O PARAPLÉGICO NO MERCADO DE TRABALHO – A ... - UFRJ
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<strong>UFRJ</strong><br />
O <strong>PARAPLÉGICO</strong> <strong>NO</strong> <strong>MERCADO</strong> <strong>DE</strong> <strong>TRABALHO</strong> <strong>–</strong> A PERCEPÇÃO<br />
DOS TRABALHADORES SEM <strong>DE</strong>FICIÊNCIA MOTORA:<br />
Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar<br />
Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />
Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação<br />
em Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna<br />
Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro,<br />
como parte dos requisitos necessários à obtenção<br />
do título de Doutor em Enfermagem.<br />
Orientadora:<br />
Profª. Drª. Regina Célia Gollner Zeitoune<br />
Rio de Janeiro<br />
Outubro/2007
O <strong>PARAPLÉGICO</strong> <strong>NO</strong> <strong>MERCADO</strong> <strong>DE</strong> <strong>TRABALHO</strong> <strong>–</strong> A PERCEPÇÃO DOS<br />
TRABALHADORES SEM <strong>DE</strong>FICIÊNCIA MOTORA:<br />
Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar<br />
Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />
Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />
Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de<br />
Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro - <strong>UFRJ</strong>, como parte dos<br />
requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />
Aprovada por:<br />
______________________________________<br />
Presidente, Profª. Drª. Regina Célia Gollner Zeitoune<br />
__________________________________________________<br />
1º examinador, Prof. Dr. André Laino<br />
__________________________________________________<br />
2º examinador, Profª. Drª. Rosana Glat<br />
__________________________________________________<br />
3º examinador, Profª. Drª. Maria Yvone Chaves Mauro<br />
__________________________________________________<br />
4º examinador, Profª. Drª. Márcia Tereza Luz Lisboa<br />
__________________________________________________<br />
Suplente, Dr. Sérgio Lima<br />
__________________________________________________<br />
Suplente, Profª. Drª. Sheila Nascimento Pereira de Farias<br />
Rio de Janeiro<br />
Outubro /2007<br />
2
Figueiró, Rachel Ferreira Savary.<br />
O paraplégico no mercado de trabalho <strong>–</strong> a percepção dos trabalhadores sem<br />
deficiência motora: Contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar<br />
/ Rachel Ferreira Savary Figueiró. - Rio de Janeiro: <strong>UFRJ</strong>/ EEAN, 2007.<br />
185 f. il.; 31 cm.<br />
Orientador: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />
Tese (doutorado) <strong>–</strong> <strong>UFRJ</strong>/Escola de Enfermagem Anna Nery/ Programa<br />
de pós-graduação em enfermagem, 2007.<br />
Referências Bibliográficas: f. 173-181.<br />
1. Trabalhador. 2. Cadeirante. 3. Deficiência. 4. Estigma. I. Zeitoune,<br />
Regina Célia Gollner. II. Universidade Federal do Rio Janeiro, EEAN,<br />
Programa de Pós-graduação em Enfermagem. III. Título.<br />
3
Dedico este trabalho à minha Família Família. Família<br />
Aos meus filhos filhos, filhos<br />
Artur Artur, Artur<br />
Pedro e<br />
Miguel Miguel que me ensinaram o verdadeiro<br />
sentido da palavra “prioridade” e com sua<br />
generosidade, me deram carinho, sorrisos e<br />
colo quando eu precisei. Quem mais, se não<br />
vocês, a dar sentido à minha vida?<br />
<strong>DE</strong>DICATÓRIA<br />
Ao meu querido Esposo Rogério Figueiró Figueiró, Figueiró<br />
agradeço pelo seu amor, sua paciência, generosidade,<br />
carinho e esforço constantes para tornar esse processo<br />
menos turbulento e mais produtivo possível. Sua<br />
compreensão e tolerância nos meus momentos de cansaço e<br />
de humor pouco amigável foram fundamentais para que<br />
eu pudesse perseguir meu objetivo de terminar este<br />
trabalho. Foi com você que reforcei, durante estes últimos<br />
anos, minha crença na união, esperança, e serenidade nas<br />
adversidades. Você é uma pessoa muito especial! Esse<br />
trabalho é seu também. Amo você e nossa Família!<br />
4
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS ESPECIAIS<br />
Devo agradecer a Deus em primeiro lugar. Foi com Seu auxílio concreto e presença<br />
constante que consegui chegar até aqui. E também à Nossa Senhora que me amparou em<br />
vários momentos nesta jornada.<br />
Á minha Mãe Lina Lina que sempre se antecipou às minhas necessidades de conciliar meu<br />
tempo entre tese, casa, filhos e marido. Sua disponibilidade incondicional foi imprescindível<br />
para a conclusão do meu trabalho. Minha mãe, fonte inesgotável de amor!<br />
Ao meu Pai Alceste que contribuiu com estímulo constante, apoio logístico e<br />
compreensão pelos vários dias sem a companhia de minha mãe em casa. A vocês dois,<br />
referências na minha vida no que se refere aos valores que hoje eu tenho e cultivo, o meu<br />
sincero agradecimento.<br />
Valeu o incentivo de minha irmã Liane Liane, Liane<br />
que, em função do seu trabalho, não tinha<br />
como participar de maneira mais próxima desta etapa da minha vida profissional, mas mesmo<br />
de longe, sei que irradiava pensamentos positivos para que terminasse com sucesso esta<br />
empreitada.<br />
Vovó Vovó Conceição Conceição, Conceição Vovô Vovô Albertino e Tia Alic Alice... Alic<br />
Dedico este meu trabalho também a<br />
vocês porque tenho plena certeza que, mesmo aí no Céu, vocês torceram e ainda torcem por<br />
mim. Meu Deus, quanta saudade!<br />
5
AGRA<strong>DE</strong>CIMENTOS<br />
Agradeço muitíssimo à minha Orientadora Orientadora Profª. Profª. Drª. Regina Célia Célia Goll GollnerZeitoune<br />
Goll<br />
nerZeitoune nerZeitoune,<br />
nerZeitoune<br />
que quase teve sua reserva de paciência esgotada! Apesar das dificuldades inerentes à<br />
construção de um estudo deste porte, penso que valeu a pena. Ouso até dizer que nós duas<br />
aprendemos muita coisa neste período. Acabei sendo privilegiada, pela bagagem de<br />
conhecimento que tanto ela me proporcionou como o curso em si, e também pelos laços que, se<br />
antes eram fortes, agora ficaram mais estreitos. Obrigada pela confiança que depositou em<br />
mim, pela competência com que conduziu as orientações durante todo o curso, pela<br />
cumplicidade na defesa da idéia da tese e pela compreensão infindável nos momentos<br />
complicados. Espero ter feito jus à sua dedicação e competência como Orientadora.<br />
Aos Professores Professores Doutores Doutores que me honraram com sua anuência em participar da minha<br />
Banca Banca Examinadora<br />
Examinadora.<br />
Examinadora<br />
À amiga Profª. Drª. Ângela Abreu Abreu, Abreu<br />
que me iniciou no mundo da Lesão medular e que<br />
acabou sendo tão responsável pela minha paixão pelo tema. Não vou me esquecer nunca das<br />
palavras de incentivo ao meu esforço, dos elogios e apoio na consecução da minha tese.<br />
À Chefia do <strong>DE</strong>SP pela confiança e apoio nas pessoas das Professoras Drªs<br />
Elisabete Elisabete Pimenta Pimenta e Rosane Griepp Griepp. Griepp<br />
A todas minhas colegas do Departamento Departamento de Enfermagem de Saúde Pública Pública Pública que<br />
torceram pelo êxito do meu trabalho, o meu agradecimento.<br />
À Sônia Maria Xavier Xavier, Xavier<br />
secretária do Programa de Ensino de Pós Graduação e<br />
Pesquisa da EEAN/<strong>UFRJ</strong>, pelo atendimento às minhas solicitações durante a realização do<br />
curso.<br />
6
Às empresas que abriram suas portas, franqueando seus departamentos e autorizando<br />
as entrevistas para que eu pudesse coletar os dados e construir esta tese.<br />
Aos trabalhadores<br />
trabalhadores, trabalhadores<br />
sujeitos do meu estudo, obrigada pela compreensão e colaboração.<br />
Muito obrigada!<br />
7
8<br />
[...] um homem se humilha<br />
Se castram seu sonho<br />
Seu sonho é sua vida<br />
E a vida é trabalho<br />
E sem o seu trabalho<br />
Um homem não tem honra<br />
E sem a sua honra<br />
Se morre, se mata<br />
Não dá pra ser feliz<br />
Não dá pra ser feliz<br />
Gonzaga Jr.
RESUMO<br />
O <strong>PARAPLÉGICO</strong> <strong>NO</strong> <strong>MERCADO</strong> <strong>DE</strong> <strong>TRABALHO</strong> <strong>–</strong> A PERCEPÇÃO DOS<br />
TRABALHADORES SEM <strong>DE</strong>FICIÊNCIA MOTORA: Contribuições da enfermagem para<br />
a equipe multidisciplinar<br />
Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />
Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />
Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em<br />
Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -<br />
<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />
Estudo sobre a percepção do trabalhador sem deficiência motora acerca do paraplégico no<br />
contexto de trabalho. Objetivos: descrever a percepção dos trabalhadores sem deficiência<br />
motora acerca do trabalhador paraplégico no trabalho; analisar, na percepção dos sujeitos do<br />
estudo, atitudes que denotassem uma postura estigmatizante frente ao deficiente cadeirante no<br />
contexto do trabalho; discutir as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência<br />
motora acerca da inclusão do paraplégico no contexto ocupacional, na perspectiva da Saúde<br />
do Trabalhador. O referencial teórico se apoiou, dentre outros, em Erving Goffman (1988,<br />
2005) e Carolyn Vash (1988). Abordagem qualitativa, norteada pelos pressupostos da<br />
dialética. Os dados foram captados através de entrevista semi-estruturada no local de trabalho<br />
dos sujeitos. Os resultados revelaram que: estes percebem a deficiência como um atributo do<br />
indivíduo deficiente e não como uma condição construída socialmente que transforma<br />
dificuldade em incapacidade; a família e o tratamento de reabilitação foram apontados como<br />
ferramentas para que o cadeirante se instrumentalizasse para ingressar e permanecer no<br />
mercado de trabalho; que a noção estigmatizante do deficiente é, de fato, uma realidade no<br />
ambiente ocupacional, mais expressiva nas faixas etárias jovens, independendo do nível de<br />
escolaridade; não guardando coerência com as reais limitações do cadeirante. Tal<br />
comportamento vai repercutir negativamente na saúde do trabalhador cadeirante que não se<br />
sente valorizado pelo grupo onde trabalha. Não vendo seu esforço reconhecido e sentindo-se<br />
preterido em função da sua deficiência, sofre profundo prejuízo em sua auto-estima que pode,<br />
cedo ou tarde, resultar em afastamento por depressão ou por acidentes de trabalho.<br />
Palavras-chave: Trabalhador; Cadeirante; Deficiência; Estigma.<br />
9
ABSTRACT<br />
THE WHEEL CHAIR BOUND INDIVIDUAL IN THE WORK MARKET <strong>–</strong> THE<br />
PERCEPTION OF WORKERS WHO ARE <strong>NO</strong>T MOTOR DISABLED:<br />
Nursing subsidy for multiprofessional team<br />
Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />
Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />
Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em<br />
Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -<br />
<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />
Study on the worker’s perception who does not suffer from motor disability towards the<br />
wheel chair bound individual in the work context. Objectives: to describe the perception such<br />
workers have about the wheel chair bound individual at work; to analyse, in the subjects’s<br />
perception, attitudes that might represent a stigmatising posture towards the wheel chair<br />
bound individual in the work context; to discuss the implications of such perception vis-a-vis<br />
the inclusion of the wheel chair bound individual in the occupational context, in the light of<br />
the Worker’s Health. The theoretical support has based itself, among others, on Erving<br />
Goffman (1988,2005) and Carolyn Vash (1988), Qualitative approach, guided by the dialetic<br />
principles. The data was gathered through semi-structured interviews at the subjects’s place<br />
of work. The results have revealed that the subjects perceive the disability as a feature of the<br />
disabled individual and not as a condition socially constructed, which transforms difficulty in<br />
lack of ability; the family, as well as the rehabilitation treatment have been shown as tools so<br />
that the wheel chair bound individual could acquire the necessary skills in order to join and<br />
remain in the work market; that the stigmatising notion of the disabled individual constitutes,<br />
indeed, a reality which is part of the occupational environment, more expressive among<br />
younger age groups, regardless their school background; it bears no coherence with the real<br />
limitations of the wheel chair bound individual. Such behaviour will have a negative<br />
repercussion upon the wheel chair bound worker’s health, who does not feel valued by the<br />
group he/she works with. Feeling his/her effort neglected and feeling ostracized due to<br />
his/her physical disability, his/her self-esteem is shattered, which, sooner or later, provokes<br />
the need of taking leaves or triggers accidents at work.<br />
Key-words: Worker; Wheel chair bound individual, Disability; Stigma.<br />
10
RESUMEN<br />
EL PARAPLÉJICO EN EL <strong>MERCADO</strong> <strong>–</strong> LA PERCEPCIÓN <strong>DE</strong> LOS<br />
TRABAJADORES SIN <strong>DE</strong>FICIENCIA MOTORA: contribuiciones de la enfermeria<br />
para la equipo de salud interdisciplinario<br />
Rachel Ferreira Savary Figueiró<br />
Orientadora: Regina Célia Gollner Zeitoune<br />
Resumen da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em<br />
Enfermagem, Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro -<br />
<strong>UFRJ</strong>, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Enfermagem.<br />
Estudio sobre la percepción del trabajador sin deficiencia motora acerca del parapléjico en<br />
el contexto de trabajo. Objetivos: describir la percepción de los trabajadores sin deficiencia<br />
motora acerca del trabajador parapléjico en el trabajo; analizar, en la percepción de los sujetos<br />
de estudio, actitudes que denoten una postura estigmatizadora frente al discapacitado motor en<br />
el contexto del trabajo; discutir las implicaciones de la percepción de los trabajadores sin<br />
deficiencia motora acerca de la inclusión del parapléjico en el contexto ocupacional, en la<br />
perspectiva de la salud del trabajador. El referencial teórico ha sido apoyado, entre otros, en<br />
Irving Goffman (1988, 2005) e Carolyn Vash (1988). Abordaje cualitativo, guiado por los<br />
presupuestos de la dialéctica. Los datos han sido captados a través de entrevistas<br />
semiestructuradas en el local de trabajo de los sujetos. Los resultados han revelado que: éstos<br />
perciben la deficiencia como un atributo del individuo deficiente y no como una condición<br />
construida socialmente que trasforma dificultad en incapacidad; la familia y el tratamiento de<br />
rehabilitación, han sido apuntados como las herramientas fundamentales que le permitirán, al<br />
discapacitado motor, ingresar y permanecer en el mercado de trabajo; que la noción<br />
estigmatizadora del deficiente es, de hecho, una realidad en el ambiente ocupacional, más<br />
expresivas en la etapa juvenil, independiente del nivel de escolaridad y que no guarda<br />
coherencia con las limitaciones reales del discapacitado motor. Por otra parte, tal<br />
comportamiento irá a repercutir negativamente en la salud del trabajador discapacitado que no<br />
se siente valorizado por el grupo donde trabaja y no ve su esfuerzo reconocido, por lo que se<br />
ve relegado, en función de su deficiencia motora. Esta actitud le acarrea un profundo perjuicio<br />
en su autoestima que puede llevarlo, más tarde o más temprano a apartarse del ámbito laboral<br />
por depresión o por accidente de trabajo.<br />
Palabras claves: Trabajador; Discapacitado motor; Deficiencia; Estigma.<br />
11
SUMÁRIO<br />
CAPÍTULOS<br />
I CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES INICIAIS<br />
14<br />
1.1 Contextualização do Objeto de Estudo e a Problemática 14<br />
1.2 Questões Norteadoras 24<br />
1.3 Objetivos 25<br />
1.4 Justificativa do Estudo 25<br />
1.5 Relevância do Estudo 28<br />
1.5 A Tese 30<br />
II REFERENCIAL TEÓRICO<br />
2.1 Lesão Medular <strong>–</strong> definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à<br />
vida social<br />
2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular <strong>–</strong> conceito, fatores envolvidos na<br />
reabilitação e fases da reabilitação<br />
2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência <strong>–</strong> a construção histórica do lidar com a<br />
pessoa deficiente - estigma, preconceito, discriminação<br />
2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular <strong>–</strong> aspectos legais e<br />
outros fatores que apontam para a inclusão<br />
2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador <strong>–</strong><br />
saúde do trabalhador, reabilitação profissional<br />
III METODOLOGIA<br />
3.1 Tipo do Estudo<br />
3.2 Local do Estudo<br />
3.3 Sujeitos do Estudo<br />
3.4 Instrumento de Coleta de Dados<br />
3.5 Coleta de Dados<br />
3.6 Tratamento, Análise e Discussão dos Dados<br />
3.7 Aspectos Éticos<br />
IV ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />
4.1 A compreensão sobre a deficiência <strong>–</strong> a deficiência nas palavras dos andantes<br />
4.2 O deficiente cadeirante no ambiente Ocupacional: a percepção dos trabalhadores<br />
sem deficiência motora<br />
4.3 Cadeirantes no ambiente de trabalho: como a deficiência sobressai aos olhos dos<br />
andantes<br />
4.4 O trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes<br />
4.5 Trabalhadores cadeirantes e os trabalhadores andantes: comportamento<br />
preconceituoso no ambiente de trabalho?<br />
V CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
REFERÊNCIAS<br />
APÊNDICES<br />
Apêndice A - Roteiro de Entrevista<br />
Apêndice B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido<br />
12<br />
31<br />
32<br />
42<br />
48<br />
66<br />
69<br />
77<br />
77<br />
75<br />
79<br />
82<br />
84<br />
85<br />
86<br />
87<br />
89<br />
100<br />
114<br />
128<br />
143<br />
164<br />
175<br />
184<br />
185
Apêndice C - Carta de Autorização para Coleta de Dados<br />
ANEXO<br />
Anexo A <strong>–</strong> Carta de Aprovação no CEP<br />
13<br />
186<br />
187
CAPÍTULO I<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES INICIAIS<br />
1.1 Contextualização do Objeto de Estudo e a Problemática<br />
O estudo teve como objeto a percepção do trabalhador sem deficiência motora<br />
acerca do paraplégico no contexto de trabalho. Com vistas ao objeto, cabe inicialmente<br />
esclarecer quais concepções foram adotadas no estudo sobre os termos percepção e<br />
paraplégico.<br />
Em psicologia, neurociência e ciências cognitivas, percepção é a função cerebral que<br />
atribui significado a estímulos sensoriais, a partir de histórico de vivências passadas. Através<br />
da percepção, um indivíduo organiza e interpreta as suas impressões sensoriais para atribuir<br />
significado ao seu meio. Consiste na aquisição, interpretação, seleção e organização das<br />
informações obtidas pelos sentidos. A percepção pode ser estudada do ponto de vista<br />
estritamente biológico ou fisiológico, envolvendo estímulos elétricos evocados pelos<br />
estímulos nos órgãos dos sentidos. Do ponto de vista psicológico ou cognitivo, a percepção<br />
envolve também os processos mentais, a memória e outros aspectos que podem influenciar na<br />
interpretação dos dados percebidos (WIKIPEDIA, 2007).<br />
O conceito de percepção, no sentido mais amplo, é caracterizado por um processo de<br />
cognição em que os procedimentos mentais se realizam mediante o interesse ou a necessidade<br />
de estruturar a nossa interface com a realidade e o mundo, selecionando as informações<br />
percebidas, armazenando-as e conferindo-lhes significado. Trata-se a percepção como uma<br />
situação objetiva baseada em sensações, acompanhada de avaliação e freqüentemente de<br />
juízos (NASCIMENTO; RIO; OLIVEIRA, 1996).<br />
Com vistas às considerações, entender-se-á por percepção, o<br />
14
ato de perceber, ação de formar mentalmente representações dos objetos externos a<br />
partir dos dados sensoriais. Todas as percepções da mente humana se incluem em<br />
dois tipos distintos: impressões (sensações, paixões e emoções) e idéias (pensamento<br />
e raciocínio). A diferença consiste no grau de força e vivacidade segundo os quais<br />
atingem a mente, chegando até o pensamento e a consciência. (JAPIASSU e<br />
MARCON<strong>DE</strong>S, 1999, p. 22)<br />
E por paraplégico aquele que é portador de paraplegia, ou seja:<br />
[...] paralisia que afeta apenas os membros inferiores, podendo ser causa resultante<br />
de uma lesão medular torácica ou lombar, ou ainda por causas não traumáticas como<br />
tumores e infecções. Este trauma ou doença altera a função medular, produz como<br />
conseqüências, além de déficits sensitivos e motores, alterações viscerais e sexuais.<br />
(LIANZA, 2001, p 103)<br />
Nos aspectos legais, o Decreto nº 3.298 de dezembro de 1999 (BRASIL, 1999)<br />
categoriza a paraplegia como uma deficiência física, sendo esta definida como<br />
alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano,<br />
acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de<br />
paraplegia, paraparesia [...], exceto as deformações estéticas e as que não produzam<br />
dificuldades para o desempenho de funções [...].<br />
Cabe ainda esclarecer que, no estudo, foram utilizados, com o mesmo significado da<br />
palavra paraplégico, os termos: portador de necessidades especiais (PNE), cadeirante,<br />
deficiente físico (DF) e deficiente motor (DM). Para nomear o indivíduo sem deficiência<br />
motora, utilizou-se também o termo andante que é usado pelos cadeirantes quando se referem<br />
àqueles não portadores de deficiência motora dos membros inferiores.<br />
Assim, na perspectiva de contextualizar o objeto a ser investigado na trajetória da<br />
autora do estudo, vale dizer que a inquietação teve início na carreira de docente de<br />
enfermagem em uma Universidade Pública Federal no Estado do Rio de Janeiro em 1997,<br />
atuando em um programa curricular do curso de graduação que tem como eixo central a<br />
reabilitação, onde passou a ter contato com pessoas vítimas de traumatismo raquimedular<br />
(TRM) pela violência urbana que eram atendidas no cenário de prática dos alunos sob sua<br />
supervisão.<br />
15
Essa clientela com seqüelas de paraplegia ou tetraplegia, ou seja, paralisia dos<br />
membros inferiores e superiores tinha que reaprender a lidar com seu corpo, agora tão<br />
diferente com limitações severas impostas pela lesão.<br />
Portanto, a autora iniciou alguns estudos nesta área buscando compreender não só o<br />
fenômeno neurológico em si e suas complicações, mas, também, as implicações daquela lesão<br />
nos aspectos socioeconômico e psíquico, bem como nos contextos familiar e de lazer do<br />
indivíduo portador de necessidades especiais.<br />
Isto porque, como professora, tinha de instrumentalizar os alunos para a assistência<br />
direta ao deficiente motor desde o momento de instalação da lesão até a fase de reabilitação e<br />
seu ajustamento.<br />
Cabe ressaltar que essa instrumentalização não se restringe apenas aos aspectos<br />
relacionados à mera execução de técnicas invasivas e não invasivas, mas à visão do cliente<br />
como um todo, valorizando aquilo que não foi comprometido pela lesão medular e que será<br />
elemento chave no tratamento de reabilitação.<br />
No entanto, nós, docentes, nos deparamos com uma barreira que obstaculiza a<br />
tentativa de transformação das atitudes dos alunos frente ao deficiente motor, pois, conforme<br />
Costa, Filgueiras e Da Mata. (1999), os alunos se mostram pouco à vontade diante do novo,<br />
do diferente. Suas reações diante dos clientes variam desde pena, medo, tristeza à impotência.<br />
Essas reações e sentimentos que os discentes verbalizam podem, sem que eles percebam,<br />
dificultar a interação com os pacientes.<br />
Foi então que me deparei com o fato de que é muito difícil para o aluno, durante o<br />
tempo que ele passa nesse cenário, compreender e acreditar que se devem investir esforços<br />
nas “capacidades” residuais daquele indivíduo não concentrando exageradamente ou<br />
exclusivamente o foco de atenção naquilo que foi “perdido” com o trauma.<br />
16
Capacidade residual é todo o potencial sensitivo e motor que foi preservado após a<br />
lesão e que pode ser transformado, por meio de um tratamento de reabilitação em capacidade<br />
funcional, ou seja, trabalhar com outras estruturas funcionais do organismo que<br />
permaneceram, total ou parcialmente, intactas após a lesão.<br />
Em outras palavras, quando uma lesão medular não atinge todos os feixes de fibras<br />
nervosas, o que se caracteriza por uma lesão incompleta, tem-se um quadro clínico muito<br />
variável, uma vez que as fibras nervosas íntegras e aquelas parcialmente atingidas servem,<br />
ainda, como ponte para a transmissão de impulsos elétricos.<br />
O’ Sullivan e Schmitz (1993) esclarecem que, após a lesão raquimedular, o paciente<br />
reaverá suas capacidades motoras e sensitivas totalmente ou parcialmente que foram<br />
prejudicadas, abaixo do nível da lesão. Isso dependerá do quão extenso foi o dano causado na<br />
medula espinhal.<br />
Contudo, no processo de reabilitação, há de se valorizar a capacidade residual<br />
tornando-a o mais funcional possível, com vistas ao retorno desse indivíduo para o convívio<br />
familiar, de lazer e laborativo, com o máximo de sua potencialidade funcional.<br />
Assim, o processo ensino-aprendizagem referido objetiva preparar os alunos não só<br />
com relação aos procedimentos técnicos, mas também tem o compromisso de levá-los à<br />
reflexão sobre o significado do termo deficiência, sobre quais são as reais limitações que a<br />
lesão traz ao indivíduo.<br />
Cabe aqui apresentar alguns conceitos de deficiência e apontar aquele que norteará as<br />
discussões do estudo.<br />
De acordo com a Enciclopédia e Dicionário Koogan/Houaiss (1993, p. 253), o<br />
vocábulo “deficiência” deriva do Latim Deficientiae e significa “falta; imperfeição;<br />
insuficiência”. No domínio da saúde, deficiência representa qualquer perda ou anormalidade<br />
da estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica (OPAS/OMS, 2003).<br />
17
Dizer que um indivíduo tem uma deficiência não implica, portanto, que ele tenha uma<br />
doença nem que tenha de ser encarado como “doente”. Já o Decreto nº 3.298/99 (BRASIL,<br />
1999) considera que as deficiências podem ser parte ou uma expressão de uma condição de<br />
saúde, mas não indicam necessariamente a presença de uma doença ou que o indivíduo deva<br />
ser considerado doente. Completa, informando que as deficiências podem ser temporárias ou<br />
permanentes, progressivas, regressivas ou estáveis, intermitentes ou contínuas.<br />
Retomando a linha de raciocínio, o que se percebia nas colocações dos alunos era uma<br />
preocupação desproporcional com determinadas complicações do TRM em detrimento da<br />
valorização do potencial do cliente.<br />
Este, muitas vezes, pelo efeito do trauma ou por não ter tido um suporte adequado para<br />
um tratamento direcionado na área de reabilitação, tem esse potencial mascarado ou<br />
embotado; por vezes, diminuído, é verdade, mas por uma procura ou acesso tardio ao<br />
tratamento.<br />
A percepção do aluno passa também a inquietar quando, apesar de todo conteúdo<br />
teórico e prático oferecido durante o desenvolvimento do programa curricular, ainda tem<br />
dificuldade de “enxergar” num paraplégico o que está por traz daquele corpo aparentemente<br />
inerte.<br />
Por outro lado, mesmo com os docentes que dominam a temática, esse entendimento<br />
nem sempre fica completamente estabelecido; talvez em função da carga de preconceitos que<br />
cada um de nós carrega.<br />
Dessa forma, vem a reflexão: o que se pode esperar da população em geral, que<br />
interage em diferentes contextos, com indivíduos deficientes, inclusive no ambiente de<br />
trabalho e que não tem o conhecimento e essa preocupação ou inquietação? Assim, começa a<br />
delinear a problemática de que o portador de deficiência, apesar de reabilitado, tem<br />
18
dificuldade de retornar ou, às vezes, se manter nas atividades laborais pela discriminação<br />
imposta pelos ditos “normais”.<br />
E é esse, se não o maior, um dos maiores entraves para o lesado medular: o de<br />
enfrentar sérias dificuldades para retornar, de forma digna, ao contexto social.<br />
Durante o atendimento a essa clientela, essa queixa é a que mais aparece. Muitos,<br />
inclusive, não querem continuar o tratamento de reabilitação por dois motivos: o fato de que<br />
não voltarão mais a andar com suas pernas e o segundo é que, mesmo fazendo uso de órteses<br />
ou próteses, não conseguem suportar a discriminação ou compaixão das pessoas não<br />
portadoras de deficiência física. Sabem que não vão competir em bases iguais com os<br />
supostamente sãos, melhor dizendo, sem deficiência aparente.<br />
De fato, é comum se observar no dia-a-dia, pessoas não deficientes adotando atitudes<br />
que variam desde a compaixão até ao deboche, passando pela indiferença por uma dificuldade<br />
de não saber como lidar com o diferente.<br />
Há não só a fala dos clientes, mas inclusive a dos alunos que demonstram, como citado<br />
anteriormente, certa dificuldade em lidar com esses indivíduos. Para eles, é como se a idéia<br />
da reabilitação fosse como algo parcial, pela metade. Como o evento “cura” não acontece (no<br />
sentido de que o lesado medular vai ter limitações motoras e sensitivas importantes) é difícil<br />
para eles, vislumbrarem uma possibilidade de viver com qualidade, mesmo com um corpo<br />
diferente.<br />
Provavelmente, o fator idade interfira bastante nessa compreensão. Os alunos estão<br />
numa fase onde tudo é muito intenso, as transformações são rápidas e todos nós somos<br />
impelidos a buscar sempre resultados imediatos. Aliás, independente da idade, vivemos numa<br />
era onde a eficácia e a eficiência são fomentadas ao extremo. Além disso, nosso<br />
comportamento é resultante de um arcabouço de valores e crenças que formamos desde nossa<br />
19
infância. Despojarmo-nos de tudo, inclusive dos preconceitos que temos, para interagir com<br />
pessoas “diferentes” não é fácil.<br />
Sobre isso, Vianna (1997, p. 72) traz em seu estudo uma fala ilustrativa sobre o<br />
comportamento dos profissionais de saúde: “é muito mais difícil e muito mais caro fazer as<br />
pessoas desaprenderem o que elas já sabem do que aprender coisas novas. Esse processo de<br />
transformação dos profissionais que trabalham na área da saúde é o maior entrave”.<br />
Na perspectiva dos deficientes, Esteves e Savary (2003, p. 18), em seu estudo sobre as<br />
facilidades e dificuldades de inserção no mercado de trabalho dos portadores de lesão<br />
medular, ilustram bem a percepção desses clientes com os seguintes depoimentos:<br />
[...] Tudo é difícil na vida. A pessoa (sem deficiência) quando olha para o deficiente,<br />
já olha com pena. Não... vendo que ele tem capacidade. Mas, às vezes o deficiente...<br />
quer mostrar que tem capacidade como outra pessoa qualquer.<br />
