pontos semelhantes é o de que a<br />

maioria dos trabalhadores andantes traduz a deficiência na limitação em realizar tarefas ou<br />

alguma atividade.<br />

Para eles, a deficiência se traduz como:<br />

“Uma pessoa que tem dificuldade de fazer as coisas que uma pessoa normal<br />

faz.” (2)<br />

“[...] uma pessoa que não fosse capaz de fazer as coisas que as outras pessoas que<br />

não são deficientes fazem.” (6)<br />

“[...] ele (o cadeirante) não tem altura pra ir lá lavar o vidro do carro, entendeu?<br />

Então o problema é esse... O problema dele tá nas pernas.” (4)<br />

“É... impossibilitado de fazer alguma coisa, entendeu? É ... dificuldade de fazer<br />

algo.” (1)<br />

“[...]não ser capaz de fazer ou dizer ou desempenhar determinada função,<br />

entendeu?” (11)<br />

Os relatos mostram, então, o entendimento por parte de alguns entrevistados do termo<br />

deficiência como dificuldade, diminuição da capacidade ou impossibilidade para realizar<br />

alguma tarefa que as outras pessoas conseguem, em geral, realizar.<br />

Tais sujeitos denotam uma compreensão objetiva e prática do termo, visualizando o<br />

deficiente como integrante da sociedade, fazendo parte da realidade vivida dia-a-dia e, por<br />

isso, passando pelas dificuldades que todos nós, em maior ou menor grau, passamos em<br />

função das nossas deficiências, nem sempre visíveis.<br />

Porém, há que se ressaltar que se trata de uma visão estreita uma vez que a deficiência<br />

não se traduz em impedimento ou dificuldade por si só.<br />

94


Há que se considerar que o contexto em que o indivíduo se encontra inserido pode não<br />

apenas provocar uma deficiência, como também agravá-la e acentuar o grau de dificuldade<br />

deste indivíduo na consecução das suas atividades e nas suas relações sociais.<br />

Conforme Diniz (2007) exemplifica, uma lesão que provocou uma deficiência motora<br />

resulta numa dificuldade para se locomover. Mas a deficiência aparece quando o sistema<br />

rodoviário, por exemplo, não se encontra preparado para atender essa população.<br />

Vasconcelos (2005) em sua tese reforça esta idéia citando a Resolução 37/52 da ONU<br />

publicada em 1982 que afirma que a sociedade contribui para o agravamento da deficiência,<br />

pois a experiência tem mostrado que, em grande medida, é o meio que determina o efeito de<br />

uma deficiência ou de uma incapacidade sobre a vida cotidiana da pessoa.<br />

Nesta resolução há o reconhecimento, por exemplo, que uma pessoa é levada à<br />

invalidez quando lhe são negadas oportunidades e direitos fundamentais em quase todos os<br />

campos, inclusive a vida familiar, a educação, o trabalho, a habitação, a segurança econômica<br />

e pessoal, a participação em grupos sociais e políticos, as atividades religiosas, os<br />

relacionamentos afetivos e sexuais, o acesso às instalações públicas, a liberdade de<br />

movimentação e o estilo geral de vida diária (ONU, 1982).<br />

O que se pôde observar, nestes relatos, é a percepção ligada de forma mais estreita à definição<br />

pautada no modelo biomédico, conforme apresentado no conceito da OMS (1989) no CIDID,<br />

do que aquela ligada à desvantagem no terreno social, do convívio dentro da comunidade<br />

onde vive o deficiente conforme apresentado por Omote (1995) e reforçado pela CIF (2005).<br />

Tais relatos, que representam a maioria dos que foram coletados, nos remetem à<br />

reflexão de como a deficiência está ligada fortemente à idéia de incapacidade, onde o<br />

indivíduo deficiente seria o único “culpado” pela sua incapacidade de desenvolver alguma<br />

atividade.<br />

95


No entanto, é fácil compreender os relatos dos sujeitos, uma vez que há uma raiz<br />

histórica que ainda alimenta nossas impressões sobre essa parcela da população.<br />

Bacila (2005, p. 45) comenta a influência da História no comportamento da civilização<br />

contemporânea: “O estudo da História é o caminho seguro para a compreensão da atual<br />

Civilização, em seus diversos aspectos. Somos o produto do nosso passado, isto é, basta ver o<br />

que fomos para compreender o que somos”.<br />

Ele comenta que esse tipo de postura diante do diferente, que é a de, certa forma,<br />

subestimá-lo, pode ser explicada entendendo que nossa sociedade enxerga o outro não pelo<br />

prisma do seu valor, seu mérito, mas pelo prisma das marcas, muitas vezes evidentes, que esse<br />

corpo apresenta, no caso, uma deficiência. Tais marcas são conhecidas como Estigmas.<br />

Estigma deriva do latim STIGMA e significa tatuagem. Há tempos atrás, para<br />

identificar pessoas de classe inferior, ladrões e loucos, os romanos tatuavam símbolos nestas<br />

pessoas que eram facilmente visíveis pelos outros, como sinal de impureza, devendo, então, a<br />

sociedade pura e sem mácula manter certa distância no sentido de assegurar que estes<br />

indivíduos não viessem a contaminá-los com suas impurezas (BACILA, 2005).<br />

Continua este autor relatando que a origem dos estigmas é muito anterior ao Império<br />

Romano e os estigmas que foram culturalmente criados, subsistem até hoje.<br />

Este termo, que objetivamente significa um sinal ou uma marca que alguém possui,<br />

carrega sempre uma conotação negativa, gerando profundo descrédito podendo ser entendido<br />

também, como defeito, fraqueza e desvantagem.<br />

Daí a criação absurda de dois seres: os estigmatizados e os normais, uma vez que se<br />

considera que o estigmatizado não é completamente humano; é um ser desviante, fora da<br />

norma, anormal (GOFFMAN, 1988).<br />

No entanto, Diniz (2007) se contrapõe a tal colocação afirmando que, ao contrário do<br />

que se imagina, não há como descrever um corpo com deficiência como anormal. A<br />

96


anormalidade é um julgamento estético e, portanto, um valor moral sobre os estilos de vida.<br />

Há quem considere que um corpo cego é algo trágico, mas há quem considere que esse é uma<br />

entre várias possibilidades para a existência humana,<br />

Então, a idéia pretérita de estigma significando somente um sinal material já não existe<br />

mais, há muito tempo ou, se ainda subsiste, não é esta que será aqui considerada.<br />

Para Bacila (2005), o Estigma adquiriu duas dimensões: objetiva (um sinal, a cor da<br />

pele, a origem, a doença, a nacionalidade, a embriaguez, a pobreza, a deficiência física ou<br />

mental, etc) e subjetiva (a atribuição ruim ou negativa que se faz a esses estados podendo-se<br />

citar o seguinte exemplo: se é deficiente físico, é ruim ou inferior ou pior, etc), donde a<br />

derivação de regras para os estigmatizados que funcionam de forma a prejudicar-lhes a vida<br />

diária e também a tornar o convívio humano em geral enfraquecido, pois os “supostos<br />

normais” também saem lesionados da relação.<br />

Trata-se de regras falsas e que não têm nexo com a realidade. No entanto, tais regras<br />

tornam-se práticas e acabam atuando como fator de isolamento social e de atritos que podem<br />

culminar até em guerras mundiais, como foi o caso da Segunda Grande Guerra. Ora, se<br />

causam até guerras, os estigmas não podem ser considerados apenas como marcas externas<br />

das pessoas.<br />

Retomando a análise das falas ainda sobre o entendimento dos sujeitos sobre o que é<br />

deficiência, outros relatos, embora em menor número, encaram a deficiência como uma<br />

fatalidade e associam um significado estreito com a incompetência.<br />

“Um erro ... um problema ... algo fora do eixo, que não está como deveria estar...<br />

é um problema que não deixa alguma coisa funcionar direito. É como acontece<br />

com o deficiente... ele não consegue fazer as coisas normalmente, entendeu?”<br />

(25)<br />

“É uma coisa que não tem mais volta. Acabou.” (17)<br />

97


Diniz (2007), sobre essa impressão, comenta o pioneirismo da Liga dos Lesados<br />

Físicos Contra a Segregação (UPIAS), criada na Inglaterra em 1972, motivada pela<br />

indignação de Paul Hunt, um sociólogo deficiente físico, acerca do tratamento assistencialista<br />

dispensado a essa parcela da população.<br />

Seu pioneirismo reside não na data em que foi criada, mas sim porque foi a primeira<br />

organização de deficientes formada por deficientes, com cunho político, cujo principal<br />

objetivo era questionar essa compreensão tradicional da deficiência; diferentemente das<br />

abordagens biomédicas, deficiência não deveria ser entendida como um problema individual<br />

nem como uma tragédia pessoal, mas sim como uma questão eminentemente social.<br />

Um exemplo trazido pela autora é o de que a deficiência visual não significa<br />

isolamento ou sofrimento, pois não há sentença biológica de fracasso por alguém não<br />

enxergar. O que existe são contextos sociais pouco sensíveis à compreensão da diversidade<br />

corporal como diferentes estilos de vida.<br />

Outros relatos chamam a atenção pela sua clara oposição um ao outro, demonstrando<br />

que, para alguns entrevistados, a deficiência tem origem no próprio deficiente; já para outros<br />

sujeitos entrevistados, a deficiência parece mais ser o resultado da interação de fatores<br />

externos e internos que dificultam a vida da pessoa deficiente.<br />

Para eles, a deficiência assim se traduz:<br />

“Que uma pessoa está praticamente impedida de se expressar, de trabalhar, de<br />

comer, um deficiente, é aquela pessoa completamente incapacitada, ou até<br />

mesmo impedida pra tomar decisões, pra andar na rua, pra fazer uma compra,<br />

pra decidir qualquer coisa da sua vida... a deficiência então lembra pra mim... a<br />

idéia da incapacidade.” (13)<br />

“Olha, a deficiência ... a gente lembra logo das pessoas que apresentam grandes<br />

dificuldades pra andar se locomover...mas se essa pessoa tem uma condição<br />

financeira legal, ela pode comprar aquelas cadeiras que não viram, porque pra<br />

andar nessas calçadas esburacadas, né? Até a gente cai.” (risos) (28)<br />

“A falta de alguma coisa, não necessariamente alguma coisa física... você pode<br />

ter uma deficiência de discernimento, por exemplo... então é esse o sentido... é<br />

uma falta, mas não necessariamente um impedimento.” (23)<br />

98


Nestes três relatos percebe-se que o “problema” da deficiência é imputado ao<br />

indivíduo, ou seja, ele é culpabilizado pelo seu impedimento em se deslocar, afetando o seu ir<br />

e vir.<br />

O segundo depoimento, no entanto, tira um pouco o foco do indivíduo como se fosse<br />

ele o único responsável pelos problemas que enfrenta e amplia a dificuldade que ele apresenta<br />

também para a questão da urbanização da cidade onde ele vive. Ou seja, que o individuo tem<br />

uma lesão que o coloca em uma situação de desvantagem em relação aos que não têm, isso<br />

não se discute.<br />

Mas como o próprio respondente apontou, existem outros fatores que aumentam o<br />

abismo que existe entre a pessoa deficiente e o exercício de sua cidadania como, por exemplo,<br />

a situação socioeconômica deste indivíduo/família que vai precisar investir em um tratamento<br />

de reabilitação e na compra de órteses ou próteses para garantir a execução das suas tarefas do<br />

dia-a-dia além de medicações que normalmente fazem parte do tratamento.<br />

Considerando o discurso do próprio cadeirante obtido na prática, no dia-a-dia junto a<br />

esta clientela e em estudos como os de Machado (2003), Batista et al. (2000), Andrade et al.<br />

(2003), vimos que os depoimentos apontam muito mais para uma visão pejorativa,<br />

estigmatizante do termo deficiência.<br />

O conhecimento sobre uma deficiência, saber sobre reais limitações, aprender a não<br />

tomar o todo em função de uma parte do corpo que apresenta alguma alteração ou perda, é<br />

importante para que se possa lidar com esta pessoa portadora de necessidades especiais sem<br />

máscaras ou meias palavras, com medo ou receio de interagir com ela. Há que se dizer que<br />

esta visão pode influenciar não só no relacionamento como também na inclusão ou não do<br />

deficiente no contexto social e de trabalho.<br />

Com base nas falas, não se percebeu com clareza que tal percepção dos sujeitos<br />

entrevistados sobre o termo deficiência se traduza como um empecilho para a inclusão<br />

99


ocupacional destes indivíduos. Apenas ressaltam que a deficiência apresentada pode<br />

dificultar, em maior ou menor grau, a realização de uma determinada tarefa.<br />

No entanto, denotam uma visão ainda maculada pela nossa caminhada histórica, em<br />

relação às pessoas deficientes, que sempre reservou a estes o castigo do isolamento social e a<br />

piedade dos demais cidadãos “normais” e ajustados às regras da sociedade.<br />

Tal visão exclui a sociedade da responsabilidade sobre a origem / agravamento da<br />

deficiência, o que pode ser, por que não dizer, muito conveniente para as autoridades<br />

competentes pela elaboração e execução de ações voltadas para os indivíduos deficientes, que<br />

se sentiriam, nesse caso, eximidas da obrigação de investir pesadamente em campanhas de<br />

prevenção, promoção, manutenção e reabilitação das pessoas com deficiência, cabendo a estas<br />

últimas apenas o assistencialismo.<br />

4.2 O Deficiente Cadeirante no Ambiente Ocupacional: a percepção dos trabalhadores<br />

sem deficiência motora<br />

Esta categoria surgiu da aglutinação dos depoimentos gerados a partir das seguintes<br />

questões do roteiro de entrevista:<br />

• O que os trabalhadores andantes, sujeitos do estudo, diziam sobre trabalhar com<br />

colegas cadeirantes;<br />

• O que dizem os colegas dos sujeitos do estudo sobre trabalhar com o cadeirante.<br />

Ambas as perguntas versaram sobre o mesmo tema, apenas mudando-se o foco da<br />

atenção do sujeito do estudo para o que seria a percepção do outro colega andante em relação<br />

ao cadeirante. Estratégia essa já explicada anteriormente que leva o entrevistado a dizer como<br />

ele percebe o outro, mas sob a atenuação do uso da opinião de uma terceira pessoa.<br />

Assim, esta categoria, pelo volume de informações captado, mereceu ser dividida em<br />

subcategorias que se mesclam e se complementam.<br />

100


4.2.1 - A Diferença Promovendo a Aprendizagem;<br />

4.2.2 - A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional;<br />

4.2.3 - A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente cadeirante<br />

Passamos agora a expor a análise de cada uma delas.<br />

4.2.1 A Diferença Promovendo a Aprendizagem<br />

Os depoimentos apontaram, a princípio, o aspecto positivo de contar com uma pessoa<br />

portadora de necessidades especiais em seu ambiente de trabalho. Em sua maioria trazem a<br />

satisfação e a gratidão pelo aprendizado que advém desta relação profissional.<br />

As falas permitiram uma classificação de tal aprendizado em três esferas, descritas no<br />

Quadro 3. Ou seja, trabalhar com pessoas deficientes, só veio a somar no elenco de<br />

experiências positivas dos sujeitos do estudo.<br />

Quadro 3 - Classificação do aprendizado pelos sujeitos do estudo<br />

através da experiência com o cadeirante<br />

Experiência Aprendizado<br />

Convivência com o<br />

deficiente no contexto<br />

ocupacional<br />

Para a vida pessoal (amadurecimento)<br />

Para interação com o próprio deficiente<br />

Para visualizar a deficiência sob outro<br />

aspecto: como possibilidade para criar<br />

estratégias na superação de obstáculos<br />

Os depoimentos são bastante ilustrativos quando, às vezes, são carregados de emoção,<br />

bem como os benefícios desta relação, seja no âmbito pessoal, refletindo um maior<br />

amadurecimento e a valorização das pequenas conquistas nossas de cada dia; seja no âmbito<br />

profissional, entendendo que a deficiência não impede totalmente o indivíduo deficiente de<br />

fazer as coisas que a maior parte das pessoas fazem; apenas fazem de maneira diferente. E,<br />

por último, no âmbito da própria interação social com um indivíduo diferente, onde a<br />

aproximação garante a possibilidade de troca de experiências, valores e dificuldades.<br />

101


Os relatos trazem aqui uma comparação entre a época em que eles ainda não tinham<br />

tido contato com o deficiente e o agora: o antes e o depois. Ressaltam a mudança nas atitudes<br />

e na relação com esses indivíduos. É como se a experiência de conviver com uma pessoa<br />

deficiente fosse um divisor de águas para alguns entrevistados, no que se refere à forma de<br />

lidar com estes indivíduos na sociedade.<br />

A seguir, os depoimentos apontam para as esferas de aprendizado:<br />

Para a vida pessoal (amadurecimento):<br />

102<br />

“Me sinto privilegiado por estar convivendo com pessoas que olham as coisas<br />

de uma maneira diferente que a grande maioria e ver que precisa valorizar<br />

certas coisas que pra gente não é nada tipo: subir ou descer, ir em todos os lugares<br />

[...]” (7)<br />

“Acho que trabalhar com uma pessoa deficiente, a gente aprende todo dia uma<br />

coisa diferente [...]” (6)<br />

“[...] acho que tive uma grande sorte, tô tendo uma grande oportunidade, e<br />

privilégio mesmo porque essas pessoas, [...] são especiais, eles dão muita lição de<br />

vida, eles ensinam muita coisa, eles tão sempre [...] buscando quebrar limites,<br />

sempre transpondo dificuldades eles nunca chegam até um ponto e nunca param<br />

ali. Eles sempre buscam uma forma de ir além [...]” (11)<br />

Como mostram os relatos, a convivência mais estreita com uma pessoa deficiente pode<br />

ser fonte de experiências ricas que, normalmente, acrescentam valores positivos àqueles<br />

indivíduos que não possuem deficiência alguma.<br />

Bahia (2006) ressalta, em sua obra, as vantagens de contar, no ambiente de trabalho,<br />

com uma pessoa deficiente. Os benefícios podem ser percebidos em três esferas: na empresa,<br />

na sociedade e nos empregados.<br />

Sobre estes últimos, os principais ganhos são: elevação da auto-estima, motivação,<br />

reconhecimento das potencialidades sem negligenciar as limitações e reflexão sobre inclusão<br />

social.


A afirmação de Bahia (2006) confere com os depoimentos dos sujeitos, que denotam<br />

um reconhecimento do esforço dos colegas cadeirantes para exercerem sua cidadania, que<br />

transpõem diversas barreiras, desde físicas, como aquelas atitudinais.<br />

Desta forma, o exemplo de superação dado por estes indivíduos cadeirantes é bastante<br />

enriquecedor para todas as pessoas que travam contato com eles. Mas cabe ressaltar que a<br />

disponibilidade emocional por parte da sociedade para interagir abertamente com indivíduos<br />

deficientes, seja qual deficiência for, é fundamental para que a primeira veja e se relacione<br />

com o indivíduo e não com sua deficiência.<br />

Para interação com o próprio deficiente, ou seja, o antes e o depois:<br />

103<br />

“É uma experiência maravilhosa e eu agradeço (dirige o olhar para o céu) por<br />

estar podendo conviver com estas pessoas... é uma experiência nova que me<br />

trouxe muito aprendizado no sentido de saber como lidar com eles.” (11)<br />

“Antes de ter contato com um deficiente, você olha pra um deficiente e acha<br />

normal chamar de aleijadinho, cadeirantezinho, perneta, tortinho, né? Mas<br />

quando você trabalha com um deficiente, você já vê com outros olhos, muda<br />

muito, muda muito [...]. Se fosse em outros tempos eu ia olhar e dizer: coitado<br />

né? Porque as pessoas olham com pena, né.. que complicado, que chato estar ali...<br />

mas hoje em dia eu não tenho mais essa visão não, porque eu já sei que eles<br />

podem, que são capazes, Querem estar ali no mercado de trabalho[...] Brigando<br />

como todo mundo por um espaço [...]” (6)<br />

“Antigamente eu até tinha um receio de chegar e falar com um deficiente. Não<br />

sabia se segurava na cadeira, se oferecia ajuda, se ia ofender a pessoa, sabe?[...]<br />

agora eu chego com mais naturalidade, com qualquer deficiente sabe?,[...]<br />

trabalhando aqui, hoje , eu tenho uma visão e uma consciência muito mais ampla<br />

das dificuldades e das capacidades de um deficiente.” (18)<br />

Estes relatos nos remetem às conseqüências do longo período de segregação em que<br />

viveu o indivíduo deficiente na nossa História. O isolamento social, o medo ou até mesmo a<br />

vergonha impediram que o restante da sociedade se aproximasse e, literalmente, aprendesse a<br />

lidar com a população deficiente.<br />

Disso resultou nas dúvidas sobre como se relacionar com estes indivíduos, na<br />

dificuldade de compreender o universo das pessoas deficientes e nos preconceitos.