A pessoa (sem deficiência) não pode olhar para o deficiente como digno de pena se<br />
ele não é digno de pena. Porque encostar ele e dar um salário mínimo, isso é fácil.<br />
Porque muitas vezes ele está com a cabeça boa, a mão boa... pode mexer num<br />
computador...tem muitas coisas que um deficiente pode fazer. E o deficiente precisa<br />
trabalhar, porque quando não trabalha, a tendência é ficar cabisbaixo, não tem mais<br />
ânimo pra nada. Só fica ali, comendo, engordando... Não vive muito não.<br />
Santos (2000, p. 85) também demonstra o sentimento do portador de lesão medular<br />
frente aos olhares dos “normais”:<br />
Alguns olhares me incomodam. Porque vai depender do ambiente em que estou. Se<br />
ficam me olhando como um coitado, eu nem vou mais lá.<br />
Eu vou dizer para vocês que não saio na rua de cadeira. Eu vou na casa de pessoas<br />
conhecidas, gosto de festa [...] não saio nem na área de casa, eu não me sinto bem...<br />
só vou para casa de parentes.<br />
Elman (2002) também ressalta semelhante dificuldade enfrentada pelos deficientes<br />
mentais que desejam ingressar e se manter no mercado de trabalho.<br />
Os relatos são bastante ilustrativos no que se refere à dificuldade desses indivíduos em<br />
retornarem à vida social. Ficou claro que não basta apenas reabilitar o corpo daquele<br />
indivíduo deficiente. Provavelmente a cabeça/mente/consciência daqueles que se acham<br />
“normais” precisaria de mais atenção.<br />
20
Por outro lado, alguns estudiosos como Goffman (1988) colocam outro elemento para<br />
reflexão que ofusca um pouco a possibilidade de credulidade cega nestes argumentos dados<br />
pelos deficientes. Segundo este autor, uma pessoa estigmatizada pode responder de formas<br />
variadas à situação de “desprestígio” que enfrenta diante dos outros indivíduos “normais”.<br />
Uma destas formas pode ser chamada de “efeito cabide”. Em outras palavras, o<br />
estigmatizado “pendura” na sua deficiência, toda sua insuficiência, todas as suas insatisfações,<br />
todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social que trazem, a reboque,<br />
toda a responsabilidade social. Ou seja, caso o deficiente, intimamente, não deseje trabalhar,<br />
ele pode usar sua deficiência como uma “desculpa” socialmente aceitável para não fazê-lo.<br />
Uma vez que encarar o dia-a-dia do trabalho possa ser, por vezes, enfadonho e penoso,<br />
o deficiente ao se deparar com esta realidade, que é comum a todos, inclusive àqueles que não<br />
têm deficiência, assume uma postura de vítima das circunstâncias. Daí, seu argumento de que<br />
não consegue entrar e se manter no mercado de trabalho em função da discriminação e<br />
preconceito por parte da sociedade dita “normal” acaba, no mínimo, merecendo<br />
questionamentos.<br />
Ainda com relação ao acesso do deficiente no mercado de trabalho, é sabido que há<br />
um amparo legal para a pessoa portadora de necessidades especiais, que será posteriormente<br />
apresentado com todo o detalhamento, bem como há atuação de Organizações<br />
Governamentais como o Centro Integrado de Apoio ao Deficiente (CIAD) no Rio de Janeiro e<br />
as Não Governamentais como o Centro de Vida Independente (CVI), mas, apesar disto, o<br />
deficiente tem trazido, na prática, que estes não têm sido suficientes para que sejam garantidos<br />
os seus direitos.<br />
Ou seja, a população de um modo geral que necessita de reabilitação ainda não tem<br />
seu direito plenamente atendido no que se refere não somente ao tratamento em si, mas no que<br />
21
diz respeito ao seu futuro como cidadão, ao seu papel dentro do seu grupo social, membro<br />
efetivo de uma comunidade, com direitos e deveres.<br />
Há de se dizer que a deficiência 1 depende do ponto de vista das pessoas. Que um<br />
paraplégico apresente limitações motoras e sensitivas, isso já se sabe; contudo, o<br />
desconhecimento e o despreparo das pessoas ditas “normais” para lidar com a deficiência “do<br />
outro’ os levam a um comportamento de preconceito, trazendo prejuízos à PPNE. Preconceito<br />
este entendido como<br />
julgamento prévio rígido e negativo sobre um indivíduo ou grupo. No uso moderno<br />
assume conotações diversas, porém à maioria delas, persistem as noções de<br />
julgamento prévio desfavorável, efetuado antes de um exame ponderado e completo<br />
e mantido rigidamente, mesmo em face de provas que o contradigam. (WILLIAN,<br />
1993, p. 53)<br />
Dando continuidade às inquietações sobre o objeto de investigação, a realidade de ser<br />
professora e ter despertado para estas questões, fez a autora do estudo retomar, na memória,<br />
uma situação vivida na área da Enfermagem do Trabalho no ano de 1998, quando atuou em<br />
uma empresa de grande porte, que não contemplava em seu quadro de funcionários, à época, a<br />
presença de pessoas portadoras de deficiência motora, conforme preconiza a Lei nº 8.213 de<br />
1991 (BRASIL, 1991). Hoje se pensa que isso pode ser atribuído, talvez, pelo fato de a<br />
legislação direcionada para a PPNE ser, neste caso, relativamente nova, apesar de já estar em<br />
vigor naquela data.<br />
Ainda na perspectiva de apresentar a magnitude da problemática do estudo, há os<br />
dados estatísticos que retratam a dimensão a ser investigada. Nesta linha de raciocínio,<br />
segundo dados do IBGE do Censo 2000, estima-se a população do Brasil em 169.799.170<br />
sendo que desta, 955.287 são pessoas com deficiências físicas do tipo paraplegia, tetraplegia<br />
ou hemiplegia permanente.<br />
Deste universo de deficientes físicos, 790.153 residem em região urbana, sendo<br />
435.712 do sexo masculino, com uma concentração de 411.547 na Região Sudeste e, como<br />
1 Grifo da autora<br />
22
conseqüência das lesões medulares, as paraplegias foram responsáveis por 60,5% do total de<br />
casos, enquanto as tetraplegias por 39,5% dos casos.<br />
Dentre esses deficientes físicos, há aqueles que foram vítimas por disparos de arma de<br />
fogo, permitindo inferir que a maior parte dos portadores de lesão medular traumática têm<br />
sido vítimas da violência social. É importante observar que a grande maioria das vítimas da<br />
violência urbana é de jovens do sexo masculino com idade entre 10 a 29 anos, faixa etária<br />
correspondente ao período de maior investimento intelectual e ao ingresso no mercado de<br />
trabalho.<br />
No Rio de Janeiro, cidade conhecida pelo crescimento da violência urbana, a<br />
população de deficientes com tetraplegia, paraplegia ou hemiplegia permanente é de 77.837<br />
(IBGE, 2000), ficando a partir da lesão e durante o processo de reabilitação inicial,<br />
impossibilitadas de assumir integralmente as atividades das quais faziam parte.<br />
Infelizmente, esta dificuldade de inclusão social não ocorre apenas devido à limitação<br />
física imposta pelo trauma, mas também pelas limitações de um Estado que tem dificuldades<br />
em viabilizar sua estrutura física e social para integrar essa parcela da população no contexto<br />
social. Esta realidade também é vista em outros estados e países.<br />
Mas, ainda que fossem observadas todas as leis que dão suporte à questão da PPNE no<br />
Brasil, no sentido de garantir-lhe a gratuidade no transporte, remoção de barreiras<br />
arquitetônicas, garantia de vagas em escolas e nas inscrições em concursos públicos, educação<br />
especial àqueles com déficit de aprendizagem, abatimento em alguns impostos e atendimento<br />
de reabilitação adequado à sua necessidade, esta enfrentaria outro tipo de obstáculo: o estigma<br />
da sociedade relacionado à condição de deficiência do outro; principalmente se for visível,<br />
como é o caso das pessoas que se locomovem em cadeiras de rodas (GLAT, 2004).<br />
Quando ainda compreendido como “algo” que não funciona mais, marginalizado pela<br />
sociedade e pelo Poder Público, o portador de lesão medular pode entrar em um processo de<br />
23
deterioração social e conseqüentemente assumir a categoria de vida que está lhe sendo<br />
imposta pelas limitações e não a que pode ser alcançada através de um trabalho de<br />
reabilitação.<br />
A reabilitação, em seu conceito amplo, compreende os seguintes aspectos: reabilitação<br />
física, que cuida da recuperação física e orgânica; reabilitação psicológica que opera na esfera<br />
psíquica do cliente, atuando de forma a levá-lo a compreender melhor a si mesmo e sua<br />
relação com o meio ambiente; reabilitação profissional, que integra o homem ao seu trabalho<br />
anterior ou a outro compatível com sua deficiência funcional restituindo-lhe o sentimento de<br />
independência e de auto-suficiência; e a reabilitação social, que decorre das precedentes<br />
reintegrando o homem na sociedade (TALIBERTI, 1997).<br />
Diante do exposto, a inquietação da pesquisadora está especificamente na questão da<br />
inclusão no mercado de trabalho da pessoa paraplégica, sob o olhar do trabalhador sem<br />
deficiência motora. Isto porque, sendo a maior parte dos portadores de lesão integrantes da<br />
população economicamente ativa e visto que a reabilitação se compromete em restabelecer,<br />
em seu maior grau de potencialidade, as atividades funcionais do indivíduo em níveis físico e<br />
social, é através da inclusão desse indivíduo no mercado de trabalho que a reabilitação se<br />
concretizará.<br />
1.2 Questões Norteadoras<br />
À luz do objeto do estudo, das inquietações da autora e problemática, traçou-se como<br />
questões norteadoras:<br />
- Qual é a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora, acerca do<br />
trabalhador paraplégico no trabalho?<br />
- A percepção dos não portadores de deficiência motora tem coerência com as<br />
limitações de fato impostas pela lesão medular?<br />
24
- A percepção da pessoa não portadora de deficiência motora se mostra como<br />
uma compreensão estigmatizante sobre os paraplégicos?<br />
- Quais as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora<br />
acerca do paraplégico e a inclusão deste no contexto ocupacional?<br />
1.3 Objetivos do Estudo<br />
Com vistas às questões norteadoras propostas no estudo, têm-se como objetivos:<br />
- Descrever a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora acerca do<br />
trabalhador paraplégico no trabalho;<br />
- Analisar, na percepção dos sujeitos do estudo, atitudes que denotem uma postura<br />
estigmatizante frente ao deficiente cadeirante no contexto do trabalho;<br />
- Discutir as implicações da percepção dos trabalhadores sem deficiência motora<br />
acerca da inclusão do paraplégico no contexto ocupacional, na perspectiva da<br />
Saúde do Trabalhador.<br />
1.4 Justificativa do Estudo<br />
Dando seguimento às questões do estudo, cabe apresentar a justificativa da pesquisa,<br />
sendo esta apoiada na problemática inicialmente apontada baseada na inquietação da autora<br />
bem como pela estatística que mostra o elevado número de pessoas portadoras de paraplegia<br />
na faixa etária produtiva e, conseqüentemente, sujeitas à exclusão do trabalho. Como<br />
justificativa tem-se ainda a insuficiência de produção de conhecimento sobre o objeto em tela.<br />
Neste sentido, buscar-se-á apresentar o que há de investigado sobre o assunto.<br />
Pode-se dizer, então, que a temática “pessoa portadora de deficiência motora”, neste<br />
caso em particular, se apresenta para a autora deste estudo sob diferentes dimensões quando se<br />
refere à produção de conhecimento.<br />
25
São conhecidas investigações na vertente do portador de deficiência sobre as<br />
complicações de ser deficiente físico conforme apontam Pereira, Ávila e Santana (2000),<br />
Machado (2003), Batista et al. (2000), Andrade et al. (2003) e de discentes na posição de<br />
cuidadores desta clientela, de acordo com os estudos de Rangel (2002), Filgueiras (1998),<br />
Souza e Motta (1996) e Moraes et al. (2006).<br />
Há ainda os que discutem a legislação como Silva e Heidemann (2002), Barbosa<br />
(2007) e Pastore (2000), Epidemiologia e Estatística (PREFEITURA DO RIO <strong>DE</strong> JANEIRO,<br />
2007) relacionada à deficiência de um modo geral. Apresentar esta produção permite<br />
visualizar a lacuna no conhecimento sobre a temática, reafirmando a importância de buscar<br />
respostas para questões ainda não investigadas. Estas estão apresentadas com a finalidade de<br />
mostrar a importância de avançar nas investigações ampliando a compreensão do objeto de<br />
estudo.<br />
Assim, têm-se índices estatísticos que são preocupantes. Pelos dados de 2000 do<br />
Censo Demográfico do IBGE, estimava-se que 19.253.901 fosse o número de pessoas<br />
economicamente ativas no país em agosto do mesmo ano. No Rio de Janeiro/Brasil esta<br />
população chegava a 4.549.609 indivíduos no mesmo mês. Outros dados de 1991 indicavam<br />
que o número de homens entre 15 a 29 anos, no mesmo estado, que se enquadrava como<br />
chefes de domicílio era de aproximadamente 409.179, enquanto as mulheres correspondiam a<br />
58.517.<br />
Esta proporção de homens e mulheres no cenário do mercado de trabalho se torna<br />
interessante na medida em que se retoma os dados epidemiológicos referentes à população<br />
mais atingida pelo traumatismo raquimedular, que são os homens. Então, numa relação entre<br />
as informações epidemiológicas com os dados do IBGE, há um panorama pouco confortável<br />
no que se refere à estabilidade econômica destas famílias cujo principal mantenedor é o<br />
homem. Muitas famílias perdem sua sustentabilidade financeira em função do seu<br />
26
afastamento do contexto do trabalho, mas que deverá criar estratégias para continuar a dar<br />
suporte às despesas domésticas e, ainda, aos custos do seu tratamento de reabilitação.<br />
Se pensarmos em termos de proporção, a quantidade de pessoas deficientes no Brasil é<br />
pequena em relação ao todo. Numericamente falando, estes deficientes são “abafados” pelo<br />
contingente dos “normais” que também têm seus problemas e vivem suas agruras do dia-a-<br />
dia.<br />
Todavia, há que se lembrar que cada ser humano é único e como tal tem o direito a<br />
tratamento digno como qualquer cidadão. Por isso, a quantidade expressa em números da<br />
população deficiente não deve ser analisada e considerada de forma isolada, mas sim como<br />
um direito de todos tornando-se, assim, expressiva perto do todo.<br />
Nesta linha de raciocínio, para os próprios deficientes, seus familiares, cuidadores e<br />
sociedade envolvida com sua causa, o número é mais do que expressivo. É gritante.<br />
Verificando, então, que as causas dos traumas que acarretam lesões medulares fazem<br />
parte de um contexto atual que se torna cada vez maior e significativo na sociedade e de que a<br />
parcela da população atingida é, em sua grande maioria, composta por jovens ativos, que em<br />
muitos casos exercem papel de mantenedores de suas famílias, é oportuno que se estude as<br />
possibilidades de reintegração dessa população no mercado de trabalho. Não apenas para<br />
reduzir o ônus do Estado com essa população, mas para que cada indivíduo possa atingir os<br />
objetivos da reabilitação e retomar o espaço perdido temporariamente dentro de suas próprias<br />
vidas.<br />
Desta forma, foi encontrada a produção de conhecimento sobre algumas dimensões<br />
das questões que envolvem a pessoa paraplégica. Contudo, aquilo que se refere ao “olhar” do<br />
não portador de deficiência para o portador e este no contexto do trabalho não foi identificada<br />
produção acerca deste objeto, vindo reafirmar a justificativa do presente estudo.<br />
27
1.5 Relevância do Estudo<br />
Ao se referir à relevância da pesquisa, ao concluí-la, entende-se que houve<br />
contribuições para a assistência de enfermagem à pessoa portadora de necessidades especiais;<br />
para a formação do profissional que deverá estar preparado para atender esta clientela nos<br />
diversos contextos em que ela se encontre, inclusive no trabalho e ainda resgatou a<br />
contribuição para novas pesquisas.<br />
Para entender o impacto na assistência, deve-se lembrar que a população atingida pelo<br />
TRM, caracterizada por ser jovem e economicamente ativa, é atendida em setores de<br />
emergência inicialmente, momento no qual os profissionais devem estar preparados e<br />
capacitados para atender e entender o tipo de assistência que deve ser dispensada ao portador<br />
de lesão medular e sua família.<br />
A partir desse momento, o portador de lesão e sua família não devem ser tratados de<br />
maneira diferenciada e sim com o comprometimento de profissionais que conheçam o<br />
problema do qual estão tratando, para que possam atingir de forma mais plena os objetivos da<br />
reabilitação física, psíquica, profissional e social.<br />
Logo, o estudo trouxe contribuições com subsídios aos profissionais que assistem o<br />
portador de lesão durante o processo de reabilitação para que o atendimento seja direcionado à<br />
realidade a ser vivida pelo deficiente físico, buscando sua reinserção nas esferas bio-psico-<br />
social.<br />
Em outras palavras, pensa-se que divulgando e fomentando a idéia de que uma pessoa<br />
portadora de deficiência motora, uma vez reabilitada, terá condições de se inserir novamente<br />
na sociedade, poder-se-á mudar um pouco a idéia estática e limitada das pessoas, inclusive de<br />
muitos profissionais de saúde, que imaginam que uma lesão medular colocou um ponto final<br />
na vida do indivíduo.<br />
28
Ou seja, os profissionais da área de saúde, particularmente o enfermeiro, por ser ele,<br />
na maioria das vezes, o responsável pelos cuidados a esse cliente, poderão ser muito mais<br />
eficazes em sua assistência, tendo respostas às questões apresentadas no estudo sobre<br />
situações vivenciadas pelo indivíduo portador de alguma deficiência motora ao tentar retornar<br />
ao mercado de trabalho e, por outro lado, com subsídios para preparar e treinar os não<br />
cadeirantes a lidar com o deficiente no contexto do trabalho, a exemplo o profissional da área<br />
da saúde do trabalhador, no contexto das empresas que tem o cadeirante como trabalhador.<br />
Vale aqui dizer que, muitas vezes, o profissional não consegue atender às expectativas<br />
desse cliente porque não teve, em sua formação, essas questões discutidas. Portanto, esta<br />
também é uma contribuição do estudo.<br />
Conhecendo como o trabalhador sem deficiência motora percebe o deficiente, tem-se<br />
subsídios para formarmos enfermeiros trazendo em sua bagagem também este conhecimento<br />
que auxiliará nas discussões com o indivíduo portador de deficiência motora, quando a<br />
questão for inclusão ocupacional.<br />
Esses enfermeiros, ao conhecerem alguns dos aspectos que envolvem as dificuldades e<br />
expectativas apresentadas pela maioria das pessoas livres de deficiência motora em lidarem ou<br />
aceitarem ou trabalharem com uma pessoa em cadeira de rodas, por exemplo, poderão criar e<br />
lançar mão de estratégias em conjunto com os demais profissionais da área da saúde e afins<br />
para minimizar este impacto e tentar, dessa forma, serem agentes facilitadores dessa<br />
integração, contribuindo para a inclusão na atividade laboral desse indivíduo.<br />
E, por fim, para a pesquisa, o projeto está inserido no Núcleo de Pesquisa<br />
Enfermagem e Saúde do Trabalhador <strong>–</strong> NUPENST, do Departamento de Enfermagem de<br />
Saúde Pública da Escola de Enfermagem Anna Nery/<strong>UFRJ</strong>, na linha de pesquisa Enfermagem<br />
e a Saúde do Trabalhador. Esta abordagem dada ao estudo veio ampliar as discussões e<br />
possibilidades de outras pesquisas nesta vertente.<br />
29
Com base na exposição do assunto em tela, a tese defendida foi que os trabalhadores<br />
sem deficiência motora têm uma percepção estigmatizante em relação aos trabalhadores<br />
cadeirantes no contexto laboral.<br />
30
CAPÍTULO II<br />
REFERENCIAL TEÓRICO<br />
Este capítulo está delineado de forma a mostrar as interfaces e balizar as discussões<br />
das questões que envolvem a inclusão do paraplégico no contexto de trabalho.<br />
Como os objetivos mostram, buscou-se o olhar daquele trabalhador sem deficiência<br />
motora de tal forma que se fez necessário buscar o referencial que trata não só deste aspecto,<br />
mas do fenômeno paraplegia e suas implicações como um todo.<br />
A paraplegia é uma seqüela que tem diferentes causas: traumáticas e não traumáticas.<br />
No entanto, este referencial teórico se ocupou de focar a lesão medular como principal agente<br />
desencadeador desta condição que atinge uma população com perfil jovem em franco<br />
desenvolvimento intelectual e de ingresso no mercado de trabalho.<br />
Nesta perspectiva, o capítulo está assim estruturado:<br />
2.1 Lesão Medular - definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à vida<br />
social<br />
Aqui, mostrou-se a dimensão do problema que é a lesão medular e seus prejuízos no<br />
organismo do indivíduo que vão muito além da perda da sensibilidade e motricidade.<br />
2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular <strong>–</strong> conceito, fatores envolvidos na<br />
reabilitação e tipos de reabilitação.<br />
2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência - estigma, preconceito, discriminação<br />
Neste item, foi abordado o processo de construção do estigma e discutido as questões<br />
relativas ao preconceito e à discriminação que, no caso do deficiente motor que usa a<br />
cadeira de rodas, é muito mais acentuado pela visibilidade 2 da deficiência.<br />
2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular <strong>–</strong> aspectos legais e outros<br />
fatores que apontam para a inclusão.<br />
2 Grifo da autora<br />
31
2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador <strong>–</strong><br />
saúde do trabalhador, reabilitação profissional<br />
Política de Inclusão do deficiente no mercado de trabalho, reabilitação profissional. Este<br />
item traz o suporte legal que ampara o deficiente na luta pela sua inclusão ocupacional.<br />
2.1 Lesão Medular - definição, causas e complicações mais restritivas ao retorno à vida<br />
social<br />
Para estabelecer uma ponte entre a lesão medular e os comprometimentos que esta<br />
significa para uma pessoa, faz-se necessário abordar, ainda que de forma breve, alguns tópicos<br />
que tratam da anatomia e fisiologia humana. Estes itens são relevantes para que se possa<br />
dimensionar alguns comprometimentos no contexto biológico de um indivíduo, mas que têm<br />
estreita relação com sua inclusão seja esta no contexto familiar, ocupacional ou de lazer.<br />
Definição:<br />
Para melhor compreender a definição de lesão medular e visualizar o impacto desta na<br />
vida de um indivíduo cabe, primeiramente, estabelecer a importância da medula espinhal para<br />
o organismo humano. A medula espinhal, que está situada dentro do canal vertebral, não é<br />
apenas uma via de comunicação entre as diversas partes do corpo e o cérebro, mas também<br />
um centro regulador que controla importantes funções como a respiração, circulação, a<br />
bexiga, o intestino, o controle térmico e a função sexual.<br />
A Figura 1 ilustra bem a estrutura óssea que comporta e protege a medula espinhal<br />
bem como sua relação com a inervação com as diferentes partes do organismo.<br />
32
Figura 1 - Estrutura das Vértebras e sua relação com os nervos<br />
cranianos.<br />
Portanto, lesão medular pode ser definida como qualquer trauma ou doença que altere<br />
a função medular produzindo, como conseqüência, além de prejuízos motores e sensitivos,<br />
alterações viscerais, sexuais e tróficas. Quanto mais alto for o nível da lesão, mais alterações<br />
ela trará para seu portador (LIANZA, 2001; VENTURA et al., 1996).<br />
Causas:<br />
No que se refere às causas da lesão medular, existem as de origem traumática e as de<br />
origem não traumática. As primeiras representam aproximadamente 80% dos casos, dado<br />
principalmente pelo problema da violência urbana nas grandes metrópoles.<br />
A lesão traumática da medula espinhal ocorre com maior freqüência nos grupos etários<br />
mais jovens; 80% estão abaixo dos 45 anos de idade, sendo que 50% das lesões ocorrem no<br />
grupo de 15 a 25 anos de idade (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />
33
Dos casos admitidos nos centros especializados em lesão medular, cerca de metade das<br />
lesões traumáticas envolve a medula cervical. A maioria dos casos de trauma apresenta<br />
fratura/deslocamento; menos de 25% apresentam somente fratura e um número muito<br />
pequeno apresenta envolvimento da medula espinhal sem dano ósseo óbvio da coluna<br />
vertebral.<br />
Os acidentes com veículos motorizados constituem a principal causa de traumatismos<br />
da coluna cervical, com os acidentes de mergulho sendo a principal causa nas lesões<br />
esportivas (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />
Deve-se destacar que, também, estão inclusos na categoria dos acidentes por<br />
mergulho, não apenas as modalidades esportivas. Os mergulhos em águas rasas,<br />
especialmente durante o verão e férias, com conseqüentes lesões medulares também não são<br />
incomuns.<br />
No contexto da violência urbana, as lesões traumáticas causadas pelas armas de fogo<br />
têm apresentado uma característica peculiar. Nesta panorâmica, a prática tem mostrado que o<br />
quadro que existe hoje em relação aos baleados se modificou um pouco. Devido ao calibre das<br />
armas que são usadas atualmente, é muito difícil que um indivíduo que foi baleado no tronco<br />
ou pescoço, sobreviva.<br />
A conseqüência é que não temos tido muitos baleados com lesão medular para<br />
atendimento em Serviços de Reabilitação, pois eles morrem no local ou durante o processo de<br />
hospitalização devido à severidade e extensão das lesões causadas pelas armas de grosso<br />
calibre tão amplamente usadas nas “guerras urbanas” que presenciamos nas grandes cidades.<br />
Em contrapartida, o número de casos de quedas cresceu, sendo uma das causas do<br />
TRM. Assim, pode-se dizer que sendo, em sua totalidade, causas que poderiam ser evitadas<br />
através de ações educativas para população, devendo-se estar como aliados a esta questão não<br />
apenas o fator terapêutico, mas, também, o preventivo.<br />
34
Ainda sobre as causas traumáticas, os locais mais comuns de lesões com fratura-<br />
luxação são as junções C5-6, C6-7, T12-L1. Certas partes da coluna são relativamente<br />
protegidas de lesões, como as regiões torácica superior e lombar inferior.<br />
As fraturas da coluna torácica podem resultar de um golpe direto como ocorre no<br />
colapso de uma flexão violenta na posição sentada ou de um projétil penetrante. As fraturas-<br />
luxações e toracolombares são mais comuns na porção T12-L1 e se seguem à flexão violenta<br />
como ocorre em uma queda de certa altura (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />
Os casos não traumáticos são, principalmente, o resultado de mielite transversa,<br />
tumores e acidentes vasculares. Trombose ou hemorragia da artéria vertebral causam isquemia<br />
da medula com paralisia resultante.<br />
Não parece haver relação absoluta entre a severidade do dano à coluna vertebral e<br />
aquela da medula espinhal e raízes nervosas. Um paciente pode sofrer uma severa<br />
fratura/luxação e, ainda assim, a medula espinhal pode não ser afetada ou pode apenas sofrer<br />
um dano parcial. Um outro pode não exibir uma lesão vertebral óbvia aos raios X e, contudo,<br />
ter sofrido uma tetraplegia completa irreversível (BROMLEY, 1997).<br />
O Quadro 1, a seguir, resume as diferentes situações que provocam a lesão na medula<br />
de acordo com a etiologia.<br />
35
Fraturas-luxações<br />
Ferimentos<br />
Tumorais<br />
infecciosas<br />
Quadro 1 - Etiologia da Lesão Medular<br />
LESÕES TRAUMÁTICAS<br />
Acidentes de trânsito<br />
Esportes<br />
Quedas<br />
Acidentes de trabalho<br />
Armas de fogo<br />
Armas brancas<br />
LESÕES NÃO-TRAUMÁTICAS<br />
Extradurais: tumor ósseo primário ou matetástases<br />
Intradurais: - extramedulares<br />
- intramedulares<br />
Inespecíficas: abscessos, mielites<br />
Específicas: TBC, LUES<br />
Vasculares Trombose e embolia<br />
Degenerativas Espondilose<br />
Malformações mielomeningocele<br />
Outros Hérnias de disco, estenose do canal medular, siringomielia<br />
Quadro clínico da Lesão Medular<br />
As manifestações clínicas conseqüentes à lesão medular dependem dos efeitos<br />
fisiopatológicos que esta lesão provocou na medula. O dano da medula espinhal, resultando<br />
quer de uma injúria, quer de uma doença, pode produzir tetraplegia ou paraplegia,<br />
dependendo do nível em que ocorreu o dano (BROMLEY, 1997).<br />
Mas estes efeitos vão depender de alguns fatores como:<br />
• Nível da lesão <strong>–</strong> quanto mais próxima da cabeça for a lesão, mais<br />
comprometimentos ela trará ao indivíduo.<br />
• Extensão da lesão (grau da lesão medular nos planos horizontal e transversal) <strong>–</strong><br />
quanto mais extensa for a lesão mais grave ela é. Ou seja, o prejuízo ao organismo é<br />
diretamente proporcional ao número de feixes e fibras nervosas acometidas pela<br />
lesão.<br />
• Tempo de instalação da lesão <strong>–</strong> as lesão instaladas de forma brusca, como é o caso<br />
das traumáticas, são as mais graves, pois nestes eventos o organismo não tem tempo<br />
36
de se adaptar às mudanças ocorridas em seu meio interno. Já naquelas lesões que se<br />
instalam, de forma progressiva, o comprometimento vai se agravando aos poucos,<br />
permitindo ao indivíduo a possibilidade de se organizar interna e externamente, na<br />
busca de condições para se ajustar.<br />
O quadro clínico abordado, neste estudo, refere-se àquele conseqüente a uma lesão<br />
traumática e obedece três estágios distintos, a saber:<br />
• Fase de choque medular<br />
o Caracterizada por uma paralisia flácida, anestesia superficial e profunda,<br />
alterações esfincterianas (arreflexia vesical e atonia intestinal), alterações na<br />
função sexual e alterações do sistema nervoso autônomo. Todas essas disfunções<br />
são observadas abaixo do nível da lesão.<br />
• Fase de retorno das atividades medulares reflexas<br />
o Caracterizada pela reorganização funcional das estruturas medulares localizadas<br />
abaixo do nível da lesão. Clinicamente, o indivíduo apresenta ainda paralisia e<br />
anestesia caso a lesão tenha acometido toda a medula no sentido transversal<br />
(lesão completa). Se a lesão comprometeu apenas parte da medula, o quadro<br />
clínico será variável, mas as alterações sensitivas e motoras estarão presentes,<br />
em maior ou menor grau.<br />
• Fase de ajustamento<br />
o Corresponde à fase de ajuste do indivíduo à sua nova condição de tetra ou<br />
paraplégico. É nesta fase que se consegue domínio sobre todas as funções,<br />
mesmo que elas não respondam ao controle voluntário. Isto constitui condição<br />
básica para poder iniciar o desenvolvimento de toda sua capacidade como ser-<br />
humano na sociedade.<br />
37
A paraplegia é a paralisia dos membros inferiores e todo ou uma porção do tronco.<br />
Quando os membros superiores também estão envolvidos, usa-se o termo tetraplegia para<br />
descrever a deficiência (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />
Em relação às paralisias provocadas por lesão medular, é importante ressaltar que a<br />
lesão física na medula pode se apresentar de várias formas, de acordo com a causa da lesão.<br />