Conforme Fávero (2007), tais atitudes de dúvida, afastamento ou até receio frente a<br />

uma pessoa deficiente, na maioria das vezes, não é questão de má educação ou<br />

insensibilidade, mas sim de pura falta de informação.<br />

O que ocorre é que, sem permitir essa aproximação, a sociedade não consegue romper<br />

com formas cristalizadas de agir frente a um deficiente e, sem haver a aproximação, sem<br />

admitir a interação social, damos margem para o surgimento e fortalecimento de mitos, idéias<br />

enviesadas e preconceituosas sobre um determinado fato ou pessoa. Sobre isso falam<br />

Fernandes e Souza (2004, p. 6), em seu estudo sobre a percepção do estigma da epilepsia em<br />

professores do ensino fundamental:<br />

104<br />

A percepção destas crenças, ou seja, idéias irracionais transmitidas sem base<br />

científica, decorrentes do desconhecimento sobre a epilepsia e seu tratamento<br />

podem gerar o estigma e, com isso, comportamentos inadequados, super-proteção e<br />

sentimentos de medo, preocupação e insegurança, dificultando os relacionamentos<br />

sociais, afetivos e acadêmicos da criança.<br />

O contato face-a-face com o colega cadeirante proporcionou, segundo os relatos, a<br />

desconstrução de idéias errôneas e de mitos, o que facilitou a interação social.<br />

Contribuição no aprendizado para visualizar a deficiência sob outro aspecto: como<br />

possibilidade de superação e de ser atuante na sociedade lançando mão de estratégias para tal:<br />

“Eu me sinto super bem, não sinto pena porque ele é hiper alto astral E ele não<br />

permite que sintam pena dele, ele não dá espaço pra isso... ele faz tudo sozinho,<br />

passa em cima do pé da gente (risos), carrega as coisas, se prontifica a fazer as<br />

coisas... ele é uma pessoa dez!” (8)<br />

“Acho que é uma experiência maravilhosa porque você aprende a conviver no<br />

mesmo espaço com essas pessoas que são limitadas por serem deficientes, mas são<br />

ilimitadas no sentido do trabalho, de responsabilidade, de técnica [...]” (09).<br />

“[...] e cada vez mais a gente percebe que pode estar contribuindo pela inclusão<br />

deles né, a partir do momento que a gente aprende a acreditar no trabalho e<br />

potencial no trabalho, no sentido de que eles tem competência e potencial [...]”<br />

(21)<br />

Provavelmente, qualquer pessoa que não tenha um contato mais próximo com um<br />

deficiente estranhará estes depoimentos. Vivemos numa sociedade onde a produção e a


velocidade são exigências para que sejamos considerados como elementos produtivos e,<br />

assim, valorizados e a presença de uma pessoa deficiente no contexto do trabalho pode, a<br />

princípio, remeter à idéia de que estes indivíduos dificultarão e/ou lentificarão o processo de<br />

trabalho pela sua aparente “ineficiência”.<br />

Todavia, a convivência e o compartilhamento de experiências entre os indivíduos com<br />

e sem limitações motoras podem diminuir a noção preconceituosa de que a deficiência toma<br />

conta do ser deficiente como um todo.<br />

A credibilidade e o reconhecimento do produto do trabalho realizado são fundamentais<br />

para que qualquer pessoa se sinta integrante e valorizada pelo grupo ao qual faz parte. Da<br />

mesma forma é com a pessoa deficiente (ALBOR<strong>NO</strong>Z, 2004).<br />

Os sujeitos entrevistados revelaram, então, que reconhecem e valorizam a participação<br />

do cadeirante no contexto ocupacional, aprendendo que a deficiência é apenas um fato e não<br />

uma característica que transforma o ser deficiente em um ser incapaz.<br />

Tal aprendizado, valorização e reconhecimento expressados em todas as falas, no que<br />

diz respeito ao convívio com o deficiente na esfera ocupacional, vem a impactar<br />

positivamente não só na saúde do trabalhador deficiente, mas também na daquele não<br />

cadeirante. O primeiro por se sentir acolhido e membro do grupo onde desenvolve seu<br />

trabalho pela ratificação dos demais em relação à sua capacidade produtiva e criativa e o<br />

segundo pela aprendizagem que advém do convívio com a diferença, que oferece um<br />

ambiente plural.<br />

4.2.2 A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional<br />

Continuando na categoria que analisa a forma como o trabalhador cadeirante é<br />

percebido no ambiente ocupacional, obteve-se depoimentos que revelam um lado<br />

“desconfiado” por parte dos sujeitos pesquisados em relação ao cadeirante.<br />

105


Para alguns entrevistados, a deficiência motora, assim como a deficiência visual e<br />

auditiva, pode ser usada pelos deficientes como fonte inesgotável de justificativas para que<br />

eles se eximam das responsabilidades que fazem parte do exercício da cidadania. Porém, os<br />

benefícios, os direitos relativos à condição de deficiente, são sempre bem-vindos.<br />

Quando são exigidos no sentido de apresentarem sua produção, assim como acontece<br />

com qualquer outra pessoa em qualquer esfera das relações sociais, eles se “valem” da<br />

condição de deficiente para evitar tais desgastes e estabelecerem bases de contato mais<br />

amenas, sem conflitos nem exigências.<br />

A literatura nesta área mostra, de fato, que o comportamento das pessoas com<br />

necessidades especiais pode variar e fazer com que a deficiência se transforme em uma<br />

“muleta”, onde o indivíduo apóia toda sua indisposição de lutar e reassumir seu lugar na<br />

sociedade, usando a deficiência como uma “desculpa” e, assim, se acomodar.<br />

Goffman (1988, p. 20) esclarece esta questão mostrando que uma pessoa<br />

estigmatizada pode usar seu estigma para ganhos secundários, justificando, assim, todas as<br />

suas insatisfações, todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social.<br />

Assim, muitos indivíduos com deficiência dão uma dimensão exagerada à sua<br />

limitação, usando-a como escudo para se esquivar das obrigações a que todos os cidadãos<br />

estão sujeitos, “tirando vantagem” da sua condição de deficiente.<br />

106<br />

“[...] na verdade, tem uma superproteção sim. Tem trabalhos que não vão pra ela<br />

porque ela vai acabar reclamando e ela é meio grossa, sabe? [...] (17)<br />

[...] aqui a gente acaba poupando o colega, porque ele às vezes reclama que tá<br />

cansado, que tá aborrecido... Então a gente evita falar de coisas mais sérias de<br />

trabalho com ele. (13)<br />

Esta postura apontada pelos sujeitos do estudo, observada nos colegas cadeirantes,<br />

vem reforçando a idéia de que as pessoas deficientes em geral são, de fato, acomodadas,<br />

“espertas” no sentido de saber explorar a piedade alheia se apoiando na sua condição de<br />

deficiente, pensamento esse que parece pairar no senso comum.


Os depoimentos, a seguir, são ilustrativos de uma percepção diferente daquela que<br />

normalmente se espera do deficiente, apontando para uma reflexão crítica do andante em<br />

relação ao comportamento da sociedade para com o deficiente.<br />

107<br />

“[...] porque o deficiente tem isso, né, ao mesmo tempo que ele quer trabalhar, ele<br />

até vai, mas quando ele realmente tem que cumprir com as obrigações, correr<br />

atrás, cumprir os deveres , ele não cumpre porque tem essa visão, essa coisa<br />

paternalista que o nosso Estado criou, a sociedade diz aquela coisa do<br />

“coitadinho”, né, e ao mesmo tempo que ele não quer ser tratado como<br />

coitadinho,... ele usufrui muitas vezes de ocasiões em que nesse momento ele não<br />

deveria participar e ele acaba participando porque pra ele é cômodo [...].” (9)<br />

“[...] existem pessoas deficientes cadeirantes ou não ou com outras deficiências<br />

que se põe num mar de pena, que fazem questão que as pessoas sintam pena e eu<br />

não gosto disso.” (6)<br />

Pode-se inferir que o comportamento “acomodado” por parte do deficiente possa<br />

também ser explicado com base nos estágios das reações que uma pessoa percorre quando<br />

adquire uma deficiência.<br />

Como já abordado anteriormente, elucidando este tema, Kottke e Lehmann (1994)<br />

lembram que, ao adquirir uma deficiência, a pessoa vai passar por algumas etapas que<br />

envolvem aspectos emocionais e físicos importantes e que vão auxiliar na construção do seu<br />

mecanismo para lidar com sua nova condição, seu novo corpo. Diante desse quadro, cada<br />

indivíduo passará por fases comportamentais distintas, mas que, independente da natureza da<br />

sua deficiência, terão basicamente as mesmas características e que vão determinar como ele<br />

chegará à fase de ajustamento.<br />

Segundo estes autores, de uma forma global, o modelo de comportamento do<br />

indivíduo portador de deficiência motora pode ser dividido em quatro fases bem definidas.<br />

São elas Fase de Choque, Fase de Negação, Fase de Reconhecimento e a Fase de Adaptação.<br />

Na fase de reconhecimento, a persistência do quadro provocado pelas perdas intensas<br />

e mudanças na imagem corporal, e o contato com outras pessoas portadoras de limitações


físicas semelhantes, fazem com que o indivíduo comece a tomar consciência de sua real<br />

situação.<br />

A evidência da paralisia, a perda do controle esfincteriano, o temor de tornar-se uma<br />

carga para seus familiares e as possíveis restrições sociais lhe provocam um forte sentimento<br />

de desamparo e intensa ansiedade, levando-o a um estado de depressão ou à um estado de<br />

completa apatia. Ou seja, o indivíduo não se deprime nem se mostra agressivo, apresentando-<br />

se passivo, desmotivado, sem iniciativa, conduta que reflete séria perturbação psíquica. Desta<br />

forma é, de fato, compreensível este tipo de reação por parte da pessoa que adquiriu uma<br />

deficiência.<br />

Cabe, assim, o reconhecimento precoce destes indícios por parte de uma equipe de<br />

reabilitação e também da família, para que sejam oferecidas todas as alternativas possíveis no<br />

sentido de minimizar o impacto emocional negativo destas fases no indivíduo com deficiência<br />

adquirida.<br />

Contudo, os depoimentos coletados não apontaram, de maneira relevante, esta faceta<br />

de comportamento “acomodado” por parte dos trabalhadores deficientes motores que tivesse<br />

sido percebido pelos sujeitos do estudo. Pelo contrário, estes últimos destacaram a grande<br />

disposição destes indivíduos cadeirantes em retornarem à sociedade de forma digna, lutando<br />

por seu espaço, exercendo sua cidadania.<br />

No entanto, ainda assim mereceram destaque estes relatos, pois revelam um<br />

entendimento, por vezes, equivocado em relação ao comportamento dos deficientes, podendo<br />

contaminar a opinião de outros, contribuindo para a sedimentação de idéias errôneas e<br />

generalistas, no senso comum, sobre os deficientes.<br />

Cabe aqui ressaltar que essa “disposição”, por parte das pessoas deficientes, em voltar<br />

ao meio social citadas nas falas e, literalmente, brigar por um espaço no mercado de trabalho<br />

só vem sendo possível em função de algumas mudanças em diferentes contextos.<br />

108


O mercado de trabalho, por exemplo, embora exija cada vez mais uma capacitação e<br />

atualização constantes, por parte dos trabalhadores, além de estar cada vez mais exigente em<br />

termos de qualidade de trabalho e presteza, tem apresentado alternativas de atuação<br />

profissional. O deficiente, desta forma, pode se integrar com mais facilidade utilizando-se, por<br />

exemplo, da informática, onde se pode valer de diversos aplicativos (Internet, DOS-VOX),<br />

para solucionar problemas.<br />

A aplicação das leis que fomentam e promovem a inclusão da pessoa deficiente na<br />

sociedade também vem animando essa parcela da população, ainda que de maneira tímida, a<br />

participarem da vida em sociedade. Porém, as barreiras arquitetônicas ainda figuram como<br />

grandes obstáculos ao deslocamento e inclusão destes indivíduos na sociedade além, é claro,<br />

das barreiras atitudinais.<br />

A mídia, do mesmo modo, vem tendo uma participação na divulgação das<br />

particularidades do mundo dos deficientes. Existem programas na televisão apresentados<br />

pelos próprios deficientes, que mostram de forma clara quais são seus direitos e como devem<br />

garanti-los; mostram formas e possibilidades de trabalho, cultura e lazer.<br />

Todas essas mudanças vêm influenciando um pouco a tônica da característica<br />

comportamental dos deficientes que se há décadas atrás Goffman (1988) classificou-a como<br />

sendo de aceitação, hoje em dia está um pouco diferente.<br />

Vê-se atualmente, com freqüência, deficientes mais participantes da vida em<br />

comunidade, brigando por seus direitos, exigindo o merecido respeito e dignidade, pois,<br />

conforme Fracasso in Oliveira (2007, p. 11), “o deficiente, seja qual for sua deficiência, é um<br />

ser humano. Tem, portanto, a dignidade que lhe é própria”.<br />

E, por outro lado, há a mudança no comportamento dos não cadeirantes, que vão<br />

gradativamente tendo o cadeirante no contexto do trabalho, levando-os a conhecer melhor a<br />

109


ealidade da pessoa portadora de deficiência, reconhecer seu potencial, habilidades e até<br />

mesmo suas reais limitações que não são prerrogativa destes, mas de toda pessoa humana.<br />

4.2.3 A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente<br />

cadeirante<br />

Chamou-nos a atenção, algumas falas que denotam a percepção de alguns indivíduos<br />

entrevistados que se colocam numa posição superior em relação ao portador de deficiência.<br />

110<br />

“[...] é muito bom, pois você...não se dá conta que trabalha com uma pessoa<br />

deficiente.” (19)<br />

“[...]então vamos falar de eficiência, né, na verdade eles (os PPD) são muito<br />

eficientes e aí você tem esse contraponto né: mesmo com as limitações eles<br />

conseguem ser eficientes..., muito..., até mais do que os outros (sem deficiência).”<br />

(6)<br />

“[...] e é mais uma prova de que eles são pessoas que são iguais à gente, né, os<br />

não-deficientes.” (20)<br />

Quando alguns sujeitos falam que o trabalho do cadeirante é tão bom que “não se dá<br />

conta que trabalha com uma pessoa deficiente” ou que “mesmo com as limitações eles conseguem ser<br />

eficientes [...]” vêm algumas indagações: Será que ele (o indivíduo sem deficiência motora) se<br />

sente isento de qualquer tipo de deficiência? Será que é esperado que o sujeito, por ter<br />

deficiência motora, também sofra de deficiência mental, tenha seu intelecto igualmente<br />

prejudicado? É esperado que a relação de trabalho com um deficiente não seja algo viável?<br />

Pode-se inferir que se trata de uma percepção equivocada que, de maneira geral,<br />

reflete o entendimento da maioria da população sobre este assunto.<br />

Normalmente, ao se deparar com uma pessoa deficiente, as pessoas ditas “normais”<br />

tomam todo aquele indivíduo por uma parte. Valorizam demais as perdas daquele sujeito,<br />

esquecendo-se de que ele, ainda é ele, mesmo com perda de movimentos e sensibilidade nas<br />

pernas e com todos os outros desdobramentos que acompanham um quadro neurológico de


paralisia motora. Segundo Goffman (1988, p 15), “tendemos a inferir uma série de<br />

imperfeições a partir da imperfeição original”.<br />

Quintão (2005), Moura e Valério (2003) e Oliveira et al. (2004) também são unânimes<br />

em afirmar que tendemos a nos relacionar com a deficiência, esquecendo-nos que existe uma<br />

pessoa em primeiro lugar.<br />

A prática do atendimento a esta clientela, pela autora do estudo, mostra, através dos<br />

depoimentos dos cadeirantes nas consultas, que a compreensão do outro “normal” sobre a<br />

pessoa deficiente está muito próxima do conceito de deficiência apontado por Omote (1995).<br />

De acordo com estes relatos, a imagem de uma pessoa deficiente remete de imediato a<br />

uma pessoa desvalorizada no contexto social. Esta desvalorização é, obviamente, sentida por<br />

esta população estigmatizada e só tende a aumentar o hiato entre ela e a possibilidade real de<br />

inclusão social. Aliás, não é difícil de explicar essa forma obtusa e equivocada da sociedade<br />

de enxergar as pessoas deficientes. É um processo historicamente construído.<br />

A apreensão das diferenças e dos mitos começa a surgir no período escravista, quando,<br />

na sociedade grega, os escravos garantiam a infra-estrutura necessária para que os homens<br />

livres praticassem o ócio. É nesse período que aparecem os paradigmas, modelos que<br />

sobressaíram pelos séculos, influenciando fortemente a visão da sociedade cristã ocidental.<br />

(PROFETA, 2004).<br />

Entre os paradigmas, destacou-se o espartano com a valorização da ginástica, da<br />

dança, estética, perfeição do corpo, beleza e a força, pois se dedicavam predominantemente à<br />

guerra e todas as boas condições físicas lhes eram exigidas. Com o culto à perfeição, as<br />

crianças que nascessem com qualquer manifestação que atentasse aos padrões estabelecidos,<br />

eram eliminadas (PROFETA, 2004).<br />

Um outro paradigma é o ateniense. A preferência pela agitação da vida da cidade, a<br />

filosofia, a contemplação moldam a concepção de corpo e de sociedade. Para os gregos,<br />

111


“viver é contemplar” como afirma Vasques (1986 in PROFETA, 2004, p. 322) e com isso a<br />

valorização e a supremacia do trabalho intelectual e a divisão do homo sapiens e homo faber<br />

são postas e ideologicamente justificadas.<br />

Na própria Bíblia, encontramos reforço para a idéia de que deficiência está<br />

intimamente ligada à impureza e pecado quando mostra que dos vinte e dois milagres com<br />

curas e exorcismos creditados a Jesus, oito referiam-se a cura dos cegos, surdos, mudos e<br />

gagos, sendo que outros se referiam a paralisias, possessões, etc.<br />

O Evangelista Lucas (11:14) mostra como a pessoa muda e o demônio são<br />

confundidos: “E estava Ele expulsando o demônio, o qual era mudo. E aconteceu que, saindo<br />

o demônio, o mudo falou...” (PROFETA, 2004, p. 322).<br />

Estes exemplos podem auxiliar na compreensão da segregação e estigmatização das<br />

milhares de pessoas que foram, outrora, eliminadas pela fogueira da inquisição ou por outros<br />

métodos cruéis e, hoje, ainda são eliminadas só que de uma forma mais sutil, velada, porém<br />

não menos perversa.<br />

Outra forma de entender este fenômeno da sociedade de perceber a pessoa deficiente<br />

como um “corpo estranho” indigno e inferior, também, pode ser ilustrado no terreno da<br />

semântica.<br />

A deficiência opõe-se semanticamente à normalidade, instância em que se manifesta a<br />

eficiência. Essa constatação ajuda a explicar o fenômeno da não-aceitação do deficiente na<br />

sociedade ocidental, tão propensa a valorizar, de forma extremada a eficiência <strong>–</strong> e isso não<br />

apenas no campo profissional, mas em basicamente todos os setores da vida.<br />

Como reflexo dessa propensão, rejeita-se o que se mostra contrário à idéia de<br />

eficiência. A relação antagônica é manifesta na língua latina. Nossa palavra “eficaz” vem de<br />

efficax, designativa do que é enérgico ativo ou poderoso. Efficax diz-se daquele que não tem<br />

112


dificuldade alguma na realização de algo. Deriva de facere (fazer), assim como efficiens<br />

(eficiente) (LAHIRIHOY et al., 2007).<br />

No verbo latino deficere, encontramos o ancestral etimológico da palavra “deficiente”.<br />

Além da acepção mais diretamente contraposta à anterior (faltar, carecer), deficere também<br />

significa “afastar-se”, “desintegrar-se” (LAHIRIHOY et al., 2007).<br />

No terreno semântico, encontramos o ser defeituoso como o que se distancia, podendo<br />

vir a desintegrar-se. É o que ocorre, de forma predominante, ao longo da história: o homem<br />

deficiente, como já se disse, tende a ser apartado da sociedade. Isso em grande parte devido à<br />

tendência cultural a ampliar o defeito, seja ele físico ou mental, a outras esferas da vida<br />

humana, considerando aquele ser, inferior (OLIVEIRA, 2007).<br />

Ainda para ilustrar, pode-se recorrer a uma regra própria da natureza: os mais fracos<br />

tendem a sucumbir em favor dos mais fortes; de igual forma, os mais fortes costumam vigorar<br />

em detrimento dos mais fracos (OLIVEIRA, 2007; GLAT, 2004). Em outras palavras, pode-<br />

se inferir que a lei de sobrevivência dos mais aptos é uma aplicação da lei do mais forte.<br />

Diversas sociedades, ao menos em algum período da sua história, legitimaram a<br />

prática social de eliminar este ou aquele grupo. Assim é que, em certas culturas beduínas, por<br />

exemplo, legitimou-se o extermínio de meninas recém-nascidas, uma vez que o gênero<br />

masculino naquela sociedade era mais valorizado.<br />

Para Oliveira (2007), seria difícil encontrar a sociedade que nunca adotou práticas<br />

desse tipo. É um fenômeno que tem suas raízes na pré-história, possivelmente tão antigo<br />

quanto o próprio homem. O autor (op. cit., p. 27) enfatiza que o que serve de base à lei do<br />

mais forte, do ser superior, é exatamente a ausência de valores morais: “É sempre ela<br />

(referindo-se à ausência dos valores morais) que costuma fundamentar o suposto direito de<br />

eliminar os deficientes numa sociedade”.<br />

113


Diante desta breve exposição do leque de fatores que envolvem o ser deficiente ao<br />

longo da história, fica fácil compreender a relação entre estes últimos e a sociedade que se<br />

apropriou, de forma consciente (ou não), destes paradigmas e continua a perpetuá-los, talvez<br />

sem muita noção disto.<br />

A diferença está na forma. Se em outras épocas esta era uma prática sanguinária,<br />

eliminando-se fisicamente aquele “ser inferior”, hoje ainda continuamos fazendo a mesma<br />

coisa, só que veladamente, sutilmente, eliminando estas pessoas na medida em que negamos o<br />

direito à vida em comunidade, ao emprego, ao afeto.<br />

4.3 Cadeirantes no Ambiente de Trabalho: como a deficiência sobressai aos olhos dos<br />

andantes<br />

Esta categoria traz a resposta dos sujeitos do estudo acerca da seguinte pergunta: o<br />

que ele imagina que mais chama a atenção de seus colegas andantes em relação aos<br />

cadeirantes?<br />

Mais uma vez, foi utilizada a técnica de substituição sugerida por ABRIC (in<br />

OLIVEIRA; CAMPOS, 2005), onde se espera que o respondente revele sua verdadeira<br />

impressão sobre o que está sendo perguntado, “diluindo” sua opinião quando fala sobre o que<br />

ele imagina que seus colegas pensam a respeito do assunto em tela.<br />

Nesta categoria, obteve-se alguns eixos de destaque que estão expostos a seguir em<br />

sub-categorias que são:<br />

4.3.1- A visibilidade da deficiência <strong>–</strong> a cadeira de rodas como impeditivo da liberdade;<br />

4.3.2 - Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente <strong>–</strong> a surpresa diante<br />

do cadeirante no ambiente de trabalho;<br />

4.3.3 - A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania.<br />

Passamos, agora, a expor cada uma das subcategorias e suas respectivas análises.<br />

114


4.3.1 A visibilidade da deficiência <strong>–</strong> a cadeira de rodas como impeditivo da liberdade<br />

Nesta subcategoria, as falas apontam a cadeira de rodas como aquilo que mais chama a<br />

atenção do andante em relação ao cadeirante.<br />

Parece que a cadeira de rodas representa, para muitos dos entrevistados, um ícone<br />

indelével que evoca a idéia de limitação e invalidez, mas que, nem por isso, contrasta<br />

negativamente com a imagem de produtividade inerente ao ambiente de trabalho. Estes relatos<br />

representaram a maioria.<br />

A seguir, alguns depoimentos sintetizam a impressão dos entrevistados.<br />

115<br />

“O primeiro impacto que eu senti foi ele entrando aqui com aquela cadeira. Achei<br />

um pouco esquisito.” (20)<br />

“Chama a atenção o fato de chegar numa cadeira de rodas [...] muitas pessoas se<br />

constrangem. Sabe como é... o cara tá entrevado ali... é triste.” [17]<br />

“Ah... acho que é essa dificuldade da cadeira, que não vai em qualquer lugar, né?<br />

É muito desajeitada, difícil de se manobrar.” (6)<br />

“Mas eu acho que o que mais chama atenção da gente aqui é a cadeira de rodas e<br />

também a limitação dela. Isso não dá pra esconder... apesar de toda<br />

independência que ela tem.” (23)<br />

“O que causa impacto é a cadeira, porque nós nunca tínhamos trabalhado com<br />

alguém deficiente. [...] E também a dependência. Eu acho que o fato de você<br />

estar preso a alguma coisa como uma máquina, por mais que seja independente, é<br />

algo que sempre mostra a falta. Lembra a gente que a limitação existe...” (12)<br />

Algumas considerações são importantes de serem feitas acerca destes depoimentos:<br />

em primeiro lugar, a imagem da cadeira de rodas salta aos olhos dos entrevistados. Isso pode<br />

se traduzir naquilo que Goffman (1988) denomina de “visibilidade” da deficiência. Ou seja,<br />

quanto mais aparente é o defeito (ou desvio) apresentado por uma pessoa, defeito esse que<br />

vem contrariar o padrão normatizado por algum grupo, mais forte será a reação de rejeição, ou<br />

no mínimo de estranheza, àquele indivíduo que ostenta tal imperfeição ou deformidade.<br />

Coleman (1986) concorda com Goffman (1988) afirmando que o grau de<br />

estigmatização depende do quanto indesejável essa característica for considerada pelo grupo.


Ou seja, quanto mais desviante, fora da norma ou anormal for aquele corpo ou determinado<br />

comportamento, mais veemente será a reação negativa da maioria dominante.<br />

Como ilustração Oliveira (2007) mostra, porém, que o padrão de normalidade é algo<br />

que varia com o tempo ao longo da história e com a cultura vigente. Este autor cita o exemplo<br />

de uma comunidade que vive numa ilha do Oceano Pacífico, sempre cercada por cardumes de<br />

vorazes tubarões, sendo a atividade da pesca aquela que se sobressai em relação às atividades<br />

agrícola ou pastoril, uma vez que é a fonte principal de alimento de toda a ilha.<br />

Devido às circunstâncias, a pescaria, apesar de vital para os habitantes da Ilha, é uma<br />

atividade muito perigosa, não sendo raros os casos de pescadores que são atirados às águas<br />

pelo mar revolto e prontamente atacados pelos tubarões. Dos que sobrevivem, muitos ficam<br />

mutilados, com amputação de braços ou pernas, mas, nesta comunidade, o fato de não ter uma<br />

perna ou um braço não leva a depreciação alguma.<br />

Pelo contrário, a deficiência corresponde à garantia de uma inquestionável posição de<br />

prestígio na comunidade, pois todos sabem que aquele indivíduo enfrentou o inimigo mortal<br />

durante a luta pela sobrevivência do grupo ao qual pertence. O homem amputado, ali, é<br />

olhado com respeito e admiração, percepção essa que difere um pouco na nossa sociedade,<br />

que vê aquele indivíduo como um ser inválido.<br />

Voltando aos depoimentos, o constrangimento e a esquisitice evocados pela imagem<br />

da cadeira de rodas no ambiente de trabalho, citados nas falas dos sujeitos, podem ser<br />

entendidos como uma confirmação do fato de que, além não existirem deficientes inseridos na<br />

vida em comunidade, em particular, no mercado de trabalho, em número suficiente para<br />

familiarizar a população em relação aos deficientes, também a referida imagem está associada<br />

à idéia de desvantagem em nosso meio.<br />

Correr (2003, p. 18) pode ajudar na explicação para este tipo de atitude dos andantes<br />

em relação ao cadeirante afirmando que “todos devemos ser independentes e produtivos. Os<br />

116


ideais de felicidade não combinam com incapacidade e com formas diferentes daquelas que<br />

são ditadas como modelo de se comportar e de viver em sociedade”.<br />

Costa (1999) também afirma que as deficiências ameaçam, desorganizam, mobilizam.<br />

Representam aquilo que foge ao esperado, ao simétrico, ao belo, ao eficiente, ao perfeito. Por<br />

isso provocam reações de estranheza e até mesmo de esquiva por parte dos considerados<br />

normais frente aos deficientes.<br />

Os depoimentos indicaram, então, que a visibilidade da deficiência trazida pela<br />

imagem da cadeira de rodas, remete à dependência, às limitações causadas por uma condição<br />

neurológica que prejudicou a mobilidade do indivíduo.<br />

Constatou-se que as pessoas, não só as andantes, mas também muitos cadeirantes com<br />

os quais lidamos no dia a dia no consultório, não conseguem ver a Cadeira de rodas como<br />

uma aliada, uma ferramenta que proporciona àquele que faz uso dela, a liberdade e a<br />

possibilidade de participar da vida em comunidade. Enxergam essa órtese como uma prisão e,<br />

muitas vezes, usam a expressão “entrevado” referindo-se ao para ou tetraplégico ou a<br />

qualquer outra pessoa que precise, temporária ou permanentemente, dela utilizar-se.<br />

A título de ilustração, palavra “entrevar” tem, na verdade, dois significados: o<br />

primeiro, no sentido de "tolher, impedir movimento", vem de "entravar", que, por sua vez,<br />

vem de "trava", que se originou do Latim TRABS, "viga, trave, tronco". O segundo<br />

significado, no sentido de “escurecer”, vem de "treva", do Latim TENEBRAE, denotando<br />

"escuridão" (LAHIRIHOY et al., 2007).<br />

Parece que, quando as pessoas empregam o termo “entrevado”, referindo-se ao<br />

cadeirante, se apóiam (conscientemente, ou não) muito mais na segunda conotação do termo<br />

do que na primeira, reforçando, assim, a idéia de que o cadeirante é uma pessoa que vive num<br />

mundo sombrio e sem esperanças, sendo, portanto, digno de pena e comiseração. Isso só vem<br />

117


a fortalecer o estigma de desafortunado, mal aventurado e infeliz que se tem a respeito das<br />

pessoas deficientes.<br />

Os relatos, porém, não expressaram qualquer dificuldade de inclusão dos cadeirantes<br />

em função da visibilidade de sua deficiência. A percepção dos sujeitos acerca dessa<br />

visibilidade refere-se mais à dificuldade que a conseqüência da paralisia motora acarreta no<br />

dia-a-dia deste cadeirante do que propriamente como fator impeditivo de inclusão e<br />

permanência no contexto ocupacional.<br />

4.3.2 Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente <strong>–</strong> a surpresa<br />

diante do cadeirante no ambiente de trabalho<br />

Na subcategoria anterior, constatou-se que a percepção dos andantes, em relação aos<br />

cadeirantes, está impregnada pela imagem negativa evocada pela cadeira de rodas,<br />

simbolizando a inércia, a improdutividade e a falta de liberdade.<br />

Nesta subcategoria, há uma forma preconceituosa expressada nos discursos dos<br />

trabalhadores andantes que apontam a eficiência e a capacidade de trabalhar dos cadeirantes<br />

como algo que chama a atenção dos primeiros.<br />

Os discursos a seguir ilustram bem esta categoria:<br />

“O que chama a atenção é a disposição que ele tem de trabalhar [...].” (28)<br />

118<br />

“O que mais me chama a atenção é a questão profissional mesmo, a eficiência<br />

dela, sabe... nem é cadeira de rodas.” (27)<br />

“Olha... o que sobressai é a inteligência dele... ele é capaz de raciocinar<br />

[...].” (02)<br />

“Chama a atenção o fato de ele estar aqui trabalhando.” (07)<br />

“A primeira reação das pessoas é de espanto porque pensa logo assim: - pô, o<br />

cara é gerente? Em cadeira de rodas?” (23)<br />

“Quando eu fiquei sabendo que ele era o primeiro gerente empresarial eu fiquei<br />

assim <strong>–</strong> Nossa! Como é que pode?!” (21)


Como pode ser constatado, as falas revelam surpresa e espanto com a presença de um<br />

profissional cadeirante no ambiente ocupacional e, pasmem, com capacidade de raciocínio e<br />

competência.<br />

Tal estranheza pode encontrar várias explicações. Uma delas se apóia no inexpressivo<br />

número de pessoas deficientes no mercado de trabalho. Nossa sociedade não está<br />

familiarizada com pessoas que andam de forma diferente, que enxergam de maneira diferente,<br />

que se comunicam de um jeito não convencional, ou seja, não está acostumada com a<br />

diversidade, com a dissemelhança.<br />

Isso ocorre porque o próprio movimento das pessoas deficientes em nosso país,<br />

diferentemente dos Estados Unidos e Inglaterra, é recente e as ações de inclusão escolar e<br />

mesmo de obtenção do direito à assistência à saúde são conquistas elementares ainda por<br />

fazer.<br />

Mas a conquista de alguns direitos relativos ao trabalho, ainda que tímida, é um dos<br />

sinais de que mudanças começam a ocorrer na sociedade brasileira, principalmente se<br />

considerarmos o grande potencial de inclusão social que o trabalho tem, enquanto fator de<br />

afirmação da criatividade e da capacidade produtiva de todas as pessoas.<br />

Contudo, a concepção da sociedade enquanto um mercado de trabalho acaba por<br />

representar um dos elementos centrais de exclusão social que atinge expressivos segmentos da<br />

sociedade, geralmente com pouca representação política e raras oportunidades de acesso ao<br />

trabalho.<br />

Tal exclusão se expressa em barreiras culturais educacionais, étnicas, econômicas,<br />

arquitetônicas, etc. criando restrições por classe, gênero, raça, religião, ideologia e capacidade<br />

física ou mental (DRACHE, 2002).<br />

119


A globalização agravou as condições de acesso ao mercado de trabalho, ao estabelecer<br />

a flexibilidade das relações como regra a ser seguida, tornando-o mais moldável aos interesses<br />

do capital que transita de país a país (BAUMAN, 1999).<br />

Vasconcelos (2005) acrescenta que o surgimento de novas tecnologias provoca o<br />

crescimento de empregos acessíveis apenas aos poucos que conseguem qualificação<br />

específica, o que cria nova área de exclusão.<br />

Bastos (2002) ressalta que o modelo hegemônico preconiza indivíduos competentes e<br />

eficientes, de modo a serem competitivos no mercado e na vida, o que torna bastante limitado<br />

o espaço para as diferenças individuais e faz predominar a intolerância.<br />

É como se a imagem do deficiente destoasse da atmosfera dinâmica e produtiva que<br />

está presente no contexto do mundo do trabalho que exige o máximo de produtividade num<br />

mínimo de tempo.<br />

Além de todo esse panorama extremamente competitivo e agressivo, o que está<br />

acontecendo é que os entrevistados, como a exemplo da maioria da população, estão se<br />

relacionando com a deficiência e não com a pessoa deficiente.<br />

Esta forma equivocada de enxergar as pessoas com limitações, sejam elas quais forem,<br />

interfere, negativamente, na interação social que se queira ter com qualquer indivíduo<br />

portador desta ou daquela deficiência, pois como Glat (2004, p.27) afirma:<br />

120<br />

O grande drama das pessoas estigmatizadas, que afeta sobremaneira os portadores<br />

de deficiências, é que o estigma funciona como um rótulo. Em outras palavras, a<br />

partir do momento em que um indivíduo é identificado como anormal ou desviante<br />

<strong>–</strong> por exemplo, homossexual, negro, retardado ou cego <strong>–</strong> tudo o que ele faz ou é,<br />

passa a ser interpretado em função dos atributos estereotipados do estigma.<br />

Desta forma, é fácil compreender a maneira desdenhosa com que a sociedade lida com<br />

as pessoas portadoras de necessidades especiais. A autora acrescenta que isso se dá porque os<br />

indivíduos não se relacionam com as pessoas estigmatizadas em si, mas sim com seu rótulo.<br />

Isso leva a uma relação de distância e despersonalização, prejudicando a interação social.


Saeta (1999, p. 53), concordando com a autora, afirma que “ao entrarmos em contato<br />

com o diferente, desestabilizamo-nos, e a necessidade de estabelecermos o equilíbrio nos faz<br />

lidar com a pessoa deficiente de maneira a generalizar sua deficiência, ultrapassando os<br />

limites de sua incapacidade específica”. Em outras palavras, a sociedade lança um olhar para<br />

esta população privilegiando a deficiência e desconsiderando a pessoa generalizando, assim,<br />

sua incapacidade.<br />

Usando o cadeirante como exemplo, além de não andar, este indivíduo é percebido<br />

como uma pessoa que não pensa, não tem capacidade de discernimento e de decisão; portanto,<br />

incapaz de viver em comunidade, incapaz de produzir, precisando sempre da tutela de outro<br />

indivíduo que supriria suas necessidades diante da “incompetência e ineficiência”.<br />

Cabe aqui uma breve reflexão sobre as contradições impostas às condições das pessoas<br />

deficientes em nosso país: combate-se com veemência as atitudes e programas paternalistas,<br />

procura-se vender com vigor a idéia de que o deficiente é capaz, produtivo, mas ao mesmo<br />

tempo a Previdência aposenta, por invalidez, uma pessoa que tenha adquirido uma<br />

deficiência.<br />

Um indivíduo que experimenta a condição de deficiente sabe bem o que é sentir o<br />

peso da desvalorização da sociedade. Agregando-se a esse sentimento, recai sobre ele o rótulo<br />

de inválido. Não há auto estima que permaneça elevada.<br />

Quer-se acreditar, de fato, que uma pessoa deficiente é capaz, mas ao mesmo tempo<br />

são necessários instrumentos legais que garantam o direito a estas pessoas para demonstrarem<br />

sua capacidade, seu valor. Ora, isso é, no mínimo, contraditório.<br />

Prosseguindo com a análise, alguns autores como Sassaki (2003), Oliveira et al.<br />

(2004) e Quintão (2005) criticam com veemência algumas expressões que, longe de<br />

contribuírem para a atenuação do estigma desta população, só alimenta atitudes de<br />

121


afastamento por parte daqueles que conseguem se enquadrar nos modelos vigentes e aceitos<br />

pelo grupo dominante.<br />

Como exemplo, tem-se a expressão “portador de deficiência”. Ao que parece, esta<br />

expressão é no mínimo contraditória, pois se alguém “porta” alguma coisa, dá a idéia de<br />

posse. Se estivermos falando de pessoas onde alguma função ou parte do corpo não está<br />

presente, encontramos aí um conflito.<br />

Por vezes, também ampliamos o hiato que existe entre os deficientes e demais<br />

membros da sociedade dominante, quando dizemos que alguém é portador de deficiência.<br />

Esta expressão, muito usada na área da saúde, passa a idéia de doença, uma vez que ser<br />

portador remete à idéia de doença contagiosa (tal pessoa é portadora do Mal de chagas... etc) e<br />

isso fortalece a noção de propagação de algum mal na comunidade.<br />

Como esperar que alguém se aproxime de indivíduos portadores desta ou daquela<br />

deficiência, sem se proteger devidamente para que não seja “contaminado” por aquele sujeito<br />

“impuro”? Ou ainda, como esperar que alguém, simplesmente se aproxime?<br />

E, por último, a deficiência não é algo que se porta, assim como portamos nossa<br />

carteira de identidade ou uma bolsa, por exemplo, e que podemos simplesmente descartar,<br />

deixar em cima da mesa.<br />

Como se pode perceber, existem vários fatores que interferem negativamente na<br />

inclusão do indivíduo deficiente na comunidade e, conseqüentemente, no mercado de trabalho<br />

e, também, na sua permanência no contexto ocupacional, dado o olhar de descrédito lançado<br />

por parte dos ditos normais em relação ao seu desempenho.<br />

E assim caminhamos, numa via paralela aos deficientes, com poucos pontos de<br />

interseção. Desta forma, toda a possibilidade de crescimento e de ampliação de visão e<br />

horizontes, que é inerente às situações onde a diversidade e pluralidade são admitidas, acaba<br />

122


sendo abortada logo num primeiro momento quando, ao perceber a deficiência, o indivíduo<br />

“normal” se afasta e rechaça o contato com o deficiente.<br />

Esse tipo de comportamento não causa surpresa, uma vez que vivemos em uma<br />

sociedade marcada profundamente pela estética, pela cobrança de produção, pela rapidez,<br />

eficiência e geração de resultados em curtos espaços de tempo. Sociedade essa que tem<br />

dificuldades de comportar pessoas com limitações tão visíveis, como é o caso da deficiência<br />

motora que obriga o indivíduo com dificuldades motoras sérias, ao uso da cadeira de rodas.<br />

4.3.3 A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania<br />

Esta subcategoria revelou que as características comportamentais apresentadas pelo<br />

cadeirante são aquilo que, na visão do entrevistado, mais chamaria a atenção dos seus colegas<br />

andantes em relação ao colega com deficiência motora, como pode ser percebido nos relatos:<br />

123<br />

“O que chama a atenção é a força de vontade que eles têm de trabalhar...ele tá<br />

sempre superando desafios... parece que ele até procura as coisas mais<br />

complicadas pra ele fazer.” (5)<br />

“Ele tem uma gana de viver incrível, ele busca sempre estar inserido nas coisas<br />

independente do seu problema. Acho que é isso que chama mais a minha atenção,<br />

sabe... eu fico impressionada.” (10)<br />

“Ahhhh... é um vitorioso, porque pra fazer o que eles fazem... às vezes a gente<br />

acorda... perfeito, com um clima de assim, de desânimo e vê eles, pôxa,<br />

acordando animado pra poder “vim” trabalhar. Até dá mais ânimo pra gente<br />

continuar aqui. Se ele, que tem uma certa deficiência tá num pique legal, por que<br />

nós que somos perfeitos não vamos estar também?” (16)<br />

Os depoimentos apontam o comportamento positivo dos cadeirantes bem como a<br />

superação de obstáculos como sendo os traços que, aos olhos dos entrevistados, mais chama<br />

atenção no ambiente ocupacional.<br />

As falas ressaltaram a força de vontade dos PPDs, a energia com que enfrentam as<br />

adversidades, a disposição e o ânimo para o trabalho. Não fazem alusão direta à cadeira de<br />

rodas; a deficiência fica em segundo plano, sem ocupar lugar de destaque.


Numa primeira leitura, pode-se imaginar que esta percepção revelada pelos sujeitos,<br />

onde o trabalhador cadeirante é um exemplo a ser imitado, é algo bastante positivo. No<br />

entanto, parafraseando um ditado popular que diz: “uma folha de papel, por mais fina que seja<br />

sempre apresenta dois lados”, estas falas não podem ser analisadas apenas por um aspecto.<br />

É claro que uma atitude positiva diante da vida, dos obstáculos e desafios é uma<br />

característica desejável para qualquer pessoa, independente dela experenciar limitações<br />

sensoriais ou motoras mais severas ou não.<br />

Particularmente, na população deficiente, esse traço ganha mais relevo, pois, como<br />

Goffman (1988) já observou em suas obras, o deficiente para lidar com sua situação de<br />

estigmatizado lança mão de estratégias comportamentais distintas. Uma delas é denominada<br />

“correção indireta”. Segundo o autor (op. cit., p.19):<br />

124<br />

O indivíduo estigmatizado pode, também, tentar corrigir a sua condição de<br />

maneira indireta, dedicando um grande esforço individual ao domínio de<br />

áreas de atividades consideradas, geralmente, como fechadas por motivos<br />

físicos e circunstanciais à pessoas com o seu defeito. Isso é ilustrado pelo<br />

aleijado que aprende ou reaprende a nadar, montar, jogar tênis [...].<br />

Este tipo de comportamento é até esperado, mas nem sempre tem desdobramentos<br />

positivos. Um dos sujeitos entrevistados revelou, por exemplo, que certo dia o colega<br />

cadeirante perdeu a condução que o levaria até o trabalho. Diante disso, ele percorreu, na sua<br />

cadeira de rodas, uma distância incrível de seu domicílio até o trabalho, chegando lá com suas<br />

mãos sangrando. Segundo a interpretação do sujeito entrevistado, ele fez isso para colocar à<br />

prova seus próprios limites e mostrar aos demais que ele é tão capaz quanto os outros.<br />

Tal comportamento também pode ser entendido pelo fato de vivermos numa sociedade<br />

organizada pela ênfase do mercado competitivo e do consumo. A posição ocupada pelos<br />

indivíduos em relação ao processo produtivo determina quase que, sumariamente, todas as<br />

outras dimensões de sua existência <strong>–</strong> produz para si e o coletivo sua identidade.