Em alguns casos, pode haver a formação de cicatriz no local lesionado; já em outras situações<br />
ocorre apenas uma desmielinização das fibras nervosas, ou seja, causas diferentes que terão o<br />
mesmo efeito, que é a perda da capacidade da medula em conduzir os estímulos nervosos<br />
através da região lesionada e por fim, a paralisia.<br />
Após a lesão da medula, as alterações vasculares e biológicas levam ao completo<br />
infarto e necrose do segmento lesado. O mecanismo de redução do fluxo sangüíneo na medula<br />
espinhal, após o trauma, não é bem compreendido. No momento da lesão, não ocorre somente<br />
uma lesão direta dos axônios e vasos sangüíneos, mas ocorre, também, uma cadeia secundária<br />
de eventos resultando em hipóxia edema e infarto.<br />
O fator crítico para a função recuperável é o tempo desde o traumatismo até a<br />
instituição de qualquer terapia (HARRISON’S, 1997).<br />
Segundo Bromley (1997), o edema e a hemorragia que ocorrem no interior da medula<br />
podem realmente causar uma ascensão do nível da lesão de um ou mais segmentos dentro dos<br />
primeiros dias após a injúria, mas isto é quase sempre temporário e a lesão neurológica final<br />
provável será a mesma ou até mesmo inferior que aquela observada imediatamente após a<br />
injúria.<br />
O cuidado agudo do indivíduo, com lesão medular, é direcionado à estabilização da<br />
condição clínica e tratamento das lesões associadas quando presentes e apropriadas<br />
imobilizações.<br />
38
Como dito, o quadro clínico, após uma LM, pode ser variável, mas de toda forma<br />
sempre trará limitações importantes e, às vezes, irreversíveis para o indivíduo. Por isso, o<br />
tratamento de reabilitação deve ser imediato para que possa potencializar ao máximo as<br />
capacidades residuais desta pessoa, vislumbrando seu retorno breve à sociedade.<br />
Em linhas gerais, isto é muito mais difícil para uma pessoa tetraplégica, uma vez que<br />
as estruturas comprometidas representam um obstáculo na comunicação de grande parte da<br />
medula com o cérebro. Já para uma pessoa paraplégica, com a preservação dos movimentos e<br />
sensibilidade membros superiores, as chances de retorno ao convívio social são mais<br />
concretas.<br />
A titulo de ilustração segue o Quadro 2, que representa, de forma resumida, os níveis<br />
críticos da função da medula espinhal.<br />
Quadro 2 <strong>–</strong> Correlação entre os níveis da lesão medular e comprometimento muscular<br />
correspondente<br />
C4 Diafragma, extensores e flexores da cervical média.<br />
C5 Força parcial de todos os movimentos do ombro e flexão do cotovelo<br />
C6 Força normal de todos os movimentos do ombro e flexão do cotovelo; extensão do punho, a<br />
qual indiretamente permite a garra grosseira dos dedos.<br />
C7 Extensão do cotovelo, flexão e extensão dos dedos.<br />
T1 Braços e mãos totalmente normais<br />
T6 Extensores da coluna torácica, músculos intercostais superiores.<br />
T12 Todos os músculos do tórax, abdômen e coluna lombar.<br />
L4 Flexão do quadril, extensão do joelho.<br />
L5 Força parcial de todos os movimentos do Quadril com flexão normal, força parcial da flexão<br />
do joelho, força parcial do movimento do tornozelo e pé<br />
Complicações da Lesão Medular<br />
É comum que as pessoas, ao ouvirem que alguém sofreu uma lesão medular,<br />
relacionem este fato à perda da capacidade de se movimentar, imaginando apenas que estas<br />
não poderão mais andar ou movimentar os braços.<br />
39
Mas a lesão medular não compromete somente o movimento como muitas pessoas<br />
podem supor. Outras complicações surgem e estabelecem na vida do PLM uma necessidade<br />
de adaptação e cuidados básicos indispensáveis para manutenção de sua qualidade de vida e<br />
saúde.<br />
Uma série de complicações pode decorrer do traumatismo medular e, em sua grande<br />
maioria, se constitui por dificuldades na adaptação do indivíduo, não apenas na parte clínica<br />
da reabilitação, mas também para que possa conviver socialmente.<br />
Dentre as complicações mais expressivas listadas por Kottke e Lehmann (1994),<br />
confirmadas por Lianza (2001) e Ventura et al. (1996), estão a disfunção vesical e intestinal<br />
pós-trauma neurológico, conhecidos por bexiga neurogênica e intestino neurogênico,<br />
respectivamente.<br />
Tais disfunções podem tomar uma dimensão tal na vida do indivíduo lesado medular<br />
que dificultarão, ou até mesmo ceifarão, as possibilidades de retorno ao convívio social, sendo<br />
também um agente complicador na inclusão do LM no contexto ocupacional.<br />
A seguir, estão descritas, de forma pontual e resumida, as complicações supra citadas,<br />
no intuito de ampliar a noção sobre estas perdas a que está exposto o LM.<br />
Complicações Advindas da Lesão Medular <strong>–</strong> Bexiga Neurogênica<br />
Disfunção Vesical<br />
A disfunção vesical vem exemplificar exatamente como existe um comprometimento<br />
clínico e social para o PLM. A lesão medular, independente do nível ou do grau, leva ao que<br />
chamamos de bexiga neurogênica, onde a disfunção vesico-esfincteriana tem como origem<br />
uma causa neurológica congênita ou adquirida. O que ocorre é um comprometimento dos<br />
impulsos nervosos que comandam o esvaziamento vesical, levando a bexiga a perder a<br />
capacidade de contrair-se ou até apresentar contrações a pequenos volumes de urina<br />
armazenada, levando o indivíduo, por exemplo, à perda incontrolável de urina.<br />
40
As bexigas neurogênicas podem ser classificadas, resumidamente, com base em seu<br />
comprometimento neuronal em: bexiga neurogênica hiperreflexa ou bexiga neurogênica<br />
arreflexa.<br />
Nesses casos, se não houver uma intervenção precoce, outras complicações poderão<br />
aparecer como a ruptura do Detrusor (músculo da Bexiga), intoxicação renal e sepse em<br />
função do retorno da urina, através dos ureteres, para o trato urinário superior, infecções<br />
urinárias de repetição, traumatismo da uretra e fibrose da bexiga, causados pela permanência<br />
indefinida de cateteres vesicais no indivíduo.<br />
Além das complicações de ordem fisiológica, o indivíduo convive com<br />
constrangimentos causados pelo descontrole voluntário da micção que o prejudicam em suas<br />
relações sociais, inclusive no que diz respeito do retorno ao ambiente de trabalho. Uma bexiga<br />
neurogênica não cuidada resulta numa maior dificuldade do PLM restabelecer as atividades<br />
cotidianas que incluem o exercício profissional.<br />
Nesses casos, a reeducação vesical é mister para o processo de reabilitação do<br />
indivíduo que deixará de ser “refém” do funcionamento aleatório da sua bexiga, passando a<br />
controlá-la. Este controle nem sempre é voluntário, mas existem estratégias de treinamento<br />
vesical e disciplina nos hábitos de saúde do PLM que vão ser significativos para sua<br />
reabilitação, facilitando pois, seu retorno ao meio social.<br />
Disfunção Gastrointestinal <strong>–</strong> Intestino Neurogênico<br />
As disfunções gastrointestinais também são relevantes para o PLM. Não raro é<br />
encontrada a úlcera péptica que pode ter fundo de estresse e intestino neurogênico. Chama a<br />
atenção este último por ser causa comum da disreflexia autonômica hipertensiva que, como<br />
relatado anteriormente, pode causar danos sérios à saúde do indivíduo, levando-o inclusive à<br />
morte.<br />
41
No intestino neurogênico, o lesado medular perde total ou parcialmente, a capacidade<br />
de controlar seu reflexo da evacuação. A conseqüência prática, na maioria dos casos, é uma<br />
impactação fecal, já que alguns indivíduos ficam até 12 dias ou mais sem evacuar,<br />
experimentando um enorme desconforto, calafrios, tremores, cefaléia intensa havendo a<br />
necessidade de, em alguns casos, fazer retirada cirúrgica do bolo fecal.<br />
Pensemos, então, na outra possibilidade de funcionamento intestinal, também<br />
ocasionada pela lesão medular, onde o PLM perde o controle sobre suas eliminações<br />
intestinais. Assim, como no caso da bexiga neurogênica, ele fica refém das “vontades”<br />
aleatórias do seu organismo, ainda não reeducado.<br />
Isso provoca um nível de estresse e constrangimento tamanho que é muito comum<br />
indivíduos PLM recusarem-se a participar de algum tratamento de reabilitação ou de saírem<br />
de casa para um passeio ou compromisso para não serem “pegos de surpresa”.<br />
A saída, neste caso, é a reeducação intestinal que tem como filosofia a disciplina,<br />
criação de novos hábitos de saúde e algumas manobras não invasivas que podem ser<br />
facilmente realizadas pelo PLM ou, em caso de comprometimento grave, pelo seu cuidador.<br />
Reconquistando o controle sobre seu corpo e suas funções, o PLM aumentará sua auto-<br />
estima, sentirá maior segurança e poderá, enfim, buscar outros desafios como é, por exemplo,<br />
o de retornar ao seio social.<br />
2.2 Processo de Reabilitação do Lesado Medular - conceito, fatores envolvidos na<br />
reabilitação e fases da reabilitação<br />
Quando se fala em reabilitação, normalmente a primeira idéia que surge é a de uma<br />
pessoa com limitações locomotoras sérias realizando exercícios para reaver seus movimentos<br />
e voltar a andar. Mas o conceito de reabilitação, atualmente, extrapola esta concepção.<br />
42
Ela se amplia para a esfera bio-psico-social que tem como maior objetivo tornar o<br />
indivíduo o mais independente possível, de forma que este atinja o mais alto nível de reajuste<br />
às atividades antes desenvolvidas e ensinando-lhe alternativas de como viver com as<br />
limitações das funções que não apresentam reminiscência.<br />
É importante ressaltar, portanto, que a idéia de reabilitação que está sendo abordada<br />
neste trabalho, concorda com a transcendência do conceito meramente físico onde a<br />
preocupação é a de que o indivíduo apenas readquira seus movimentos.<br />
A reabilitação tanto como um campo, como um processo já há muito reconheceu a<br />
unidade corpo e mente. Inerentes à natureza dos comprometimentos, tratados pelos<br />
especialistas em reabilitação, estão seus profundos efeitos sobre as múltiplas áreas da função.<br />
Por exemplo, em um tetraplégico por lesão da medula espinhal pode faltar mais do que<br />
o movimento voluntário e a sensação dos membros, o controle urinário e intestinal e uma<br />
gama de outros comportamentos adquiridos na infância e que, em nossa sociedade, são<br />
considerados necessários no processo de socialização e civilização.<br />
Para clientes de serviços de reabilitação, a disfunção orgânica tem impacto sobre a<br />
função social e emocional, e não se pode mais separar um cliente dos contextos familiar,<br />
cultural e social tanto quanto não podemos separar o corpo da mente.<br />
Assim, concorda-se com Kottke e Lehmann (1994) quando inferem que a Reabilitação<br />
pode ser entendida como a restauração a termo de uma pessoa ora incapacitada ou com<br />
dificuldades de readaptação ao seu meio, para sua capacidade máxima física, emocional, e<br />
vocacional. Estes acrescentam ainda que a reabilitação precisa ser iniciada na ocasião mais<br />
precoce possível para assegurar os melhores resultados.<br />
Pensando na essência do processo de reabilitação, constata-se que sua natureza é de<br />
aprendizagem e não de tratamento; isto é, o especialista desta área deve trabalhar com pessoas<br />
e não nelas.<br />
43
Este modelo separa a reabilitação de muitas outras especialidades médicas, uma vez<br />
que, neste contexto, a cura não é uma opção para a maioria dos comprometimentos; os<br />
objetivos finais envolvem ensinar pessoas com prejuízos funcionais a viver com e apesar dos<br />
comprometimentos através do controle e maximização do desempenho funcional e das<br />
habilidades sociais e emocionais de tal forma, que eles possam reassumir algum grau de<br />
controle sobre seus corpos, mentes e ambientes (KOTTKE; LEHMANN, 1994).<br />
Não gera dúvidas o fato de que o indivíduo, com lesão medular, passa por uma fase<br />
inicial na qual é totalmente dependente, onde a sua atuação é praticamente nula como diz<br />
Bromley (1997, p. 1): “os pacientes com lesão medular espinhal são, de início, totalmente<br />
dependentes daqueles que estão em torno e necessitam de cuidados especializados e<br />
treinamento para que se tornem independentes novamente”.<br />
A equipe de reabilitação<br />
Qualquer situação que cause desequilíbrio na manutenção do estado de saúde de uma<br />
pessoa exige o trabalho especializado de uma equipe que busque, dentro das medidas cabíveis,<br />
a restauração do padrão ora perdido. Isso exige conhecimento técnico científico atualizado,<br />
envolvimento e uma constante revisão e renovação das atitudes e comportamentos frente ao<br />
indivíduo que está sob os cuidados da equipe de saúde.<br />
Com relação ao pessoal que atua diretamente na reabilitação, cuidando de pessoas<br />
“especiais”, não é diferente.<br />
No processo de reabilitação estão envolvidos vários profissionais, onde cada um, de<br />
acordo com sua formação, será responsável por prestar sua assistência ao cliente que não deve<br />
ser de forma isolada, mas sim integrada, onde todos tenham conhecimento do cliente de forma<br />
globalizada, visando à assistência integral.<br />
44
O que não deve ser ignorado, por estes profissionais, é que a reabilitação, tanto a física<br />
como também os cuidados referentes ao estado emocional que este indivíduo desenvolverá ao<br />
deparar com a nova realidade que se apresenta, deve ser iniciada o mais rápido possível.<br />
O indivíduo após a lesão na medula espinhal experimenta uma fase de ajustamento a<br />
qual, de acordo com Kottke e Lehmann (1994), citando uma observação de Treischman exige,<br />
geralmente, um tempo considerável que pode variar entre 18 a 24 meses. Este dado assume<br />
grande importância, pois o aspecto de reabilitação física pode ser prejudicado por períodos<br />
muito longos de depressão ou negação.<br />
Os profissionais de saúde precisam estar atentos a como o paciente e a família<br />
respondem ao prognóstico. O envolvimento da família e amigos é importante para que eles<br />
não prejudiquem o tratamento ou reforcem a negação.<br />
Após adquirir uma lesão medular e dependendo do quanto esta tenha afetado seu<br />
funcionamento orgânico, o PLM terá que adquirir novos hábitos relativos à sua saúde, que vão<br />
desde manter os ganhos da reabilitação até prevenir potenciais complicações. Sobre este<br />
assunto, Kottke e Lehmann (1994, p.734) expõem:<br />
Uma vida inteira de cuidados após a alta hospitalar. Os objetivos incluem a<br />
refinamento dos ganhos físicos já alcançados, manutenção da capacidade funcional e<br />
ajustamentos alcançados, e identificação de problemas em potencial ou já<br />
desenvolvidos. Esses cuidados incluem reavaliação ambulatorial regular.<br />
Todo o processo faz parte da reabilitação do paciente. À medida que este se torna mais<br />
independente, o profissional de saúde deve também saber quando e como, gradualmente,<br />
retirar seu suporte.<br />
Ou seja, na reabilitação, pretende-se que o indivíduo reaprenda determinadas funções<br />
que exercia antes e que aprenda a lidar, da maneira mais saudável possível, com a rejeição, a<br />
exclusão e a indiferença que a sociedade oferece, não se deixando intimidar e buscando e<br />
garantindo seus direitos.<br />
45
O profissional de saúde deve sempre estimular e encorajar o indivíduo dentro de suas<br />
reais possibilidades, porém nunca iludi-lo. Dessa forma, estará ajudando-o a reorganizar e<br />
readquirir seu equilíbrio psicofísico.<br />
Outro aspecto que tem fundamental importância no correto desempenho da equipe é a<br />
atitude frente ao indivíduo, estimulando sempre a sua identidade e fazendo com que se sinta<br />
ativo dentro do grupo; um simples exemplo disto é a importância de identificar o paciente por<br />
seu nome desde as primeiras etapas e nunca se referir a ele através de um rótulo que o<br />
identifique.<br />
Uma das tarefas essenciais do enfermeiro é facilitar o processo explicando<br />
detalhadamente a realidade da lesão ao paciente e à família.<br />
O enfermeiro, assim como outros profissionais, precisa ser sensível a como o paciente<br />
e a família respondem ao prognóstico. Pode ser que eles não sejam capazes de “ouvir” o<br />
prognóstico até que possam controlar a ansiedade.<br />
Reforça-se aqui a importância do conhecimento e envolvimento que a equipe de<br />
reabilitação deve ter para auxiliar o indivíduo e sua família a superarem todas as fases deste<br />
processo, minimizando as conseqüências tanto físicas quanto psicológicas que a instalação de<br />
uma lesão medular traz ao sujeito.<br />
Castilhos et al. (2003) reforçam que todo o processo de reabilitação deve tomar início<br />
o mais brevemente possível, uma vez que os ganhos funcionais que o indivíduo pode ter estão<br />
diretamente relacionados à brevidade com que o seu corpo e mente são estimulados<br />
positivamente, tão logo o evento incapacitante tenha ocorrido. Caso contrário, contraturas,<br />
vícios posturais e outras complicações orgânicas tomarão dimensões cuja reversão nem<br />
sempre será viável.<br />
46
Retomando agora o objeto do estudo, julgou-se necessário apresentar as fases em que a<br />
Reabilitação está inserida dentro dos níveis de assistência à saúde, facilitando a visibilidade<br />
das possibilidades do cliente o que irá contribuir na inserção do mesmo no contexto de<br />
trabalho, de forma a este ser adequado à realidade do cadeirante, neste caso específico.<br />
Fases da Reabilitação<br />
Pode-se dizer que o espectro total de assistência à saúde é classificado dentro de três<br />
níveis de prevenção: primário, secundário e terciário. A prevenção primária é aplicável<br />
durante os períodos de pré-patogênese ou saúde ótima. Os outros dois níveis cobrem o período<br />
de patogênese e o período de reabilitação (KOTTKE; LEHMANN, 1994)<br />
No estudo em questão, prevenção primária que, segundo Potter e Perry (1999),<br />
consiste em uma prevenção real que precede a doença ou disfunção e aplica-se aos clientes<br />
considerados física e emocionalmente saudáveis, deveria estar voltada para a educação à<br />
saúde. Deveriam atuar com campanhas que visassem à redução das principais causas do<br />
traumatismo medular como os acidentes automobilísticos, mergulhos em águas rasas, entre<br />
outros, explicando as conseqüências destes.<br />
Em seu segundo nível, a prevenção secundária, ainda de acordo com Potter e Perry<br />
(1999), enfoca os indivíduos que estão vivenciando problemas de saúde ou doenças e que se<br />
encontram em risco para desenvolvimento de complicações ou piora de suas condições. Neste<br />
nível se enquadra o diagnóstico e reconhecimento da situação de risco e são mobilizados os<br />
meios necessários para evitar as complicações.<br />
A prevenção terciária, por sua vez, é descrita por Potter e Perry (1999) como o estado<br />
em que a lesão ou invalidez é irreversível e envolve a minimização dos efeitos da doença ou<br />
invalidez por intervenções diretas, visando prevenir complicações e a deterioração do quadro.<br />
As atividades são direcionadas para a reabilitação e tratamento.<br />
47
O trabalho de reabilitação no caso de instalação de lesões traumáticas da medula é<br />
iniciado durante a prevenção secundária e tem continuidade na prevenção terciária, não<br />
podendo nenhuma das fases ser descartada ou de maior ou menor importância que a outra.<br />
Na esfera da enfermagem de reabilitação, esta se baseia em consistentes fundamentos<br />
teóricos e científicos na medida em que se trabalha com os indivíduos para definir objetivos<br />
para níveis máximos de interdependência funcional e atividades de vida diária, promover o<br />
autocuidado, prevenir complicações e posterior deficiência, reforçar comportamentos de<br />
adaptação positiva e assegurar a acessibilidade e continuidade de serviços e cuidados entre<br />
outros (HOEMAN, 2000).<br />
Durante esse processo, o cliente deve estar esclarecido sobre sua situação e do seu<br />
prognóstico; mesmo que a aceitação não ocorra de maneira favorável, este não deve ser<br />
enganado.<br />
A assimilação dessas informações, pelo indivíduo, permite que o trabalho de<br />
reabilitação transcorra de forma mais segura, onde o profissional conhece o limite do seu<br />
cliente e este se propõe a atingir o que lhe é possível.<br />
É importante que o cliente se torne consciente não apenas de seu potencial de<br />
realização no aspecto físico como também das limitações impostas por sua deficiência.<br />
Somente então irá desenvolver uma atitude realista e estará apto a atingir o máximo de sua<br />
reabilitação e de suas habilidades, e de retornar as responsabilidades do lar, da vida em<br />
família e em comunidade (BROMLEY, 1997).<br />
2.3 Reações das Pessoas frente à Deficiência <strong>–</strong> a construção histórica do lidar com a<br />
pessoa deficiente - estigma, preconceito, discriminação<br />
Entende-se aqui que, para falar da reação do “outro” em relação a uma PPNE, faz-se<br />
necessário compreender como o próprio indivíduo PNE reage frente à sua deficiência,<br />
48
percebendo que esta pode, de alguma forma, vir a influenciar na percepção daquele indivíduo<br />
sem lesão medular com relação ao indivíduo cadeirante.<br />
Desta forma, apresentar-se-á este aspecto a seguir.<br />
A aquisição da deficiência física/motora<br />
Postulando-se que o indivíduo lesionado na medula espinhal sofreu uma das lesões<br />
físicas e socialmente mais catastróficas, e considerando-se que esta pessoa tenha fisicamente<br />
voltado à “lactância” em termos de precisar de assistência para realizar as atividades da vida<br />
diária, há grandes ajustamentos a fazer nas semanas, meses, e até anos subseqüentes à lesão.<br />
O naipe de reações psicológicas que se seguem às lesões traumáticas é extremamente<br />
abrangente, tornando qualquer tentativa de sistematização ou generalização potencialmente<br />
falha. Manifestações psicológicas adversas parecem ocorrer com maior freqüência quando há<br />
alterações permanentes na estrutura do corpo ou algum déficit funcional significativo.<br />
Segundo Lianza (2001), as reações podem ser mais intensas se a lesão que ocorre<br />
como resultado do trauma envolve uma parte ou função do corpo dotada de maior<br />
investimento emocional, ou se dela resulta deformidade visível.<br />
Lesões traumáticas graves nas extremidades e na face costumam produzir reações<br />
psicológicas bastantes significativas, principalmente quando resultam em desfiguramento e<br />
incapacidade funcional permanente.<br />
Vários fatores estão associados a uma vulnerabilidade maior ao evento traumático, tais<br />
como: transtorno de personalidade prévio, mudanças de vida recentes e estressantes, apoio<br />
sócio-familiar deficiente, presença de um trauma de infância. O suporte, real ou imaginário,<br />
de relacionamentos primordiais pode mediar as respostas comportamentais ou emocionais do<br />
trauma.<br />
49
Ao adquirir uma deficiência como a provocada pela lesão medular, a pessoa vai passar<br />
por algumas etapas que envolvem aspectos emocionais e físicos importantes e que vão<br />
auxiliar na construção do seu mecanismo para lidar com sua nova condição, seu novo corpo.<br />
Fases de Comportamento do Indivíduo diante da aquisição da deficiência<br />
De uma forma geral, ao adquirir uma deficiência, o indivíduo passará por algumas<br />
fases que, independente da natureza da sua deficiência, terão basicamente as mesmas<br />
características que serão apresentadas a seguir. Cabe lembrar que tais reações se aplicam à<br />
diferentes situações onde há algum tipo de perda, como câncer, HIV/AIDs e não apenas se<br />
restringem ao contexto da aquisição de uma deficiência.<br />
Mas, como o enfoque deste estudo está voltado para as pessoas paraplégicas, vítimas<br />
de lesão medular, o olhar foi direcionado para esta clientela, o que também não significa dizer<br />
que todas as pessoas vítimas de TRM passaram ou sempre passarão por todas as fases<br />
descritas. O que existe é uma espécie de padrão de comportamento esperado após um evento<br />
deste porte, onde as pessoas podem se encaixar de forma mais estreita ou não.<br />
Segundo Kottke e Lehmann (1994), de uma forma global, o modelo de comportamento<br />
do indivíduo portador de lesão medular pode ser dividido em quatro fases bem definidas. São<br />
elas:<br />
Fase de Choque: frente à súbita transformação provocada pela lesão medular, a pessoa entra<br />
em um estado de confusão no qual não consegue perceber a magnitude do acontecido. Nesta<br />
fase, ela interrompe seu vínculo com o mundo exterior, numa tentativa inconsciente de<br />
proteger a sua imagem corporal, mantendo-a íntegra.<br />
50
Fase de Negação: o lesado medular que, na fase inicial, tinha interrompido seu vínculo com o<br />
mundo exterior, começa a perceber sua situação, porém de uma forma distorcida, por não ter<br />
condições de aceitá-la, tentando manter, assim, sua antiga imagem.<br />
Esta fuga da situação evita que entre em ansiedade e/ou depressão e comumente, nesta<br />
fase, ele reage de forma regressiva, sem iniciativa.<br />
Durante estas duas primeiras fases a equipe desempenha a parte mais ativa dentro do<br />
processo de reabilitação, devendo tomar decisões firmes, já que, dadas as condições do<br />
indivíduo, este não pode reagir de forma dinâmica por não existir motivação alguma.<br />
Fase de Reconhecimento: a persistência do quadro provocado pela lesão medular e o contato<br />
com outras pessoas portadoras de limitações físicas semelhantes fazem com que o lesado<br />
medular comece a tomar consciência de sua real situação.<br />
A evidência da paralisia, a perda do controle esfincteriano, o temor de tornar-se uma<br />
carga para seus familiares e as possíveis restrições sociais lhe provocam um forte sentimento<br />
de desamparo e intensa ansiedade, levando-o a um estado de depressão.<br />
Esta, comumente se traduz mediante queixas físicas contínuas e, se não for combatida<br />
na fase inicial, pode transformar-se num obstáculo difícil de ser superado. Outras vezes essa<br />
sensação de desvalorização pessoal é tão forte que podem surgir idéias suicidas.<br />
É aqui que o recém-deficiente começa a experimentar as mudanças de sua própria<br />
imagem. Já não pode ocultar-se dentro da fase defensiva de negação, vendo-se forçado a<br />
recompor sua auto-imagem de forma mais realista.<br />
É justamente nesta fase de reconhecimento que a participação ativa do lesado medular<br />
deve ser altamente estimulada. Agora ele está em condições de ser motivado pela equipe para<br />
começar a desenvolver ao máximo todo o seu potencial residual.<br />
O bom relacionamento cliente-equipe facilitará o diálogo, permitindo uma real<br />
conscientização sobre suas possibilidades e suas limitações.<br />
51
Destaca-se a importância de ir estabelecendo, durante o programa de reabilitação,<br />
metas claras e realistas.<br />
Cada meta atingida constitui-se num grande estímulo para continuar o processo de<br />
reabilitação, enquanto metas irreais ou opiniões divergentes dos integrantes da equipe só<br />
levarão a frustrações e desconfiança por parte do indivíduo com a conseguinte regressão a<br />
fases anteriores.<br />
Fase de Adaptação: nesta fase, o indivíduo portador de lesão medular começa a sentir-se<br />
recompensado por seus esforços. Ele está na sua capacidade máxima para agir ativamente no<br />
processo de reabilitação, é realista e, portanto, coopera para atingir as metas estabelecidas.<br />
Reconhece a importância do programa de reabilitação, já que este lhe está devolvendo<br />
a possibilidade de uma reintegração social e uma auto-eficiência dentro de suas limitações.<br />
Logicamente, este quadro apresentado é esquemático e nem todos as pessoas superarão<br />
da mesma forma estas diferentes etapas, porém todos os membros da equipe de reabilitação<br />
que trabalham com pacientes portadores de lesão medular sabem a importância da superação<br />
de cada uma destas fases na obtenção de uma verdadeira reabilitação.<br />
A fixação do lesado medular nas fases iniciais ou a regressão a estas por uma<br />
condução inadequada da equipe, incluindo nesta a família, pode estacionar gravemente o<br />
processo de reabilitação.<br />
Uma das reações psíquicas mais negativas que podem ser notadas é a indiferença<br />
frente à lesão medular; é o paciente que não se deprime nem se mostra agressivo,<br />
apresentando-se passivo, desmotivado, sem iniciativa, conduta que reflete grave perturbação<br />
psíquica, devendo ser corretamente tratada antes de se iniciar o programa de reabilitação.<br />
Freqüentemente, é observada esta conduta em pacientes que passam inativos, por<br />
períodos prolongados, em hospital ou domicílio. Por isso, faz-se necessário que a reabilitação<br />
seja iniciada durante a internação, de modo a evitar que ocorra esse quadro.<br />
52
O conhecimento dessas fases e possíveis complicações psicológicas associadas<br />
permitem à equipe agir corretamente, ajudando o paciente a recuperar sua harmonia<br />
psicofísica. Transformando, segundo as palavras de Gutmann (1994, p. 52), “um conjunto<br />
caótico de componentes em uma nova unidade funcional do sistema nervoso”; somente assim<br />
o paciente portador de lesão medular estará em condições de atingir sua reintegração à<br />
sociedade.<br />
Em outras palavras, as reações psicológicas do PLM representam problemas tão<br />
árduos quanto os resultantes do desastre, que reduziram subitamente um indivíduo com saúde<br />
normal e em atividade a um estado de completa imobilidade e dependência, primordialmente<br />
em sua fase inicial.<br />
A reação psicológica completa a sua condição física e desenvolve-se inevitavelmente<br />
quando o cliente se recobra do choque traumático inicial. A reação naturalmente variará de<br />
acordo com a idade, valores e temperamento individuais. Incertezas, medo e ansiedade fazem<br />
surgir as questões:<br />
− “Será isto permanente?”<br />
− “Eu nunca mais poderei andar ou trabalhar novamente?”<br />
− “Dependerei para sempre do auxílio de outras pessoas para realizar tudo que sempre<br />
executei sozinho?”<br />
O paciente irá apresentar muita ansiedade, dando origem a medo, frustrações, angústia<br />
e freqüentemente uma sensação de isolamento. Eles terão muitos questionamentos com<br />
respeito ao prognóstico, à vida no lar e em família, ao sexo, ao emprego, à reabilitação, à<br />
relação entre sua condição e ao meio ambiente e problemas de ordem financeira (BROMLEY,<br />
1997).<br />
Geralmente, quando procura o hospital ou é levado para internação, qualquer<br />
indivíduo pode sentir-se amedrontado, inseguro e desajustado. É nestas condições que ele<br />
53
necessita da ajuda psicológica e cabe também ao enfermeiro fazer que sinta confiança e<br />
segurança no novo ambiente. Para o PLM, a realidade pode ser mais assustadora, pois tem que<br />
se ajustar à sua entrada no sistema de saúde em uma nova condição pessoal.<br />
A extensão da deficiência é forçosamente trazida à mente do indivíduo quando ele<br />
começa sua reabilitação na cadeira de rodas. Durante a fase aguda no leito, outros assumem o<br />
cuidado com seu corpo, mas uma vez ele o tenha abandonado, o portador de lesão medular é<br />
confrontado com seus membros dependentes, pesados e sem função.<br />