O acesso ao emprego, ao salário é imprescindível porque, ainda que não de direito mas<br />

de fato, constitui-se na chave de acesso aos direitos básicos da cidadania como alimentação,<br />

saúde, moradia, educação, lazer e todo o resto.<br />

De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de<br />

Deficiência (IBDD, 2004, p. 63), “considerando que ser visto como eficiente é o diferencial<br />

competitivo que pode conduzir a vitórias neste contexto de competitividade, ser deficiente<br />

pode ser a marca indelével da incapacidade e até mesmo da impossibilidade de se enquadrar<br />

aos padrões de desempenho desejados”.<br />

Parece que ao buscar ultrapassar os impedimentos e barreiras do dia-a-dia, seja no<br />

trabalho ou na vida em comunidade, o deficiente busca se aproximar do modelo de<br />

normalidade que lhe é imposto pela maioria dominante para que, assim, a sensação de<br />

exclusão não ganhe terreno.<br />

Por outro lado, antes de louvar cegamente a atitude heróica do cadeirante, há que<br />

pensar no impacto desta atitude e da sua postura nos demais colegas de trabalho e ainda, até<br />

que ponto essa postura de “trabalhador padrão” é desejável e incentivada pelos empregadores.<br />

Vasconcelos (2005) ressalta em seu estudo que a figura do “trabalhador padrão” vem<br />

sendo utilizada, desde a formação do capitalismo, como forma de controle e aumento da<br />

produtividade. Desde a formação do capitalismo são elaborados mecanismos de controle do<br />

trabalhador para materialização da subjugação do trabalho ao capital.<br />

No início do século passado, os mecanismos de controle chegaram ao auge e os<br />

industriais utilizavam todas as formas para exaltar o “bom trabalhador”, aquele que dedicava<br />

todas as suas energias ao trabalho, evitando excessos em relação aos seus afetos e prazeres.<br />

De acordo com Vasconcelos (2005, p. 160), “é interessante observar que se uma<br />

pessoa com deficiência tem boa produtividade no trabalho, termina cumprindo esta função<br />

simbólica do ‘bom trabalhador’”. Tal postura também pode encontrar raízes no fato de que as<br />

125


pessoas com deficiência, por terem poucas chances, se apegam ao trabalho com muito mais<br />

abnegação e compromisso.<br />

Os depoimentos enfatizam o bom relacionamento e o bom desempenho que os colegas<br />

deficientes têm no trabalho. Embora considerem a deficiência um “problema”, os andantes<br />

destacam que os colegas cadeirantes são um exemplo para os demais por conta do seu esforço<br />

de superação.<br />

Então, aquele sujeito deficiente, tido pelos colegas como fora da norma, desviante,<br />

assume aqui uma função de modelo <strong>–</strong> algo a ser seguido e imitado: ele é admirado e sua<br />

postura é desejável pelos demais. Parece ser mais uma contradição.<br />

Fugindo um pouco do eixo desta pesquisa, apesar de não ser objeto deste estudo, a<br />

questão das doenças ocupacionais e os deficientes merece relevo.<br />

Pelo empenho com que estes indivíduos habitualmente desenvolvem seu trabalho e,<br />

considerando que nossa sociedade não está preparada para acolher com adequação e respeito<br />

às diferenças àqueles que apresentam alguma deficiência seja ela motora ou sensorial, o<br />

deficiente pode ter sua incapacidade ou lesão ampliadas, já que dividirão as mesmas<br />

condições e riscos à saúde, inerentes ao ambiente ocupacional, enfrentados pelos demais<br />

trabalhadores.<br />

Isto posto, vem uma indagação: onde está a deficiência? No indivíduo ou na sociedade<br />

que ainda se encontra despreparada para a inclusão? Caberia aos profissionais de saúde,<br />

engajados e preocupados com a saúde do trabalhador, enveredar por este caminho ainda tão<br />

pouco explorado.<br />

Se a proposta de inclusão ganhar mais força, como realmente se deseja, muitos<br />

problemas na esfera das doenças ocupacionais aparecerão, uma vez que haverá um<br />

incremento do número de deficientes no mercado de trabalho.<br />

126


Há que se pensar que a incorporação de pessoas com deficiência no trabalho exige um<br />

conjunto de medidas que freqüentemente não são adotadas. Por isso, o que deveria ser fonte<br />

de sentimento de pertença ao grupo, de inclusão, resultando na elevação da auto-estima, pode<br />

resultar em sofrimento.<br />

Voltando à análise, há que se reconhecer o empenho dos deficientes em superar com<br />

êxito os desafios em exercer seu papel de cidadão na sociedade.<br />

Todavia, devemos observar com cautela este tipo de hiper-valorização do desempenho<br />

profissional pelo deficiente, não só porque pode ser uma estratégia do empregador para<br />

controlar os demais membros da equipe de trabalho, mas também porque esta dedicação sem<br />

medida pode expor, além dos limites aceitáveis, este deficiente aos riscos ocupacionais num<br />

ambiente que, na maioria das vezes, não está adaptado nem fisicamente, nem em seu processo<br />

de trabalho, para receber um trabalhador deficiente. Isso porque o que se vê no contexto<br />

ocupacional é um tratamento de igualdade aos desiguais.<br />

Oliveira e Campos (2005) observam que o conceito de que os desiguais devem ser<br />

tratados desigualmente, essencial no princípio da igualdade, é de difícil assimilação no<br />

cotidiano. Ou seja, tratá-los da mesma forma e impor-lhes as mesmas exigências a que estão<br />

submetidos o grupo maior, seria negar sua condição de singularidade, sua deficiência que<br />

merece ser tratada de maneira diferente, uma vez que eles têm necessidades diferentes.<br />

Isso, dentro do contexto ocupacional, pode gerar conflitos, uma vez que tal<br />

reconhecimento das diferenças e adaptação do processo de trabalho para garantir o acesso e<br />

permanência do deficiente no mercado pode ser confundido com medidas de proteção ao<br />

deficiente que se beneficiaria da sua condição para ganhos na profissão ou para vantagens.<br />

127


4.4 O Trabalho do Cadeirante sob a Ótica dos Trabalhadores Andantes<br />

Esta categoria, assim como as antecedentes, mereceu desdobramentos para melhor se<br />

proceder à sua análise.<br />

Temos, desta forma, as seguintes subcategorias:<br />

4.4.1- Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante;<br />

4.4.2 - A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho.<br />

Antes de enveredar na análise propriamente dita desta categoria que emergiu da<br />

entrevista quando foi solicitado para que o respondente falasse sobre a qualidade do trabalho<br />

que seu colega cadeirante realiza, cabe pontuar brevemente o conceito de trabalho trazido<br />

por Albornoz (2004).<br />

Segundo essa autora, a palavra trabalho assume muitos significados na linguagem<br />

cotidiana. Pode vir carregada de emoção, dor, fadiga ou designando a operação humana de<br />

transformação da matéria natural em objeto de cultura.<br />

Em português, como em quase todas as línguas da cultura européia, a palavra trabalho<br />

assume várias significações dependendo da área e do assunto onde se pretende abordá-lo. No<br />

entanto, interessa particularmente expandir sua conceituação (entendimento) para a questão da<br />

relevância do trabalho como ferramenta de sobrevivência, como forma de mostrar e legitimar<br />

a posição do indivíduo dentro do contexto social.<br />

Conforme Albornoz (2004, p.64),<br />

128<br />

um homem só satisfaz seu desejo, suas carências humanas, quando outro homem,<br />

seu igual, lhe reconhece o seu valor humano. O homem só pode manter-se humano<br />

na relação com outros homens. A essência humana não pode manifestar-se no<br />

indivíduo isolado. O indivíduo só é propriamente indivíduo e indivíduo humano,<br />

quando em comunidade. E quando faz uso do instrumento, o trabalho que<br />

desenvolve e o que produz, lhe geram um reconhecimento de outrem como<br />

indivíduo humano.<br />

Quer-se, portanto, salientar a relevância que o trabalho assume na vida de qualquer ser<br />

humano e ainda mostrar que a percepção do outro em relação ao produto do seu esforço é<br />

fundamental para que qualquer indivíduo se sinta acolhido, incluso no meio social onde vive.


Feito este intróito, iniciemos a análise das subcategorias.<br />

4.4.1 Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante<br />

Identificou-se, através de alguns relatos, que o trabalho do colega cadeirante aos olhos<br />

dos andantes pode ser traduzido como deficiente eficiente.<br />

Aqui, os relatos mostraram aspectos positivos e outros nem tanto sobre esta questão.<br />

Como aspectos positivos, destaca-se: o reconhecimento do trabalho desempenhado pelo<br />

cadeirante; o fato de a deficiência não ocupar a tônica no processo de trabalho nem nas<br />

relações de trabalho; e o acolhimento das diferenças por parte dos trabalhadores andantes<br />

como características do ser humano, que é singular por natureza.<br />

Já com relação aos aspectos negativos, destacam-se: a interferência contraproducente<br />

no processo de trabalho pelo desempenho do cadeirante; a visão preconceituosa sobre o<br />

trabalho desempenhado pelo deficiente, que subestima sua capacidade produtiva; e ainda a<br />

idéia pouco esclarecida de que para haver inclusão social com justiça, há que se tratar os<br />

deficientes como os demais.<br />

Com relação ao reconhecimento da capacidade criativa e produtiva dos deficientes, a<br />

maioria dos depoimentos foi enfática ao afirmar que o processo de trabalho não se alterou<br />

com a chegada do cadeirante no ambiente ocupacional. Além disso, afirmaram que a relação<br />

de trabalho entre os colegas andantes e cadeirantes foi construída com respeito e se dá em<br />

bases iguais.<br />

E ainda que a deficiência do colega, apesar de ser fator limitante para a realização de<br />

algumas atividades, não se configura em obstáculo para que o cadeirante assuma seu lugar<br />

como trabalhador, nem como entrave nas relações sociais. Pelo observado, a deficiência<br />

motora não reflete negativamente na qualidade do seu trabalho, conforme se constata nestas<br />

falas:<br />

129


130<br />

“O trabalho dele é excelente, é só ver pelos prêmios que ele ganhou... é muito<br />

competente.” (23)<br />

“O trabalho dela eu classificaria como ótimo [...] eu vejo ela debatendo com os<br />

colegas advogados aqui de igual para igual.” (15)<br />

“[...]. Ele faz o que eu faço, lógico com algumas limitações né? Não tem como<br />

subir numa escada nem como pegar uma coisa num lugar muito alto... tem as<br />

limitações que todo deficiente tem... aliás, quem não tem limitações?” (26)<br />

“O trabalho dele não é afetado, não... ele faz as coisas normalmente, Na minha<br />

percepção, ele é mais um daqui do meio.” (7)<br />

“O trabalho dele é muito bom. Ele é bem entrosado com toda a equipe da agência.<br />

É normal...trabalho normal [...].” ( 23)<br />

Os depoimentos reconhecem que existe uma deficiência, mas que esta não chega a<br />

prejudicar a consecução do processo de trabalho. Os sujeitos entrevistados reconhecem e<br />

respeitam a diferença, a singularidade e foram uníssonos na questão da qualidade do trabalho<br />

desenvolvido pelo cadeirante.<br />

Este reconhecimento, que advém do mérito e não da compaixão, só vem a acrescentar<br />

positivamente na relação entre os colegas e fortalece a auto-estima do trabalhador deficiente.<br />

Estar no mercado de trabalho implica, para qualquer indivíduo, na sensação de pertencer ao<br />

grupo, de ser produtivo, de participar ativamente da vida em sociedade.<br />

Correr (2003, p.41), citando o resultado de uma pesquisa que investigou a qualidade<br />

de vida de indivíduos portadores de severos distúrbios mentais, também colabora para ilustrar<br />

esta questão:<br />

[...] sujeitos apoiados e incluídos em ambiente de trabalho, apresentaram uma<br />

melhora considerável na qualidade de vida e, conseqüentemente, uma melhora<br />

perceptível no desenvolvimento pessoal, constatado a partir do aumento das<br />

relações sociais, das amizades, das chances de se manter no emprego, em<br />

comparação com indivíduos que não estavam colocados no mercado de trabalho.<br />

Cabe ressaltar que a questão do reconhecimento do trabalho realizado é imprescindível<br />

para qualquer ser humano (ALBOR<strong>NO</strong>Z, 2004), seja ele deficiente ou não.


Aliás, alguns deficientes se queixam da forma como as pessoas se reportam ao<br />

trabalho por eles realizado. Eles dizem se sentir como um animal de circo que consegue<br />

realizar uma proeza, quase uma mágica.<br />

Oliveira e Campos (2005) traduzem bem este ponto ao se reportar àqueles indivíduos<br />

que buscam na arte, a superação da deficiência. Segundo este autor, o reconhecimento da arte<br />

produzida pelo deficiente é marcado por um paradoxo. Ainda que ele queira que seu trabalho<br />

seja reconhecido como arte, sem levar em conta sua deficiência, a sociedade, quando valoriza<br />

determinado produto artístico, muitas vezes, o faz precisamente por ser feito por uma pessoa<br />

de quem não se esperava produção alguma.<br />

Os autores ressaltam ainda que (op cit, p.89) “a exaltação exagerada do deficiente em<br />

nada o auxilia. Ao contrário, costuma prejudicá-lo [...]”.<br />

Tais comportamentos equivocados, carregados de preconceito são produto do<br />

isolamento social que resulta na invisibilidade da população deficiente. Desta forma, a<br />

população em geral, privada deste contato, não tem como conhecer as possibilidades que<br />

advém do relacionamento com qualquer pessoa deficiente.<br />

A inserção destes indivíduos no mercado de trabalho, além de proporcionar a<br />

autonomia e dignidade existencial próprias do cidadão, vem quebrar essa cerca que isola os<br />

deficientes do restante do grupo social.<br />

Ainda sobre a subcategoria deficiente eficiente, será abordado o primeiro aspecto<br />

negativo percebido nos discursos.<br />

Foram detectados em outras falas, elementos que se contrapõem aos relatos anteriores<br />

e que revelam que nem sempre a visão acolhedora e de solidariedade, por parte dos indivíduos<br />

andantes, em relação ao trabalho do indivíduo deficiente é a tônica no dia-a-dia dos<br />

cadeirantes como se pode constatar a seguir.<br />

131


De acordo com os depoimentos, os trabalhadores andantes consideram que o processo<br />

de trabalho sofre algum tipo de prejuízo em função do ritmo do colega cadeirante.<br />

132<br />

“[...] ele tem o ritmo dele né... mais devagar e tal, mas o que ele faz não tem<br />

reclamação não... as pernas dele são aquelas rodas... ele é um andante.” (18)<br />

“Tem coisas que a gente fica dependente dele pra dar continuidade, aí, sabe como<br />

é... atrasa um pouco, mas a gente resolve e fica tudo bem.” (16)<br />

“É... a gente sabe que o trabalho que ela faz é muito bom. Só há um pouco de<br />

morosidade por causa dos dedinhos dela que são meio tortinhos... aí pra digitar os<br />

processos ela é meio lenta, sabe. Tem que ter paciência.” (23)<br />

Como já amplamente discutido desde o início deste capítulo, vivemos numa sociedade<br />

do consumo exagerado, da produção de resultados e do lucro. Morosidade e sociedade<br />

contemporânea são palavras que não encontram mais ponto de intersecção. Talvez, por isso,<br />

ainda encontremos tanta resistência à contratação de indivíduos deficientes para o mercado de<br />

trabalho.<br />

Pelas décadas de segregação e isolamento social, é compreensível que paire no senso<br />

comum a idéia (obtusa) de que os indivíduos deficientes são criaturas inválidas, incapazes de<br />

tomar decisões e de dirigir suas próprias vidas.<br />

Guardando os casos de deficiências mentais mais profundas e graves, onde a pessoa é<br />

integralmente dependente de outra para o desempenho das atividades mais simples e<br />

corriqueiras, como higiene pessoal, vestir-se, alimentar-se, os indivíduos deficientes são<br />

produtivos, inteligentes e, acima de tudo, são pessoas que merecem ser tratadas com<br />

dignidade.<br />

Para d’Amaral (in IBDD, 2004. p. 33),<br />

[...] a comunicação é a base da consciência da sociedade, base para a prática da<br />

democracia. Onde há ausência de comunicação entre indivíduos, segmentos,<br />

hierarquias, grupos, assuntos, não há desenvolvimento das trocas sociais, não há<br />

reivindicações, intercâmbio e integração, não acontece a cidadania.<br />

Pela lacuna que sempre houve na relação entre os deficientes e os demais membros da<br />

sociedade, é que continuamos a viver num mar de preconceitos que os distanciam da inclusão


social. Parece, então, que o prisma pelo qual perpassa a questão do trabalhador deficiente no<br />

contexto ocupacional para alguns sujeitos entrevistados é o da tolerância e não o da<br />

compreensão.<br />

Quando dizemos que toleramos alguma situação ou alguém, estamos implicitamente<br />

afirmando que a outra pessoa ou situação nos ofendeu ou nos causou algum prejuízo, uma vez<br />

que tolerar, do Latim Tolerare, significa deixar passar, desculpar, suportar, agüentar, ser<br />

indulgente (LAHIRIHOY et al., 2007). Tal atitude remete imediatamente a idéia de que<br />

aqueles que toleram são, ou estão numa condição de superioridade em relação aos tolerados.<br />

No caso de nossos depoentes, os relatos indicam uma posição preconceituosa para<br />

com os colegas cadeirantes.<br />

Não se pode conceber a inclusão social sem que haja respeito e acolhimento às<br />

diferenças. Contudo, sabe-se que não se pode obrigar o indivíduo a acolher, gostar de um<br />

deficiente através de medidas jurídicas. Uma sociedade só conquistará tal avanço se<br />

compreender que é na diversidade e pluralidade que crescemos. E isso leva tempo.<br />

Prosseguindo a análise, os seguintes relatos mostram o segundo aspecto estigmatizante<br />

ao afirmarem que o trabalho desempenhado pelos cadeirantes supera a expectativa dos<br />

colegas andantes.<br />

“Ah, muito legal. Ele até adianta a gente ás vezes. É um bom trabalho, igual ao<br />

de todos nós.” (1)<br />

133<br />

“Nota 10!!!! Eu não sabia que uma pessoa deficiente podia ser capaz de tanta<br />

coisa.” (2)<br />

“Em termos de qualidade, eu avalio o trabalho dele como um dos melhores que<br />

tem aqui. É o seguinte, hoje mesmo eu falei que se tivesse “dois Mários” neste<br />

posto, este posto vendia até mais. O Mário inclusive ganhou um prêmio de<br />

melhor atendimento. Então o trabalho que ele faz é perfeito. Queria mais um<br />

igual a ele pra trabalhar comigo aqui.” (4)<br />

“Um trabalho bacana, um trabalho competente, bem legal. Ele colabora... o que a<br />

gente pedir pra ele, ele colabora, ajuda e tal... nunca atrapalhou não.” (6)


Chama a atenção que estes relatos parecem assumir, sem perceber, um olhar<br />

estigmatizante em relação ao paraplégico, como mais este:<br />

134<br />

“O trabalho dele me ajuda muito. Quando eu solicito a ajuda do André pra<br />

alguma coisa ele pode até demorar, coisa e tal, mas eu não reclamo disso.<br />

Trabalhar com ele não me prejudica em nada.” (10)<br />

Quando este sujeito fala que o trabalho do cadeirante pode até admitir alguma demora,<br />

que não prejudica a produção do trabalhador andante, ou ainda quando o andante afirma que o<br />

trabalho do cadeirante pode ser comparado ao de um trabalhador “normal”, pode-se fazer uma<br />

leitura de que a “regra” seria esperar um desempenho profissional do deficiente cadeirante<br />

aquém daquilo que normalmente se esperaria de outros trabalhadores sem deficiência motora.<br />

Para Marques (1998, p.4), esta regra parece verdadeira, pois “[...] é forte a concepção<br />

de que o deficiente não pode desempenhar, com sucesso, as atividades profissionais<br />

desempenhadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade de trabalho dada a ele<br />

representa sempre uma caridade por parte do empregador”. Mais uma vez fica patente a<br />

noção de que a sociedade, em geral, se relaciona com o rótulo e não com a pessoa.<br />

Como vivemos numa civilização, cujo fundamento é a eficácia, a capacidade de<br />

produzir efeitos assume lugar de destaque; tudo então é medido em função dessa capacidade.<br />

A natureza humana e a singularidade se diluem e não têm, a rigor, valor algum. O que<br />

vale é uma medida externa que mostra a quantidade de efeitos que uma pessoa, ou uma<br />

instituição é capaz de produzir. Caso ela não consiga produzir tais efeitos esperados que estão<br />

na média, ela é chamada de deficiente, já que vivemos na era da eficiência, que é a civilização<br />

industrial.<br />

De acordo com d´Amaral (in IBDD, 2004, p. 14, 15), esse sentido negativo e<br />

freqüentemente pejorativo da palavra “deficiente” existe há aproximadamente trezentos anos.<br />

O prefixo “de” tem uma acepção inteiramente negativa e exemplifica:<br />

[...] derrota - perda do caminho, perda da rota; deportado - ter sido mandado<br />

embora do porto; desestruturado - não estruturado; deficiente - não eficiente. O<br />

prefixo “de” nesse caso, tem o sentido de “não”, portanto uma negação da própria


135<br />

essência da pessoa como pessoa, porque ela está sendo avaliada por algo que não é<br />

pessoal, que pertence a uma média que tem a ver com a produção de efeitos.<br />

Interessante notar que a história nem sempre se reportou aos deficientes em tom<br />

depreciativo. Segundo esta autora, os pais fundadores da nossa cultura atual, tanto do lado<br />

grego como do lado judaico cristão, são deficientes. Continua ela, lembrando que o fundador<br />

da cultura grega para nós é Homero. Homero era cego e, no entanto, ninguém pensa em se<br />

referir a ele como “Homero, o ceguinho”.<br />

Por vezes, fazemos isso ao nos referirmos ao ceguinho da nossa comunidade que pode<br />

ter habilidades incríveis, mas notemos bem, nos referimos a ele pela sua marca, pelo rótulo,<br />

não pelas suas virtudes.<br />

Homero era um grande poeta, o maior poeta de todos os tempos assim se diz, mas o<br />

fato de ser cego não é significativo. Era um fato e pronto.<br />

Na tragédia de Édipo, há uma personagem que é um adivinho sábio: Tirésias, também<br />

cego. E o que quer dizer a palavra adivinhar? Vem do Latim divinare.<br />

O adivinho é aquele que tem dom divino de se pôr próximo do divino e, portanto, de<br />

saber o que os humanos comuns não sabem. É a deficiência de Tirésias que o faz ser esta<br />

pessoa marcada positivamente e não a pessoa excluída que hoje seria.<br />

Pelo lado judaico, temos a Bíblia com a narrativa de Jacó que era coxo. Este último foi<br />

fundador da tradição ocidental assim como Homero foi da tradição grega e que, juntos,<br />

formaram nossa civilização.<br />

Estes dois deficientes são os pais-fundadores da cultura que hoje, trata o deficiente<br />

como alguém menos humano, nem por isso mais divino, alguém a ser excluído a ser mantido<br />