Muitos clientes atravessam um período de depressão nessa época. Uma atitude mais<br />
positiva usualmente desenvolve-se quando o dia torna-se preenchido com trabalho e um<br />
progresso mesmo ligeiro é realizado em direção a independência. A depressão pode anunciar-<br />
se de diversas formas como agressão aos elementos da equipe e comportamento anti-social.<br />
Outros não podem enfrentar a realidade de seu problema e constantemente afirmam<br />
que irão andar novamente (negação). Em vista disso, eles se recusam a aprender as atividades<br />
cotidianas, a partir de uma cadeira de rodas ou a considerar qualquer alteração necessária para<br />
a vida doméstica. Uns poucos, e talvez o grupo mais difícil, parecem completamente<br />
indiferentes. Eles se conformam, mas são inteiramente apáticos (BROMLEY, 1997).<br />
Como forma de assegurar o acompanhamento psicológico, frente à sua importância no<br />
trabalho de reabilitação, este vem a ser garantido no Decreto nº 3.298, de 20 de dezembro de<br />
1999, Artigo 21, que ainda ressalta a necessidade de que este ocorra durante todo o processo<br />
de reabilitação e simultaneamente aos tratamentos funcionais, desde a comprovação da<br />
deficiência ou do início de um processo psicológico que possa originá-la (BRASIL, 1999).<br />
Para oferecer o máximo de auxílio ao cliente durante este período de reajustamento<br />
psicológico, assim como para atingir uma reabilitação física bem sucedida, é necessário que a<br />
equipe esteja bem sintonizada.<br />
54
Todos os membros da equipe de reabilitação deverão estar envolvidos com o<br />
reajustamento do paciente, cada qual sendo responsável por sua contribuição (BROMLEY,<br />
1997).<br />
A descrição deste quadro revela o quanto é difícil e complicado o processo de<br />
reabilitação de um indivíduo após o acidente.<br />
Como o início e o sucesso da reabilitação estão totalmente relacionados não apenas ao<br />
seu estado físico, como também ao seu estado emocional, é essencial que a equipe<br />
multiprofissional se apresente de forma bem organizada, onde cada profissional esteja atento a<br />
todos os sinais e suas necessidades.<br />
Não se pode esquecer que a família e o grupo de amigos desempenham um papel<br />
fundamental dentro do processo de reabilitação; portanto, devem ser esclarecidos e orientados<br />
em todos estes aspectos para agir em total harmonia com o resto da equipe, evitando a<br />
superproteção, dando o apoio necessário e sabendo resistir às possíveis exigências irracionais<br />
do paciente.<br />
Retomando a questão da relação do próprio deficiente em relação à sua deficiência, a<br />
pessoa pode assumir posturas distintas, como a de tentar a todo custo superar suas<br />
dificuldades, tentando provar a todos que é um ser-humano melhor que os ditos “normais”<br />
(como, por exemplo, um amputado que aprende a escalar montanhas); ou pode ainda cultivar<br />
a idéia de que sua deficiência é uma espécie de “bênção” alimentando a certeza de que o<br />
sofrimento tem muito a ensinar a uma pessoa sobre a vida e sobre as outras pessoas,<br />
reafirmando, assim, as limitações dos normais.<br />
Pode, também, tentar corrigir sua deficiência de forma direta, através de cirurgias,<br />
implantação e órteses ou próteses.<br />
Dependendo, ainda, de como se mostra a deficiência deste indivíduo, ou seja, se esta<br />
for facilmente visível, ele será considerado como um sujeito desacreditado.<br />
55
No entanto, caso o defeito não seja tão visível assim, mas o seu portador acredita que<br />
este o torna uma pessoa indigna de compartilhar do convívio social com os demais membros,<br />
ele assume então uma postura desacreditável, já que reafirma sua condição de pessoa<br />
estragada, diminuída (GOFFMAN, 1988).<br />
O modo como este indivíduo lida com sua condição de deficiente vai impregnar, de<br />
uma maneira mais ou menos intensa, a forma de ver do outro, facilitando ou obstaculizando a<br />
interação social.<br />
Pelo exposto, pode-se observar, sem a pretensão de que possamos sentir estas<br />
dificuldades, sem delas sermos protagonistas, a “nova vida” a que é bruscamente apresentado<br />
o portador de lesão medular.<br />
A forma, com que cada um vai enfrentar e se adaptar à situação, é desenvolvida em<br />
nível pessoal, pois cada um tem o seu contexto de vida e estrutura diferente do outro.<br />
O fator de estudo, no presente trabalho, visa apenas tentar esclarecer um pouco, como<br />
se coloca um dos fatores da nova adaptação dos quais o PLM é apresentado, que é o como as<br />
pessoas não portadoras de deficiência o vêem no contexto ocupacional, que se caracteriza<br />
fortemente como um fator de inclusão social ou não da Pessoa Portadora de Deficiência<br />
Física, haja vista a forma como exerce neste uma ação e uma reação proveniente do estigma,<br />
preconceito e discriminação, em relação à sua deficiência.<br />
Reações das pessoas em relação ao Deficiente <strong>–</strong> Construção histórica do lidar com a<br />
pessoa deficiente<br />
Da mesma forma que o lesado medular pode apresentar uma série de reações frente à<br />
sua deficiência, aqueles não portadores de lesão também as têm, sendo estas caracterizadas,<br />
muitas vezes, pelo estigma, preconceito e discriminação, gerando comportamentos que<br />
oscilam entre a segregação e a compaixão, passando pela indiferença.<br />
56
Uma vez que o eixo central da discussão neste estudo gira em torno da percepção do<br />
não deficiente em relação ao outro deficiente no âmbito do trabalho, é importante situar o<br />
entendimento sobre como essa percepção foi sendo construída, tomando como ponto de<br />
partida, uma linha histórica.<br />
Segundo Silva (1986), estudos antropológicos apontam que, desde a pré-história,<br />
pessoas com algum tipo de malformação congênita ou adquirida eram retratadas em pinturas e<br />
cerâmicas, o que nos permite dizer que o tema da deficiência fazia parte da vida diária<br />
daquelas comunidades.<br />
Bahia (2006) acrescenta que cada tribo ou povo estabelecia uma forma de lidar com as<br />
pessoas que tinham alguma deficiência, mas havia dois tipos comuns de atitudes adotadas<br />
frente a pessoas idosas, doentes ou com alguma deficiência: ou elas eram toleradas na<br />
comunidade, recebiam apoio e eram "assimiladas" pelo grupo ou eram desprezadas e<br />
eliminadas de diferentes maneiras. No entanto, o autor ressalta que, em alguns povos, os<br />
indícios de extermínio desses indivíduos acontecia por questões de sobrevivência e não por<br />
preconceito ou discriminação.<br />
A eliminação também era prática corrente entre os gregos. A valorização do corpo<br />
levava ao sacrifício pessoas com alguma deficiência física que, por serem destituídas do<br />
estatuto de pessoas, eram lançadas de penhascos (PALOMBINI, 2003).<br />
Por volta do ano 280 da Era Cristã, em Roma, ainda era vigente a lei do extermínio de<br />
recém-nascidos com deformações. Um número muito grande de nascimentos de crianças com<br />
deficiências fez com que a população romana oferecesse sacrifícios especiais a Plutão para<br />
eliminar um problema que afligia a todos. Também em Roma, bebês considerados anormais<br />
eram abandonados em cestas enfeitadas com flores às margens do rio e eram recolhidos por<br />
famílias pobres que os criavam para depois se utilizarem deles para pedir esmolas. Os<br />
57
omanos, sentindo-se culpados por terem abandonado um filho nessas condições, davam<br />
esmolas para diminuírem seu sentimento de culpa.<br />
Com a ascensão do Cristianismo a partir do século IV, as idéias de eliminação<br />
compulsória de bebês com deficiência passaram a ser condenadas. O direito à vida passou a<br />
ser defendido pelos cristãos, pois as mulheres, as crianças e as pessoas entendidas como<br />
"diferentes" passaram a ser consideradas "filhos de Deus" e donos de uma alma e,<br />
conseqüentemente, humanos. São chamados les enfants du bon Dieu, mas ao mesmo tempo,<br />
com um significado religioso paradoxal, são considerados "expiadores de culpas alheias".<br />
Pessoas com deficiência, loucos e criminosos eram considerados possuídos pelo demônio e<br />
associados às faltas cometidas e à punição por parte de Deus, sendo banidas do convívio<br />
social.<br />
Ceccim (1997, p. 27), estudioso da questão, afirma que a partir da ética cristã torna-se<br />
explícito o dilema entre caridade e castigo, entre proteção e segregação e<br />
[...] despontam duas saídas para a solução do dilema: de um lado, o castigo como<br />
caridade é o meio de salvar a alma das garras do demônio e salvar a humanidade das<br />
condutas indecorosas das pessoas com deficiência. De outro lado, atenua-se o<br />
castigo com o confinamento, isto é, a segregação (a segregação é o castigo caridoso,<br />
dá teto e alimentação enquanto esconde e isola de contato aquele incômodo e inútil<br />
sob condições de total desconforto, algemas e falta de higiene).<br />
No século XV, a Inquisição manda para a fogueira os hereges, que eram considerados<br />
loucos, adivinhos ou pessoas com algum tipo de deficiência mental. Ainda naquele mesmo<br />
século é editado o "Martelo das Bruxas", um livro "de caça às feiticeiras, adivinhos, criaturas<br />
bizarras ou de hábitos estranhos" (CECCIM, 1997, p.28).<br />
Pessoas com deficiência e, principalmente, com deficiência mental eram vistas como<br />
possuídas por espíritos malignos ou como loucas e foram assim levadas à fogueira.<br />
Até o século XVI, crianças com deficiência mental grave eram consideradas como<br />
possuídas por seres demoníacos. Mesmo renomados intelectuais acreditavam que era o<br />
58
demônio que estava ali presente. Segundo o pensamento da época, "o demônio possui esses<br />
retardados e fica onde suas almas deveriam estar" (SILVA, 1986, p. 211).<br />
Com a gradual rejeição do caráter demoníaco associado às pessoas com deficiência,<br />
começam a ser implementadas algumas formas de atenção a tais pessoas, constituindo, assim,<br />
um outro modo de colocar o problema da deficiência, vinculando-o, daqui para frente, a<br />
práticas caritativas e assistencialistas.<br />
Castel (1998), em seu livro "As metamorfoses da questão social: uma crônica do<br />
salário", faz uma excelente reflexão sobre a questão da assistência que nos auxilia a<br />
compreender o modo como serão estruturadas as práticas voltadas para as pessoas com<br />
deficiência a partir do final da Idade Média.<br />
A assistência abrange, segundo o autor, um conjunto diversificado de práticas que, no<br />
entanto, possuem uma estrutura comum determinada pela existência de certos grupos carentes<br />
e pela necessidade de atendê-los. Trata-se de entender de que modo surge esta "necessidade"<br />
de atendimento no âmbito da deficiência, uma vez que a assistência não será oferecida a todas<br />
as pessoas, indiscriminadamente.<br />
Foi preciso definir alguns critérios para o recebimento da assistência: o primeiro seria<br />
o do "pertencimento comunitário" que vincula a assistência à condição de ser membro do<br />
grupo, rejeitando assim os "estrangeiros".<br />
Quer se trate de esmolas, de abrigo em instituição, de distribuições pontuais ou<br />
regulares de auxílio, de tolerância em relação à mendicância etc., o indigente tem mais<br />
oportunidades de ser assistido à medida que é conhecido e reconhecido, isto é, entra nas redes<br />
de vizinhança que expressam um pertencimento que se mantém em relação à comunidade<br />
(CASTEL, 1998).<br />
Um segundo critério era o da "inaptidão para o trabalho", a partir do qual a assistência<br />
era fornecida para aqueles carentes incapazes de suprir, sozinhos, suas necessidades<br />
59
através do trabalho. Para Castel (1998), o pobre que mais mobilizava a caridade era aquele<br />
que exibia em seu corpo o sofrimento humano, a incapacidade física, a doença <strong>–</strong> de<br />
preferência incurável <strong>–</strong>, ou seja, aquelas doenças e incapacidades insuportáveis ao olhar eram<br />
as que garantiam a assistência.<br />
A possibilidade de receber assistência estava, portanto, diretamente vinculada a esses<br />
dois vetores: o pertencimento comunitário e a inaptidão para o trabalho. Dessa forma,<br />
recebiam assistência aquelas pessoas moradoras da comunidade e que pudessem comprovar a<br />
sua incapacidade para o trabalho.<br />
Ainda, segundo Castel (1998), é a partir do fim do século XIII que a prática da<br />
caridade se torna uma espécie de "serviço social local" para o qual colaboram todas as<br />
instâncias responsáveis pelo "bom governo" da cidade. Dentre tais instâncias encontra-se a<br />
Igreja <strong>–</strong> não propriamente em função da religião, como seria de se esperar, mas pelo fato de<br />
que as autoridades religiosas (o bispo, o cônego, por exemplo) teriam as mesmas<br />
responsabilidades das autoridades leigas (senhores notáveis e burgueses).<br />
A prática assistencial está diretamente relacionada ao surgimento das instituições de<br />
confinamento. Nesse modelo de intervenção, o atendimento aos carentes constitui objeto de<br />
práticas especializadas. Assim, surgem diferentes equipamentos sociais, tais como hospitais,<br />
asilos, orfanatos, hospícios que oferecerão atendimento especializado a certas categorias da<br />
população que outrora eram assumidos, sem mediação, pelas comunidades. Vão surgindo<br />
estruturas cada vez mais complexas e sofisticadas de atendimento assistencial, esboço de uma<br />
profissionalização futura desse tipo de prática.<br />
A condição social dos pobres que recebem assistência suscita atitudes que vão desde a<br />
comiseração até o desprezo. Eram desprezados pela própria condição de pobreza na qual se<br />
encontravam e pelas condições físicas de deficiência e doença, mas também recebiam<br />
comiseração já que eram "alvos" da boa ação de outras pessoas. Essa contradição se encontra<br />
60
em modos específicos da "gestão da pobreza", na economia da salvação: mesmo desprezado,<br />
o pobre pode, aceitando sua condição de pobreza, auxiliar os ricos para que esses pratiquem a<br />
caridade <strong>–</strong> a "suprema virtude cristã" <strong>–</strong> e obtenham, assim, a salvação. Dessa forma, os pobres<br />
também obteriam a sua própria salvação.<br />
A pobreza torna-se, portanto, um valor de troca na economia da salvação, assim como<br />
a doença e o sofrimento, prova inconteste da pobreza não só econômica, mas física. Doença e<br />
deficiência tornam-se também um valor de troca nessa economia de salvação e na<br />
possibilidade de obter auxílio da comunidade.<br />
Observa-se que pessoas doentes e com deficiência devem permanecer na condição de<br />
pessoas de segunda classe para continuar recebendo auxílio. Por outro lado, a prática<br />
assistencialista que valoriza esse tipo de relação mantém e fixa as pessoas na posição de<br />
subalternas. Para Castel (1998), essas pessoas fazem parte de uma zona intermediária de<br />
vulnerabilidade social, que pode se dilatar, avançando sobre a integração e alimentando a<br />
desfiliação em casos de crises econômicas, aumento do desemprego ou do subemprego. No<br />
entanto, sempre haverá pessoas nessa zona limite entre a integração e a desfiliação.<br />
Pessoas com deficiência, em uma grande parcela, fazem parte dessa zona de<br />
vulnerabilidade social que alimenta a caridade e o assistencialismo. São pessoas, na grande<br />
maioria, fora do mercado de trabalho, com pouco nível de instrução e acostumadas a receber<br />
auxílio e assistência de diversos grupos sociais. Assim, a caridade e o assistencialismo<br />
mantêm as pessoas com deficiência nesse lugar de necessitados, fixam-nos na zona de<br />
vulnerabilidade social, impedindo que aumente a tensão entre a demanda por integração e a<br />
possibilidade de desfiliação. A tensão permanece suportável e retroalimenta o<br />
assistencialismo.<br />
61
Com essa breve panorâmica histórica sobre a condição da pessoa deficiente na<br />
sociedade e o tratamento, por esta última, dispensado aos seus membros “menos afortunados”,<br />
fica mais próximo o entendimento de como hoje tais relações e percepções se reproduzem.<br />
Para reforçar ainda mais este pensamento, recorremos a Goffman (1988) que explica,<br />
de uma maneira geral, como nós nos comportamos diante do outro. Segundo este autor,<br />
quando qualquer pessoa chega à presença de outra, esta procura obter informações a seu<br />
respeito ou evoca aquilo que já possui em seu acervo de impressões e dados.<br />
Essa reação serve para situar o indivíduo diante de uma relação interpessoal que está<br />
prestes a acontecer. A informação a respeito de uma pessoa ou daquilo que ela representa<br />
serve para definir a situação, tornando as outras pessoas capazes de conhecer antecipadamente<br />
o que esperar daquele indivíduo e vice-versa.<br />
Em outras palavras, se conhecemos um indivíduo ou estamos informados a respeito<br />
dele em virtude de uma experiência que precedeu à interação, podemos confiar nas nossas<br />
suposições como meio de predizer qual será o seu comportamento. A isso se dá o nome de<br />
Tipificação. Assim, podemos ajustar nosso comportamento diante da previsibilidade desta<br />
interação social.<br />
No entanto, por não se possuir um elenco variado de experiências ou por não ter<br />
acesso a informações sérias e confiáveis sobre um determinado assunto, pessoa ou situação,<br />
muitas vezes buscamos estas referências em mitos, experiências de outros sujeitos, que podem<br />
estar impregnadas de conceitos errôneos, ultrapassados.<br />
O que acontece então é que nosso julgamento diante do outro, que ainda nem<br />
conhecemos, já fica impregnado de preconceito podendo nos levar a uma atitude<br />
discriminatória sem nem mesmo termos dado a oportunidade (a ele e a nós mesmos) de<br />
interagir, trocar idéias, informações, impressões.<br />
62
Ceifamos a possibilidade de crescer com a diferença ainda na semente. Isso pode<br />
acontecer por medo daquilo que não conhecemos ou ainda por negar nossas próprias<br />
deficiências, uma vez que o indivíduo deficiente, com suas “imperfeições”, por vezes muito<br />
evidentes ou visíveis, nos remetem às nossas próprias limitações e dificuldades.<br />
Portanto, lidar com pessoas que pertencem à um grupo estigmatizado requer de<br />
qualquer um de nós, capacidade para interagir sem se utilizar de julgamentos prévios,<br />
cristalizados e comportamentos viciados, repetitivos, que o senso comum reproduz sem<br />
questionamento.<br />
Tratar-se-á, então, de explicitar o significado dos termos estigma, preconceito e<br />
discriminação, já que, várias vezes, reporta-se a eles como elementos presentes na interação<br />
social daqueles deficientes com os “normais”.<br />
Erving Goffman (1963, citado por HOEMAN, 2000, p.10), em sua teoria sobre o<br />
estigma, comenta que este acompanha a pessoa visivelmente diferente das outras, tornando<br />
esta característica potencialmente negativa o que viria a levar o indivíduo a assimilar o<br />
estigma reforçando a sua “identidade espoliada”.<br />
Com relação à visibilidade de uma deficiência, Goffman (1988, p.59) em uma de suas<br />
obras complementa: “Já que é através de nossa visão que o estigma dos outros se torna<br />
evidente com maior freqüência, talvez o termo visibilidade não crie muita distorção. Na<br />
verdade, o termo mais geral ‘perceptilidade’ seria mais preciso”.<br />
Este dado se configura por um dos mais importantes no contexto estudado, devido ao<br />
que surge do imaginário das pessoas leigas, a respeito das limitações do portador de alguma<br />
deficiência e, em particular, àqueles portadores de lesão medular. Podem imaginar que estes<br />
não apenas tenham limitados seus movimentos físicos, como também sua capacidade<br />
intelectual, subjugando-os, tratando-os de forma diferenciada, limitando suas oportunidades<br />
de emprego ou sucesso. Ou seja, percebe-se que nossa sociedade está acostumada a<br />
63
econhecer essa parcela da população por suas limitações, e não por suas possibilidades<br />
(BARBOSA, 2007).<br />
Segundo Vash (1988), as pessoas portadoras de deficiência constantemente<br />
experimentam a desvalorização aos olhos dos outros e aos seus próprios. Isso é verdade<br />
independente, da natureza da deficiência, isto é, de se prejudicar o funcionamento físico,<br />
sensorial ou mental.<br />
Tal desvalorização pode ser considerada como um problema quando gera o<br />
preconceito, que se revela com uma dificuldade potencial para o PLM quando tenta<br />
reingressar ao mercado de trabalho.<br />
Com relação aos termos preconceito e discriminação, Marques (2002) esclarece que o<br />
primeiro trata de uma indisposição, um julgamento prévio, negativo que se faz de pessoas<br />
estigmatizadas por estereótipos. Já o segundo termo expressa a conduta (ação ou omissão) que<br />
viola direitos das pessoas com base em critérios injustificados e injustos tais como raça, sexo,<br />
idade, opção religiosa e outros.<br />
Ainda sobre o tema, Marques (2002, p. 172) lembra a Convenção 111 da OIT,<br />
ratificada e promulgada no Brasil em 1968 e mais tarde adquirindo status constitucional pois<br />
veio a complementar as garantias expressas na Constituição Federal do Brasil de 1988, que<br />
diz o seguinte:<br />
1. Para fins da presente convenção o termo “discriminação” compreende:<br />
a)[...]<br />
b) qualquer distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito destruir ou alterar<br />
a igualdade de oportunidades ou tratamento em matéria de emprego ou profissão que<br />
poderá ser especificada pelo membro interessado depois de consultadas as<br />
organizações representativas de empregadores e trabalhadores, quando estas<br />
existam, e outros organismos adequados.<br />
“O preconceito e a discriminação não se confundem. O Preconceito legitima a<br />
discriminação e esta, por sua vez, gera o preconceito” (MARQUES, 2002, p. 179).<br />
O que se percebe, então, nas relações entre as PPNE, no caso os paraplégicos em suas<br />
cadeiras de rodas e as pessoas sem deficiência (pelo menos aparente), é que, sem qualquer<br />
64
ase mais profunda, a maioria considerada normal, reproduz, sem muita preocupação com o<br />
que há de verdade em determinados conceitos sobre aqueles com comportamento desviante,<br />
um padrão de comportamento que acaba por segregar os diferentes.<br />
Ou seja, por não terem se permitido uma aproximação daquilo que lhe é diferente, as<br />
pessoas sem defeito aparente perdem a oportunidade de somar com as diferenças. Elas não<br />
permitem a interação, pois o padrão do outro, tão estranho ao que a maioria dominante<br />
entende como possível e aceitável, não se encaixa no seu elenco de possibilidades de interação<br />
social. Então elas se afastam. Além disso, muitos perpetuam a idéia de que a deficiência<br />
física impregna, negativamente, os outros atributos do indivíduo cadeirante, sejam estes bons<br />
ou ruins. Logo, a interação social fica prejudicada.<br />
Com base nestes conceitos, fica fácil entender a dificuldade de aceitação de qualquer<br />
pessoa portadora de deficiência em nossa sociedade, pois como foi exposto, este descrédito<br />
por parte das pessoas sem deficiência, pelo menos aparente, em relação àqueles deficientes,<br />
também pode acabar sendo assimilado pelo PLM, levando-o a duvidar de sua própria<br />
capacidade, acreditando que existem mais limitações do que as físicas.<br />
Não raramente escutam-se casos de deficientes que sofreram discriminação, mas nem<br />
sempre essa discriminação se apresenta de forma tão direta. Em alguns casos pode-se detectar<br />
a discriminação de forma mascarada pelo esquecimento ou simplesmente pelo descaso da<br />
maioria normal. Pode-se dizer que se trata de uma forma velada de violência. Há tempos idos,<br />
os diferentes eram exterminados fisicamente. Hoje, utilizamos uma forma de fazer a mesma<br />
coisa talvez de uma maneira mais discreta, nem por isso menos perversa.<br />
A concepção de enxergar os deficientes como pessoas infelizes ou diferentes, ou ainda,<br />
doentes, é presente e acarreta um movimento de exclusão.<br />
65
2.4 Inclusão Socioeconômica e Psicológica do Lesado Medular <strong>–</strong> aspectos legais e outros<br />
fatores que apontam para a inclusão<br />
Continuando a abordagem deste estudo, retoma-se à importância do conceito da<br />
reabilitação no seu aspecto amplo que abrange as esferas bio-psico-social. Não é possível<br />
imaginar a possibilidade de inclusão social sem que haja um processo de reabilitação a termo<br />
com estas lacunas preenchidas.<br />
Este tópico vem, brevemente, ilustrar que nosso país possui uma teia de leis, decretos e<br />
portarias com vistas à inclusão do portador de deficiência que fazem inveja à alguns Estados<br />
mais desenvolvidos.<br />
No entanto, como explicar o descompasso entre uma legislação ampla, detalhada e<br />
avançada com a real situação em que se encontram as PPNE? Parece que os instrumentos<br />
legais não faltam. O que parece faltar é a implementação das leis, vigilância no seu<br />
cumprimento e conscientização da sociedade, não necessariamente nesta ordem.<br />
Brasil.<br />
A seguir, estão descritas algumas diretrizes para a inclusão das PPNE vigentes no<br />
A possibilidade de inclusão, não só no contexto ocupacional, do deficiente, vem<br />
garantir o direito a esta pessoa de exercer sua cidadania, com seu acesso a oportunidades<br />
idênticas às dos demais cidadãos, bem como de usufruir, em condições de igualdade, das<br />
melhorias nas condições de vida, resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso<br />
social, devolvendo-lhe, assim, sua dignidade (BRASIL, 2003).<br />
A reabilitação também está presente no Decreto nº 3.298, que visa estabelecer os<br />
direitos dos deficientes físicos, garantindo-lhes o direito à reabilitação, de forma integral, em<br />
instituições e com profissionais especializados, visando o desenvolvimento das<br />
potencialidades da pessoa portadora de deficiência, destinada a facilitar sua atividade laboral,<br />
educativa e social (BRASIL, 1999).<br />
66
Na realidade isso não ocorre da forma como preconiza a lei. O Relatório da XXI<br />
Conferência Nacional de Saúde já apontava, em 2003, que o grande problema da reabilitação<br />
em nosso país se resumia basicamente em três pontos: em primeiro lugar não há instituições<br />
de reabilitação em número suficiente para atender à população; em segundo lugar, as<br />
instituições que existem estão muito longe, geograficamente falando, da população mais<br />
carente desse tipo de assistência; e em terceiro lugar, a maioria dos profissionais que trabalha<br />
nestes locais não tem o preparo direcionado para a assistência de reabilitação. Ou seja, existe<br />
uma população significativa que está descoberta deste tipo de atenção.<br />
E, infelizmente, pode-se arriscar um palpite de que esta situação tende a se agravar,<br />
visto a crescente demanda de vítimas da violência urbana que nas grandes metrópoles assume<br />
estatísticas assustadoras.<br />
Dando continuidade aos aspectos legais referentes a PPNE, também no Decreto n.º<br />
3.298 (BRASIL, 1999), há referência à necessidade de prevenção da qual seriam responsáveis<br />
por desenvolvimento de projetos para prevenção de acidentes domésticos, de trabalho, de<br />
trânsito e outros, bem como o tratamento adequado de suas vítimas, os órgãos e entidades da<br />
Administração Pública Federal direta e indireta responsáveis pela Saúde, especificando, ainda,<br />
que prevenção compreende as ações e medidas orientadas a evitar as causas de deficiências<br />
que possam ocasionar incapacidades e as destinadas a evitar sua progressão ou derivação e<br />
outras.<br />
Um grande problema para os portadores de deficiência física, dentre muitos outros,<br />
pode se constituir pela dificuldade de locomoção oferecida pelas suas limitações.<br />
Dependendo de onde vai exercer sua atividade de trabalho, esta pode ser considerada<br />
um entrave para o PLM que tenha necessidade de se locomover exclusivamente com o auxílio<br />
da cadeira de rodas.<br />
67
Como exemplo desta situação, pode-se citar o fato de que na maioria dos projetos de<br />
obras em vias públicas, são considerados os pedestres sem nenhuma deficiência e veículos<br />
automobilísticos, ignorando a possibilidade de que deficientes em cadeira de rodas ou pessoas<br />
com deficiência visual ou outras também possam querer ou precisar se locomover em vias<br />
públicas.<br />
Além das vias e edificações públicas, os deficientes têm o direito e necessidade de<br />
utilizar os meios de transporte coletivos para locomoção; sendo assim, os projetos também<br />
devem apresentar meios de servir a esta parcela da população, o que fica garantido pelo<br />
Decreto nº 3.691 de 19 de dezembro de 2000, que dispõe sobre o transporte de pessoas<br />
portadoras de deficiência no sistema de transporte coletivo e interestadual, mas que<br />
infelizmente na prática não funciona de maneira efetiva (BRASIL, 2000).<br />
Este decreto, que regulamenta uma Lei de 1994 considera que as empresas<br />
permissionárias e autorizatárias de transporte interestadual de passageiros reservarão dois<br />
assentos de cada veículo, destinado a serviço convencional, para ocupação por idosos,<br />
gestantes, lactantes, pessoas portadoras de deficiência e pessoas acompanhadas por crianças<br />
de colo.<br />
A Lei nº 10.048, de 08 de novembro de 2000, que também dispõe sobre a prioridade<br />
de atendimento às pessoas citadas acima, ainda estabelece que os veículos de transporte<br />
coletivo a serem produzidos após doze meses da publicação desta Lei, serão planejados de<br />
forma a facilitar o acesso a seu interior das pessoas portadoras de deficiência, e que os<br />
proprietários de veículos de transporte coletivo em utilização terão o prazo de cento e oitenta<br />
dias, a contar da regulamentação desta Lei, para proceder às adaptações necessárias ao acesso<br />
facilitado das pessoas portadoras de deficiência (BRASIL, 2000).<br />
A infração ao disposto nesta Lei sujeitará os responsáveis por estas empresas<br />
concessionárias de serviço público, à multa de R$ 500,00 (quinhentos reais) a R$ 2.500,00<br />
68
(dois mil e quinhentos reais) por veículos sem as condições previstas, podendo ser elevadas ao<br />
dobro, em caso de reincidência.<br />
Este fato não ficou excluído do Decreto nº 3.298 (BRASIL, 1999), que em seu capítulo<br />
IX, estabelece normas para reduzir as dificuldades dos deficientes neste sentido. Constam<br />
neste capítulo a necessidade de construções ou reformas destinadas ao uso coletivo que sejam<br />
acessíveis a pessoas portadoras de deficiência ou com a mobilidade reduzida, que pelo menos<br />
um dos acessos ao interior das edificações esteja livre das barreiras arquitetônicas e de<br />
obstáculos que impeçam ou dificultem a acessibilidade, elevadores e banheiros acessíveis, a<br />
discriminação, em garagens/estacionamentos, de vagas especiais devidamente sinalizadas,<br />
entre outros.<br />
Chamam a atenção as datas destes dispositivos legais. São todas muito recentes, o que<br />
nos faz pensar no quanto os deficientes já sofreram por não terem, em tempos passados, um<br />
amparo legal no qual pudessem recorrer.<br />
Ainda assim, as PPNE relatam o quão difícil é conseguir a execução de qualquer uma<br />
das exigências pontuadas nestas leis. Por vezes, o recurso pleiteado por uma pessoa deficiente<br />
demora meses para ser atendido. Neste caso, o tempo despendido significa aumentar ou<br />
reduzir as chances de inclusão deste deficiente na sociedade.<br />
2.5 Inclusão do Lesado Medular no Contexto Ocupacional e a Saúde do Trabalhador <strong>–</strong><br />
saúde do trabalhador, reabilitação profissional<br />
Em virtude do contexto em que se desenha a tese, não há como não abordar a Saúde do<br />
Trabalhador, visto que esta se configura como principal preocupação da pesquisadora e<br />
elemento altamente prejudicado, no que se refere ao binômio trabalhador cadeirante-<br />
trabalhador andante no contexto ocupacional.<br />
69
Saúde do Trabalhador<br />
Há uma trajetória que compõe a construção da Saúde do Trabalhador. Resumidamente,<br />
o processo começou com o surgimento da Saúde Ocupacional em 1959, através da<br />
Recomendação nº 112 da OIT (2006) que definiu o serviço, suas funções, pessoal, instalação,<br />
etc, prevendo a participação multi e interdisciplinar, compondo uma equipe multiprofissional<br />
com ênfase na higiene industrial.<br />
No entanto, a filosofia da Saúde Ocupacional não vingou, pois, dentre outros motivos,<br />
manteve seu referencial na Medicina do Trabalho com ênfase na medicalização e não<br />
concretizou a proposta da interdisciplinaridade. Esse processo levou à exigência da<br />
participação do trabalhador nas questões de segurança e saúde no âmbito ocupacional.<br />
Em meados de 1970, inicia-se a transição para o modelo da saúde do trabalhador com<br />
intenção de estabelecer interfaces com a Saúde Pública, Medicina Social e Saúde Coletiva,<br />
diferenciando-se, assim, da saúde ocupacional.<br />
A saúde do trabalhador se ocupa, então, em explicar o adoecer e o morrer dos<br />
trabalhadores através do estudo dos processos de trabalho, de forma articulada com o conjunto<br />
de valores, crenças e idéias, as representações sociais e as possibilidades de consumo de bens<br />
e serviços.<br />
No contexto desta pesquisa, buscar-se-á elementos que poderão subsidiar uma reflexão<br />
sobre como se processam as relações de trabalho entre pessoas portadoras de deficiência<br />
motora (cadeirantes) e aqueles supostamente normais, uma vez que, no discurso dos PLM há<br />
normalmente uma referência sobre a forma discriminatória e estigmatizante nesta relação,<br />
prejudicando-a.<br />
A deficiência acarreta para o indivíduo portador, significativos problemas de convívio<br />
social e profissional. Em relação ao ambiente ocupacional não é diferente.<br />
Muitos empregadores acham que os portadores de deficiência não se adaptam bem<br />
ao trabalho em grupo; que são rejeitados pelos colegas; que são demasiadamente<br />
sensíveis, temperamentais e até ingratos; que magnificam seus problemas para<br />
70
trabalhistas.<br />
conseguirem benesses; que criam problemas para os colegas; que afastam clientes;<br />
que constituem um grande problema numa hora de incêndio ou outra emergência;<br />
etc. (MARQUES, 2002, p. 128)<br />
A realidade exposta se contrapõe à legislação que ampara os deficientes nas questões<br />
No que diz respeito à oferta de trabalho e aos direitos dos portadores de deficiência,<br />
por exemplo, estes estão descritos ao longo de vários trechos do Decreto nº 3.298 (BRASIL,<br />
1999).<br />
Segundo este, cabe aos órgãos e às entidades do Poder Público assegurar o pleno<br />
exercício de seus direitos básicos dentre estes, o de trabalho. Neste contexto, o decreto visa<br />
ampliar as alternativas de inserção econômica do portador de deficiência, proporcionando-lhe<br />
qualificação profissional e incorporação ao mercado de trabalho.<br />
Para tanto, os serviços de reabilitação devem estar dotados dos recursos necessários,<br />
inclusive orientação profissional, para atender o portador de deficiência preparando-lhe para<br />
um trabalho que seja adequado, onde haja perspectiva de progredir.<br />
Ainda como uma forma de garantir o acesso desse trabalhador no mercado de trabalho,<br />
as empresas, com cem ou mais empregados, estão obrigadas a preencher de 2 a 5% de seus<br />
cargos com pessoa portadora de deficiência habilitada, de acordo com uma proporção também<br />
determinada por este decreto.<br />
A importância do trabalho não apenas se reflete em estabelecer uma concretização do<br />
processo de reabilitação, mas, também, é refletida no valor que nossa sociedade dá à<br />
produtividade e nas conseqüências sociais e psicológicas negativas que o desemprego traz<br />
para o indivíduo.<br />
Portanto, o bem-estar do indivíduo manda que o profissional de saúde considere o<br />
trabalho como um possível alvo da reabilitação. Sobre este assunto Sir Ludwig Guttman<br />
escreveu:<br />
71
O resultado mais gratificante do retorno de um paraplégico à vida útil, além do efeito<br />
benéfico sobre a condição física e a perspectiva mental, é a conscientização de que o<br />
trabalho é essencial para a felicidade humana. Quanto a isso se observa que muitos<br />
paraplégicos com pensões militares ou industriais, para quem o trabalho pode não<br />
ser essencial do ponto de vista financeiro, reconhecem que trabalhar é essencial para<br />
o seu bem-estar. (KOTTKE; LEHMANN, 1994, p.179)<br />
Desde a emergência do capitalismo e suas características de produção e incentivo ao<br />
consumo foi construída uma realidade na qual o homem que não gera recursos fica totalmente<br />
excluído da vida social. O desemprego se torna um sinônimo de exclusão social, visto que o<br />
indivíduo não produz e não consome, como dita as regras do sistema capitalista.<br />
Segundo Souza (1996a, 1996b), para manter o equilíbrio, o organismo humano deve<br />
ajustar-se às condições ambientais.<br />
Para isso, há não só necessidade de adaptação fisiológica a fatores adversos, tais como<br />
clima, agentes biológicos, substâncias químicas, como também de ajustamento social que<br />
modificam sempre, como as de natureza econômica, as que se relacionam com sistemas de<br />
valores morais e as que os indivíduos diferem quanto à capacidade para manter o equilíbrio<br />
fisiológico e para resistir ou sobrepor-se à doença, que varia no que se refere à manutenção ou<br />
recuperação do seu ajustamento social.<br />
De acordo com a OMS (2005), os maiores desafios para a saúde do trabalhador<br />
atualmente e no futuro são os problemas de saúde ocupacional ligados com as novas<br />
tecnologias de informação e automação, novas substâncias químicas e energias físicas, riscos<br />
de saúde associados a novas biotecnologias, transferência de tecnologias perigosas,<br />
envelhecimento da população trabalhadora, problemas especiais dos grupos vulneráveis<br />
(doenças crônicas e deficientes físicos), incluindo migrantes e desempregados, problemas<br />
relacionados com a crescente mobilidade dos trabalhadores e ocorrência de novas doenças<br />
ocupacionais de várias origens.<br />
A saúde do trabalhador e um ambiente de trabalho saudável são valiosos bens<br />
individuais, comunitários e dos países. A saúde ocupacional é uma importante estratégia não<br />
72
somente para garantir a saúde dos trabalhadores, mas também para contribuir positivamente<br />
para a produtividade, qualidade dos produtos, motivação e satisfação do trabalho e, portanto,<br />
para a melhoria geral na qualidade de vida dos indivíduos e da sociedade como um todo<br />
(OMS, 2005).<br />
A reabilitação profissional<br />
Ainda na perspectiva da saúde do trabalhador portador de deficiência motora, a<br />
questão da reabilitação profissional assim está considerada em seu conceito amplo,<br />
compreendendo os seguintes aspectos: reabilitação física, que cuida da recuperação física e<br />
orgânica, reabilitação psicológica, que opera na esfera psíquica do cliente, atuando de forma a<br />
levá-lo a compreender melhor a si mesmo e sua relação com seu ambiente, reabilitação<br />
profissional, que integra o homem ao seu trabalho anterior ou a outro compatível com sua<br />
deficiência funcional, restituindo-lhe o sentimento de independência e de auto-suficiência, e a<br />
reabilitação social, que decorre das precedentes, reintegrando o homem na sociedade<br />
(TALIBERTI, 1997).<br />
Exercer uma atividade laboral após o período de reabilitação necessário, consagra a<br />
reabilitação e aproxima novamente o indivíduo do que é ter uma vida considerada como<br />
“normal”.<br />
Entre as medidas que devem ser avaliadas durante este processo de reabilitação, uma é<br />
de grande importância no sentido de concretizar o sucesso deste é a atuação profissional do<br />
indivíduo portador de lesão medular.<br />
É interessante que se tenha conhecimento da atividade laboral desenvolvida por ele<br />
antes do trauma e desenvolver a reabilitação de forma que esta venha a possibilitar o seu<br />
retorno a esta atividade se possível. Quando não, a reabilitação deve pretender atingir níveis<br />
que lhe ofereçam possibilidades de trabalho em outras atividades.<br />
73
A atividade que será exercida pelo PLM dependerá não mais apenas do que ele sabe<br />
fazer, mas também do que suas limitações lhe permitam alcançar.<br />
Se o trabalho vai ser formal ou informal e a área em que vai atuar são decisões que<br />
serão tomadas através da soma de todos os fatores que compõe a nova vida do indivíduo.<br />
Nesta decisão, também, irão influenciar fatores como oferta de emprego, qualificação<br />
profissional e habilidades. Mas, mesmo com limitações impostas pela lesão, o indivíduo PLM<br />
ainda pode, se iniciar rapidamente sua reabilitação, realçar suas habilidades remanescentes e<br />
ainda descobrir outras que estavam embotadas.<br />
Para o processo de reabilitação profissional não existe um ponto final; o cliente pode<br />
atingir o nível máximo de reabilitação mediante suas limitações, mas deverá estar sempre<br />
atuando e recebendo assistência para manter este nível máximo.<br />
Uma das formas de avaliar se a reabilitação alcançou os objetivos a que se propõe é a<br />
avaliação do retorno do PLM às atividades de vida diária, no lar, no trabalho, na vida social.<br />
Quanto menores forem as alterações no dia-a-dia do paciente comparando-se sua vida antes<br />
do trauma e após o início do processo de reabilitação, pode-se considerar mais proveitoso este<br />
processo.<br />
O potencial da pessoa com lesão medular na ausência de complicações médicas e<br />
psicológicas, mesmo na presença de múltipla deficiência física, é imensurável. Rusk (in<br />
KOTTKE; LEHMANN, 1994, p.734) declara:<br />
Você não obtém porcelana delicada expondo argila ao sol. Você tem que passar a<br />
argila pelo calor do forno se quiser fazer porcelana. O calor quebra alguns pedaços.<br />
A deficiência quebra algumas pessoas. Mas, uma vez que a argila passa pelo fogo e<br />
sai inteira, ela nunca será argila novamente; uma vez que a pessoa supera a<br />
deficiência com sua própria coragem, determinação e trabalho duro, ela tem uma<br />
profundidade de espírito da qual você e eu conhecemos muito pouco.<br />
Além de oportunidades de emprego limitadas, a falta de qualificação profissional pode<br />
contribuir na dificuldade para o retorno a atividade laboral; visando melhorar este problema, o<br />
decreto ainda prevê a implementação de programas de formação e qualificação profissional<br />
74
voltadas para o deficiente no Âmbito Nacional de Formação de Profissional (PLANFOR), que<br />
terá como objetivos, além de criar condições para que o portador de deficiência receba uma<br />
formação profissional adequada, organizar os meios para que esta formação se concretize de<br />
forma a viabilizar a sua inserção, de maneira competitiva, no mercado de trabalho.<br />
É importante ressaltar que, apesar da existência dos incentivos oferecidos pelas leis<br />
para ingresso no mercado de trabalho e qualificação profissional, necessariamente este fato<br />
não garante que ocorram na prática.<br />
Pode-se verificar até então que o retorno do PLM ao mercado de trabalho não se<br />
constitui por uma tarefa isolada e muito menos simples. Após enfrentar todos os problemas<br />
clínicos, emocionais e se reestruturar ao máximo física e mentalmente, o que ocorre de forma<br />
concomitante com sua reinserção familiar e social, o PLM pode averiguar as possibilidades de<br />
trabalho que poderá assumir, e se dentro destas possibilidades existem vagas para ele.<br />
Na sociedade capitalista, a maioria das pessoas cresce esperando e querendo trabalhar.<br />
Mais do que seguir os passos dos pais ou a identificação com uma profissão em particular, o<br />
trabalho se tornou uma necessidade que emerge da dificuldade econômica e da exclusão social<br />
decorrentes do desemprego.<br />
Para muitos a ausência de uma atividade laboral pode representar uma série de<br />
problemas pessoais, sociais e familiares causando um abalo ao paciente, que pode alterar seu<br />
desejo de restabelecer-se de forma positiva ou negativa.<br />
O trabalho, então, deve ser considerado como uma forma que o homem encontra de se<br />
elevar dentro de seu contexto pessoal, familiar, social, pois não gera somente ganhos<br />
financeiros, mas, também, se relaciona com o sistema de valores morais e educacionais, sendo<br />
apreciado com respeito no âmbito social o indivíduo qualificado como “trabalhador”.<br />
Para Vash (1988), o desemprego gera ausência de poder sócio-político e econômico e<br />
a ausência de poder é a base do desamparo aprendido.<br />
75
Para o PLM, esta realidade não se modifica devido à sua deficiência, na verdade tende<br />
a se agravar, visto que atuam ao mesmo tempo a pressão capitalista e a possibilidade de se<br />
tornar um indivíduo improdutivo, diante da família, da sociedade e para si próprio.<br />
O desemprego prolongado pode ser psicologicamente e socialmente devastador,<br />
mesmo quando a incapacidade proporciona uma desculpa socialmente aceitável (KOTTKE;<br />
LEHMANN, 1994).<br />
Soma-se a estes, o agravante de que um problema de saúde geralmente acarreta<br />
maiores gastos financeiros. É bem conhecida atualmente, a realidade de que tratamentos,<br />
remédios e outros cuidados relacionados a saúde podem ser extremamente dispendiosos.<br />
Com a deficiência, um trabalho planejado ou desempenhado no passado pode<br />
repentinamente se tornar impossível ou uma deficiência pode ser tão grave que ninguém<br />
consegue ver qualquer tipo de trabalho apropriado.<br />
É claro que as deficiências não limitam às opções profissionais na medida em que as<br />
pessoas têm sido levadas a acreditar em tal fato. Entretanto, as limitações funcionais<br />
associadas com as condições de deficiência realmente deixam de fora algumas ocupações e<br />
cercam outras com uma probabilidade menor de sucesso.<br />
Nesta perspectiva, sendo a reabilitação ocupacional de suma importância para a PPNE,<br />
o empenho tem que ser não somente do deficiente, mas, também, do empregador e dos<br />
colegas de trabalho e de profissionais da área da saúde do trabalhador contribuindo,<br />
sobremaneira, para a inclusão da pessoa portadora de necessidades especiais no contexto<br />
laboral.<br />
76
3.1 Tipo do Estudo<br />
CAPÍTULO III<br />
METODOLOGIA<br />
O estudo foi do tipo descritivo com abordagem qualitativa.<br />
Segundo Flegner e Dias (1995), o estudo descritivo se preocupa com a descrição do<br />
fenômeno. Eles delineiam o que é, abordando quatro aspectos que são: descrição, registro,<br />
análise e interpretação de fenômenos atuais, objetivando seu funcionamento no presente.<br />
Minayo (1994) refere que as pesquisas qualitativas são aquelas capazes de incorporar a<br />
questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações e às<br />
estruturas sociais, sendo estas últimas tomadas tanto no advento, quanto na sua transformação<br />
como construções humanas significativas.<br />
3.2 Local do Estudo<br />
Os locais de estudo foram os postos de trabalho de empresas que possuíam, em seu<br />
quadro de funcionários, o trabalhador paraplégico.<br />
Na necessidade de garantir a exeqüibilidade do estudo foi necessário realizar o acesso<br />
às empresas que foram cenário de estudo. Neste sentido, o mesmo foi realizado através do<br />
Centro de Vida Independente (CVI), uma ONG voltada para a inclusão social das pessoas<br />
portadoras de necessidades especiais (PPNE), que possui cadastro de empresas que contratam<br />
estas pessoas e também da Associação Nacional de Apoio ao Deficiente - AN<strong>DE</strong>F que tem os<br />
mesmos propósitos do CVI.<br />
Vale ressaltar que tanto o CVI como a AN<strong>DE</strong>F possuem uma lista de empresas que<br />
contratam pessoas com algum tipo de deficiência. Tal listagem foi a referência para obtenção<br />
das demais empresas para compor o elenco de sujeitos para atingir a saturação dos dados.<br />
77
No entanto, cabe aqui destacar que são poucas aquelas que recebem um cadeirante. A<br />
explicação, segundo informações destas instituições que fazem o elo entre as PPNE e os<br />
empregadores, é que estes últimos solicitam que sejam encaminhados ao setor de<br />
recrutamento e seleção das empresas, apenas aqueles deficientes com limitações leves, ou<br />
seja, perda auditiva leve ou moderada, visão subnormal ou deficiência motora onde o<br />
deficiente use bengala ou, no máximo, muletas.<br />
Uma vez discutindo, neste estudo, a questão da inclusão da PPNE no contexto de<br />
trabalho, o fato nos parece, salvo melhor juízo, caracterizar uma discriminação.<br />
De acordo com o CVI, a alegação dos empregadores se baseia nas barreiras<br />
arquitetônicas existentes no ambiente ocupacional, o que dificultaria o ir e vir deste<br />
cadeirante.<br />
Outras fontes além do CVI e da AN<strong>DE</strong>F foram consultadas pela pesquisadora a fim de<br />
identificar mais empresas que possuíam paraplégicos em seu quadro de funcionários, dada a<br />
dificuldade de encontrar estas instituições, segundo o cadastro apresentado por estas duas<br />
organizações, que se encaixem no perfil necessário de pesquisa.<br />
Desta forma, serviram de referência para localizar tais instituições, os clientes<br />
portadores de para e tetraplegia ora atendidos pela mesma, setor de RH de grandes redes de<br />
supermercado, bancos, Estatais e Multinacionais.<br />
A seleção das empresas foi feita através de contato com as mesmas no sentido de obter<br />
autorização para realizar o estudo.<br />
Serviram de base para coleta dos dados as seguintes Instituições:<br />
• BR Distribuidora<br />
• Caixa Econômica Federal <strong>–</strong> Agência Teleporto<br />
• Caixa Econômica Federal <strong>–</strong> Setor Jurídico Consultivo<br />
78
• Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro - ALERJ (Gabinete da<br />
Deputada Georgete Vidor)<br />
• Petrobrás <strong>–</strong> Edifício Sede<br />
3.3 Sujeitos do Estudo<br />
Participaram da pesquisa 29 trabalhadores sem deficiência motora que possuíam, em<br />
seu ambiente de trabalho pessoa portadora de deficiência física cadeirante e que concordaram<br />
participar do estudo.<br />
Como critério de inclusão buscou-se aqueles trabalhadores que tinham contato direto<br />
com o cadeirante, no seu contexto de trabalho.<br />
A Tabela 1 a seguir, sintetiza o perfil dos respondentes.<br />
79
Tabela 1 - Caracterização dos Sujeitos (n=29)<br />
Indicadores Respostas F<br />
sexo<br />
Escolaridade<br />
Religião<br />
Profissão<br />
Faixa etária<br />
Masculino<br />
Feminino<br />
Superior completo<br />
Superior incompleto<br />
Médio incompleto<br />
Médio completo<br />
Fundamental completo<br />
Fundamental incompleto<br />
Católica<br />
Protestante<br />
Espírita<br />
Sem religião<br />
Jornalista<br />
Estudante<br />
Frentista<br />
Vendedor<br />
Engenheiro<br />
Fonoaudiólogo<br />
Bancário<br />
Técnico bancário<br />
Advogado<br />
Musicoterapeuta<br />
24 a 30 anos<br />
31 a 40 anos<br />
41 a 50 anos<br />
51 a 54 anos<br />
Treinamento para lidar com o cadeirante Sim<br />
Conhecimento do cadeirante antes do<br />
acidente<br />
Tempo que trabalha com o colega cadeirante<br />
Conhecimento sobre as circunstâncias em que<br />
ocorreu o evento que tornou o colega<br />
paraplégico<br />
não<br />
Sim<br />
Não<br />
15 dias a 10 meses<br />
1 ano<br />
2 anos<br />
3 anos<br />
Mais de 3 anos<br />
Sim<br />
Não<br />
15<br />
14<br />
15<br />
9<br />
1<br />
0<br />
3<br />
1<br />
23<br />
1<br />
3<br />
2<br />
2<br />
2<br />
4<br />
1<br />
1<br />
1<br />
11<br />
1<br />
5<br />
1<br />
4<br />
17<br />
5<br />
3<br />
1<br />
28<br />
0<br />
29<br />
8<br />
3<br />
10<br />
4<br />
4<br />
27<br />
2<br />
80
Dados sobre a idade, sexo, religião, foram utilizados na discussão das respostas<br />
coletadas, pois contribuíram nas reflexões sobre questões de maturidade, gênero e constituição<br />
de crenças e valores dos respondentes.<br />
A profissão e o cargo foram também contemplados no perfil uma vez que a formação<br />
profissional de um indivíduo poderia influenciar sua capacidade para atuar e lidar com<br />
questões de relacionamento interpessoal dentro e fora do ambiente de trabalho.<br />
Com relação à escolaridade, embora sempre existam exceções, imaginou-se que<br />
quanto maior o nível de escolaridade de um indivíduo, maior seria seu universo de<br />
conhecimento o que poderia ampliar também sua capacidade de compreensão sobre fatos,<br />
fenômenos e comportamentos. No entanto, não se pode esperar sempre que um indivíduo<br />
portador de títulos e honras acadêmicas vá ter, em função disso, um comportamento<br />
despojado de preconceitos, pronto para uma interação social plena. Desta forma, a<br />
escolaridade também não foi um critério de exclusão.<br />
Foram ainda incluídas nos dados do perfil, questões referentes ao tempo de trabalho<br />
com seu colega paraplégico; conhecimento do colega cadeirante antes do acidente que o<br />
deixou paraplégico; conhecimento da circunstância em que ocorreu o evento que o deixou<br />
paraplégico, se fosse o caso, e treinamento para trabalhar com um colega cadeirante.<br />
Pretendeu-se, com estes dados, aumentar as possibilidades e enriquecimento de análise dos<br />
discursos dos sujeitos facilitando sua compreensão.<br />
Assim, teve-se uma população de entrevistados bastante heterogênea, formada por 15<br />
pessoas do sexo masculino e 14 do sexo feminino, com o nível de escolaridade assim<br />
distribuído: 15 indivíduos com nível superior completo, estando dois deles cursando Pós<br />
graduação; 9 respondentes com 3º grau incompleto; um com 2º grau incompleto; três que<br />
completaram o 1º grau e apenas com 1º grau incompleto.<br />
81
A religião predominante era a católica com 23 sujeitos, seguida por 1 indivíduo<br />
Protestante (Evangélica); três Espíritas e dois afirmaram não praticar religião alguma.<br />
Os cargos ocupados eram de acordo com a formação profissional, com exceção de dois<br />
indivíduos que trabalhavam em áreas diferentes daquelas em que foram formados/treinados<br />
como era o caso da fonoaudióloga atuando como assessora de gabinete, o de um vendedor que<br />
trabalhava como frentista e de uma musicoterapeuta que atuava na gerência de uma agência<br />
bancária.<br />
Com relação ao treinamento para lidar com o cadeirante, 28 dos 29 entrevistados<br />
informaram não terem tido este tipo de abordagem no trabalho nem fora dele. Nenhum deles<br />
conheceu o colega cadeirante antes deste se tornar paraplégico. Apenas dois respondentes<br />
disseram não saber em que circunstâncias seu colega se tornou paraplégico.<br />
O tempo em que trabalhavam junto com o colega cadeirante variou entre 15 dias a 3<br />
anos, com predominância de 2 anos de contato.<br />
Os trabalhadores cadeirantes que serviram como referência para a base de coleta dos<br />
dados tiveram como etiologia da sua paraplegia a Poliomielite (1) (advogada da CEF), dois<br />
sofreram acidente automobilístico (Relações Públicas Gab. Georgete Vidor - ALERJ, e<br />
Frentista), outros três foram vítimas por Projétil de arma de fogo (PAF) (frentista, atendente<br />
do setor SAC da Petrobras e gerente da CEF).<br />
3.4 Instrumento de Coleta de Dados<br />
Os dados foram coletados através de um roteiro de entrevista semi-estruturado. A<br />
escolha por este tipo de entrevista reside no fato de que esta confere todas as perspectivas<br />
possíveis para que o informante alcance a liberdade e espontaneidade necessárias,<br />
enriquecendo a investigação (MINAYO, 1994).<br />
82
Para Triviños (1995), a entrevista semi-estruturada é um dos principais meios de que<br />
dispõe o investigador para realizar a coleta de dados, ou seja, parte de certos questionamentos<br />
básicos, apoiados em teorias e hipóteses que interessam à pesquisa e que, em seguida,<br />
oferecem amplo campo de interrogativas, fruto de novas hipóteses que vão surgindo à medida<br />
que recebem respostas do informante.<br />
Desta maneira, o informante, seguindo espontaneamente sua linha de pensamento e de<br />
suas experiências dentro do foco principal colocado pelo investigador, começa a participar na<br />
elaboração do conteúdo da pesquisa.<br />
Assim, para atingir os objetivos da pesquisa foi elaborado um roteiro de entrevista<br />
(Apêndice A) contendo inicialmente dados mais objetivos sobre os sujeitos do estudo que<br />
contribuiu para traçar o perfil dos participantes.<br />
A segunda parte da entrevista trouxe questões subjetivas, que ofereceram amplo<br />
campo de interrogativas com vistas a atender os objetivos propriamente ditos da pesquisa<br />
(Apêndice A).<br />
Considerando que se pretendeu discutir a questão da percepção dos “andantes” em<br />
relação aos cadeirantes no contexto de trabalho e que esta questão carreia opiniões que podem<br />
ser caracterizadas como estigmatizantes em relação aos deficientes, foi utilizada a técnica de<br />
formulação das questões de entrevista de forma tal que os sujeitos do estudo são levados a<br />
dizer como eles percebem a atitude do outro e não a dele.<br />
Esta estratégia, denominada técnica de substituição, apoiada em Abric in Oliveira e<br />
Campos (2005), faz com que, na realidade, o sujeito revele sua real impressão sobre as<br />
questões formuladas. Consiste em diminuir a pressão normativa, reduzindo o nível de<br />
implicação do sujeito.<br />
Em outras palavras, ao invés de solicitar ao sujeito que responda a uma questão, para<br />
nos dizer o que pensa, vamos lhe propor várias questões sucessivas (no mínimo,<br />
duas). Uma primeira questão clássica e normal em que ele responde em seu próprio<br />
nome[...]. A segunda questão vai consistir em solicitar ao sujeito para responder no<br />
lugar de outras pessoas, perguntar-lhe o que outras pessoas, que não o próprio<br />
83
sujeito, responderiam sobre a mesma questão. (ABRIC in OLIVEIRA; CAMPOS,<br />
2005, p. 28)<br />
De acordo com estes autores, esta técnica permite que o sujeito tome uma certa<br />
distância do objeto do questionamento, reduzindo seu envolvimento. Pode-se, assim, permitir<br />
que ele expresse <strong>–</strong> sob a cobertura dos outros <strong>–</strong> suas próprias idéias.<br />
Nas pesquisas que buscam as representações sociais, esta questão é denominada “zona<br />
muda” que, segundo Abric in Oliveira e Campos (2005), faz parte da consciência dos<br />
indivíduos, ela é conhecida por eles; contudo, não pode ser expressa porque o indivíduo ou o<br />
grupo não quer expressá-la pública ou explicitamente.<br />
Esta estratégia foi utilizada no presente estudo, o que vai ao encontro da necessidade<br />
de se obter a fala dos sujeitos desprovida de uma sensação de “crítica” na percepção dos<br />
sujeitos em relação ao pesquisador.<br />
Pensou-se nesta abordagem porque alguns objetos de investigação são envoltos de<br />
tabus, preconceitos e estigmas e quando são feitas perguntas diretas, a tendência dos sujeitos é<br />
responder aquilo que é o "politicamente correto", ou o que não vai comprometer sua imagem<br />
já construída dentro do grupo que ora pertence.<br />
O primeiro passo é descontextualizar o sujeito, ou seja, pergunta-se para ele "o que ele<br />
acha que os outros pensam" sobre determinado objeto. Desta forma, ao falar sobre o que "o<br />
outro pensa", ele acaba falando de si. Os sujeitos pensam, mas não sozinhos, pois o fazem à<br />
luz do seu grupo social de pertença.<br />
3.5 Coleta de Dados<br />
Os dados foram coletados no próprio local de trabalho dos sujeitos, garantindo sua<br />
privacidade e com agendamento prévio, de acordo com a disponibilidade do trabalhador,<br />
sujeito do estudo.<br />
84
As entrevistas foram realizadas pela própria pesquisadora com o auxílio de um<br />
gravador para que fossem mantidas a integridade e realidade das respostas dos sujeitos.<br />
A coleta se deu por concluída no 29º respondente, quando se obteve a certeza da<br />
saturação dos dados, o que começou a ser observado a partir do vigésimo respondente.<br />
3.6 Tratamento, Análise e Discussão dos Dados<br />
Os dados foram aglutinados em categorias afins, cujo teor trouxe elucidações às<br />
questões norteadoras antes formuladas, sendo analisadas à luz do referencial teórico. Com a<br />
finalidade de preservar o sigilo dos nomes dos entrevistados, utilizou-se identificação<br />
numérica quando da apresentação das falas que levaram às categorias.<br />
A análise dos dados aconteceu precedida da classificação dos achados que<br />
apresentaram características comuns ou que se relacionam entre si, o que resultou nas<br />
categorias analíticas do estudo. A discussão dos dados visou estabelecer articulações entre o<br />
conteúdo das categorias e o referencial teórico do estudo, no sentido de atingir os objetivos<br />
com base nas questões norteadoras da pesquisa.<br />
Assim, buscou-se destacar os pontos essenciais do conhecimento, ampliando a<br />
compreensão dos fenômenos presentes no contexto de trabalho do cadeirante, identificando as<br />
contradições inerentes a esse conhecimento e indicando os níveis de saturação e<br />
possibilidades de transformação.<br />
Os procedimentos de análise dos resultados estão fundamentados nos pressupostos da<br />
dialética, que apontam para a construção do conhecimento a partir do real, do concreto,<br />
procurando ir além do nível das aparências, para atingir a essência do fenômeno, o que é<br />
possível através das contradições da realidade (KON<strong>DE</strong>R, 1999).<br />
Com vistas a estas considerações, chegou-se, então, às seguintes categorias:<br />
85
4.1 O Trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes<br />
4.4.1 Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante;<br />
4.4.2 A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho.<br />
4.2 Trabalhadores cadeirantes e trabalhadores andantes: comportamento preconceituoso<br />
no ambiente de trabalho?<br />
4.5.1 - Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e<br />
dos colegas no contexto ocupacional<br />
4.5.2 - A expressão do preconceito no ambiente de trabalho:<br />
4.5.2.1 A forma velada<br />
4.5.2.2 A forma explícita<br />
A dialética é um método que busca desvendar as contradições do objeto investigado,<br />
partindo do princípio de que a realidade que nos cerca é contraditória. Para analisar a<br />
percepção do andante em relação ao cadeirante, no seu contexto de trabalho, se fez necessário<br />
identificar, conhecer e refletir as contradições da realidade, sendo a dialética o referencial que<br />
melhor se ajusta à proposta do estudo.<br />
3.7 Aspectos Éticos<br />
Para a realização da pesquisa a autora teve como respaldo a Resolução 196 do<br />
Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996) que prevê a participação do sujeito na pesquisa<br />
através de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice B) de acordo com as<br />
normas de bioética.<br />
Os entrevistados foram devidamente esclarecidos individualmente quanto ao estudo,<br />
seus benefícios e objetivos e ainda que não havia riscos em participar da pesquisa, uma vez<br />
86
que o anonimato estava garantido e, nessa oportunidade, foram fornecidas todas as<br />
informações pertinentes ao desenvolvimento e conclusão da pesquisa, bem como se<br />
estabeleceu o compromisso da autora do estudo em utilizar os dados coletados somente para<br />
fins desta pesquisa e divulgados em eventos, revistas ou livros científicos.<br />
Foram informados também da possibilidade de desistência em qualquer momento da<br />
realização da pesquisa, sem qualquer prejuízo para os mesmos, conforme preconiza a referida<br />
resolução.<br />
Tais informações compuseram o TCLE apresentado e assinado pelos sujeitos, ficando<br />
os mesmos com uma cópia que, após este primeiro momento de aproximação com a<br />
pesquisadora para os esclarecimentos, concordaram em participar da pesquisa.<br />
O projeto foi submetido à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa da<br />
EEAN/HESFA (Apêndice C) e após seu parecer favorável, iniciou-se a coleta de dados.<br />
Com relação aos benefícios, pode-se afirmar que não apenas os sujeitos do estudo<br />
foram contemplados, mas também profissionais da área da saúde, com destaque para os<br />
enfermeiros e para a população trabalhadora que é portadora de alguma deficiência motora.<br />
Acredita-se que as reflexões que este estudo proporcionou, servirão de ponto de partida para<br />
outros estudos e iniciativas na área da Saúde do Trabalhador.<br />
estudada.<br />
Pelo teor do estudo, não se considera que este ofereceu algum risco à população<br />
87
CAPÍTULO IV<br />
ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS<br />
Neste capítulo, as informações obtidas no estudo foram analisadas em cinco categorias<br />
que permitiram um melhor entendimento, buscando responder os objetivos do estudo e estão<br />
assim estruturadas:<br />
Categoria 4.1 - A compreensão sobre a deficiência - a deficiência nas palavras dos andantes<br />
Categoria 4.2 - O deficiente cadeirante no ambiente ocupacional: a percepção dos<br />
trabalhadores sem deficiência motora<br />
4.2.1 A diferença promovendo a aprendizagem<br />
4.2.2 A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional<br />
4.2.3 A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente<br />
cadeirante<br />
Categoria 4.3 - Cadeirantes no ambiente de trabalho: como a deficiência sobressai aos<br />
olhos dos andantes<br />
4.3.1 A visibilidade da deficiência - a Cadeira de rodas como impeditivo da<br />
liberdade<br />
4.3.2 Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente - a surpresa<br />
diante do cadeirante no ambiente de trabalho<br />
4.3.3 A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania<br />
Categoria 4.4 - O trabalho do cadeirante na ótica dos trabalhadores andantes<br />
Categoria 4.5 <strong>–</strong> Trabalhadores cadeirantes e trabalhadores andantes: comportamento<br />
preconceituoso no ambiente de trabalho?<br />
88
4.1 A Compreensão sobre a Deficiência - a deficiência nas palavras dos andantes<br />
Esta categoria surgiu da compilação dos depoimentos dos sujeitos do estudo acerca do<br />
termo “deficiência”, que traduziram em palavras sua percepção.<br />
Ao discutir o aspecto que diz respeito à compreensão do termo “deficiência” por parte<br />
dos trabalhadores andantes, obteve-se opiniões que, embora diferentes na sua forma, se<br />
aproximavam em essência e ilustram bem a questão.<br />
Antes, porém, de pontuar as falas, é mister apresentar o conceito de deficiência no<br />
qual o estudo se apóia para, assim, poder proceder à análise.<br />
Buscando compreender o significado da palavra deficiência, mas sem a preocupação,<br />
ainda, de pensá-la dentro de um contexto social, buscou-se o auxílio do dicionário que nos diz<br />
que esta palavra vem do Latin Deficientia e tem como significado a falta; imperfeição e<br />
insuficiência (FERREIRA, 2000). No entanto, não está se tratando deste termo de forma<br />
isolada, dissecada, mas sim dentro de uma esfera de relações sociais.<br />
Falar-se-á sobre a pessoa deficiente e, desta forma, é preciso avançar com este<br />
conceito estático, embora bastante útil oferecido pelo dicionário, para uma compreensão mais<br />
ampliada sobre este termo.<br />
Para tanto, buscou-se qual é o entendimento da legislação brasileira direcionada à<br />
população deficiente sobre o que é deficiência.<br />
A Política Nacional para as Pessoas Portadoras de Deficiência, instrumento que<br />
orienta as ações no setor Saúde, voltadas a esse segmento populacional, adota o conceito<br />
fixado pelo Decreto nº 3.298/99 que considera a “pessoa portadora de deficiência como<br />
aquela que apresenta, em caráter permanente, perdas ou anormalidades de sua estrutura ou<br />
função psicológica, fisiológica ou anatômica, que gerem incapacidade para o desempenho de<br />
atividades dentro do padrão considerado normal para o ser humano" (BRASIL, 1999).<br />
89
Diniz (2007) já aponta uma severa crítica a essa definição, que imputa ao indivíduo a<br />
responsabilidade pela origem de sua deficiência e também pelo seu agravamento, isentando o<br />
contexto social onde esta pessoa está inserida.<br />
Além disso, questiona o vocábulo “normal” usado. Qual é o parâmetro para se<br />
considerar alguém anormal? Por que uma pessoa diferente tem que ser considerada anormal?<br />
Isso acontece por que o modelo usado nessa comparação é o de um corpo belo, simétrico e<br />
que atende aos ideais de produção vigentes.<br />
Wendell (1996) reforça esta idéia, afirmando que a organização física e social da<br />
sociedade é baseada num modelo jovem, macho, com o corpo ideal, não deficiente, que leva a<br />
expectativas de performance que a todos atinge, em especial àqueles que se distanciam do<br />
padrão imposto, padrão este ditado por uma sociedade capitalista.<br />
Cabe ressaltar que o conceito relativo à população com deficiência tem evoluído com<br />
o passar dos tempos, acompanhando, de uma forma ou de outra, as mudanças ocorridas na<br />
sociedade e as próprias conquistas alcançadas pelas pessoas portadoras de deficiência.<br />
O marco dessa evolução é a década de 60, em cujo período tem início o processo de<br />
formulação de um conceito de deficiência, no qual é refletida a “estreita relação existente<br />
entre as limitações que experimentam as pessoas portadoras de deficiências, a concepção e a<br />
estrutura do meio ambiente e a atitude da população em geral com relação à questão”<br />
(BRASIL, 2006).<br />
Tal concepção passou a ser adotada em todo mundo, a partir da divulgação do<br />
documento Programa de Ação Mundial para Pessoas com Deficiência, elaborado por um<br />
grupo de especialistas e aprovado pela ONU, em 1982.<br />
Um outro marco foi a declaração da Organização das Nações Unidas-ONU (1982) que<br />
fixou 1981 como o Ano Internacional da Pessoa Deficiente, colocando em evidência e em<br />
discussão, entre os países membros, a situação da população portadora de deficiência no<br />
90
mundo e, particularmente, nos países em desenvolvimento, onde a pobreza e a injustiça social<br />
tendem a agravar a situação.<br />
A principal conseqüência daquele Ano Internacional foi a aprovação na assembléia<br />
geral da ONU, realizada em 3 de dezembro de 1982, do Programa de Ação Mundial para<br />
Pessoas com Deficiências, referido anteriormente (Resolução n.º 37/52).<br />
Esse documento ressalta o direito dessas pessoas a oportunidades idênticas às dos<br />
demais cidadãos, bem como o de usufruir, em condições de igualdade, das melhorias nas<br />
condições de vida, resultantes do desenvolvimento econômico e do progresso social.<br />
Nesse Programa, foram estabelecidas diretrizes nas diversas áreas de atenção à<br />
população portadora de deficiência, como a de saúde, de educação, de emprego e renda, de<br />
seguridade social, de legislação, entre outras, as quais os estados membros devem considerar<br />
na definição e execução de suas políticas, planos e programas voltados a estas pessoas.<br />
No âmbito específico do setor, cabe registro a Classificação Internacional de<br />
Deficiências, Incapacidades e Desvantagens <strong>–</strong> CIDID, elaborada pela Organização Mundial<br />
da Saúde <strong>–</strong> OMS, em 1989, que definiu os termos deficiência, incapacidade e desvantagem<br />
como a seguir:<br />
*deficiência: toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica,<br />
fisiológica ou anatômica;<br />
*incapacidade: toda restrição ou falta <strong>–</strong> devida a uma deficiência <strong>–</strong> da capacidade de<br />
realizar uma atividade na forma ou na medida em que se considera normal para um ser<br />
humano;<br />
*desvantagem: uma situação prejudicial para um determinado indivíduo, em<br />
conseqüência de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho<br />
de um papel que é normal em seu caso (em função da idade, sexo e fatores sociais e culturais).<br />
91
Em 2001, a OMS começou a revisão deste documento na década de 1990 e foi<br />
encerrada em 2001, com a divulgação da Classificação Internacional de Funcionalidade,<br />
Deficiência e Saúde <strong>–</strong> CIF, que foi aprovada por 191 países, fazendo parte da Família de<br />
classificações Internacionais da OMS, devendo ser adotada por todos os países membros<br />
(FARIAS; BUCHALLA, 2005).<br />
Esta classificação tem como objetivo geral proporcionar uma linguagem unificada e<br />
padronizada e uma estrutura que descreva a saúde e os estados relacionados à saúde. Ela<br />
define os componentes da saúde e alguns componentes do bem-estar relacionados à saúde tais<br />
como educação e trabalho.<br />
A CIF apresenta um novo conceito de deficiência muito mais abrangente tirando o<br />
foco do modelo biomédico que até então se apresentava.<br />
Nesse documento, a deficiência caracteriza-se pelo resultado de um relacionamento<br />
complexo entre as condições de saúde de um indivíduo e os fatores pessoais e externos.<br />
Denota os aspectos negativos da interação entre o indivíduo e os fatores contextuais.<br />
A CIF não é um instrumento para identificar as lesões nas pessoas, mas para descrever<br />
situações particulares em que as pessoas podem experimentar desvantagens, as quais, por sua<br />
vez, são passíveis de serem classificadas como deficiências em domínios relacionados à<br />
saúde.<br />
Esse documento veio reforçar que o modelo biomédico até então, vigente, não era<br />
suficiente para entender a experiência da deficiência. Seu mérito está na aglutinação destes<br />
dois modelos <strong>–</strong> o biomédico e o social, que se complementam.<br />
Essa nova abordagem representa um outro marco significativo na evolução dos<br />
conceitos, em termos filosóficos, políticos e metodológicos, na medida em que propõe uma<br />
nova forma de se encarar as pessoas portadoras de deficiência e suas limitações para o<br />
exercício pleno das atividades decorrentes da sua condição.<br />
92
Por outro lado, influencia um novo entendimento das práticas relacionadas com a<br />
reabilitação e a inclusão social dessas pessoas.<br />
Na raiz dessa nova abordagem está a perspectiva da inclusão social, entendida por<br />
Sassaki (2003) como o processo pelo qual a sociedade se adapta para incluir, em seus<br />
sistemas sociais gerais, pessoas com necessidades especiais e, simultaneamente, estas se<br />
preparam para assumir seus papéis na sociedade.<br />
A inclusão social constitui, então, um processo de mão dupla no qual as pessoas,<br />
deficientes ou ainda excluídas por qualquer outra razão, e a sociedade buscam, em parceria,<br />
equacionar problemas, decidir sobre soluções e efetivar a equiparação de oportunidades para<br />
todos, no sentido de assegurarem o exercício da cidadania.<br />
Dizer que um indivíduo tem uma deficiência não implica, portanto, que ele tenha uma<br />
doença nem que tenha de ser encarado como "doente”.<br />
Omote (1995) também faz a leitura da deficiência como uma condição social que,<br />
embora aparentemente iniciada na consideração da diferença, é construída socialmente, a<br />
partir de desvalorização, por parte da audiência social.<br />
Ele propõe ser a deficiência uma condição social caracterizada pela limitação ou<br />
impedimento da participação da pessoa diferente nas diferentes instâncias do debate de idéias<br />
e de tomada de decisões na sociedade.<br />
Cabe dizer que ainda existe um intenso debate acerca da questão conceitual sobre a<br />
deficiência, incapacidade e funcionalidade, conforme apontam Farias e Buchalla (2005) e<br />
Amiralian et al. (2000), no intuito de diminuir algumas dificuldades relacionadas à<br />
imprecisão dos conceitos que acarreta problemas na aplicação e na utilização do<br />
conhecimento produzido em diversos países.<br />
Este estudo, porém, limitou-se a trazer a definição da CIF ora em vigor e que, como<br />
visto, repudia a adoção do modelo biomédico como soberano, e também de outro autor, no<br />
93
caso Omote (1995), que amplia a discussão para o terreno social, para que na análise dos<br />
dados haja possibilidade de ampliação da visão de mundo, contextualizada nos conceitos de<br />
diferentes autores.<br />
Abordando, então, as falas dos sujeitos, um dos pontos semelhantes é o de que a<br />
maioria dos trabalhadores andantes traduz a deficiência na limitação em realizar tarefas ou<br />
alguma atividade.<br />
Para eles, a deficiência se traduz como:<br />
“Uma pessoa que tem dificuldade de fazer as coisas que uma pessoa normal<br />
faz.” (2)<br />
“[...] uma pessoa que não fosse capaz de fazer as coisas que as outras pessoas que<br />
não são deficientes fazem.” (6)<br />
“[...] ele (o cadeirante) não tem altura pra ir lá lavar o vidro do carro, entendeu?<br />
Então o problema é esse... O problema dele tá nas pernas.” (4)<br />
“É... impossibilitado de fazer alguma coisa, entendeu? É ... dificuldade de fazer<br />
algo.” (1)<br />
“[...]não ser capaz de fazer ou dizer ou desempenhar determinada função,<br />
entendeu?” (11)<br />
Os relatos mostram, então, o entendimento por parte de alguns entrevistados do termo<br />
deficiência como dificuldade, diminuição da capacidade ou impossibilidade para realizar<br />
alguma tarefa que as outras pessoas conseguem, em geral, realizar.<br />
Tais sujeitos denotam uma compreensão objetiva e prática do termo, visualizando o<br />
deficiente como integrante da sociedade, fazendo parte da realidade vivida dia-a-dia e, por<br />
isso, passando pelas dificuldades que todos nós, em maior ou menor grau, passamos em<br />
função das nossas deficiências, nem sempre visíveis.<br />
Porém, há que se ressaltar que se trata de uma visão estreita uma vez que a deficiência<br />
não se traduz em impedimento ou dificuldade por si só.<br />
94
Há que se considerar que o contexto em que o indivíduo se encontra inserido pode não<br />
apenas provocar uma deficiência, como também agravá-la e acentuar o grau de dificuldade<br />
deste indivíduo na consecução das suas atividades e nas suas relações sociais.<br />
Conforme Diniz (2007) exemplifica, uma lesão que provocou uma deficiência motora<br />
resulta numa dificuldade para se locomover. Mas a deficiência aparece quando o sistema<br />
rodoviário, por exemplo, não se encontra preparado para atender essa população.<br />
Vasconcelos (2005) em sua tese reforça esta idéia citando a Resolução 37/52 da ONU<br />
publicada em 1982 que afirma que a sociedade contribui para o agravamento da deficiência,<br />
pois a experiência tem mostrado que, em grande medida, é o meio que determina o efeito de<br />
uma deficiência ou de uma incapacidade sobre a vida cotidiana da pessoa.<br />
Nesta resolução há o reconhecimento, por exemplo, que uma pessoa é levada à<br />
invalidez quando lhe são negadas oportunidades e direitos fundamentais em quase todos os<br />
campos, inclusive a vida familiar, a educação, o trabalho, a habitação, a segurança econômica<br />
e pessoal, a participação em grupos sociais e políticos, as atividades religiosas, os<br />
relacionamentos afetivos e sexuais, o acesso às instalações públicas, a liberdade de<br />
movimentação e o estilo geral de vida diária (ONU, 1982).<br />
O que se pôde observar, nestes relatos, é a percepção ligada de forma mais estreita à definição<br />
pautada no modelo biomédico, conforme apresentado no conceito da OMS (1989) no CIDID,<br />
do que aquela ligada à desvantagem no terreno social, do convívio dentro da comunidade<br />
onde vive o deficiente conforme apresentado por Omote (1995) e reforçado pela CIF (2005).<br />
Tais relatos, que representam a maioria dos que foram coletados, nos remetem à<br />
reflexão de como a deficiência está ligada fortemente à idéia de incapacidade, onde o<br />
indivíduo deficiente seria o único “culpado” pela sua incapacidade de desenvolver alguma<br />
atividade.<br />
95
No entanto, é fácil compreender os relatos dos sujeitos, uma vez que há uma raiz<br />
histórica que ainda alimenta nossas impressões sobre essa parcela da população.<br />
Bacila (2005, p. 45) comenta a influência da História no comportamento da civilização<br />
contemporânea: “O estudo da História é o caminho seguro para a compreensão da atual<br />
Civilização, em seus diversos aspectos. Somos o produto do nosso passado, isto é, basta ver o<br />
que fomos para compreender o que somos”.<br />
Ele comenta que esse tipo de postura diante do diferente, que é a de, certa forma,<br />
subestimá-lo, pode ser explicada entendendo que nossa sociedade enxerga o outro não pelo<br />
prisma do seu valor, seu mérito, mas pelo prisma das marcas, muitas vezes evidentes, que esse<br />
corpo apresenta, no caso, uma deficiência. Tais marcas são conhecidas como Estigmas.<br />
Estigma deriva do latim STIGMA e significa tatuagem. Há tempos atrás, para<br />
identificar pessoas de classe inferior, ladrões e loucos, os romanos tatuavam símbolos nestas<br />
pessoas que eram facilmente visíveis pelos outros, como sinal de impureza, devendo, então, a<br />
sociedade pura e sem mácula manter certa distância no sentido de assegurar que estes<br />
indivíduos não viessem a contaminá-los com suas impurezas (BACILA, 2005).<br />
Continua este autor relatando que a origem dos estigmas é muito anterior ao Império<br />
Romano e os estigmas que foram culturalmente criados, subsistem até hoje.<br />
Este termo, que objetivamente significa um sinal ou uma marca que alguém possui,<br />
carrega sempre uma conotação negativa, gerando profundo descrédito podendo ser entendido<br />
também, como defeito, fraqueza e desvantagem.<br />
Daí a criação absurda de dois seres: os estigmatizados e os normais, uma vez que se<br />
considera que o estigmatizado não é completamente humano; é um ser desviante, fora da<br />
norma, anormal (GOFFMAN, 1988).<br />
No entanto, Diniz (2007) se contrapõe a tal colocação afirmando que, ao contrário do<br />
que se imagina, não há como descrever um corpo com deficiência como anormal. A<br />
96
anormalidade é um julgamento estético e, portanto, um valor moral sobre os estilos de vida.<br />
Há quem considere que um corpo cego é algo trágico, mas há quem considere que esse é uma<br />
entre várias possibilidades para a existência humana,<br />
Então, a idéia pretérita de estigma significando somente um sinal material já não existe<br />
mais, há muito tempo ou, se ainda subsiste, não é esta que será aqui considerada.<br />
Para Bacila (2005), o Estigma adquiriu duas dimensões: objetiva (um sinal, a cor da<br />
pele, a origem, a doença, a nacionalidade, a embriaguez, a pobreza, a deficiência física ou<br />
mental, etc) e subjetiva (a atribuição ruim ou negativa que se faz a esses estados podendo-se<br />
citar o seguinte exemplo: se é deficiente físico, é ruim ou inferior ou pior, etc), donde a<br />
derivação de regras para os estigmatizados que funcionam de forma a prejudicar-lhes a vida<br />
diária e também a tornar o convívio humano em geral enfraquecido, pois os “supostos<br />
normais” também saem lesionados da relação.<br />
Trata-se de regras falsas e que não têm nexo com a realidade. No entanto, tais regras<br />
tornam-se práticas e acabam atuando como fator de isolamento social e de atritos que podem<br />
culminar até em guerras mundiais, como foi o caso da Segunda Grande Guerra. Ora, se<br />
causam até guerras, os estigmas não podem ser considerados apenas como marcas externas<br />
das pessoas.<br />
Retomando a análise das falas ainda sobre o entendimento dos sujeitos sobre o que é<br />
deficiência, outros relatos, embora em menor número, encaram a deficiência como uma<br />
fatalidade e associam um significado estreito com a incompetência.<br />
“Um erro ... um problema ... algo fora do eixo, que não está como deveria estar...<br />
é um problema que não deixa alguma coisa funcionar direito. É como acontece<br />
com o deficiente... ele não consegue fazer as coisas normalmente, entendeu?”<br />
(25)<br />
“É uma coisa que não tem mais volta. Acabou.” (17)<br />
97
Diniz (2007), sobre essa impressão, comenta o pioneirismo da Liga dos Lesados<br />
Físicos Contra a Segregação (UPIAS), criada na Inglaterra em 1972, motivada pela<br />
indignação de Paul Hunt, um sociólogo deficiente físico, acerca do tratamento assistencialista<br />
dispensado a essa parcela da população.<br />
Seu pioneirismo reside não na data em que foi criada, mas sim porque foi a primeira<br />
organização de deficientes formada por deficientes, com cunho político, cujo principal<br />
objetivo era questionar essa compreensão tradicional da deficiência; diferentemente das<br />
abordagens biomédicas, deficiência não deveria ser entendida como um problema individual<br />
nem como uma tragédia pessoal, mas sim como uma questão eminentemente social.<br />
Um exemplo trazido pela autora é o de que a deficiência visual não significa<br />
isolamento ou sofrimento, pois não há sentença biológica de fracasso por alguém não<br />
enxergar. O que existe são contextos sociais pouco sensíveis à compreensão da diversidade<br />
corporal como diferentes estilos de vida.<br />
Outros relatos chamam a atenção pela sua clara oposição um ao outro, demonstrando<br />
que, para alguns entrevistados, a deficiência tem origem no próprio deficiente; já para outros<br />
sujeitos entrevistados, a deficiência parece mais ser o resultado da interação de fatores<br />
externos e internos que dificultam a vida da pessoa deficiente.<br />
Para eles, a deficiência assim se traduz:<br />
“Que uma pessoa está praticamente impedida de se expressar, de trabalhar, de<br />
comer, um deficiente, é aquela pessoa completamente incapacitada, ou até<br />
mesmo impedida pra tomar decisões, pra andar na rua, pra fazer uma compra,<br />
pra decidir qualquer coisa da sua vida... a deficiência então lembra pra mim... a<br />
idéia da incapacidade.” (13)<br />
“Olha, a deficiência ... a gente lembra logo das pessoas que apresentam grandes<br />
dificuldades pra andar se locomover...mas se essa pessoa tem uma condição<br />
financeira legal, ela pode comprar aquelas cadeiras que não viram, porque pra<br />
andar nessas calçadas esburacadas, né? Até a gente cai.” (risos) (28)<br />
“A falta de alguma coisa, não necessariamente alguma coisa física... você pode<br />
ter uma deficiência de discernimento, por exemplo... então é esse o sentido... é<br />
uma falta, mas não necessariamente um impedimento.” (23)<br />
98
Nestes três relatos percebe-se que o “problema” da deficiência é imputado ao<br />
indivíduo, ou seja, ele é culpabilizado pelo seu impedimento em se deslocar, afetando o seu ir<br />
e vir.<br />
O segundo depoimento, no entanto, tira um pouco o foco do indivíduo como se fosse<br />
ele o único responsável pelos problemas que enfrenta e amplia a dificuldade que ele apresenta<br />
também para a questão da urbanização da cidade onde ele vive. Ou seja, que o individuo tem<br />
uma lesão que o coloca em uma situação de desvantagem em relação aos que não têm, isso<br />
não se discute.<br />
Mas como o próprio respondente apontou, existem outros fatores que aumentam o<br />
abismo que existe entre a pessoa deficiente e o exercício de sua cidadania como, por exemplo,<br />
a situação socioeconômica deste indivíduo/família que vai precisar investir em um tratamento<br />
de reabilitação e na compra de órteses ou próteses para garantir a execução das suas tarefas do<br />
dia-a-dia além de medicações que normalmente fazem parte do tratamento.<br />
Considerando o discurso do próprio cadeirante obtido na prática, no dia-a-dia junto a<br />
esta clientela e em estudos como os de Machado (2003), Batista et al. (2000), Andrade et al.<br />
(2003), vimos que os depoimentos apontam muito mais para uma visão pejorativa,<br />
estigmatizante do termo deficiência.<br />
O conhecimento sobre uma deficiência, saber sobre reais limitações, aprender a não<br />
tomar o todo em função de uma parte do corpo que apresenta alguma alteração ou perda, é<br />
importante para que se possa lidar com esta pessoa portadora de necessidades especiais sem<br />
máscaras ou meias palavras, com medo ou receio de interagir com ela. Há que se dizer que<br />
esta visão pode influenciar não só no relacionamento como também na inclusão ou não do<br />
deficiente no contexto social e de trabalho.<br />
Com base nas falas, não se percebeu com clareza que tal percepção dos sujeitos<br />
entrevistados sobre o termo deficiência se traduza como um empecilho para a inclusão<br />
99
ocupacional destes indivíduos. Apenas ressaltam que a deficiência apresentada pode<br />
dificultar, em maior ou menor grau, a realização de uma determinada tarefa.<br />
No entanto, denotam uma visão ainda maculada pela nossa caminhada histórica, em<br />
relação às pessoas deficientes, que sempre reservou a estes o castigo do isolamento social e a<br />
piedade dos demais cidadãos “normais” e ajustados às regras da sociedade.<br />
Tal visão exclui a sociedade da responsabilidade sobre a origem / agravamento da<br />
deficiência, o que pode ser, por que não dizer, muito conveniente para as autoridades<br />
competentes pela elaboração e execução de ações voltadas para os indivíduos deficientes, que<br />
se sentiriam, nesse caso, eximidas da obrigação de investir pesadamente em campanhas de<br />
prevenção, promoção, manutenção e reabilitação das pessoas com deficiência, cabendo a estas<br />
últimas apenas o assistencialismo.<br />
4.2 O Deficiente Cadeirante no Ambiente Ocupacional: a percepção dos trabalhadores<br />
sem deficiência motora<br />
Esta categoria surgiu da aglutinação dos depoimentos gerados a partir das seguintes<br />
questões do roteiro de entrevista:<br />
• O que os trabalhadores andantes, sujeitos do estudo, diziam sobre trabalhar com<br />
colegas cadeirantes;<br />
• O que dizem os colegas dos sujeitos do estudo sobre trabalhar com o cadeirante.<br />
Ambas as perguntas versaram sobre o mesmo tema, apenas mudando-se o foco da<br />
atenção do sujeito do estudo para o que seria a percepção do outro colega andante em relação<br />
ao cadeirante. Estratégia essa já explicada anteriormente que leva o entrevistado a dizer como<br />
ele percebe o outro, mas sob a atenuação do uso da opinião de uma terceira pessoa.<br />
Assim, esta categoria, pelo volume de informações captado, mereceu ser dividida em<br />
subcategorias que se mesclam e se complementam.<br />
100
4.2.1 - A Diferença Promovendo a Aprendizagem;<br />
4.2.2 - A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional;<br />
4.2.3 - A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente cadeirante<br />
Passamos agora a expor a análise de cada uma delas.<br />
4.2.1 A Diferença Promovendo a Aprendizagem<br />
Os depoimentos apontaram, a princípio, o aspecto positivo de contar com uma pessoa<br />
portadora de necessidades especiais em seu ambiente de trabalho. Em sua maioria trazem a<br />
satisfação e a gratidão pelo aprendizado que advém desta relação profissional.<br />
As falas permitiram uma classificação de tal aprendizado em três esferas, descritas no<br />
Quadro 3. Ou seja, trabalhar com pessoas deficientes, só veio a somar no elenco de<br />
experiências positivas dos sujeitos do estudo.<br />
Quadro 3 - Classificação do aprendizado pelos sujeitos do estudo<br />
através da experiência com o cadeirante<br />
Experiência Aprendizado<br />
Convivência com o<br />
deficiente no contexto<br />
ocupacional<br />
Para a vida pessoal (amadurecimento)<br />
Para interação com o próprio deficiente<br />
Para visualizar a deficiência sob outro<br />
aspecto: como possibilidade para criar<br />
estratégias na superação de obstáculos<br />
Os depoimentos são bastante ilustrativos quando, às vezes, são carregados de emoção,<br />
bem como os benefícios desta relação, seja no âmbito pessoal, refletindo um maior<br />
amadurecimento e a valorização das pequenas conquistas nossas de cada dia; seja no âmbito<br />
profissional, entendendo que a deficiência não impede totalmente o indivíduo deficiente de<br />
fazer as coisas que a maior parte das pessoas fazem; apenas fazem de maneira diferente. E,<br />
por último, no âmbito da própria interação social com um indivíduo diferente, onde a<br />
aproximação garante a possibilidade de troca de experiências, valores e dificuldades.<br />
101
Os relatos trazem aqui uma comparação entre a época em que eles ainda não tinham<br />
tido contato com o deficiente e o agora: o antes e o depois. Ressaltam a mudança nas atitudes<br />
e na relação com esses indivíduos. É como se a experiência de conviver com uma pessoa<br />
deficiente fosse um divisor de águas para alguns entrevistados, no que se refere à forma de<br />
lidar com estes indivíduos na sociedade.<br />
A seguir, os depoimentos apontam para as esferas de aprendizado:<br />
Para a vida pessoal (amadurecimento):<br />
102<br />
“Me sinto privilegiado por estar convivendo com pessoas que olham as coisas<br />
de uma maneira diferente que a grande maioria e ver que precisa valorizar<br />
certas coisas que pra gente não é nada tipo: subir ou descer, ir em todos os lugares<br />
[...]” (7)<br />
“Acho que trabalhar com uma pessoa deficiente, a gente aprende todo dia uma<br />
coisa diferente [...]” (6)<br />
“[...] acho que tive uma grande sorte, tô tendo uma grande oportunidade, e<br />
privilégio mesmo porque essas pessoas, [...] são especiais, eles dão muita lição de<br />
vida, eles ensinam muita coisa, eles tão sempre [...] buscando quebrar limites,<br />
sempre transpondo dificuldades eles nunca chegam até um ponto e nunca param<br />
ali. Eles sempre buscam uma forma de ir além [...]” (11)<br />
Como mostram os relatos, a convivência mais estreita com uma pessoa deficiente pode<br />
ser fonte de experiências ricas que, normalmente, acrescentam valores positivos àqueles<br />
indivíduos que não possuem deficiência alguma.<br />
Bahia (2006) ressalta, em sua obra, as vantagens de contar, no ambiente de trabalho,<br />
com uma pessoa deficiente. Os benefícios podem ser percebidos em três esferas: na empresa,<br />
na sociedade e nos empregados.<br />
Sobre estes últimos, os principais ganhos são: elevação da auto-estima, motivação,<br />
reconhecimento das potencialidades sem negligenciar as limitações e reflexão sobre inclusão<br />
social.