à margem da sociedade, sem cidadania, uma vez que a diferença é vista como sinal negativo e<br />

não afirmativo.<br />

Retornando à análise, pode-se inferir que, apesar de os depoimentos que revelaram um<br />

traço estigmatizante terem sido menores numericamente falando, há que se pensar na


propagação destas idéias enviesadas reveladas e no desdobramento negativo destas falas nos<br />

grupos onde estão inseridos, perpetuando as lendas e conduzindo a erros de julgamento sobre<br />

a população deficiente.<br />

Desta forma, toda discussão que se faça sobre o tema é válida, no sentido do<br />

esclarecimento e da desconstrução de mitos e preconceitos que rondam o mundo da pessoa<br />

deficiente.<br />

Destacando o terceiro aspecto pouco positivo encontrado nas falas, tem-se a questão<br />

do tratamento igualitário dos deficientes para a inclusão social.<br />

Os depoimentos, indiretamente, apontam para o fato de que os colegas cadeirantes<br />

estão incorporados no contexto ocupacional, porque são tratados como iguais.<br />

136<br />

“[...] A qualidade, a presteza, tá tudo no mesmo nível dos outros aqui. E o<br />

deficiente aqui é tratado como uma pessoa igual às outras.” (12)<br />

“Ninguém é poupado do trabalho, entendeu, não há sobrecarga pra ninguém,<br />

mas também ninguém passa a mão na cabeça. Eu costumo dizer aqui que a<br />

injustiça é para todos (risos).” (14)<br />

“[...] o trabalho é igual pra todo mundo, não tem diferenciação.” (7)<br />

A Constituição Federal de 1988, em art. 5º, é clara:<br />

“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,<br />

garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à<br />

vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 2002, p. 15).<br />

Assim, pode-se perceber a preocupação legislativa em dirimir as espécies de<br />

discriminação, seja ela qual for a natureza. Todavia, uma leitura menos comprometida pode<br />

nos fazer acreditar, ao interpretar literalmente esta norma, que devemos tratar igualmente a<br />

todos.<br />

Aristóteles (384<strong>–</strong>322 a.C.) filósofo grego, citado por Lofy (2005) em sua mais<br />

importante obra sobre a Ética, já afirmava que se as pessoas não são iguais, não receberão


coisas iguais. Tal filósofo nada mais quer dizer que devemos tratar os desiguais de forma<br />

diferenciada para que possamos, enfim, alcançar a almejada isonomia.<br />

Da mesma forma, disse Rui Barbosa em seu discurso Oração aos Moços, quando<br />

paraninfo da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920:<br />

137<br />

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na<br />

medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à<br />

desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com<br />

desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e<br />

não igualdade real. (BARBOSA, 2003, p.19)<br />

Assim, entende-se que o Princípio de Igualdade, mais que uma expressão do Direito, é<br />

uma maneira digna de se viver em sociedade, onde visa num primeiro momento “propiciar<br />

garantia individual” e num segundo “tolher favoritismos” (MELLO, 1984, p.23).<br />

O que se quer chamar a atenção aqui é sobre as condições de acessibilidade, emprego,<br />

e garantia de direitos que nossa sociedade oferece à população deficiente, uma vez que os<br />

relatos apontam para uma cobrança desta última, em pé de igualdade, da mesma produção a<br />

que está sujeita aquela parcela de empregados sem deficiência motora ou qualquer outra<br />

condição de desvantagem.<br />

O que se tem é uma população deficiente que vive numa sociedade incapacitante.<br />

Desta forma, nada mais justo do que se adequar os meios necessários para que esta população<br />

se empregue e trabalhe, fazendo parte da parcela economicamente produtiva da sociedade.<br />

Não foi objeto deste estudo investigar as condições de trabalho a que está exposta a<br />

pessoa deficiente - acessibilidade, doenças ocupacionais, etc. No entanto, as falas nos<br />

remetem a esta reflexão.<br />

Quais sacrifícios um indivíduo em cadeira de rodas deve ter que se submeter para<br />

chegar pontualmente no trabalho se não existem ônibus ou outros meios alternativos de<br />

transporte adaptados em nossa cidade em quantidade e rotas suficientes para atender à<br />

demanda de quem precisa deles?


Como esperar que desenvolvam seu trabalho com tranqüilidade e qualidade se no<br />

ambiente onde trabalham não há adaptação em banheiros, acessos aos elevadores, restaurantes<br />

ou refeitórios adaptados às necessidades deles?<br />

Nem mesmo as estações de trabalho são ergonomicamente projetadas pensando no<br />

conforto de qualquer pessoa que lá venha a trabalhar, independente de ser deficiente ou não.<br />

Desta forma, é premente esclarecer à sociedade em geral que, ser justo com a<br />

população deficiente, ou fazê-los sentir mais inseridos na sociedade não é submetê-los às<br />

mesmas condições que a maioria dominante. São pessoas com características diferentes e<br />

necessidades singulares.<br />

Para incluí-los, de acordo com o novo paradigma, é necessário inspirar a sociedade<br />

para fazer modificações estruturais e conjunturais nos seus sistemas gerais ou comuns a fim<br />

de que qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, possa exercer seus direitos e deveres<br />

dentro da comunidade.<br />

Assim, cada vez mais, a comunidade tornar-se-ia acessível, sem barreiras atitudinais,<br />

arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais ou programáticas (BAHIA,<br />

2006).<br />

Construir uma sociedade inclusiva não significa negar as desigualdades, nem imaginar<br />

ingenuamente uma sociedade harmoniosa. Inclusão não significa homogeneização da<br />

sociedade. A igualdade total se torna insuportável e alienante por negar as diferenças<br />

constitutivas do sujeito e o convívio social só é possível pela aceitação e respeito à diferença.<br />

4.4.2 A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho<br />

Esta subcategoria surgiu diante de relatos que mostraram haver uma relação direta do preparo<br />

do cadeirante e seu desempenho profissional não só sob o aspecto técnico, mas também como<br />

reflexo de um tratamento de reabilitação e do suporte familiar.<br />

138


139<br />

“Ele sofreu o acidente com 12 anos, por bala perdida no estádio e ele já me disse<br />

que a família dele foi super presente na época. Isso fortaleceu ele, sabe, pra<br />

enfrentar o mundo cá fora.[...] Hoje ele é o melhor gerente empresarial dos<br />

escritórios do Rio de Janeiro.” (21)<br />

“Ela tem uma cultura jurídica muito boa, ela faz pós graduação inclusive. Mas<br />

isso foi porque a família dela nunca fez da deficiência dela um problema. Ela<br />

sempre foi estimulada a estudar[...].” (23)<br />

“Ele tem um enorme conhecimento na área que ele trabalha. Tá sempre se<br />

atualizando. [...]. Acho que essa forma descolada dele atuar aqui com a gente é<br />

porque ele fez um tratamento de reabilitação muito bom, de qualidade. Então<br />

ele não sente dificuldade, ele foi preparado pra brigar como qualquer pessoa pelo<br />

seu lugar ao sol.” (10)<br />

A presença da família e o tratamento de reabilitação são apontados nas falas como<br />

fatores que instrumentalizaram seus colegas deficientes para o mercado de trabalho.<br />

Alves (2003) comenta sobre este ponto afirmando que tanto a família quanto o<br />

profissional de reabilitação devem andar juntos, no sentido de somar esforços para o bem<br />

comum da pessoa com deficiência. Segundo a autora (op. cit., p. 28),<br />

é de fundamental importância o trabalho conjunto entre a família e<br />

profissionais da área da reabilitação e também haverá sempre a necessidade<br />

que essa família esteja presente em todos os momentos. A presença dela<br />

ajudará muito na progressão, pois muitas vezes a família é o gancho que o<br />

profissional precisa para começar e poder terminar.<br />

Sobre isso, Vash (1988, p. 66) assinala: “o empreendimento da reabilitação pode ser<br />

facilitado ou dificultado pelas atitudes ou comportamentos da família dentro da qual vive a<br />

pessoa deficiente. [...] A família não somente afeta o empreendimento reabilitação, como<br />

também é parte integral dele”.<br />

Marques (1998) comenta que a existência de um elevado número de pessoas com<br />

deficiência nos remete ao mundo da socialização, pautada pela tradição cultural da ovação ao<br />

belo, onde o corpo submete-se às repressões preconceituosas das normas sociais, mundo esse<br />

que se apóia na falsa crença de que uma nação representada por corpos saudáveis, atléticos, é<br />

de fato uma nação desenvolvida.


Diante dessa cobrança absurda da sociedade, a autora afirma que interagir com o meio<br />

social requer do ser com deficiência uma reação de ajustamento à perda, às barreiras<br />

atitudinais e físicas com que se depara no cotidiano.<br />

E, reforçando a importância do papel da família no processo de socialização do<br />

indivíduo que o fortalecerá para a vida, a autora assinala que o desenvolvimento histórico e<br />

social do homem se processa em duas etapas básicas: a socialização primária e a secundária.<br />

140<br />

A primária se realiza no seio da família, através da transmissão de um código, de<br />

uma linguagem de papéis culturalmente elaborados. [...] Já a socialização<br />

secundária corresponde à habilitação em funções específicas, direta ou<br />

indiretamente relacionadas com a utilização do conhecimento no campo<br />

institucional, de conformidade com as exigências da divisão social do trabalho.<br />

(Op. cit., p. 22)<br />

Se o papel da família na vida de um indivíduo deficiente é fundamental para que este<br />

transcenda suas perdas, do mesmo modo, a equipe que responderá pela sua reabilitação<br />

também o é.<br />

Não há dúvida que todo indivíduo que tenha nascido ou adquirido uma deficiência,<br />

qualquer que seja ela, deverá ser avaliado e acompanhado por uma equipe de reabilitação.<br />

O eixo principal do tratamento reabilitacional não é identificar as perdas que a lesão<br />

impôs ao sujeito, mas mensurar a capacidade funcional presente para que, a partir daí, seja<br />

traçado um plano coerente com sua real capacidade.<br />

Quando um empregado sofre um acidente ou passa por uma condição que dela resulta<br />

uma incapacidade temporária ou permanente, este deve ser seguido de perto pelos<br />

profissionais da área de saúde ocupacional onde trabalha, que podem orientá-lo durante seu<br />

tratamento de reabilitação até seu retorno às atividades laborais, se assim sua condição o<br />

permitir. Mas, para tanto, é fundamental que a equipe de saúde ocupacional conheça e tenha<br />

em mente os ganhos que advém da reabilitação como um tratamento multiprofissional.<br />

Caso contrário, corre-se o risco de reduzir o acompanhamento deste empregado apenas<br />

a medidas fisioterápicas que, isoladas de todo o restante das contribuições das medidas


terapêuticas dos demais profissionais, não produzirão nem extrairão o máximo de<br />

possibilidades do deficiente.<br />

Para Lianza (2001), o acompanhamento precoce e contínuo pela equipe de reabilitação<br />

da pessoa com deficiência ou qualquer lesão incapacitante oferece mais chances de retorno<br />

breve à vida em comunidade.<br />

Lamentavelmente, ainda há profissionais da área da saúde que atuam em setores de<br />

atendimento pré ou trans-hospitalar que ignoram que uma terapêutica mal conduzida e<br />

incompleta, durante sua internação, vai refletir negativamente na reintegração do indivíduo na<br />

sociedade.<br />

Das omissões e enganos no tratamento hospitalar resultam lesões dolorosas, extensas,<br />

de difícil regeneração que só vem a adiar o retorno do indivíduo ao contexto ocupacional,<br />

como é o caso das úlceras por pressão, muito comuns em indivíduos paraplégicos.<br />

No caso do cadeirante, pela própria condição de imobilidade dos membros inferiores,<br />

este precisa ficar sentado durante longos períodos de tempo, principalmente se permanecer<br />

fora de casa trabalhando.<br />

Caso haja alguma ferida na região sacra, por exemplo, a permanência na posição<br />

sentada, só agravaria o ferimento.<br />

Por este breve exemplo, pode-se mensurar a dimensão da importância do tratamento<br />

de reabilitação e do acompanhamento deste empregado pela equipe de saúde ocupacional<br />

onde trabalha para que retorne o mais breve possível à sua ocupação ou que, caso necessário,<br />

seja readaptado a uma nova função onde suas capacidades residuais possam ser aproveitadas.<br />

Mudando um pouco o eixo da análise, cabe fazer uma ressalva sobre a questão da<br />

capacitação profissional do indivíduo deficiente.<br />

141


No Brasil, com o Governo Getúlio Vargas (1930/1945) começou-se a pensar numa<br />

participação mais efetiva das pessoas com deficiência na sociedade, no que tange à educação,<br />

reabilitação, profissionalização e inserção no mercado de trabalho (BAHIA, 2006).<br />

De lá para cá, o aumento do número de pessoas deficientes na nossa sociedade,<br />

principalmente pela violência urbana, cresceu e é diretamente proporcional à necessidade de<br />

capacitação dos que pleiteiam uma vaga no mercado de trabalho, que é inversamente<br />

proporcional ao número de vagas oferecidas por este último.<br />

Segundo dados do IBGE (2000), a deficiência acompanha os números que expressam<br />

a pobreza em nosso país. Em outras palavras, há um quantitativo considerável de deficientes,<br />

em situação de pobreza e desempregados. Como querer vislumbrar a inclusão social desta<br />

parcela da população?<br />

Isso somente se daria se houvesse, de fato, um esforço conjunto e constante por parte<br />

dos governantes e da sociedade para modificar e/ou adaptar-se às necessidades da população<br />

deficiente e não imputar aos deficientes a culpa pela sua incapacidade.<br />

Há uma grande preocupação, pelo menos na lei, em garantir a acessibilidade aos<br />

deficientes em locais públicos como cinema, teatro, prédios, metrô, ônibus, passeio público,<br />

mas, curioso, quase não se ouve falar em garantir essa mesma acessibilidade nas escolas.<br />

Como esperar, então, que um indivíduo se capacite adequadamente e brigue por uma<br />

vaga no mercado de trabalho, se lhe é privado o direito de freqüentar mesmo o ensino<br />

fundamental, visto que as escolas não têm, além de acessibilidade arquitetônica, professores<br />

preparados para lidar com a diferença, salvo algumas raras exceções?<br />

A culpa então pela condição de desempregado recai sobre a desqualificação do<br />

trabalhador como se esse fosse o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso. É a ótica do<br />

individualismo. Com o crescimento do desemprego, aumentam as novas formas de<br />

contratação, como vem ocorrendo no caso da terceirização. Muitos profissionais prestam<br />

142


serviços para outras empresas, através de “terceiras”, com salários abaixo do piso do mercado<br />

e com outros benefícios reduzidos.<br />

Mais uma vez o conceito de inclusão social se fragiliza, pois não se vê um esforço em<br />

massa por parte dos governantes e da sociedade em se adaptar às necessidades dos deficientes.<br />

4.5 Trabalhadores Cadeirantes e Trabalhadores Andantes: comportamento<br />

preconceituoso no ambiente de trabalho?<br />

Esta categoria resultou dos depoimentos dados à questão da entrevista que buscou<br />

saber se há preconceito por parte dos trabalhadores em relação ao colega cadeirante.<br />

Os relatos deram origem a duas subcategorias, a saber:<br />

4.5.1 - Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e dos<br />

colegas no contexto ocupacional<br />

4.5.2 - A expressão do preconceito no ambiente de trabalho:<br />

4.5.2.1 A forma velada<br />

4.5.2.2 A forma explícita<br />

• o preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente;<br />

• a deficiência como fonte de contaminação.<br />

Tratar-se-á da análise de cada uma delas a partir de agora.<br />

4.5.1 Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e dos<br />

colegas no contexto ocupacional<br />

Os relatos apontaram para o comportamento positivo do cadeirante frente à sua<br />

condição de deficiente como sendo o elemento fundamental para diluir qualquer eventual<br />

situação de “mal-estar” ou de desconforto provocados pela presença de um indivíduo<br />

cadeirante no ambiente de trabalho e também para dirimir qualquer dúvida sobre sua<br />

143


capacidade laboral, não dando margem, portanto, ao preconceito.<br />

De acordo com as falas, a postura destes não abre espaço para que os demais colegas<br />

andantes sintam algo diferente de admiração e consideração pelo colega cadeirante.<br />

144<br />

“Não... nunca vi... não considero que haja preconceito aqui, muito pelo<br />

contrário... agora eu vejo que essa atuação dos colegas... essa atuação nossa é<br />

muito o reflexo das atitudes dela que se mete em tudo, participa de tudo,<br />

organiza as festas, eventos, participou da CIPA. Ela é muito dinâmica apesar<br />

da cadeira de rodas. Ninguém consegue ver ela como coitada. É mais uma<br />

funcionária daqui e muito querida.” (14)<br />

“[...] e ele trabalha muito bem, é um cara sério, responsável... a atitude dele<br />

também influencia a forma como as pessoas vão encarar ele, certo? [...] Ele<br />

mostra que não é uma cadeira de rodas que vai encerrar a vida dele.” (26)<br />

“Olha, eu acho que tudo tem a ver com a forma como ele reage com a gente. Pra<br />

começar, ele não se coloca na posição de coitado. Ele vem trabalhar normalmente,<br />

brinca com todo mundo, se aborrece igual a gente, reclama também[...]acho que se<br />

alguém chegou a olhar pra ele com preconceito, achando que ele não dava conta<br />

do recado, caiu do cavalo.” (18)<br />

“Não vejo preconceito não. [...] Ele é um cara muito legal. Muito alegre. Quando<br />

tem alguma festinha, o pessoal se organiza pra levar ele e depois deixar ele em<br />

casa, sabe.” (8)<br />

Os discursos ilustram o comportamento do colega cadeirante como positivo,<br />

integrado, dinâmico, participativo e competente naquilo que lhe é designado a cumprir no<br />

trabalho. Tal postura só acrescenta valores afirmativos aos olhos dos outros trabalhadores<br />

que, pelo isolamento social que foi imposto aos deficientes e pelas idéias preconceituosas que<br />

rondam seu mundo, poderiam duvidar da competência destes últimos.<br />

Todavia, sabe-se que esta abertura e receptividade por parte daqueles sem deficiência<br />

para com os deficientes é algo recente, historicamente falando, e também pouco freqüente.<br />

Pode-se afirmar que este tipo de comportamento seja um reflexo do movimento de inclusão<br />

social que vivemos nos dias atuais e que vem, ainda que timidamente, ganhando força.<br />

Cabe fazer, aqui, um breve resgate da evolução de alguns conceitos até chegarmos na<br />

inclusão social para melhor compreensão das falas.<br />

Correr (2003), refletindo sobre este tópico, afirma que o surgimento oficial dos


primeiros indícios do movimento pela integração das pessoas deficientes ocorreu na Europa,<br />

como conseqüência de três fatores: as duas grandes guerras, o fortalecimento do movimento<br />

pelos Direitos Humanos e o avanço científico.<br />

Em relação às duas guerras mundiais, Santos (1995, p.22) discorre:<br />

145<br />

[...] pode-se relacionar o retorno e aumento de indivíduos fisicamente debilitados<br />

ou deficientes e as lacunas deixadas pelo grande número de pessoas mortas. Estes<br />

dois fatores, promoveram o aparecimento de programas de educação e treinamento<br />

específico que visavam, ao mesmo tempo que reintegrar tais indivíduos na<br />

sociedade, preencher as lacunas da força de trabalho européia, originadas pelas<br />

duas Guerras.<br />

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das<br />

Nações Unidas (ONU) em 1948 foi um marco no que se refere à integração do indivíduo<br />

deficiente na sociedade, pois, se no período pós-guerra isso acontecia em função do<br />

preenchimento de lacunas deixadas pelas baixas ou por aqueles que ficaram fisicamente<br />

debilitados, não podendo contribuir como força de trabalho, agora essa integração acontece<br />

com base nos seus direitos enquanto seres humanos (WIKIPEDIA, 2007).<br />

A título de ilustração, tal declaração afirma, em seu artigo 1º, que todos os seres<br />

humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados que são de razão e<br />

consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros (Op. Cit).<br />

E o avanço científico, terceiro fator, citado por Santos (1995), que permitiu o<br />

desenvolvimento de pesquisas nas áreas sociológica, médica, educacional e psicológica,<br />

ressaltou o fato de que a excepcionalidade não necessariamente deveria implicar em<br />

incapacidade.<br />

Estes três fatores foram importantes para que se iniciasse uma longa discussão acerca<br />

da inclusão dos indivíduos deficientes na sociedade.<br />

Continuando com a linha histórica, a década de 70 teve como característica a<br />

elaboração de novas propostas de ação junto às pessoas deficientes, período esse que ficou<br />

conhecido como “Paradigma de Serviço” que colocou em ação alguns princípios de


integração social e normalização das pessoas com deficiência. O movimento de normalização<br />

buscava introduzir o deficiente na sociedade ajudando-o a adquirir as condições e os padrões<br />

da vida cotidiana o mais próximo do normal possível.<br />

O Paradigma de Serviços caracterizou-se, desta maneira, pela tentativa de diminuir as<br />

diferenças do indivíduo deficiente, de forma que este pudesse conviver na sociedade mais<br />

ampla, de maneira não segregada, oferecendo-lhe serviços que lhe permitissem melhorar,<br />

desenvolver-se, aprender, ou seja, aproximar-se dos padrões de funcionamento da maioria das<br />

pessoas. O deficiente era aquele indivíduo que precisava ser preparado para a vida em<br />

sociedade. Observa-se aí um esforço de um dos lados somente: o da pessoa deficiente que<br />

deveria se empenhar em se enquadrar nos modelos propostos pela cultura vigente.<br />

Desta forma, a comunidade estaria disposta a receber a pessoa deficiente, oferecendo-<br />

lhe serviços para que se transformasse em uma pessoa não-deficiente, para ser aceita dentro<br />

dos padrões normais.<br />

Entretanto, tal maneira de pensar passou a incomodar os próprios deficientes que<br />

levantaram outra questão: a de que a deficiência não deveria ser tolerada, como vinha<br />

acontecendo, mas sim entendida como parte do fenômeno humano, como uma das<br />

possibilidades da existência humana e, portanto, acolhida sem que houvesse a necessidade de<br />

fazer aquele ser “diferente” se parecer com o outro “normal”.<br />

Essa crítica ao paradigma de serviços e ao processo de normalização ganhou força nos<br />

anos 80 e teve início um novo processo de mudança, baseado no entendimento de que o<br />

binômio ser humano X qualidade de vida deve ser indissociável para a realização plena do<br />

indivíduo.<br />

Da mesma forma se fortalece, nos anos 90, a compreensão de que a qualidade de vida<br />

é um conjunto de fatores, segundo os quais o sujeito deve adquirir alguns domínios<br />

específicos para que desempenhe, de maneira satisfatória, os papéis adultos como, por<br />

146


exemplo, mobilidade, profissão e emprego, lazer, educação, cidadania, responsabilidade<br />

social dentre outros.<br />

Surge, também, na sociedade, o reconhecimento da importância de serem criados<br />

recursos e colocados à disposição de todos, para que possam ser acessados e, assim, sentirem-<br />

se realizados. Da mesma forma, a população deficiente deveria ser contemplada na mesma<br />

medida.<br />

Nasce aí o desafio de garantir o direito à participação de todas as pessoas na<br />

sociedade, concomitantemente ao de fazê-lo com garantia da qualidade de vida. Para que isso<br />

aconteça é necessário um profundo respeito à diversidade, em outras palavras, uma<br />

abordagem inclusiva em relação ao indivíduo deficiente.<br />

A inclusão social, expressão tão amplamente usada atualmente, é caracterizada como<br />

um processo bilateral onde há o ajuste mútuo entre o deficiente e a comunidade, cabendo ao<br />

primeiro capacitar-se para atuar na sociedade, manifestar-se com relação a seus desejos e<br />

necessidades e, à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ele<br />

possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.<br />

A título de ilustração, o emprego de elementos que garantam ao deficiente a<br />

convivência não segregada e acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos se<br />

caracteriza no novo paradigma que é o Paradigma de Suportes (CORRER, 2003), substituindo<br />

o Paradigma de Serviço anteriormente citado.<br />

Este ligeiro retorno ao passado se fez necessário para que se possa inferir que, de<br />

acordo com os depoimentos, está havendo uma postura inclusiva por parte de alguns<br />

entrevistados em relação ao cadeirante.<br />

De um lado, tem-se o deficiente inserido no contexto do trabalho, atuando, mostrando<br />

competência e preparo para tal. Do outro lado, percebem-se os colegas com comportamento<br />

receptivo, acolhedor, entendendo que o cadeirante possui características diferentes das dos<br />

147


demais como, por exemplo, deslocar-se numa cadeira de rodas.<br />

Parece que os trabalhadores andantes vêem este fato apenas como um fato e não como<br />

um demérito imputado ao cadeirante que, por não andar sobre as próprias pernas, talvez não<br />

conseguisse raciocinar, estando incapacitado para o trabalho.<br />

Além disso, percebeu-se um comportamento solidário por parte dos trabalhadores<br />

andantes quando, numa das falas, o entrevistado reportou-se ao fato de que, nos momentos de<br />

lazer, o grupo se organizava para levar o colega cadeirante ao evento em questão e depois<br />

deixá-lo em casa.<br />

Os depoimentos a seguir fortalecem esta impressão:<br />

148<br />

“Ah... diretamente não... não sei também se é porque todo mundo que vem<br />

trabalhar aqui tem logo um contato direto com o deficiente e acaba que meio se<br />

acostumando, tendo entendimento... que ele é uma pessoa que tem deficiência e<br />

por isso ele não tem a resposta imediata nas coisas do trabalho. Mas isso, de não<br />

ter resposta imediata, é com relação à locomoção e não com relação à capacidade<br />

de resolver e atuar como profissional aqui, entendeu?” (11)<br />

“Por que a única deficiência que eles têm é a física, entendeu?” (1)<br />

“[...] e também nossa equipe se adaptou. Nós começamos a conhecer ele melhor e<br />

entender suas reais necessidades. O que foi possível fazer aqui pra que ele pudesse<br />

trabalhar com tranqüilidade, sem apertos, nós fizemos, adaptamos.” (17)<br />

“[...] e é interessante como as pessoas estão absorvendo bem essa idéia... nós<br />

fizemos uma mudança no lay out aqui e todo nosso espaço foi diminuído. Daí<br />

ficou aquela discussão de quem ia passar a sentar e aonde... e o mais legal foi que<br />

as pessoas começaram a reparar que as baias reservadas para os deficientes não<br />

tinham condições de comportar uma cadeira de roídas. Daí houve uma<br />

mobilização de todos para que essa estrutura fosse modificada para acolher os<br />

colegas cadeirantes.” (19)<br />

A participação no trabalho, na vida em comunidade e também no lazer vai se traduzir<br />

em reflexos altamente positivos na saúde deste trabalhador cadeirante, uma vez que são<br />

fatores que interferem diretamente na qualidade de vida de qualquer pessoa, inclusive na do<br />

trabalhador não deficiente.<br />

Ser privado do direito ao trabalho, não receber o devido reconhecimento pelo seu<br />

empenho e dedicação em função do processo criativo e ser excluído das possibilidades do


exercício da cidadania levaria, a curto ou em longo prazo, ao sofrimento do indivíduo<br />

deficiente.<br />

Silva (1999), em seu artigo, reforça que qualquer possibilidade de mudança na<br />

qualidade de vida das pessoas deficientes vai depender diretamente da garantia de seus<br />

direitos de igualdade, saúde, trabalho, educação, lazer, entre outras dependendo, portanto, de<br />

ações coletivas de uma sociedade e não apenas de uma questão individual.<br />

A sensibilização dos não cadeirantes frente à presença do trabalhador cadeirante no<br />

contexto ocupacional, traduzida pelo acolhimento, pela compreensão das reais dificuldades do<br />

deficiente e também pelas mudanças que foram feitas, no sentido do ambiente se tornar mais<br />

adequado à presença e permanência de uma pessoa deficiente, ou seja, mais acessível, se<br />

mostrou como um traço forte na direção da inclusão social do indivíduo deficiente.<br />

Esta preocupação vai ao encontro do que foi discutido na 3ª Conferência Nacional<br />

sobre Saúde do Trabalhador (2006) que discutiu, dentre vários pontos, sobre a necessidade de<br />

se ampliar a legislação existente e garantir que os empregadores públicos e privados<br />

promovam a adequação dos ambientes de trabalho às necessidades específicas do trabalhador<br />

reabilitado e/ou portador de deficiência, reorganizem os processos de trabalho e façam a<br />

readaptação dos postos e equipamentos para a efetiva inclusão do indivíduo deficiente no<br />

contexto ocupacional.<br />

Ainda sobre a inclusão, encontramos no Manual de Legislação em Saúde da Pessoa<br />

Portadora de Deficiência (BRASIL, 2003, p. 10) que<br />

149<br />

a prática da inclusão social vem aos poucos substituindo a prática da integração<br />

social e parte do princípio de que, para inserir todas as pessoas, a sociedade deve<br />

ser modificada de modo a atender às necessidades de todos os seus membros: uma<br />

sociedade inclusiva não admite preconceitos, discriminações, barreiras sociais,<br />

culturais e pessoais.<br />

Felizmente, essas falas representaram a maioria. Contudo, ainda assim não se pode<br />

deixar de refletir que ainda há muito que caminhar na direção da convivência com a diferença,<br />

entendendo esta como oportunidade para aprendizado e crescimento do indivíduo como um


todo.<br />

Aliás, as falas divergem um pouco na sua essência daquilo que é observado no<br />

atendimento à população com lesão medular cadeirante no ambulatório. Lá, os relatos<br />

vivificam uma realidade perversa, excludente e fechada. Os cadeirantes até conseguem entrar<br />

no mercado de trabalho, ainda que o informal. O problema é permanecer nele.<br />

Mendes et al. (2004) comentam que a segregação do indivíduo, com deficiências em<br />

escolas ou instituições especiais, acaba por reduzir sua participação na vida da comunidade e<br />

excluí-lo das relações nas várias instâncias sociais, inclusive de lazer, uma vez que a maioria<br />

das pessoas, de fato, tem pouca oportunidade de interagir com esse indivíduo e vice-versa.<br />

Conseqüentemente, quando ele chega ao mercado de trabalho, mesmo que esteja<br />

tecnicamente capacitado, socialmente ele é um “corpo estranho”. Em outras palavras, se o<br />

deficiente não foi seu colega durante a época de escola, como ser seu colega no mesmo<br />

ambiente de trabalho?<br />

Parece que o fenômeno da inclusão do indivíduo deficiente na sociedade, salvo<br />

algumas exceções, tem se dado por força de lei e não por uma abertura espontânea daqueles<br />

que, por não possuírem deficiência aparente que destoe e fira a hegemonia dos demais, se<br />

julgam como normais.<br />

Reforçando esta idéia, o artigo intitulado “Individuals with Disabilities Education Act”<br />

(“A Lei dos Americanos Portadores de Deficiências”) (I<strong>DE</strong>A, 2007) relata que alguns dos<br />

mais sérios impedimentos ao acesso para pessoas com deficiência não são problemas que<br />

podem ser resolvidos por arquitetos ou por juristas.<br />

Há também problemas de atitude, que são definidos como uma maneira de pensar ou<br />

sentir que resulta em um comportamento que limita o potencial das pessoas com deficiência<br />

de agirem de forma independente. Tal comportamento interfere negativamente em qualquer<br />

iniciativa de acolhimento e inclusão que se queira implementar em favor da pessoa deficiente.<br />

150


Segundo Oliveira (2007, p. 68),<br />

151<br />

o sucesso de todo movimento integrador depende da disponibilidade que o corpo<br />

social tem para se tornar inclusivo. A recíproca é imediata: para que a inclusão seja<br />

leva a termo, é igualmente necessário que o deficiente se mostre disposto a se<br />

integrar, adaptando-se, na medida do possível, à sociedade.<br />

4.5.2 A expressão do preconceito no ambiente de trabalho<br />

Os relatos apontaram para uma questão delicada que é o preconceito para com o<br />

cadeirante no ambiente de trabalho. Os relatos, pela essência, foram subdivididos em duas<br />

subcategorias:<br />

4.5.2.1 A forma velada<br />

4.5.2.2 A forma explícita<br />

• o preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente;<br />

• a deficiência como fonte de contaminação.<br />

4.5.2.1 A forma velada<br />

Serão abordadas, primeiramente, as falas que tocaram no tema de forma implícita,<br />

disfarçada. Este preconceito apareceu nos discursos, na maior parte das vezes, de forma<br />

camuflada, nebulosa e inconsciente.<br />

Falar sobre preconceitos, ou melhor, admitir que se tenha preconceito em relação a um<br />

fato ou pessoa é algo bastante delicado, pois uma assertiva nesta direção pode denotar um<br />

comportamento “politicamente incorreto”, passível de punição ou sanção.<br />

Desta forma, assentir que somos preconceituosos seria uma atitude corajosa não só no<br />

sentido de comprometer nossa imagem já construída dentro do grupo que pertencemos, nem<br />

de nos expormos às penalidades previstas na lei, mas, também, no sentido de admitir e<br />

exteriorizar nossa ignorância sobre um determinado fato ou pessoa uma vez que essa atitude<br />

exige, de quem a toma, força para encarar as mudanças no seu ponto de vista e reformular<br />

suas convicções.


Assim, como nem sempre estamos dispostos às mudanças, procuramos esconder ou<br />

camuflar nossas impressões negativas sobre um determinado tema, afirmando hipocritamente<br />

que aceitamos os fatos ou as pessoas assim como eles se apresentam ou são, fingindo um<br />

comportamento que agrada ao grupo onde atuamos, transmitindo a este grupo a impressão que<br />

nos interessa transmitir (GOFFMAN, 2005). Fazendo um paralelo com a questão do<br />

preconceito racial em nosso país, Ferreira (2002) afirma que o preconceito, por não ser<br />

abertamente afirmado, dificulta a elaboração de leis que favoreçam sua reversão. Como a<br />

discriminação tende a ser um processo camuflado, não se tem abertura para que tais questões<br />

sejam discutidas, dificultando sua reversão.<br />

Sobre a dificuldade de se perceber algum comportamento preconceituoso no ambiente<br />

de trabalho, um dos respondentes pontuou que:<br />

“[...] o preconceito, eu acho que é algo muito sutil, eu acho que você só identifica<br />

se for você mesmo que sofre né?” (17)<br />

De fato, pelas regras e normas que regem nossa sociedade, somos impelidos a agir de<br />

forma contida, sendo nossas ações moderadas por este código de conduta cujo objetivo é<br />

ajudar a preservar a vida coletiva (GLAT, 2004).<br />

Então, uma demonstração, às claras, de qualquer atitude preconceituosa não é um fato<br />

comum, mas a manifestação das formas veladas e dissimuladas do estigma e do preconceito é<br />

mais freqüente.<br />

Os depoimentos a seguir dão uma idéia de comportamento preconceituoso, percebido<br />

pelos sujeitos do estudo:<br />

“Tem preconceito e pena... o jeito da pessoa falar, de conversar [...].” (3)<br />

“Ah... acho que as pessoas acabam, no fundo, sentindo pena dele, sabe? Pó, um<br />

cara tão novo, boa pinta, simpático naquela cadeira de rodas [...].” (5)<br />

“[...] não tem como você olhar pra uma pessoa na cadeira e rodas e achar que ela<br />

tá feliz [...] isso comove as pessoas.” (15)<br />

Estes depoimentos trazem à baila a questão do sentimento de pena como uma das<br />

152


formas de manifestação do preconceito.<br />

Sobre este tipo de reação por parte dos trabalhadores andantes, Velho (1989) afirma<br />

que em relação à deficiência, pode-se verificar que o preconceito, na maioria das vezes, está<br />

baseado em atitudes de comiseração, pena, piedade, resultantes do desconhecimento, este<br />

considerado a matéria-prima para perpetuação das atitudes preconceituosas e das leituras<br />

estereotipadas da deficiência.<br />

Freire (2005), em seu artigo, comenta que ao observar um encontro entre pessoas que<br />

enxergam com outras que são cegas, verificou primeiramente que pena e simpatia são as<br />

reações mais comuns por parte daqueles que enxergam em relação àqueles que não enxergam<br />

e que a piedade demonstrada às pessoas cegas é desproporcional em relação às limitações<br />

impostas ao indivíduo pela cegueira.<br />

Constata a mesma autora que as atitudes atuais sobre a cegueira são provenientes de<br />

nossa herança cultural que olhou para o deficiente como um ser inferior, de segunda classe,<br />

digno de pena e de consolo. Tal comportamento assinalado pode ser ampliado para o terreno<br />

da deficiência motora.<br />

No atendimento à clientela no consultório, os cadeirantes ratificam essas impressões,<br />

referindo que sofrem um tipo diferente de dor que se dá pelo olhar de pena e de compaixão<br />

das pessoas. Para eles, isso é uma forma velada de preconceito e de exclusão. Por que alguém<br />

deveria ter pena de um indivíduo que, como todos, está sujeito aos mesmos direitos e deveres<br />

como qualquer cidadão? Ou, pelo menos deveria.<br />

Eles costumam dizer que, mesmo tendo força de vontade, condições físicas e mentais<br />

para trabalhar, existe esse obstáculo que pode ser classificado como uma barreira atitudinal,<br />

afetando negativamente sua auto-estima e, conseqüentemente, a saúde deste indivíduo que,<br />

embora possa estar integrado no mercado e trabalho, não é ainda acolhido pela sociedade.<br />

Queixam-se, na verdade, de discriminação, que foi um dos temas abordados na 3ª<br />

153


Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (2006) que, para amenizar este problema,<br />

sugere ações educativas dirigidas aos indivíduos no ambiente de trabalho acerca do tema<br />

deficiência, bem como a participação de sindicatos e entidades representativas das pessoas<br />

com deficiência nas discussões sobre os direitos e garantias do trabalhador como ferramenta<br />

de vigilância e fiscalização.<br />

Por outro lado, a inclusão dos deficientes na vida em comunidade só traz benefícios.<br />

Sobre isso, Silva (1999) comenta os resultados de uma pesquisa realizada com pessoas<br />

portadoras de deficiência física na Finlândia e Suécia onde ficou evidente que o bom<br />

ajustamento e integração dos indivíduos devia-se ao fato de apresentarem satisfação em<br />

diferentes aspectos da vida como trabalho, saúde física e psicológica, satisfação no lazer e<br />

relacionamento social, relacionados a uma ocupação profissional ou estudos, associando<br />

assim, um sentimento positivo da visão que as outras pessoas têm em relação ao deficiente.<br />

Ainda de acordo com a pesquisa citada por Silva (1999), estes indivíduos construíram,<br />

através da qualidade de vida que puderam desfrutar, recursos psicológicos para enfrentar a<br />

situação estressante causada pela deficiência. Não há, então, como negar o efeito altamente<br />

positivo para a saúde de qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, desencadeado pelo fato<br />

de ser parte integrante da sociedade, proporcionado não apenas, mas também, pela inclusão<br />

no trabalho.<br />

Outros depoimentos revelam um tipo de comportamento preconceituoso bastante sutil:<br />

154<br />

“Às vezes dá pra perceber um olhar meio de pena em situações que ela está meio<br />

austera, parece com raiva de tudo, e então sobra pra todo mundo... mas aí a<br />

gente pensa: não, tudo bem... ela tá assim porque é muito problema que ela tem...<br />

mas tem que entender né?” (9)<br />

“[...] ela às vezes chega meio irritada aqui, sabe? Aí ninguém chega muito perto<br />

com medo de levar uma patada. [...] a amiga dela é que fica por perto pra botar<br />

panos quentes.” (14)<br />

Nestas falas, os entrevistados estão se referindo aos obstáculos que uma pessoa<br />

deficiente tem que enfrentar em função das suas limitações impostas pela deficiência.


Por causa disto, o grupo de trabalhadores sem deficiência motora “releva” e tolera os<br />

rompantes de mau humor ou de excesso de autoridade protagonizados por estas cadeirantes.<br />

Este tipo de atitude faz refletir sobre a seguinte questão: se os ataques de fúria<br />

partissem de uma pessoa sem alguma deficiência aparente, será que o grupo seria tão tolerante<br />

e condescendente como demonstra ser com estas cadeirantes?<br />

Isso não seria uma forma de “passar a mão” sobre a cabeça destes deficientes,<br />

tratando-o de maneira complacente? E, se for isso, essa atitude ajuda no lidar e conviver com<br />

o deficiente?<br />

Aos olhos de Goffman (1988), quando se tem comportamentos diferenciados, em<br />

função da presença de uma deficiência, esta atitude tem um “quê” de discriminação e de<br />

preconceito.<br />

Sobre as reações que uma pessoa que adquiriu uma deficiência pode exteriorizar, Vash<br />

(1988) esclarece que se tornar deficiente tem o poder de provocar um naipe variado de<br />

emoções humanas: medo, raiva, tristeza, etc.<br />

Todavia, duas expressões da emoção se destacam por serem mais freqüentes que são a<br />

ansiedade relativa à sobrevivência e os episódios de raiva. Esta última pode ter relação com<br />

elas mesmas e com sua incompetência em fazer o que as demais pessoas fazem naturalmente,<br />

outras se enraivecem com o universo por este ser injusto. Outras ainda se enraivecem com as<br />

demais pessoas por não conseguirem ajuda.<br />

Independente do que motiva a raiva, as pessoas em torno não têm a obrigação de se<br />

tornarem “pára-raios” dessas reações explosivas pelo fato da primeira ser deficiente. Esta<br />

reação merece acolhimento e compreensão, mas uma atitude paternalista que procura<br />

justificar a todo custo tais rompantes, não ajuda a pessoa deficiente no entendimento de que<br />

os outros não têm que ser culpabilizados pelas circunstâncias que ela ora enfrenta.<br />

Vash (1988) acrescenta ainda que todos nós lidamos com situações de natureza<br />

155


diversa na vida, independente de termos ou não deficiência e, sobre aqueles episódios ruins<br />

que se refletem em perdas e que também acometem todos - com ou sem deficiência, estes não<br />

devem se transformar em álibi para justificar nosso descontentamento e frustrações.<br />

Embora os depoimentos neste sentido não tenham sido numerosos, pode-se inferir que<br />

ainda é muito comum na sociedade tal sentimento de complacência em relação aos<br />

deficientes. São, muitas vezes, considerados como coitados, merecedores da nossa compaixão<br />

e do excesso de zelo e nunca como indivíduos prontos para exercerem sua cidadania.<br />

Essa forma de tratamento, ao invés de levar o indivíduo ao enfrentamento das questões<br />

do dia a dia, pode criar neles o falso entendimento de que a sociedade tem a obrigação de<br />

compreendê-lo e aceitar seu comportamento pouco amistoso.<br />

Continuando com os depoimentos, mais relatos trazem outra forma mais “delicada” da<br />

expressão do preconceito podendo ser evidenciada a seguir:<br />

156<br />

“As pessoas ficam constrangidas [...] o que também não deixa de ser um tipo de<br />

preconceito.” (27)<br />

“Assim que ele chegou aqui na agência eu fiquei sem saber o que fazer, foi um<br />

choque, né [...] fiquei meio sem jeito [...], tentei tratar ele com naturalidade.”<br />

(13)<br />

“Bom, quando ele chegou aqui, eu fiquei sem saber o que fazer direito.” (20)<br />

Crochik (2006) explica estas reações ao afirmar que quando entramos em contato com<br />

algo incomum, por faltar-nos referências anteriores sobre como atuar ou o que fazer, por<br />

vezes “congelamos”, falta-nos a noção de como agir.<br />

Esse comportamento é análogo ao de um animal que, diante de um perigo real ou<br />

imaginário, permanece paralisado frente ao objeto ou situação que lhe causa estranheza.<br />

Pressupomos, então, que o diferente nos ameaçará pondo em risco nossa segurança e<br />

estabilidade.<br />

Essa reação, por vezes, coloca as pessoas sem deficiência aparente, em situações<br />

bastante constrangedoras frente à outra que apresenta alguma particularidade que quebre seu


padrão daquilo que tem como referência do que seja uma pessoa no quotidiano.<br />

Tal comportamento assume a forma de exagero de aceitação ou excesso de<br />

naturalidade no trato com o deficiente e o indivíduo sem deficiência faz de tudo para que a<br />

pessoa deficiente não perceba sua alteração.<br />

Por isso nas falas, percebe-se claramente o comportamento paralisado do não<br />

cadeirante frente ao colega deficiente. A visão pouco freqüente da uma pessoa em cadeira de<br />

rodas participando ativamente da vida em sociedade não combina com a noção pré-concebida<br />

de que este indivíduo tenha condições de trabalhar e de dividir o mesmo espaço que qualquer<br />

outro cidadão, noção esta que foi aprendida e construída pelo meio social.<br />

Caracterizando o comportamento preconceituoso, segundo Crochik (2006, p.16),<br />

157<br />

dizemos frases ou atuamos no sentido de dar um consolo antecipado a quem não o<br />

solicitou, ou esboçamos um sorriso que aparente compaixão e esconda nossa<br />

aflição, sem nos perguntarmos se essas reações dizem respeito à pessoa que nos<br />

defrontamos ou a nós mesmos; pressupomos de imediato que é uma situação ruim<br />

de ser vivida e sofremos a aparência da dor que nos impede tanto de senti-la como<br />

de experimentar a relação sem tabus.<br />

Esta atitude, caracterizada pelo autor como complacência benevolente é aprendida,<br />

não é inata. Nós aprendemos, pela educação que recebemos, a não exteriorizar nossa reação<br />

de estranheza, que é natural, diga-se de passagem, frente ao novo ou diferente, de forma<br />

espontânea.<br />

Perdemos nossa curiosidade natural de quando éramos crianças e damos lugar à um<br />

sentimento de rejeição frente ao diferente sem antes mesmo de ter tido uma experiência real<br />

com ele e, quem sabe, ter perdido uma oportunidade de aprendizado e crescimento.<br />

Como o preconceito não é inato, há a interferência dos processos de socialização que<br />

obrigam o indivíduo a se modificar para se adaptar. O que leva uma pessoa a desenvolver<br />

preconceitos ou não, é a possibilidade de ter experiências e refletir sobre si mesmo e os outros<br />

nas relações sociais.<br />

Pelo tempo de segregação que os deficientes sofreram, e ainda sofrem, é, então,<br />

compreensível este comportamento com viés preconceituoso.