A afirmação de Bahia (2006) confere com os depoimentos dos sujeitos, que denotam<br />
um reconhecimento do esforço dos colegas cadeirantes para exercerem sua cidadania, que<br />
transpõem diversas barreiras, desde físicas, como aquelas atitudinais.<br />
Desta forma, o exemplo de superação dado por estes indivíduos cadeirantes é bastante<br />
enriquecedor para todas as pessoas que travam contato com eles. Mas cabe ressaltar que a<br />
disponibilidade emocional por parte da sociedade para interagir abertamente com indivíduos<br />
deficientes, seja qual deficiência for, é fundamental para que a primeira veja e se relacione<br />
com o indivíduo e não com sua deficiência.<br />
Para interação com o próprio deficiente, ou seja, o antes e o depois:<br />
103<br />
“É uma experiência maravilhosa e eu agradeço (dirige o olhar para o céu) por<br />
estar podendo conviver com estas pessoas... é uma experiência nova que me<br />
trouxe muito aprendizado no sentido de saber como lidar com eles.” (11)<br />
“Antes de ter contato com um deficiente, você olha pra um deficiente e acha<br />
normal chamar de aleijadinho, cadeirantezinho, perneta, tortinho, né? Mas<br />
quando você trabalha com um deficiente, você já vê com outros olhos, muda<br />
muito, muda muito [...]. Se fosse em outros tempos eu ia olhar e dizer: coitado<br />
né? Porque as pessoas olham com pena, né.. que complicado, que chato estar ali...<br />
mas hoje em dia eu não tenho mais essa visão não, porque eu já sei que eles<br />
podem, que são capazes, Querem estar ali no mercado de trabalho[...] Brigando<br />
como todo mundo por um espaço [...]” (6)<br />
“Antigamente eu até tinha um receio de chegar e falar com um deficiente. Não<br />
sabia se segurava na cadeira, se oferecia ajuda, se ia ofender a pessoa, sabe?[...]<br />
agora eu chego com mais naturalidade, com qualquer deficiente sabe?,[...]<br />
trabalhando aqui, hoje , eu tenho uma visão e uma consciência muito mais ampla<br />
das dificuldades e das capacidades de um deficiente.” (18)<br />
Estes relatos nos remetem às conseqüências do longo período de segregação em que<br />
viveu o indivíduo deficiente na nossa História. O isolamento social, o medo ou até mesmo a<br />
vergonha impediram que o restante da sociedade se aproximasse e, literalmente, aprendesse a<br />
lidar com a população deficiente.<br />
Disso resultou nas dúvidas sobre como se relacionar com estes indivíduos, na<br />
dificuldade de compreender o universo das pessoas deficientes e nos preconceitos.
Conforme Fávero (2007), tais atitudes de dúvida, afastamento ou até receio frente a<br />
uma pessoa deficiente, na maioria das vezes, não é questão de má educação ou<br />
insensibilidade, mas sim de pura falta de informação.<br />
O que ocorre é que, sem permitir essa aproximação, a sociedade não consegue romper<br />
com formas cristalizadas de agir frente a um deficiente e, sem haver a aproximação, sem<br />
admitir a interação social, damos margem para o surgimento e fortalecimento de mitos, idéias<br />
enviesadas e preconceituosas sobre um determinado fato ou pessoa. Sobre isso falam<br />
Fernandes e Souza (2004, p. 6), em seu estudo sobre a percepção do estigma da epilepsia em<br />
professores do ensino fundamental:<br />
104<br />
A percepção destas crenças, ou seja, idéias irracionais transmitidas sem base<br />
científica, decorrentes do desconhecimento sobre a epilepsia e seu tratamento<br />
podem gerar o estigma e, com isso, comportamentos inadequados, super-proteção e<br />
sentimentos de medo, preocupação e insegurança, dificultando os relacionamentos<br />
sociais, afetivos e acadêmicos da criança.<br />
O contato face-a-face com o colega cadeirante proporcionou, segundo os relatos, a<br />
desconstrução de idéias errôneas e de mitos, o que facilitou a interação social.<br />
Contribuição no aprendizado para visualizar a deficiência sob outro aspecto: como<br />
possibilidade de superação e de ser atuante na sociedade lançando mão de estratégias para tal:<br />
“Eu me sinto super bem, não sinto pena porque ele é hiper alto astral E ele não<br />
permite que sintam pena dele, ele não dá espaço pra isso... ele faz tudo sozinho,<br />
passa em cima do pé da gente (risos), carrega as coisas, se prontifica a fazer as<br />
coisas... ele é uma pessoa dez!” (8)<br />
“Acho que é uma experiência maravilhosa porque você aprende a conviver no<br />
mesmo espaço com essas pessoas que são limitadas por serem deficientes, mas são<br />
ilimitadas no sentido do trabalho, de responsabilidade, de técnica [...]” (09).<br />
“[...] e cada vez mais a gente percebe que pode estar contribuindo pela inclusão<br />
deles né, a partir do momento que a gente aprende a acreditar no trabalho e<br />
potencial no trabalho, no sentido de que eles tem competência e potencial [...]”<br />
(21)<br />
Provavelmente, qualquer pessoa que não tenha um contato mais próximo com um<br />
deficiente estranhará estes depoimentos. Vivemos numa sociedade onde a produção e a
velocidade são exigências para que sejamos considerados como elementos produtivos e,<br />
assim, valorizados e a presença de uma pessoa deficiente no contexto do trabalho pode, a<br />
princípio, remeter à idéia de que estes indivíduos dificultarão e/ou lentificarão o processo de<br />
trabalho pela sua aparente “ineficiência”.<br />
Todavia, a convivência e o compartilhamento de experiências entre os indivíduos com<br />
e sem limitações motoras podem diminuir a noção preconceituosa de que a deficiência toma<br />
conta do ser deficiente como um todo.<br />
A credibilidade e o reconhecimento do produto do trabalho realizado são fundamentais<br />
para que qualquer pessoa se sinta integrante e valorizada pelo grupo ao qual faz parte. Da<br />
mesma forma é com a pessoa deficiente (ALBOR<strong>NO</strong>Z, 2004).<br />
Os sujeitos entrevistados revelaram, então, que reconhecem e valorizam a participação<br />
do cadeirante no contexto ocupacional, aprendendo que a deficiência é apenas um fato e não<br />
uma característica que transforma o ser deficiente em um ser incapaz.<br />
Tal aprendizado, valorização e reconhecimento expressados em todas as falas, no que<br />
diz respeito ao convívio com o deficiente na esfera ocupacional, vem a impactar<br />
positivamente não só na saúde do trabalhador deficiente, mas também na daquele não<br />
cadeirante. O primeiro por se sentir acolhido e membro do grupo onde desenvolve seu<br />
trabalho pela ratificação dos demais em relação à sua capacidade produtiva e criativa e o<br />
segundo pela aprendizagem que advém do convívio com a diferença, que oferece um<br />
ambiente plural.<br />
4.2.2 A deficiência como álibi para benesses no contexto ocupacional<br />
Continuando na categoria que analisa a forma como o trabalhador cadeirante é<br />
percebido no ambiente ocupacional, obteve-se depoimentos que revelam um lado<br />
“desconfiado” por parte dos sujeitos pesquisados em relação ao cadeirante.<br />
105
Para alguns entrevistados, a deficiência motora, assim como a deficiência visual e<br />
auditiva, pode ser usada pelos deficientes como fonte inesgotável de justificativas para que<br />
eles se eximam das responsabilidades que fazem parte do exercício da cidadania. Porém, os<br />
benefícios, os direitos relativos à condição de deficiente, são sempre bem-vindos.<br />
Quando são exigidos no sentido de apresentarem sua produção, assim como acontece<br />
com qualquer outra pessoa em qualquer esfera das relações sociais, eles se “valem” da<br />
condição de deficiente para evitar tais desgastes e estabelecerem bases de contato mais<br />
amenas, sem conflitos nem exigências.<br />
A literatura nesta área mostra, de fato, que o comportamento das pessoas com<br />
necessidades especiais pode variar e fazer com que a deficiência se transforme em uma<br />
“muleta”, onde o indivíduo apóia toda sua indisposição de lutar e reassumir seu lugar na<br />
sociedade, usando a deficiência como uma “desculpa” e, assim, se acomodar.<br />
Goffman (1988, p. 20) esclarece esta questão mostrando que uma pessoa<br />
estigmatizada pode usar seu estigma para ganhos secundários, justificando, assim, todas as<br />
suas insatisfações, todas as protelações e todas as obrigações desagradáveis da vida social.<br />
Assim, muitos indivíduos com deficiência dão uma dimensão exagerada à sua<br />
limitação, usando-a como escudo para se esquivar das obrigações a que todos os cidadãos<br />
estão sujeitos, “tirando vantagem” da sua condição de deficiente.<br />
106<br />
“[...] na verdade, tem uma superproteção sim. Tem trabalhos que não vão pra ela<br />
porque ela vai acabar reclamando e ela é meio grossa, sabe? [...] (17)<br />
[...] aqui a gente acaba poupando o colega, porque ele às vezes reclama que tá<br />
cansado, que tá aborrecido... Então a gente evita falar de coisas mais sérias de<br />
trabalho com ele. (13)<br />
Esta postura apontada pelos sujeitos do estudo, observada nos colegas cadeirantes,<br />
vem reforçando a idéia de que as pessoas deficientes em geral são, de fato, acomodadas,<br />
“espertas” no sentido de saber explorar a piedade alheia se apoiando na sua condição de<br />
deficiente, pensamento esse que parece pairar no senso comum.
Os depoimentos, a seguir, são ilustrativos de uma percepção diferente daquela que<br />
normalmente se espera do deficiente, apontando para uma reflexão crítica do andante em<br />
relação ao comportamento da sociedade para com o deficiente.<br />
107<br />
“[...] porque o deficiente tem isso, né, ao mesmo tempo que ele quer trabalhar, ele<br />
até vai, mas quando ele realmente tem que cumprir com as obrigações, correr<br />
atrás, cumprir os deveres , ele não cumpre porque tem essa visão, essa coisa<br />
paternalista que o nosso Estado criou, a sociedade diz aquela coisa do<br />
“coitadinho”, né, e ao mesmo tempo que ele não quer ser tratado como<br />
coitadinho,... ele usufrui muitas vezes de ocasiões em que nesse momento ele não<br />
deveria participar e ele acaba participando porque pra ele é cômodo [...].” (9)<br />
“[...] existem pessoas deficientes cadeirantes ou não ou com outras deficiências<br />
que se põe num mar de pena, que fazem questão que as pessoas sintam pena e eu<br />
não gosto disso.” (6)<br />
Pode-se inferir que o comportamento “acomodado” por parte do deficiente possa<br />
também ser explicado com base nos estágios das reações que uma pessoa percorre quando<br />
adquire uma deficiência.<br />
Como já abordado anteriormente, elucidando este tema, Kottke e Lehmann (1994)<br />
lembram que, ao adquirir uma deficiência, a pessoa vai passar por algumas etapas que<br />
envolvem aspectos emocionais e físicos importantes e que vão auxiliar na construção do seu<br />
mecanismo para lidar com sua nova condição, seu novo corpo. Diante desse quadro, cada<br />
indivíduo passará por fases comportamentais distintas, mas que, independente da natureza da<br />
sua deficiência, terão basicamente as mesmas características e que vão determinar como ele<br />
chegará à fase de ajustamento.<br />
Segundo estes autores, de uma forma global, o modelo de comportamento do<br />
indivíduo portador de deficiência motora pode ser dividido em quatro fases bem definidas.<br />
São elas Fase de Choque, Fase de Negação, Fase de Reconhecimento e a Fase de Adaptação.<br />
Na fase de reconhecimento, a persistência do quadro provocado pelas perdas intensas<br />
e mudanças na imagem corporal, e o contato com outras pessoas portadoras de limitações
físicas semelhantes, fazem com que o indivíduo comece a tomar consciência de sua real<br />
situação.<br />
A evidência da paralisia, a perda do controle esfincteriano, o temor de tornar-se uma<br />
carga para seus familiares e as possíveis restrições sociais lhe provocam um forte sentimento<br />
de desamparo e intensa ansiedade, levando-o a um estado de depressão ou à um estado de<br />
completa apatia. Ou seja, o indivíduo não se deprime nem se mostra agressivo, apresentando-<br />
se passivo, desmotivado, sem iniciativa, conduta que reflete séria perturbação psíquica. Desta<br />
forma é, de fato, compreensível este tipo de reação por parte da pessoa que adquiriu uma<br />
deficiência.<br />
Cabe, assim, o reconhecimento precoce destes indícios por parte de uma equipe de<br />
reabilitação e também da família, para que sejam oferecidas todas as alternativas possíveis no<br />
sentido de minimizar o impacto emocional negativo destas fases no indivíduo com deficiência<br />
adquirida.<br />
Contudo, os depoimentos coletados não apontaram, de maneira relevante, esta faceta<br />
de comportamento “acomodado” por parte dos trabalhadores deficientes motores que tivesse<br />
sido percebido pelos sujeitos do estudo. Pelo contrário, estes últimos destacaram a grande<br />
disposição destes indivíduos cadeirantes em retornarem à sociedade de forma digna, lutando<br />
por seu espaço, exercendo sua cidadania.<br />
No entanto, ainda assim mereceram destaque estes relatos, pois revelam um<br />
entendimento, por vezes, equivocado em relação ao comportamento dos deficientes, podendo<br />
contaminar a opinião de outros, contribuindo para a sedimentação de idéias errôneas e<br />
generalistas, no senso comum, sobre os deficientes.<br />
Cabe aqui ressaltar que essa “disposição”, por parte das pessoas deficientes, em voltar<br />
ao meio social citadas nas falas e, literalmente, brigar por um espaço no mercado de trabalho<br />
só vem sendo possível em função de algumas mudanças em diferentes contextos.<br />
108
O mercado de trabalho, por exemplo, embora exija cada vez mais uma capacitação e<br />
atualização constantes, por parte dos trabalhadores, além de estar cada vez mais exigente em<br />
termos de qualidade de trabalho e presteza, tem apresentado alternativas de atuação<br />
profissional. O deficiente, desta forma, pode se integrar com mais facilidade utilizando-se, por<br />
exemplo, da informática, onde se pode valer de diversos aplicativos (Internet, DOS-VOX),<br />
para solucionar problemas.<br />
A aplicação das leis que fomentam e promovem a inclusão da pessoa deficiente na<br />
sociedade também vem animando essa parcela da população, ainda que de maneira tímida, a<br />
participarem da vida em sociedade. Porém, as barreiras arquitetônicas ainda figuram como<br />
grandes obstáculos ao deslocamento e inclusão destes indivíduos na sociedade além, é claro,<br />
das barreiras atitudinais.<br />
A mídia, do mesmo modo, vem tendo uma participação na divulgação das<br />
particularidades do mundo dos deficientes. Existem programas na televisão apresentados<br />
pelos próprios deficientes, que mostram de forma clara quais são seus direitos e como devem<br />
garanti-los; mostram formas e possibilidades de trabalho, cultura e lazer.<br />
Todas essas mudanças vêm influenciando um pouco a tônica da característica<br />
comportamental dos deficientes que se há décadas atrás Goffman (1988) classificou-a como<br />
sendo de aceitação, hoje em dia está um pouco diferente.<br />
Vê-se atualmente, com freqüência, deficientes mais participantes da vida em<br />
comunidade, brigando por seus direitos, exigindo o merecido respeito e dignidade, pois,<br />
conforme Fracasso in Oliveira (2007, p. 11), “o deficiente, seja qual for sua deficiência, é um<br />
ser humano. Tem, portanto, a dignidade que lhe é própria”.<br />
E, por outro lado, há a mudança no comportamento dos não cadeirantes, que vão<br />
gradativamente tendo o cadeirante no contexto do trabalho, levando-os a conhecer melhor a<br />
109
ealidade da pessoa portadora de deficiência, reconhecer seu potencial, habilidades e até<br />
mesmo suas reais limitações que não são prerrogativa destes, mas de toda pessoa humana.<br />
4.2.3 A (falsa) sensação de superioridade dos andantes em relação ao deficiente<br />
cadeirante<br />
Chamou-nos a atenção, algumas falas que denotam a percepção de alguns indivíduos<br />
entrevistados que se colocam numa posição superior em relação ao portador de deficiência.<br />
110<br />
“[...] é muito bom, pois você...não se dá conta que trabalha com uma pessoa<br />
deficiente.” (19)<br />
“[...]então vamos falar de eficiência, né, na verdade eles (os PPD) são muito<br />
eficientes e aí você tem esse contraponto né: mesmo com as limitações eles<br />
conseguem ser eficientes..., muito..., até mais do que os outros (sem deficiência).”<br />
(6)<br />
“[...] e é mais uma prova de que eles são pessoas que são iguais à gente, né, os<br />
não-deficientes.” (20)<br />
Quando alguns sujeitos falam que o trabalho do cadeirante é tão bom que “não se dá<br />
conta que trabalha com uma pessoa deficiente” ou que “mesmo com as limitações eles conseguem ser<br />
eficientes [...]” vêm algumas indagações: Será que ele (o indivíduo sem deficiência motora) se<br />
sente isento de qualquer tipo de deficiência? Será que é esperado que o sujeito, por ter<br />
deficiência motora, também sofra de deficiência mental, tenha seu intelecto igualmente<br />
prejudicado? É esperado que a relação de trabalho com um deficiente não seja algo viável?<br />
Pode-se inferir que se trata de uma percepção equivocada que, de maneira geral,<br />
reflete o entendimento da maioria da população sobre este assunto.<br />
Normalmente, ao se deparar com uma pessoa deficiente, as pessoas ditas “normais”<br />
tomam todo aquele indivíduo por uma parte. Valorizam demais as perdas daquele sujeito,<br />
esquecendo-se de que ele, ainda é ele, mesmo com perda de movimentos e sensibilidade nas<br />
pernas e com todos os outros desdobramentos que acompanham um quadro neurológico de
paralisia motora. Segundo Goffman (1988, p 15), “tendemos a inferir uma série de<br />
imperfeições a partir da imperfeição original”.<br />
Quintão (2005), Moura e Valério (2003) e Oliveira et al. (2004) também são unânimes<br />
em afirmar que tendemos a nos relacionar com a deficiência, esquecendo-nos que existe uma<br />
pessoa em primeiro lugar.<br />
A prática do atendimento a esta clientela, pela autora do estudo, mostra, através dos<br />
depoimentos dos cadeirantes nas consultas, que a compreensão do outro “normal” sobre a<br />
pessoa deficiente está muito próxima do conceito de deficiência apontado por Omote (1995).<br />
De acordo com estes relatos, a imagem de uma pessoa deficiente remete de imediato a<br />
uma pessoa desvalorizada no contexto social. Esta desvalorização é, obviamente, sentida por<br />
esta população estigmatizada e só tende a aumentar o hiato entre ela e a possibilidade real de<br />
inclusão social. Aliás, não é difícil de explicar essa forma obtusa e equivocada da sociedade<br />
de enxergar as pessoas deficientes. É um processo historicamente construído.<br />
A apreensão das diferenças e dos mitos começa a surgir no período escravista, quando,<br />
na sociedade grega, os escravos garantiam a infra-estrutura necessária para que os homens<br />
livres praticassem o ócio. É nesse período que aparecem os paradigmas, modelos que<br />
sobressaíram pelos séculos, influenciando fortemente a visão da sociedade cristã ocidental.<br />
(PROFETA, 2004).<br />
Entre os paradigmas, destacou-se o espartano com a valorização da ginástica, da<br />
dança, estética, perfeição do corpo, beleza e a força, pois se dedicavam predominantemente à<br />
guerra e todas as boas condições físicas lhes eram exigidas. Com o culto à perfeição, as<br />
crianças que nascessem com qualquer manifestação que atentasse aos padrões estabelecidos,<br />
eram eliminadas (PROFETA, 2004).<br />
Um outro paradigma é o ateniense. A preferência pela agitação da vida da cidade, a<br />
filosofia, a contemplação moldam a concepção de corpo e de sociedade. Para os gregos,<br />
111
“viver é contemplar” como afirma Vasques (1986 in PROFETA, 2004, p. 322) e com isso a<br />
valorização e a supremacia do trabalho intelectual e a divisão do homo sapiens e homo faber<br />
são postas e ideologicamente justificadas.<br />
Na própria Bíblia, encontramos reforço para a idéia de que deficiência está<br />
intimamente ligada à impureza e pecado quando mostra que dos vinte e dois milagres com<br />
curas e exorcismos creditados a Jesus, oito referiam-se a cura dos cegos, surdos, mudos e<br />
gagos, sendo que outros se referiam a paralisias, possessões, etc.<br />
O Evangelista Lucas (11:14) mostra como a pessoa muda e o demônio são<br />
confundidos: “E estava Ele expulsando o demônio, o qual era mudo. E aconteceu que, saindo<br />
o demônio, o mudo falou...” (PROFETA, 2004, p. 322).<br />
Estes exemplos podem auxiliar na compreensão da segregação e estigmatização das<br />
milhares de pessoas que foram, outrora, eliminadas pela fogueira da inquisição ou por outros<br />
métodos cruéis e, hoje, ainda são eliminadas só que de uma forma mais sutil, velada, porém<br />
não menos perversa.<br />
Outra forma de entender este fenômeno da sociedade de perceber a pessoa deficiente<br />
como um “corpo estranho” indigno e inferior, também, pode ser ilustrado no terreno da<br />
semântica.<br />
A deficiência opõe-se semanticamente à normalidade, instância em que se manifesta a<br />
eficiência. Essa constatação ajuda a explicar o fenômeno da não-aceitação do deficiente na<br />
sociedade ocidental, tão propensa a valorizar, de forma extremada a eficiência <strong>–</strong> e isso não<br />
apenas no campo profissional, mas em basicamente todos os setores da vida.<br />
Como reflexo dessa propensão, rejeita-se o que se mostra contrário à idéia de<br />
eficiência. A relação antagônica é manifesta na língua latina. Nossa palavra “eficaz” vem de<br />
efficax, designativa do que é enérgico ativo ou poderoso. Efficax diz-se daquele que não tem<br />
112
dificuldade alguma na realização de algo. Deriva de facere (fazer), assim como efficiens<br />
(eficiente) (LAHIRIHOY et al., 2007).<br />
No verbo latino deficere, encontramos o ancestral etimológico da palavra “deficiente”.<br />
Além da acepção mais diretamente contraposta à anterior (faltar, carecer), deficere também<br />
significa “afastar-se”, “desintegrar-se” (LAHIRIHOY et al., 2007).<br />
No terreno semântico, encontramos o ser defeituoso como o que se distancia, podendo<br />
vir a desintegrar-se. É o que ocorre, de forma predominante, ao longo da história: o homem<br />
deficiente, como já se disse, tende a ser apartado da sociedade. Isso em grande parte devido à<br />
tendência cultural a ampliar o defeito, seja ele físico ou mental, a outras esferas da vida<br />
humana, considerando aquele ser, inferior (OLIVEIRA, 2007).<br />
Ainda para ilustrar, pode-se recorrer a uma regra própria da natureza: os mais fracos<br />
tendem a sucumbir em favor dos mais fortes; de igual forma, os mais fortes costumam vigorar<br />
em detrimento dos mais fracos (OLIVEIRA, 2007; GLAT, 2004). Em outras palavras, pode-<br />
se inferir que a lei de sobrevivência dos mais aptos é uma aplicação da lei do mais forte.<br />
Diversas sociedades, ao menos em algum período da sua história, legitimaram a<br />
prática social de eliminar este ou aquele grupo. Assim é que, em certas culturas beduínas, por<br />
exemplo, legitimou-se o extermínio de meninas recém-nascidas, uma vez que o gênero<br />
masculino naquela sociedade era mais valorizado.<br />
Para Oliveira (2007), seria difícil encontrar a sociedade que nunca adotou práticas<br />
desse tipo. É um fenômeno que tem suas raízes na pré-história, possivelmente tão antigo<br />
quanto o próprio homem. O autor (op. cit., p. 27) enfatiza que o que serve de base à lei do<br />
mais forte, do ser superior, é exatamente a ausência de valores morais: “É sempre ela<br />
(referindo-se à ausência dos valores morais) que costuma fundamentar o suposto direito de<br />
eliminar os deficientes numa sociedade”.<br />
113
Diante desta breve exposição do leque de fatores que envolvem o ser deficiente ao<br />
longo da história, fica fácil compreender a relação entre estes últimos e a sociedade que se<br />
apropriou, de forma consciente (ou não), destes paradigmas e continua a perpetuá-los, talvez<br />
sem muita noção disto.<br />
A diferença está na forma. Se em outras épocas esta era uma prática sanguinária,<br />
eliminando-se fisicamente aquele “ser inferior”, hoje ainda continuamos fazendo a mesma<br />
coisa, só que veladamente, sutilmente, eliminando estas pessoas na medida em que negamos o<br />
direito à vida em comunidade, ao emprego, ao afeto.<br />
4.3 Cadeirantes no Ambiente de Trabalho: como a deficiência sobressai aos olhos dos<br />
andantes<br />
Esta categoria traz a resposta dos sujeitos do estudo acerca da seguinte pergunta: o<br />
que ele imagina que mais chama a atenção de seus colegas andantes em relação aos<br />
cadeirantes?<br />
Mais uma vez, foi utilizada a técnica de substituição sugerida por ABRIC (in<br />
OLIVEIRA; CAMPOS, 2005), onde se espera que o respondente revele sua verdadeira<br />
impressão sobre o que está sendo perguntado, “diluindo” sua opinião quando fala sobre o que<br />
ele imagina que seus colegas pensam a respeito do assunto em tela.<br />
Nesta categoria, obteve-se alguns eixos de destaque que estão expostos a seguir em<br />
sub-categorias que são:<br />
4.3.1- A visibilidade da deficiência <strong>–</strong> a cadeira de rodas como impeditivo da liberdade;<br />
4.3.2 - Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente <strong>–</strong> a surpresa diante<br />
do cadeirante no ambiente de trabalho;<br />
4.3.3 - A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania.<br />
Passamos, agora, a expor cada uma das subcategorias e suas respectivas análises.<br />
114
4.3.1 A visibilidade da deficiência <strong>–</strong> a cadeira de rodas como impeditivo da liberdade<br />
Nesta subcategoria, as falas apontam a cadeira de rodas como aquilo que mais chama a<br />
atenção do andante em relação ao cadeirante.<br />
Parece que a cadeira de rodas representa, para muitos dos entrevistados, um ícone<br />
indelével que evoca a idéia de limitação e invalidez, mas que, nem por isso, contrasta<br />
negativamente com a imagem de produtividade inerente ao ambiente de trabalho. Estes relatos<br />
representaram a maioria.<br />
A seguir, alguns depoimentos sintetizam a impressão dos entrevistados.<br />
115<br />
“O primeiro impacto que eu senti foi ele entrando aqui com aquela cadeira. Achei<br />
um pouco esquisito.” (20)<br />
“Chama a atenção o fato de chegar numa cadeira de rodas [...] muitas pessoas se<br />
constrangem. Sabe como é... o cara tá entrevado ali... é triste.” [17]<br />
“Ah... acho que é essa dificuldade da cadeira, que não vai em qualquer lugar, né?<br />
É muito desajeitada, difícil de se manobrar.” (6)<br />
“Mas eu acho que o que mais chama atenção da gente aqui é a cadeira de rodas e<br />
também a limitação dela. Isso não dá pra esconder... apesar de toda<br />
independência que ela tem.” (23)<br />
“O que causa impacto é a cadeira, porque nós nunca tínhamos trabalhado com<br />
alguém deficiente. [...] E também a dependência. Eu acho que o fato de você<br />
estar preso a alguma coisa como uma máquina, por mais que seja independente, é<br />
algo que sempre mostra a falta. Lembra a gente que a limitação existe...” (12)<br />
Algumas considerações são importantes de serem feitas acerca destes depoimentos:<br />
em primeiro lugar, a imagem da cadeira de rodas salta aos olhos dos entrevistados. Isso pode<br />
se traduzir naquilo que Goffman (1988) denomina de “visibilidade” da deficiência. Ou seja,<br />
quanto mais aparente é o defeito (ou desvio) apresentado por uma pessoa, defeito esse que<br />
vem contrariar o padrão normatizado por algum grupo, mais forte será a reação de rejeição, ou<br />
no mínimo de estranheza, àquele indivíduo que ostenta tal imperfeição ou deformidade.<br />
Coleman (1986) concorda com Goffman (1988) afirmando que o grau de<br />
estigmatização depende do quanto indesejável essa característica for considerada pelo grupo.