4.5.2.2 A forma explícita<br />

Dando continuidade à análise, passemos para aqueles depoimentos onde o preconceito<br />

foi identificado com cores mais vivas e ganhou duas vertentes: uma refere-se à competência<br />

do deficiente e a outra esbarra na idéia de que a deficiência é um evento contagioso.<br />

Passemos para a primeira vertente.<br />

• O preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente<br />

Aqui, os relatos foram explícitos no tocante à expressão do comportamento<br />

preconceituoso para com o cadeirante no ambiente ocupacional, conforme se pode observar a<br />

seguir:<br />

158<br />

“Eu já vi pessoas que não conseguem dar a mão pra ela... não conseguem estender<br />

a mão e apertar a mão dela. Tem advogado aqui que não se aproxima dela porque<br />

acha que ela não vai dar conta do recado e que ela precisa de muita ajuda [...]<br />

Isso é um traço comum na relação com o deficiente... as pessoas têm uma relação<br />

desrespeitosa, no sentido de que a ajuda não é porque a pessoa precisa de ajuda,<br />

mas é porque ele é interpretada e vista como uma pessoa incompetente.” (17)<br />

“Tem preconceito aqui sim. E eu posso mensurar isso na medida em que as<br />

pessoas não se predispõe a trabalhar diretamente com ela... tem colegas que ficam<br />

receosos de trabalhar com ela primeiro com medo de ela não dar conta do serviço e<br />

dividir em igualdade de condições com ele, daí ele fica com medo de trabalhar<br />

muito mais em função da produtividade dela que seria menor.” (24)<br />

“Pra dizer a verdade, eu mesmo tinha preconceito sim... porque eu via ele com<br />

bom relacionamento nas outras esferas acima no banco, ele visita os clientes,<br />

ganha esses clientes pro banco... daí eu pensava: -pô, um gerente empresarial ser<br />

portador de deficiência?” (25)<br />

O artigo intitulado “A Lei dos Americanos Portadores de Deficiências” (I<strong>DE</strong>A, 2007)<br />

reafirma que existe uma pequena percentagem de pessoas que tem atitudes abertamente<br />

negativas em relação às pessoas deficientes.<br />

Tais atitudes são associadas ao medo, à ignorância, falta de sensibilidade,<br />

discriminação, aversão ou ares de superioridade. Para os autores, estas pessoas acreditam na<br />

maioria dos mitos a respeito das deficiências, apesar da existência de provas documentais que<br />

desmentem tais idéias errôneas.


Do mesmo modo é forte a concepção de que o deficiente não pode desempenhar com<br />

sucesso as atividades profissionais executadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade<br />

de trabalho dada a ele representa sempre um ato de caridade por parte do empregador<br />

(MARQUES, 1998).<br />

Barbosa (2007) ratifica as idéias de Marques (1998) quando comenta em seu artigo<br />

que em nossa sociedade, as pessoas deficientes têm sido conceituadas como inválidas,<br />

improdutivas, incapazes de cuidar de sua própria vida e de realizar suas próprias escolhas.<br />

Mais uma vez fica patente que nos relacionamos com o rótulo e não com a pessoa;<br />

reconhecemos o indivíduo deficiente por suas limitações e não por suas possibilidades.<br />

Tal comportamento, visivelmente opacificado pela ignorância, reflete negativamente<br />

na auto-estima do indivíduo cadeirante que, muitas vezes não tem a oportunidade de mostrar<br />

seu potencial. Antes que isso possa acontecer, ele já é eliminado das possibilidades no elenco<br />

de variáveis do outro, que se julga isento de deficiência.<br />

Os sujeitos que responderam a esta pesquisa, com exceção de um apenas, não tiveram<br />

preparo para lidar com uma pessoa deficiente no ambiente ocupacional, o que nos faz refletir<br />

sobre a importância do que foi discutido e aprovado na 3ª Conferência Nacional de Saúde do<br />

Trabalhador (2006) que, ao se referir às questões relativas ao trabalhador deficiente, aponta na<br />

sua resolução, dentre outras necessidades, para a prevenção da discriminação social por meio<br />

de ações educativas dirigidas aos trabalhadores no ambiente de trabalho.<br />

Silva (2000) reforça a questão da discriminação pontuando que o maior problema não<br />

é a barreira arquitetônica, mas sim a barreira do preconceito ou da falta de conscientização,<br />

pois muitos empresários não admitem o “portador de deficiência” como um cidadão<br />

produtivo. Ribas (1986, p. 15) afirma que:<br />

159<br />

Na nossa sociedade, mesmo que a ONU e a OMS tenham tentado eliminar a<br />

incoerência dos 'conceitos', a palavra 'deficiente' tem um significado muito forte.<br />

De certo modo, ela se opõe a palavra 'eficiente'. Ser 'deficiente', antes de tudo, é não<br />

ser 'capaz'. Pode até ser que conhecendo melhor a pessoa, venhamos a perceber que<br />

ela não é tão 'deficiente' assim. Mas, até lá, até Segunda ordem, o 'deficiente' é o


160<br />

não 'eficiente”. Assim sendo, em todas as sociedades a palavra 'deficiente' adquire<br />

um valor cultural segundo padrões, regras e normas estabelecidas no bojo de suas<br />

relações sociais.<br />

Ainda sobre este tema, Silva (2006) comenta que o preconceito às pessoas com<br />

deficiência configura-se como um mecanismo de negação social, uma vez que suas diferenças<br />

são ressaltadas como uma falta, carência ou impossibilidade. O corpo deficiente é<br />

insuficiente para uma sociedade que demanda dele o uso intensivo que leva ao desgaste físico<br />

ou para uma construção de corporeidade que objetiva, meramente, o controle e a correção, em<br />

função de uma estética corporal hegemônica com interesses econômicos.<br />

Numa sociedade capitalista, onde as relações se definem pela produção e pelo lucro, o<br />

padrão ideal de homem segue os valores sociais determinantes. Ser deficiente significa, pois,<br />

ser não-eficiente, não produtivo e não adequado aos fins maiores (MARQUES, 1998).<br />

Segundo Foucault (1987), a sociedade moderna se preocupa tão somente com o corpo<br />

e com a força de trabalho. Neste sentido, a deficiência assume a marca da incapacidade<br />

produtiva e da dependência econômica, fazendo do indivíduo deficiente um ser inadaptado<br />

aos padrões de aceitabilidade com que esta mesma sociedade ordena e classifica seus<br />

membros.<br />

Silva (2006), sobre esta questão da estética corporal, reflete que o indivíduo deficiente<br />

por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Uma vez que nossa<br />

sociedade valoriza o corpo útil e aparentemente saudável este sujeito nos remete à fragilidade<br />

humana, à uma situação de inferioridade que tentamos, talvez de forma inconsciente, negar.<br />

É como se olhar num espelho quebrado.<br />

Tê-los em nosso convívio seria a mesma coisa que olhar para um espelho que nos<br />

lembra que também poderíamos ser como eles. Não os aceitamos porque não queremos que<br />

eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos.<br />

Possivelmente, as respostas obtidas neste estudo são reflexo de um conjunto de fatores<br />

distintos, porém intimamente interligados, tais como o isolamento social que foi imposto aos


indivíduos “diferentes” ao longo da História da Humanidade, resultando numa interação<br />

social distante, segura, “higiênica”, impossibilitando que as potencialidades daqueles<br />

indivíduos deficientes fossem identificadas e compartilhadas, fortalecendo ainda mais as<br />

idéias folclóricas e obtusas sobre suas reais necessidades e limitações. Isso acabou por afastar<br />

o grupo dos normais daquele maculado, aprofundando o abismo entre estes dois mundos.<br />

• A deficiência como fonte de contaminação<br />

Dando prosseguimento à análise, outros relatos colocaram, com veemência, a idéia de<br />

que a deficiência do colega cadeirante seria algo potencialmente contagioso. Isso justificaria o<br />

afastamento e a prevenção que os trabalhadores têm evitando o contato com o trabalhador<br />

cadeirante.<br />

161<br />

“Ah... tem a coisa do contato físico, porque tem pessoas que tem essa resistência<br />

de encostar e ter que falar de perto, de ter que conviver muito intimamente [...].”<br />

(6)<br />

“Acho que tem medo de levar isso pra casa... de, de repente, ter um filho assim<br />

[...].” (14)<br />

“Olha, em relação aos outros colegas advogados que não têm um contato direto<br />

com ela, eu acho que tem um preconceito sim... eles rejeitam ela, sabe? Eles<br />

encaram a pessoa deficiente como se ela fosse transmitir aquilo, como se fosse<br />

algo contagioso, mas é uma minoria [...]. (12)<br />

Conforme Bacila (2005) e Goffman (1988), era costume dos gregos da Antiguidade<br />

marcar as pessoas com fogo ou cortes no corpo, sinais estes que identificavam que o portador<br />

era mau, ou seja, mais especificamente um escravo, um criminoso ou mesmo um traidor. E a<br />

pessoa marcada estaria contaminada devendo ser evitada.<br />

Com o desenvolvimento da ciência, o conjunto de saberes simplificadores como<br />

crendices, bruxarias e misticismos que caracterizavam os deficientes na Idade Média, foi aos<br />

poucos sendo desconstruído, dando lugar a estudos de ordem mais objetiva nos quais a 'cura'<br />

foi o principal objetivo a ser alcançado.


Contudo, ao ser considerada uma doença, os indivíduos sofrem isolamentos em asilos<br />

e hospitais, já que o perigo de transmissão e contágio assusta a população. No século XVIII,<br />

na Europa, a internação dessas pessoas é um grande movimento, um período de segregação e<br />

categorização dos indivíduos, internando a loucura pela mesma razão que a devassidão e a<br />

libertinagem.<br />

Os indivíduos excluídos eram alienados, separados em grupos, de acordo com seu<br />

estigma (pobres, epiléticos, prostitutas, indivíduos com deformidades, etc) (FOCAULT,<br />

2002).<br />

O estudo de Batista e Enumo (2004, p. 8-9) sobre a inclusão escolar e deficiência<br />

mental que buscou a análise da interação social entre companheiros, vem ilustrar esta<br />

questão, relatando que<br />

essa integração, não deve ser facilmente resolvida a partir de uma resolução de<br />

cunho legal ou teórico, uma vez que variáveis relacionadas a processos grupais e<br />

reações de preconceito podem influenciá-la, seja facilitando ou dificultando a<br />

integração dessas pessoas com aquelas ditas “normais”. Por exemplo, são<br />

conhecidos os casos de pais que tiram suas crianças de escolas que aceitam alunos<br />

“diferentes” por medo de “contágio” ou rebaixamento do nível de aprendizagem de<br />

seus filhos.<br />

Foi também contemplada em outra categoria, neste estudo, a questão da influência da<br />

nomenclatura na abordagem da pessoa deficiente e, da mesma forma, comentou-se que a<br />

expressão “portador de deficiência”, comumente usada inclusive na Legislação vigente<br />

voltada para esta parcela da população, em nada contribui para diminuir o estigma e o<br />

preconceito frente à deficiência, uma vez que, sob o prisma biomédico, ser portador, significa<br />

ser doente e freqüentemente de algum mal contagioso.<br />

Assim, a idéia que ronda o senso comum é a de que uma pessoa portadora de<br />

deficiência é, por analogia, doente. Como se aproximar de um sujeito doente sem se proteger<br />

devidamente? Na maioria das vezes, essa “proteção” se materializa pelo afastamento,<br />

segregação e privação de oportunidades.<br />

Desta forma, não há como negar a necessidade premente de campanhas de<br />

162


esclarecimento sobre deficiência, não só para indivíduos trabalhadores que receberão um<br />

colega deficiente em seu meio, mas, antes disso, para crianças e professores no sentido de<br />

elucidar abertamente o que significa ser deficiente e eliminar ou, ao menos, diminuir as lendas<br />

e mitos que rondam o mundo destas pessoas.<br />

Nesta tese, os relatos que apontaram para um comportamento preconceituoso, seja ele<br />

manifestado de forma velada, ou às claras, apesar de não terem representado a maioria,<br />

merecem particular atenção, pois convergem para as queixas ouvidas no atendimento durante<br />

a consulta ao indivíduo com lesão medular, que foram motivação para estudar sobre a<br />

inclusão do cadeirante no contexto ocupacional. O ciclo se fechou.<br />

Este comportamento, tão comum na nossa sociedade, protagonizado pelas pessoas<br />

“normais”, tem impacto altamente negativo na auto-estima dos deficientes que, por<br />

conseguinte, resultará em prejuízo na saúde destes indivíduos já fragilizada pela sua própria<br />

condição da perda motora.<br />

Ao que os depoimentos deram a entender, as barreiras atitudinais se mostram mais<br />

difíceis de transpor, exatamente pela sua pouca visibilidade. Difícil lutar contra aquilo que<br />

não é concreto, contra aquilo que nem sempre percebemos como agressão à nossa dignidade.<br />

No entanto, as discussões estão avançando neste sentido com o louvável objetivo de<br />

melhor entender o mecanismo do estigma na sociedade e de criar ferramentas para incluir, de<br />

fato, o deficiente na sociedade.<br />

163


CAPÍTULO V<br />

CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />

Obviamente que esta pesquisa, pela sua natureza qualitativa e pelo número de<br />

depoimentos coletados, não permite que seus resultados sejam generalizados e retratem, com<br />

exatidão matemática, o comportamento e a forma como a sociedade percebe o deficiente no<br />

ambiente ocupacional.<br />

No entanto, as respostas obtidas obrigam-nos à ponderação, uma vez que refletiram,<br />

ainda que parcialmente, o que diz o senso comum acerca da pessoa deficiente na sociedade,<br />

em particular, no contexto ocupacional; visão essa que parece perpetuar uma forma<br />

equivocada de lidar com os deficientes.<br />

Foram identificados nos relatos, indícios claros de uma forma preconceituosa de se<br />

perceber o deficiente. Isso só foi possível usando-se a técnica de substituição (ABRIC in<br />

OLIVEIRA; CAMPOS, 2005).<br />

Nela, os respondentes, muitas vezes, utilizaram o pronome “eu” em repostas cujo foco<br />

era conhecer a opinião do outro e não a dele sobre determinado assunto. Assim, sua impressão<br />

sobre o tema apresentado era “diluída” na resposta do outro, revelando, desta forma, sua<br />

própria impressão.<br />

No terreno da percepção dos sujeitos andantes acerca do trabalhador cadeirante no<br />

trabalho, foi identificada uma ligação bastante estreita do termo deficiência à idéia de<br />

incapacidade.<br />

As falas remeteram à noção de que a palavra deficiência se resume na limitação em<br />

realizar tarefas, diminuição da capacidade ou impossibilidade para realizar algum trabalho<br />

que outras pessoas conseguem, em geral, realizar.<br />

164


A definição por ela mesma não teria repercussões maiores, mas quando se amplia este<br />

conceito para a questão da pessoa deficiente, há que se repensar no significado que ela assume<br />

já que aponta, indiretamente, para a culpabilização do deficiente pela sua desvantagem e<br />

dificuldade na consecução de tarefas.<br />

De acordo com Vasconcelos (2005, p. 176), “há que se considerar que é a sociedade<br />

quem define as chances de uma pessoa ser deficiente. [...] Mesmo quando uma lesão ocorre<br />

‘por mera casualidade’, o grau de deficiência dependerá das oportunidades ou iniqüidades<br />

sociais”.<br />

Os sujeitos pareciam ignorar que é a própria sociedade que contribui para o<br />

aparecimento e/ou agravamento da deficiência, pois é ela que determina o efeito de uma<br />

deficiência sobre a vida cotidiana da pessoa, colocando-a em franca desvantagem social<br />

perante outras que não têm lesão alguma.<br />

Cabe lembrar Wendell (1996), quando discorre sobre a organização física e social da<br />

nossa sociedade, afirmando ser esta baseada num modelo jovem, macho, com corpo ideal e<br />

eficiente (portanto, não deficiente).<br />

Tal percepção da deficiência, pautada ainda no modelo biomédico, vai no sentido<br />

oposto ao conceito apresentado pela CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade,<br />

Deficiência e Saúde, definida pela OMS em 2001, acatado pelo Brasil, cujo mérito está em<br />

aglutinar o modelo médico e o modelo social para a abordagem da experiência da deficiência.<br />

Apesar do esforço de organismos e instituições sérias, nacionais e internacionais,<br />

comprometidas com a questão da inclusão da população deficiente, percebe-se com clareza<br />

que há influência da forma como a pessoa deficiente foi vista e tratada ao longo dos tempos,<br />

impedindo, ou pelo menos dificultando, que estes indivíduos tivessem e ainda tenham<br />

condições de mostrar sua capacidade e também de exercer sua cidadania.<br />

165


Cabe ressaltar que o conceito relativo à população com deficiência tem evoluído com<br />

o passar dos tempos, mas ainda há intensas discussões e debates acerca da questão conceitual<br />

sobre a deficiência (FARIAS; BUCHALLA, 2005; AMIRALIAN et al., 2000) que objetivam<br />

dirimir as dificuldades relacionas à imprecisão dos termos.<br />

A percepção dos trabalhadores andantes em relação à presença do cadeirante no<br />

ambiente de trabalho também revelou facetas interessantes.<br />

Uma delas mostra que há um aprendizado bastante positivo que advém do convívio<br />

com uma pessoa “diferente” no trabalho. Por outro lado, este mesmo convívio revelou para os<br />

entrevistados que o deficiente, por vezes, se vale da sua condição “especial” para garantir<br />

certos privilégios e evitar desgastes no trabalho ou que podem apresentar um comportamento<br />

acomodado, sabendo explorar a piedade alheia, apoiando-se em sua deficiência.<br />

Destas três percepções, a que numericamente se destacou foi a que reflete um<br />

aprendizado. No entanto, apesar de não serem muitos os depoimentos que ressaltam o<br />

comportamento acomodado e esperto dos deficientes, em relação às obrigações do dia-a-dia<br />

de qualquer cidadão, esses sujeitos servem como propagadores negativos da idéia de que<br />

todos deficientes têm este perfil. Isso ajuda a reforçar no senso comum idéias errôneas acerca<br />

deste grupo.<br />

A (falsa) sensação de superioridade do trabalhador sem deficiência motora em relação<br />

ao trabalhador cadeirante foi detectada, podendo ser explicada como um reflexo do<br />

comportamento histórico do ser humano ao longo dos séculos para com esta parcela<br />

segregada da sociedade, que sempre foi vista pelo prisma da sua deficiência e não pelo prisma<br />

das suas potencialidades e possibilidades. Goffman (1988, p.15) resume bem esta afirmação:<br />

“[...] tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original”.<br />

Em outras palavras, os relatos mostraram que a imagem de uma pessoa deficiente<br />

remete de imediato, a uma pessoa desvalorizada no contexto social. Tal desvalorização é<br />

166


sentida por esta população estigmatizada e só tende a aumentar o abismo entre ela e a<br />

possibilidade real de inclusão, o que também vai refletir negativamente na saúde deste<br />

trabalhador.<br />

Ainda sobre a percepção dos trabalhadores andantes em relação aos colegas<br />

cadeirantes, foi possível captar pelas falas que existe um viés preconceituoso no<br />

comportamento dos primeiros em relação aos cadeirantes, traduzido pela imagem negativa<br />

evocada pela cadeira de rodas, simbolizando a inércia, a improdutividade e a falta de<br />

liberdade.<br />

A cadeira é vista como uma prisão (cadeirante = entrevado) e não como um elemento<br />

que liberta o deficiente, possibilitando-o de participar da vida em comunidade. Essa<br />

percepção só vem a fortalecer o estigma de desafortunado e infeliz que se tem a respeito das<br />

pessoas deficientes.<br />

Foi constatado o que Goffman (1988) denomina de visibilidade da deficiência, onde a<br />

estranheza do indivíduo “normal” é mais forte quanto mais visível for o defeito que o outro<br />

ostenta, no caso, o uso da cadeira de rodas.<br />

Os trabalhadores andantes também revelaram que lhes chama a atenção o fato de o<br />

cadeirante ser eficiente, conseguir raciocinar e trabalhar.<br />

Tal estranheza pode encontrar resposta em diferentes eixos: na construção histórica da<br />

imagem do deficiente, que sempre o depreciou; pelo fato de ser historicamente recente a<br />

participação de deficientes em diversos segmentos da sociedade; pelo processo de<br />

globalização que agravou as condições de acesso ao mercado de trabalho (BAUMAN, 1999) e<br />

pelo surgimento de novas tecnologias que fez crescer empregos acessíveis apenas àqueles<br />

poucos que conseguem qualificação específica (VASCONCELOS, 2005).<br />

Além de todo esse panorama pouquíssimo amistoso para qualquer um de nós, associa-<br />

se o fato de a sociedade, em geral, tender a se relacionar com o rótulo e não com a pessoa,<br />

167


interferindo negativamente na interação social que se queira ter com qualquer individuo<br />

portador desta ou daquela deficiência (GLAT, 2004).<br />

Tal comportamento acaba por privar as pessoas de uma série de oportunidades,<br />

inclusive das oportunidades afetivas, repercutindo negativamente na sua auto-estima.<br />

Curioso notar que ao mesmo tempo em que a legislação insiste em afirmar que a<br />

pessoa deficiente é capaz, produtiva, acaba aposentando estes indivíduos por invalidez,<br />

esforço esse, contraditório.<br />

Outra característica que, segundo os depoentes, chama a atenção em relação aos<br />

cadeirantes é a atitude positiva que estes demonstram frente aos desafios do dia-a-dia e frente<br />

às exigências do trabalho, onde o deficiente passa a ser um exemplo a ser imitado.<br />

Sobressai, em particular, o fato do deficiente se desdobrar e se superar para alcançar os<br />

mesmos parâmetros e metas a que são submetidos os outros empregados sem deficiência, pois<br />

ao fazer isso, ele pode se expor aos mesmos riscos ocupacionais que os demais, só que em<br />

condições físicas provavelmente desfavoráveis.<br />

Pelo empenho com que estes indivíduos habitualmente desenvolvem seu trabalho e,<br />

considerando que nossa sociedade não está preparada para acolher com adequação e respeito<br />

às diferenças àqueles que apresentam alguma deficiência, seja ela qual for, o deficiente pode<br />

ter sua incapacidade ou lesão ampliadas, já que vão compartilhar as mesmas condições e<br />

riscos à saúde, inerentes ao ambiente ocupacional enfrentadas pelos demais trabalhadores.<br />

O envolvimento e dedicação do cadeirante no trabalho também foram apontados como<br />

características positivas, dignas de serem admiradas e imitadas, servindo de “modelo de bom<br />

funcionário” que interessa ao empregador para que os demais se motivem e se espelhem<br />

naquele primeiro, com vistas ao aumento de produtividade.<br />

Percebe-se, neste momento, mais uma contradição: embora os trabalhadores andantes<br />

considerem a deficiência como um “problema”, eles destacam que os colegas cadeirantes são<br />

168


um exemplo para os demais por conta de seu esforço de superação e dedicação ao trabalho,<br />

merecendo ser imitados.<br />

Outro aspecto observado nos depoimentos é aquele que revela uma postura de<br />

aceitação em relação à participação do cadeirante no trabalho, porém permeada pelo<br />

sentimento de tolerância, de suportar a “presença incômoda do deficiente” e não o da<br />

compreensão, do aprendizado através da convivência com a diversidade.<br />

Tal atitude remete imediatamente à idéia de que aqueles que toleram são ou estão<br />

numa condição de superioridade em relação aos tolerados, percepção esta naturalmente<br />

equivocada.<br />

Os relatos indicam, também, uma posição preconceituosa para com os colegas<br />

cadeirantes que é reforçada quando estes se surpreendem com a qualidade do trabalho<br />

desenvolvido pelos deficientes e quando afirmam que o trabalho do deficiente é “tão bom”<br />

quanto o trabalho do outro sem deficiência.<br />

Pode-se depreender que a “regra” seria esperar um desempenho profissional do<br />

deficiente cadeirante aquém daquilo que normalmente se esperaria de outros trabalhadores<br />

sem deficiência motora, já que “[...] é forte a concepção de que o deficiente não pode<br />

desempenhar, com sucesso, as atividades profissionais desempenhadas pelas pessoas normais,<br />

e de que a oportunidade de trabalho dada a ele representa sempre uma caridade por parte do<br />

empregador” (MARQUES, 1998, p.4).<br />

As mesmas pessoas que referiram não perceber atitudes preconceituosas no trabalho<br />

são protagonistas destas à medida que dizem ser o trabalho do outro igual ao do indivíduo<br />

sem deficiência motora.<br />

Mais uma vez, fica patente a noção de que a sociedade, em geral, se relaciona com o<br />

defeito que estigmatiza o indivíduo e não com o indivíduo estigmatizado.<br />

169


Para incluí-los, de acordo com o novo paradigma, é necessário inspirar a sociedade<br />

para fazer modificações estruturais e conjunturais nos seus sistemas gerais ou comuns a fim<br />

de que qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, possa exercer seus direitos e deveres<br />

dentro da comunidade.<br />

Assim, cada vez mais, a comunidade tornar-se-ia acessível, sem barreiras atitudinais,<br />

arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais ou programáticas (BAHIA,<br />

2006).<br />

Foi ainda observado que há, de acordo com os depoimentos, uma relação direta do<br />

preparo do cadeirante e seu desempenho profissional não só sob o aspecto técnico, mas,<br />

também, como reflexo de um tratamento de reabilitação e do suporte familiar.<br />

A presença da família e o tratamento de reabilitação são apontados nas falas como<br />

fatores que instrumentalizaram seus colegas deficientes para o mercado de trabalho.<br />

No tocante aos aspectos positivos sobre a inclusão do cadeirante do trabalho, os<br />

discursos ilustraram, de um lado, o dinamismo, a competência e o preparo do trabalhador<br />

cadeirante para atuar no contexto ocupacional; e do outro se percebem os colegas andantes<br />

com comportamento receptivo, acolhedor, entendendo que o cadeirante possui características<br />

diferentes das dos demais, como, por exemplo, deslocar-se numa cadeira de rodas.<br />

Tal postura inclusiva só acrescenta valores afirmativos aos olhos dos outros<br />

trabalhadores que, pelo isolamento social que foi imposto aos deficientes e pelas idéias<br />

preconceituosas que rondam seu mundo, poderiam duvidar da competência destes últimos.<br />

Este tipo de atitude positiva, observado pelos sujeitos do estudo em relação aos<br />

colegas cadeirantes no ambiente de trabalho, só vem a facilitar o processo de inclusão deste<br />

indivíduo no contexto social e ocupacional.<br />

Todavia, sabe-se que esta abertura e receptividade por parte daqueles sem deficiência<br />

para com os deficientes é algo recente, historicamente falando, e também pouco freqüente.<br />

170


Infelizmente, os casos de privação da população deficiente em exercer seu direito ao<br />

trabalho, não receber o devido reconhecimento pelo seu empenho e dedicação em função do<br />

processo criativo e ser excluído das possibilidades do exercício da cidadania são mais<br />

comuns, levando, a curto ou em longo prazo, ao sofrimento do indivíduo deficiente.<br />

A participação no trabalho, na vida em comunidade e também no lazer vai se traduzir<br />

em reflexos altamente positivos na saúde de qualquer pessoa, independente de ela ser ou não<br />

deficiente uma, vez que são fatores que interferem diretamente na qualidade de vida de todos<br />

nós, inclusive e, principalmente, na do trabalhador não deficiente.<br />

A inclusão é um compromisso com a dignidade humana, com o reconhecimento da<br />

diversidade, um valor que é essencial para a sociedade democrática e para a própria paz.<br />

Os depoimentos permitiram captar formas veladas e mais diretas de preconceito em<br />

relação ao trabalhador cadeirante. As mais sutis se traduziram em atitudes de<br />

constrangimento, pena, comiseração e de relevar o temperamento, por vezes, mal humorado<br />

dos deficientes, sendo este justificado pelas dificuldades inerentes à vida do deficiente.<br />

As formas mais diretas e cruas de preconceito diziam respeito à competência e<br />

produtividade do deficiente, sendo esta questionável em função da sua deficiência motora<br />

reforçando a concepção de que o deficiente não pode desempenhar com sucesso as atividades<br />

profissionais executadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade de trabalho dada a<br />

ele representa sempre um ato de caridade por parte do empregador (MARQUES, 1998).<br />

Outros relatos colocaram, com veemência, a idéia de que a deficiência do colega<br />

cadeirante seria algo potencialmente contagioso, confundindo-se deficiência com doença. Isso<br />

justificaria o afastamento e a prevenção que os trabalhadores têm, evitando o contato com o<br />

trabalhador cadeirante.<br />

Desta forma, os dados quantitativos e qualitativos obtidos através do roteiro de<br />

entrevista permitiram considerar que a noção folclórica e estigmatizante acerca dos<br />

171


deficientes:<br />

• É uma realidade no ambiente ocupacional;<br />

• É independente do nível de escolaridade: a maioria dos entrevistados tem nível superior<br />

completo ou incompleto e revelou suas impressões preconceituosas a respeito do<br />

deficiente;<br />

• Não tem relação, a princípio, com orientação religiosa;<br />

• Também não foi identificada nenhuma influência de gênero nas respostas obtidas.<br />

Homens e mulheres se mostraram com comportamento ora receptivo e favorável em<br />

relação à inclusão do cadeirante, ora preconceituoso;<br />

• É mais aparente nas faixas etárias mais jovens;<br />

• Não apresentou relação com tempo de convivência com o colega cadeirante no trabalho;<br />

• Não apresentou relação com o conhecimento prévio sobre as circunstâncias em que<br />

ocorreu o fato que tornou o indivíduo paraplégico;<br />

• Poderia ser diminuída ou atenuada com campanhas esclarecedoras sobre o que é e o que<br />

não é ser deficiente, uma vez que dos entrevistados, apenas 01 afirmou ter tido algum<br />

treinamento para lidar com o cadeirante no trabalho. Talvez, se esse grupo entrevistado<br />

tivesse tido oportunidade de ser esclarecido sobre o tema, as respostas poderiam ser<br />

diferentes.<br />

A percepção do trabalhador andante foi identificada como estigmatizante e não é<br />

coerente com as reais limitações do colega cadeirante, na medida em que os andantes<br />

expressaram sua compreensão sobre a deficiência como algo que obstaculiza a execução de<br />

tarefas, o que conflita com os mesmos depoimentos que relatam sobre a boa qualidade do<br />

trabalho realizado pelo cadeirante.<br />

172


Verbalizaram, com surpresa, que o colega cadeirante até consegue fazer bem feito suas<br />

tarefas no trabalho, sendo comparável àquele realizado por uma pessoa sem deficiência, como<br />

se o cadeirante tivesse seu intelecto igualmente afetado pela deficiência motora.<br />

Pode-se inferir que tais atitudes e comportamentos poderão repercutir negativamente<br />

na saúde do trabalhador cadeirante que não se sente valorizado pelo grupo onde trabalha. Não<br />

vendo seu esforço reconhecido e sentindo-se preterido em função da sua deficiência, sofre um<br />

profundo prejuízo em sua auto-estima que pode, cedo ou tarde, resultar em afastamento por<br />

depressão ou por acidentes de trabalho.<br />

Desta forma, com base nos resultados desta tese, pode-se sugerir que conteúdos e<br />

experiências sobre a diversidade sejam, respectivamente, vividos e abordados não só nas<br />

universidades, onde o arcabouço de valores das pessoas já está mais solidificado, mas, antes<br />

disso, nas escolas aonde as crianças vão, como reação natural, estranhar a diferença, mas<br />

ainda não aprenderam a segregar nem a discriminar em função de sinais estéticos.<br />

Talvez seja mais interessante ensinar aos pequenos estranhar e discriminar as<br />

deficiências de ordem moral e ética.<br />

Fomentar a inclusão da reabilitação como conteúdo programático em universidades de<br />

cursos de saúde para tentar sensibilizar os futuros profissionais para a questão da inclusão dos<br />

deficientes na sociedade também seria de grande valor.<br />

Outra sugestão é a de que as empresas invistam maciçamente em programas de<br />

esclarecimento e educação de seus empregados, visando minimizar o abismo que ainda é<br />

bastante perceptível entre aquelas pessoas deficientes e aquelas “sem” deficiência.<br />

Como foi constatado neste trabalho, as reações de estranhamento, ou de subestimação<br />

por parte da maioria da sociedade em relação aos deficientes, têm origem na ignorância e nas<br />

falsas idéias que dizem respeito a este grupo em particular.<br />

173


Portanto, toda e qualquer iniciativa para esclarecer sobre as reais limitações e<br />

potencialidades de uma pessoa com deficiência, deve ser fomentada e divulgada.<br />

Este estudo também permite sugerir um maior aprofundamento em novas pesquisas<br />

com enfoque na diferença salarial como uma forma de preconceito e discriminação do<br />

trabalhador deficiente ou, ainda, as reais vantagens da empresa quando contrata um deficiente,<br />

além do conhecido desconto no imposto de renda, enfoques estes que não couberam ser<br />

abordados nesta tese.<br />

Em relação aos enfermeiros, apesar de não ser, diretamente, seu objeto de ação a<br />

colocação do trabalhador deficiente no mercado de trabalho, não se pode ignorar a relevância<br />

da atuação deste profissional seja no período pré, trans ou pós-hospitalar e o impacto de suas<br />

ações no processo de reabilitação deste indivíduo que, se for iniciado precocemente, só vai<br />

encurtar o período de afastamento do deficiente em relação ao seu trabalho, encorajando-o a<br />

voltar ao convívio social.<br />

No entanto, há que se preparar a sociedade, no sentido de superar as barreiras<br />

atitudinais, que são tão ou mais altas e difíceis de se transpôs quanto as arquitetônicas.<br />

Com vistas aos resultados, estes confirmaram a tese que o estudo propôs que foi a de<br />

que a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora (não cadeirantes) em relação aos<br />

trabalhadores cadeirantes reflete uma desvalorização destes últimos, caracterizando uma visão<br />

estigmatizante do trabalhador paraplégico.<br />

Finalizando, sobre o valor da diversidade, que é fundamental para acrescentar<br />

possibilidades na nossa existência, Barth (1990, p. 514-515) descreve assim:<br />

174<br />

Eu preferiria que meus filhos freqüentassem uma escola em que as diferenças<br />

fossem observadas, valorizadas e celebradas como coisas boas, como oportunidade<br />

para a aprendizagem. Eu gostaria de ver nossa compulsão para eliminar as<br />

diferenças, para melhorar as escolas. O que é importante sobre as pessoas [...] é o<br />

que é diferente, não o que é igual.


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183


1ª Parte <strong>–</strong> Caracterização dos Sujeitos<br />

Identificação do respondente:<br />

Sexo:<br />

Fem Masc<br />

Profissão:<br />

Há quanto tempo trabalha com o colega<br />

cadeirante?_____________________<br />

APÊNDICE A<br />

ROTEIRO <strong>DE</strong> ENTREVISTA<br />

RESPON<strong>DE</strong>NTE Nº _________<br />

Nível de Escolaridade<br />

Cargo:<br />

Sabe em que circunstâncias seu colega se tornou paraplégico?<br />

Sim não <br />

2ª Parte: Dados Subjetivos<br />

Religião:<br />

184<br />

Treinamento para lidar com o cadeirante?<br />

Sim não <br />

Conhecia seu colega cadeirante antes dele se tornar<br />

paraplégico?<br />

Sim não <br />

1. Quando eu falo a palavra deficiência, o que primeiro vem em sua cabeça?<br />

2. O que você diz sobre trabalhar com um colega cadeirante?<br />

3. Como você diria que é a percepção dos seus colegas de trabalho andantes em relação ao<br />

colega cadeirante ?<br />

4. O que você acha que mais chama a atenção de seus colegas andantes em relação ao<br />

colega cadeirante?<br />

5. Fale sobre o trabalho que seu colega cadeirante realiza.<br />

6. Você considera que há preconceito por parte de seus colegas de trabalho em relação ao<br />

colega cadeirante? Comente.<br />

7. Como você se sente trabalhando com um cadeirante?


Prezado(a) Sr(ª):<br />

APÊNDICE B<br />

TERMO <strong>DE</strong> CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />

(Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde)<br />

Você foi selecionado(a) e está sendo convidado(a) para participar da pesquisa intitulada “O<br />

paraplégico no mercado de trabalho <strong>–</strong> a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora:<br />

contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar”, que tem como objetivos: a)<br />

descrever a percepção dos trabalhadores em deficiência motora acerca do trabalhador paraplégico<br />

no trabalho; b) analisar, na percepção dos sujeitos do estudo, atitudes que denotem uma postura<br />

estigmatizante frente ao deficiente cadeirante; c) discutir as implicações da percepção dos<br />

trabalhadores sem deficiência motora acerca do paraplégico com a inclusão deste no contexto<br />

ocupacional e a prática da enfermagem no contexto da saúde do trabalhador.<br />

Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder questões da entrevista. Suas<br />

respostas serão gravadas em fita K-7 que será destruída cinco anos após o término da pesquisa.<br />

Para garantir o anonimato, você será representado por um número, para que não seja identificado.<br />

A sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se<br />

responder qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não<br />

trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. Não haverá custos<br />

para você nem riscos em participar deste estudo.<br />

Os resultados desta pesquisa poderão ser publicados em eventos, revistas ou livros<br />

científicos, sem que haja qualquer exposição das pessoas que dela participaram, uma vez que o<br />

anonimato está garantido. A divulgação das informações deste trabalho para a comunidade<br />

científica trará benefícios não só para a mesma, como também para a população alvo do estudo,<br />

uma vez que pretende estimular a reflexão sobre o tema, aumentando o espaço para o debate o<br />

assunto.<br />

Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador<br />

principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer<br />

momento.<br />

______________________________________<br />

Nome e assinatura do pesquisador<br />

Pesquisadora: Rachel Ferreira Savary Figueiró Tel: (21) 2293-9443 //(21) 2293-8899<br />

Rua Afonso Cavalcanti 2863 Cidade Nova Rio de Janeiro CEP: 21215100<br />

Data, ______de _________________de_________<br />

Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO <strong>DE</strong> CONSENTIMENTO e estou de<br />

acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento,<br />

sem sofrer qualquer tipo de punição ou constrangimento.<br />

_________________________________________<br />

Sujeito da pesquisa<br />

185


APÊNDICE C<br />

CARTA <strong>DE</strong> AUTORIZAÇÃO PARA COLETA <strong>DE</strong> DADOS<br />

UNIVERSIDA<strong>DE</strong> FE<strong>DE</strong>RAL DO RIO <strong>DE</strong> JANEIRO<br />

CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS DA SAÚ<strong>DE</strong><br />

ESCOLA <strong>DE</strong> ENFERMAGEM ANNA NERY/<strong>UFRJ</strong><br />

<strong>DE</strong>PARTAMENTO <strong>DE</strong> ENFERMAGEM <strong>DE</strong> SAÚ<strong>DE</strong> PÚBLICA<br />

Da: Profª MSc Rachel Ferreira Savary Figueiró <strong>DE</strong>SP/<strong>UFRJ</strong><br />

Para:<br />

Assunto: Autorização para coleta de dados de tese de doutorado<br />

Prezado Sr.<br />

Sou docente da <strong>UFRJ</strong> e, no momento, desenvolvo minha tese de doutorado que tem<br />

como um de seus objetivos identificar a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora<br />

sobre o paraplégico no contexto ocupacional.<br />

Através de consulta às entidades que dão suporte e encaminham pessoas portadoras de<br />

deficiência ao mercado de trabalho, soube que existem nessa instituição<br />

____________________________________, trabalhadores com este perfil.<br />

Desta forma, encaminho meu projeto de tese e a folha de rosto para pesquisa<br />

envolvendo seres humanos da CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) para vossa<br />

apreciação e, se possível, autorização para que eu possa coletar os dados para meu estudo.<br />

Cabe ressaltar que não haverá implicação financeira em nenhum momento para<br />

qualquer pessoa envolvida na pesquisa, e que o anonimato das pessoas entrevistadas será<br />

garantido uma vez que o estudo está pautado nas normas éticas impostas pela Resolução<br />

196/96 da CONEP.<br />

necessários.<br />

Assim, agradeço vossa atenção e coloco-me à disposição para os questionamentos<br />

Muito obrigada.<br />

Profª MSc Rachel Ferreira Savary Figueiró - EEAN/<strong>UFRJ</strong><br />

Rua Afonso Cavalcanti 275 <strong>–</strong> Cidade Nova<br />

Tel: 2293-8899 <strong>–</strong> 9874-5356<br />

e-mail: rachelfig@terra.com.br<br />

186


ANEXO A<br />

187

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