Ou seja, quanto mais desviante, fora da norma ou anormal for aquele corpo ou determinado<br />
comportamento, mais veemente será a reação negativa da maioria dominante.<br />
Como ilustração Oliveira (2007) mostra, porém, que o padrão de normalidade é algo<br />
que varia com o tempo ao longo da história e com a cultura vigente. Este autor cita o exemplo<br />
de uma comunidade que vive numa ilha do Oceano Pacífico, sempre cercada por cardumes de<br />
vorazes tubarões, sendo a atividade da pesca aquela que se sobressai em relação às atividades<br />
agrícola ou pastoril, uma vez que é a fonte principal de alimento de toda a ilha.<br />
Devido às circunstâncias, a pescaria, apesar de vital para os habitantes da Ilha, é uma<br />
atividade muito perigosa, não sendo raros os casos de pescadores que são atirados às águas<br />
pelo mar revolto e prontamente atacados pelos tubarões. Dos que sobrevivem, muitos ficam<br />
mutilados, com amputação de braços ou pernas, mas, nesta comunidade, o fato de não ter uma<br />
perna ou um braço não leva a depreciação alguma.<br />
Pelo contrário, a deficiência corresponde à garantia de uma inquestionável posição de<br />
prestígio na comunidade, pois todos sabem que aquele indivíduo enfrentou o inimigo mortal<br />
durante a luta pela sobrevivência do grupo ao qual pertence. O homem amputado, ali, é<br />
olhado com respeito e admiração, percepção essa que difere um pouco na nossa sociedade,<br />
que vê aquele indivíduo como um ser inválido.<br />
Voltando aos depoimentos, o constrangimento e a esquisitice evocados pela imagem<br />
da cadeira de rodas no ambiente de trabalho, citados nas falas dos sujeitos, podem ser<br />
entendidos como uma confirmação do fato de que, além não existirem deficientes inseridos na<br />
vida em comunidade, em particular, no mercado de trabalho, em número suficiente para<br />
familiarizar a população em relação aos deficientes, também a referida imagem está associada<br />
à idéia de desvantagem em nosso meio.<br />
Correr (2003, p. 18) pode ajudar na explicação para este tipo de atitude dos andantes<br />
em relação ao cadeirante afirmando que “todos devemos ser independentes e produtivos. Os<br />
116
ideais de felicidade não combinam com incapacidade e com formas diferentes daquelas que<br />
são ditadas como modelo de se comportar e de viver em sociedade”.<br />
Costa (1999) também afirma que as deficiências ameaçam, desorganizam, mobilizam.<br />
Representam aquilo que foge ao esperado, ao simétrico, ao belo, ao eficiente, ao perfeito. Por<br />
isso provocam reações de estranheza e até mesmo de esquiva por parte dos considerados<br />
normais frente aos deficientes.<br />
Os depoimentos indicaram, então, que a visibilidade da deficiência trazida pela<br />
imagem da cadeira de rodas, remete à dependência, às limitações causadas por uma condição<br />
neurológica que prejudicou a mobilidade do indivíduo.<br />
Constatou-se que as pessoas, não só as andantes, mas também muitos cadeirantes com<br />
os quais lidamos no dia a dia no consultório, não conseguem ver a Cadeira de rodas como<br />
uma aliada, uma ferramenta que proporciona àquele que faz uso dela, a liberdade e a<br />
possibilidade de participar da vida em comunidade. Enxergam essa órtese como uma prisão e,<br />
muitas vezes, usam a expressão “entrevado” referindo-se ao para ou tetraplégico ou a<br />
qualquer outra pessoa que precise, temporária ou permanentemente, dela utilizar-se.<br />
A título de ilustração, palavra “entrevar” tem, na verdade, dois significados: o<br />
primeiro, no sentido de "tolher, impedir movimento", vem de "entravar", que, por sua vez,<br />
vem de "trava", que se originou do Latim TRABS, "viga, trave, tronco". O segundo<br />
significado, no sentido de “escurecer”, vem de "treva", do Latim TENEBRAE, denotando<br />
"escuridão" (LAHIRIHOY et al., 2007).<br />
Parece que, quando as pessoas empregam o termo “entrevado”, referindo-se ao<br />
cadeirante, se apóiam (conscientemente, ou não) muito mais na segunda conotação do termo<br />
do que na primeira, reforçando, assim, a idéia de que o cadeirante é uma pessoa que vive num<br />
mundo sombrio e sem esperanças, sendo, portanto, digno de pena e comiseração. Isso só vem<br />
117
a fortalecer o estigma de desafortunado, mal aventurado e infeliz que se tem a respeito das<br />
pessoas deficientes.<br />
Os relatos, porém, não expressaram qualquer dificuldade de inclusão dos cadeirantes<br />
em função da visibilidade de sua deficiência. A percepção dos sujeitos acerca dessa<br />
visibilidade refere-se mais à dificuldade que a conseqüência da paralisia motora acarreta no<br />
dia-a-dia deste cadeirante do que propriamente como fator impeditivo de inclusão e<br />
permanência no contexto ocupacional.<br />
4.3.2 Relacionando-se com a deficiência e não com a Pessoa deficiente <strong>–</strong> a surpresa<br />
diante do cadeirante no ambiente de trabalho<br />
Na subcategoria anterior, constatou-se que a percepção dos andantes, em relação aos<br />
cadeirantes, está impregnada pela imagem negativa evocada pela cadeira de rodas,<br />
simbolizando a inércia, a improdutividade e a falta de liberdade.<br />
Nesta subcategoria, há uma forma preconceituosa expressada nos discursos dos<br />
trabalhadores andantes que apontam a eficiência e a capacidade de trabalhar dos cadeirantes<br />
como algo que chama a atenção dos primeiros.<br />
Os discursos a seguir ilustram bem esta categoria:<br />
“O que chama a atenção é a disposição que ele tem de trabalhar [...].” (28)<br />
118<br />
“O que mais me chama a atenção é a questão profissional mesmo, a eficiência<br />
dela, sabe... nem é cadeira de rodas.” (27)<br />
“Olha... o que sobressai é a inteligência dele... ele é capaz de raciocinar<br />
[...].” (02)<br />
“Chama a atenção o fato de ele estar aqui trabalhando.” (07)<br />
“A primeira reação das pessoas é de espanto porque pensa logo assim: - pô, o<br />
cara é gerente? Em cadeira de rodas?” (23)<br />
“Quando eu fiquei sabendo que ele era o primeiro gerente empresarial eu fiquei<br />
assim <strong>–</strong> Nossa! Como é que pode?!” (21)
Como pode ser constatado, as falas revelam surpresa e espanto com a presença de um<br />
profissional cadeirante no ambiente ocupacional e, pasmem, com capacidade de raciocínio e<br />
competência.<br />
Tal estranheza pode encontrar várias explicações. Uma delas se apóia no inexpressivo<br />
número de pessoas deficientes no mercado de trabalho. Nossa sociedade não está<br />
familiarizada com pessoas que andam de forma diferente, que enxergam de maneira diferente,<br />
que se comunicam de um jeito não convencional, ou seja, não está acostumada com a<br />
diversidade, com a dissemelhança.<br />
Isso ocorre porque o próprio movimento das pessoas deficientes em nosso país,<br />
diferentemente dos Estados Unidos e Inglaterra, é recente e as ações de inclusão escolar e<br />
mesmo de obtenção do direito à assistência à saúde são conquistas elementares ainda por<br />
fazer.<br />
Mas a conquista de alguns direitos relativos ao trabalho, ainda que tímida, é um dos<br />
sinais de que mudanças começam a ocorrer na sociedade brasileira, principalmente se<br />
considerarmos o grande potencial de inclusão social que o trabalho tem, enquanto fator de<br />
afirmação da criatividade e da capacidade produtiva de todas as pessoas.<br />
Contudo, a concepção da sociedade enquanto um mercado de trabalho acaba por<br />
representar um dos elementos centrais de exclusão social que atinge expressivos segmentos da<br />
sociedade, geralmente com pouca representação política e raras oportunidades de acesso ao<br />
trabalho.<br />
Tal exclusão se expressa em barreiras culturais educacionais, étnicas, econômicas,<br />
arquitetônicas, etc. criando restrições por classe, gênero, raça, religião, ideologia e capacidade<br />
física ou mental (DRACHE, 2002).<br />
119
A globalização agravou as condições de acesso ao mercado de trabalho, ao estabelecer<br />
a flexibilidade das relações como regra a ser seguida, tornando-o mais moldável aos interesses<br />
do capital que transita de país a país (BAUMAN, 1999).<br />
Vasconcelos (2005) acrescenta que o surgimento de novas tecnologias provoca o<br />
crescimento de empregos acessíveis apenas aos poucos que conseguem qualificação<br />
específica, o que cria nova área de exclusão.<br />
Bastos (2002) ressalta que o modelo hegemônico preconiza indivíduos competentes e<br />
eficientes, de modo a serem competitivos no mercado e na vida, o que torna bastante limitado<br />
o espaço para as diferenças individuais e faz predominar a intolerância.<br />
É como se a imagem do deficiente destoasse da atmosfera dinâmica e produtiva que<br />
está presente no contexto do mundo do trabalho que exige o máximo de produtividade num<br />
mínimo de tempo.<br />
Além de todo esse panorama extremamente competitivo e agressivo, o que está<br />
acontecendo é que os entrevistados, como a exemplo da maioria da população, estão se<br />
relacionando com a deficiência e não com a pessoa deficiente.<br />
Esta forma equivocada de enxergar as pessoas com limitações, sejam elas quais forem,<br />
interfere, negativamente, na interação social que se queira ter com qualquer indivíduo<br />
portador desta ou daquela deficiência, pois como Glat (2004, p.27) afirma:<br />
120<br />
O grande drama das pessoas estigmatizadas, que afeta sobremaneira os portadores<br />
de deficiências, é que o estigma funciona como um rótulo. Em outras palavras, a<br />
partir do momento em que um indivíduo é identificado como anormal ou desviante<br />
<strong>–</strong> por exemplo, homossexual, negro, retardado ou cego <strong>–</strong> tudo o que ele faz ou é,<br />
passa a ser interpretado em função dos atributos estereotipados do estigma.<br />
Desta forma, é fácil compreender a maneira desdenhosa com que a sociedade lida com<br />
as pessoas portadoras de necessidades especiais. A autora acrescenta que isso se dá porque os<br />
indivíduos não se relacionam com as pessoas estigmatizadas em si, mas sim com seu rótulo.<br />
Isso leva a uma relação de distância e despersonalização, prejudicando a interação social.
Saeta (1999, p. 53), concordando com a autora, afirma que “ao entrarmos em contato<br />
com o diferente, desestabilizamo-nos, e a necessidade de estabelecermos o equilíbrio nos faz<br />
lidar com a pessoa deficiente de maneira a generalizar sua deficiência, ultrapassando os<br />
limites de sua incapacidade específica”. Em outras palavras, a sociedade lança um olhar para<br />
esta população privilegiando a deficiência e desconsiderando a pessoa generalizando, assim,<br />
sua incapacidade.<br />
Usando o cadeirante como exemplo, além de não andar, este indivíduo é percebido<br />
como uma pessoa que não pensa, não tem capacidade de discernimento e de decisão; portanto,<br />
incapaz de viver em comunidade, incapaz de produzir, precisando sempre da tutela de outro<br />
indivíduo que supriria suas necessidades diante da “incompetência e ineficiência”.<br />
Cabe aqui uma breve reflexão sobre as contradições impostas às condições das pessoas<br />
deficientes em nosso país: combate-se com veemência as atitudes e programas paternalistas,<br />
procura-se vender com vigor a idéia de que o deficiente é capaz, produtivo, mas ao mesmo<br />
tempo a Previdência aposenta, por invalidez, uma pessoa que tenha adquirido uma<br />
deficiência.<br />
Um indivíduo que experimenta a condição de deficiente sabe bem o que é sentir o<br />
peso da desvalorização da sociedade. Agregando-se a esse sentimento, recai sobre ele o rótulo<br />
de inválido. Não há auto estima que permaneça elevada.<br />
Quer-se acreditar, de fato, que uma pessoa deficiente é capaz, mas ao mesmo tempo<br />
são necessários instrumentos legais que garantam o direito a estas pessoas para demonstrarem<br />
sua capacidade, seu valor. Ora, isso é, no mínimo, contraditório.<br />
Prosseguindo com a análise, alguns autores como Sassaki (2003), Oliveira et al.<br />
(2004) e Quintão (2005) criticam com veemência algumas expressões que, longe de<br />
contribuírem para a atenuação do estigma desta população, só alimenta atitudes de<br />
121
afastamento por parte daqueles que conseguem se enquadrar nos modelos vigentes e aceitos<br />
pelo grupo dominante.<br />
Como exemplo, tem-se a expressão “portador de deficiência”. Ao que parece, esta<br />
expressão é no mínimo contraditória, pois se alguém “porta” alguma coisa, dá a idéia de<br />
posse. Se estivermos falando de pessoas onde alguma função ou parte do corpo não está<br />
presente, encontramos aí um conflito.<br />
Por vezes, também ampliamos o hiato que existe entre os deficientes e demais<br />
membros da sociedade dominante, quando dizemos que alguém é portador de deficiência.<br />
Esta expressão, muito usada na área da saúde, passa a idéia de doença, uma vez que ser<br />
portador remete à idéia de doença contagiosa (tal pessoa é portadora do Mal de chagas... etc) e<br />
isso fortalece a noção de propagação de algum mal na comunidade.<br />
Como esperar que alguém se aproxime de indivíduos portadores desta ou daquela<br />
deficiência, sem se proteger devidamente para que não seja “contaminado” por aquele sujeito<br />
“impuro”? Ou ainda, como esperar que alguém, simplesmente se aproxime?<br />
E, por último, a deficiência não é algo que se porta, assim como portamos nossa<br />
carteira de identidade ou uma bolsa, por exemplo, e que podemos simplesmente descartar,<br />
deixar em cima da mesa.<br />
Como se pode perceber, existem vários fatores que interferem negativamente na<br />
inclusão do indivíduo deficiente na comunidade e, conseqüentemente, no mercado de trabalho<br />
e, também, na sua permanência no contexto ocupacional, dado o olhar de descrédito lançado<br />
por parte dos ditos normais em relação ao seu desempenho.<br />
E assim caminhamos, numa via paralela aos deficientes, com poucos pontos de<br />
interseção. Desta forma, toda a possibilidade de crescimento e de ampliação de visão e<br />
horizontes, que é inerente às situações onde a diversidade e pluralidade são admitidas, acaba<br />
122
sendo abortada logo num primeiro momento quando, ao perceber a deficiência, o indivíduo<br />
“normal” se afasta e rechaça o contato com o deficiente.<br />
Esse tipo de comportamento não causa surpresa, uma vez que vivemos em uma<br />
sociedade marcada profundamente pela estética, pela cobrança de produção, pela rapidez,<br />
eficiência e geração de resultados em curtos espaços de tempo. Sociedade essa que tem<br />
dificuldades de comportar pessoas com limitações tão visíveis, como é o caso da deficiência<br />
motora que obriga o indivíduo com dificuldades motoras sérias, ao uso da cadeira de rodas.<br />
4.3.3 A postura positiva dos cadeirantes frente ao desafio de exercer sua cidadania<br />
Esta subcategoria revelou que as características comportamentais apresentadas pelo<br />
cadeirante são aquilo que, na visão do entrevistado, mais chamaria a atenção dos seus colegas<br />
andantes em relação ao colega com deficiência motora, como pode ser percebido nos relatos:<br />
123<br />
“O que chama a atenção é a força de vontade que eles têm de trabalhar...ele tá<br />
sempre superando desafios... parece que ele até procura as coisas mais<br />
complicadas pra ele fazer.” (5)<br />
“Ele tem uma gana de viver incrível, ele busca sempre estar inserido nas coisas<br />
independente do seu problema. Acho que é isso que chama mais a minha atenção,<br />
sabe... eu fico impressionada.” (10)<br />
“Ahhhh... é um vitorioso, porque pra fazer o que eles fazem... às vezes a gente<br />
acorda... perfeito, com um clima de assim, de desânimo e vê eles, pôxa,<br />
acordando animado pra poder “vim” trabalhar. Até dá mais ânimo pra gente<br />
continuar aqui. Se ele, que tem uma certa deficiência tá num pique legal, por que<br />
nós que somos perfeitos não vamos estar também?” (16)<br />
Os depoimentos apontam o comportamento positivo dos cadeirantes bem como a<br />
superação de obstáculos como sendo os traços que, aos olhos dos entrevistados, mais chama<br />
atenção no ambiente ocupacional.<br />
As falas ressaltaram a força de vontade dos PPDs, a energia com que enfrentam as<br />
adversidades, a disposição e o ânimo para o trabalho. Não fazem alusão direta à cadeira de<br />
rodas; a deficiência fica em segundo plano, sem ocupar lugar de destaque.
Numa primeira leitura, pode-se imaginar que esta percepção revelada pelos sujeitos,<br />
onde o trabalhador cadeirante é um exemplo a ser imitado, é algo bastante positivo. No<br />
entanto, parafraseando um ditado popular que diz: “uma folha de papel, por mais fina que seja<br />
sempre apresenta dois lados”, estas falas não podem ser analisadas apenas por um aspecto.<br />
É claro que uma atitude positiva diante da vida, dos obstáculos e desafios é uma<br />
característica desejável para qualquer pessoa, independente dela experenciar limitações<br />
sensoriais ou motoras mais severas ou não.<br />
Particularmente, na população deficiente, esse traço ganha mais relevo, pois, como<br />
Goffman (1988) já observou em suas obras, o deficiente para lidar com sua situação de<br />
estigmatizado lança mão de estratégias comportamentais distintas. Uma delas é denominada<br />
“correção indireta”. Segundo o autor (op. cit., p.19):<br />
124<br />
O indivíduo estigmatizado pode, também, tentar corrigir a sua condição de<br />
maneira indireta, dedicando um grande esforço individual ao domínio de<br />
áreas de atividades consideradas, geralmente, como fechadas por motivos<br />
físicos e circunstanciais à pessoas com o seu defeito. Isso é ilustrado pelo<br />
aleijado que aprende ou reaprende a nadar, montar, jogar tênis [...].<br />
Este tipo de comportamento é até esperado, mas nem sempre tem desdobramentos<br />
positivos. Um dos sujeitos entrevistados revelou, por exemplo, que certo dia o colega<br />
cadeirante perdeu a condução que o levaria até o trabalho. Diante disso, ele percorreu, na sua<br />
cadeira de rodas, uma distância incrível de seu domicílio até o trabalho, chegando lá com suas<br />
mãos sangrando. Segundo a interpretação do sujeito entrevistado, ele fez isso para colocar à<br />
prova seus próprios limites e mostrar aos demais que ele é tão capaz quanto os outros.<br />
Tal comportamento também pode ser entendido pelo fato de vivermos numa sociedade<br />
organizada pela ênfase do mercado competitivo e do consumo. A posição ocupada pelos<br />
indivíduos em relação ao processo produtivo determina quase que, sumariamente, todas as<br />
outras dimensões de sua existência <strong>–</strong> produz para si e o coletivo sua identidade.
O acesso ao emprego, ao salário é imprescindível porque, ainda que não de direito mas<br />
de fato, constitui-se na chave de acesso aos direitos básicos da cidadania como alimentação,<br />
saúde, moradia, educação, lazer e todo o resto.<br />
De acordo com o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de<br />
Deficiência (IBDD, 2004, p. 63), “considerando que ser visto como eficiente é o diferencial<br />
competitivo que pode conduzir a vitórias neste contexto de competitividade, ser deficiente<br />
pode ser a marca indelével da incapacidade e até mesmo da impossibilidade de se enquadrar<br />
aos padrões de desempenho desejados”.<br />
Parece que ao buscar ultrapassar os impedimentos e barreiras do dia-a-dia, seja no<br />
trabalho ou na vida em comunidade, o deficiente busca se aproximar do modelo de<br />
normalidade que lhe é imposto pela maioria dominante para que, assim, a sensação de<br />
exclusão não ganhe terreno.<br />
Por outro lado, antes de louvar cegamente a atitude heróica do cadeirante, há que<br />
pensar no impacto desta atitude e da sua postura nos demais colegas de trabalho e ainda, até<br />
que ponto essa postura de “trabalhador padrão” é desejável e incentivada pelos empregadores.<br />
Vasconcelos (2005) ressalta em seu estudo que a figura do “trabalhador padrão” vem<br />
sendo utilizada, desde a formação do capitalismo, como forma de controle e aumento da<br />
produtividade. Desde a formação do capitalismo são elaborados mecanismos de controle do<br />
trabalhador para materialização da subjugação do trabalho ao capital.<br />
No início do século passado, os mecanismos de controle chegaram ao auge e os<br />
industriais utilizavam todas as formas para exaltar o “bom trabalhador”, aquele que dedicava<br />
todas as suas energias ao trabalho, evitando excessos em relação aos seus afetos e prazeres.<br />
De acordo com Vasconcelos (2005, p. 160), “é interessante observar que se uma<br />
pessoa com deficiência tem boa produtividade no trabalho, termina cumprindo esta função<br />
simbólica do ‘bom trabalhador’”. Tal postura também pode encontrar raízes no fato de que as<br />
125
pessoas com deficiência, por terem poucas chances, se apegam ao trabalho com muito mais<br />
abnegação e compromisso.<br />
Os depoimentos enfatizam o bom relacionamento e o bom desempenho que os colegas<br />
deficientes têm no trabalho. Embora considerem a deficiência um “problema”, os andantes<br />
destacam que os colegas cadeirantes são um exemplo para os demais por conta do seu esforço<br />
de superação.<br />
Então, aquele sujeito deficiente, tido pelos colegas como fora da norma, desviante,<br />
assume aqui uma função de modelo <strong>–</strong> algo a ser seguido e imitado: ele é admirado e sua<br />
postura é desejável pelos demais. Parece ser mais uma contradição.<br />
Fugindo um pouco do eixo desta pesquisa, apesar de não ser objeto deste estudo, a<br />
questão das doenças ocupacionais e os deficientes merece relevo.<br />
Pelo empenho com que estes indivíduos habitualmente desenvolvem seu trabalho e,<br />
considerando que nossa sociedade não está preparada para acolher com adequação e respeito<br />
às diferenças àqueles que apresentam alguma deficiência seja ela motora ou sensorial, o<br />
deficiente pode ter sua incapacidade ou lesão ampliadas, já que dividirão as mesmas<br />
condições e riscos à saúde, inerentes ao ambiente ocupacional, enfrentados pelos demais<br />
trabalhadores.<br />
Isto posto, vem uma indagação: onde está a deficiência? No indivíduo ou na sociedade<br />
que ainda se encontra despreparada para a inclusão? Caberia aos profissionais de saúde,<br />
engajados e preocupados com a saúde do trabalhador, enveredar por este caminho ainda tão<br />
pouco explorado.<br />
Se a proposta de inclusão ganhar mais força, como realmente se deseja, muitos<br />
problemas na esfera das doenças ocupacionais aparecerão, uma vez que haverá um<br />
incremento do número de deficientes no mercado de trabalho.<br />
126
Há que se pensar que a incorporação de pessoas com deficiência no trabalho exige um<br />
conjunto de medidas que freqüentemente não são adotadas. Por isso, o que deveria ser fonte<br />
de sentimento de pertença ao grupo, de inclusão, resultando na elevação da auto-estima, pode<br />
resultar em sofrimento.<br />
Voltando à análise, há que se reconhecer o empenho dos deficientes em superar com<br />
êxito os desafios em exercer seu papel de cidadão na sociedade.<br />
Todavia, devemos observar com cautela este tipo de hiper-valorização do desempenho<br />
profissional pelo deficiente, não só porque pode ser uma estratégia do empregador para<br />
controlar os demais membros da equipe de trabalho, mas também porque esta dedicação sem<br />
medida pode expor, além dos limites aceitáveis, este deficiente aos riscos ocupacionais num<br />
ambiente que, na maioria das vezes, não está adaptado nem fisicamente, nem em seu processo<br />
de trabalho, para receber um trabalhador deficiente. Isso porque o que se vê no contexto<br />
ocupacional é um tratamento de igualdade aos desiguais.<br />
Oliveira e Campos (2005) observam que o conceito de que os desiguais devem ser<br />
tratados desigualmente, essencial no princípio da igualdade, é de difícil assimilação no<br />
cotidiano. Ou seja, tratá-los da mesma forma e impor-lhes as mesmas exigências a que estão<br />
submetidos o grupo maior, seria negar sua condição de singularidade, sua deficiência que<br />
merece ser tratada de maneira diferente, uma vez que eles têm necessidades diferentes.<br />
Isso, dentro do contexto ocupacional, pode gerar conflitos, uma vez que tal<br />
reconhecimento das diferenças e adaptação do processo de trabalho para garantir o acesso e<br />
permanência do deficiente no mercado pode ser confundido com medidas de proteção ao<br />
deficiente que se beneficiaria da sua condição para ganhos na profissão ou para vantagens.<br />
127
4.4 O Trabalho do Cadeirante sob a Ótica dos Trabalhadores Andantes<br />
Esta categoria, assim como as antecedentes, mereceu desdobramentos para melhor se<br />
proceder à sua análise.<br />
Temos, desta forma, as seguintes subcategorias:<br />
4.4.1- Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante;<br />
4.4.2 - A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho.<br />
Antes de enveredar na análise propriamente dita desta categoria que emergiu da<br />
entrevista quando foi solicitado para que o respondente falasse sobre a qualidade do trabalho<br />
que seu colega cadeirante realiza, cabe pontuar brevemente o conceito de trabalho trazido<br />
por Albornoz (2004).<br />
Segundo essa autora, a palavra trabalho assume muitos significados na linguagem<br />
cotidiana. Pode vir carregada de emoção, dor, fadiga ou designando a operação humana de<br />
transformação da matéria natural em objeto de cultura.<br />
Em português, como em quase todas as línguas da cultura européia, a palavra trabalho<br />
assume várias significações dependendo da área e do assunto onde se pretende abordá-lo. No<br />
entanto, interessa particularmente expandir sua conceituação (entendimento) para a questão da<br />
relevância do trabalho como ferramenta de sobrevivência, como forma de mostrar e legitimar<br />
a posição do indivíduo dentro do contexto social.<br />
Conforme Albornoz (2004, p.64),<br />
128<br />
um homem só satisfaz seu desejo, suas carências humanas, quando outro homem,<br />
seu igual, lhe reconhece o seu valor humano. O homem só pode manter-se humano<br />
na relação com outros homens. A essência humana não pode manifestar-se no<br />
indivíduo isolado. O indivíduo só é propriamente indivíduo e indivíduo humano,<br />
quando em comunidade. E quando faz uso do instrumento, o trabalho que<br />
desenvolve e o que produz, lhe geram um reconhecimento de outrem como<br />
indivíduo humano.<br />
Quer-se, portanto, salientar a relevância que o trabalho assume na vida de qualquer ser<br />
humano e ainda mostrar que a percepção do outro em relação ao produto do seu esforço é<br />
fundamental para que qualquer indivíduo se sinta acolhido, incluso no meio social onde vive.
Feito este intróito, iniciemos a análise das subcategorias.<br />
4.4.1 Eficiência versus deficiência: o reconhecimento do trabalho do cadeirante<br />
Identificou-se, através de alguns relatos, que o trabalho do colega cadeirante aos olhos<br />
dos andantes pode ser traduzido como deficiente eficiente.<br />
Aqui, os relatos mostraram aspectos positivos e outros nem tanto sobre esta questão.<br />
Como aspectos positivos, destaca-se: o reconhecimento do trabalho desempenhado pelo<br />
cadeirante; o fato de a deficiência não ocupar a tônica no processo de trabalho nem nas<br />
relações de trabalho; e o acolhimento das diferenças por parte dos trabalhadores andantes<br />
como características do ser humano, que é singular por natureza.<br />
Já com relação aos aspectos negativos, destacam-se: a interferência contraproducente<br />
no processo de trabalho pelo desempenho do cadeirante; a visão preconceituosa sobre o<br />
trabalho desempenhado pelo deficiente, que subestima sua capacidade produtiva; e ainda a<br />
idéia pouco esclarecida de que para haver inclusão social com justiça, há que se tratar os<br />
deficientes como os demais.<br />
Com relação ao reconhecimento da capacidade criativa e produtiva dos deficientes, a<br />
maioria dos depoimentos foi enfática ao afirmar que o processo de trabalho não se alterou<br />
com a chegada do cadeirante no ambiente ocupacional. Além disso, afirmaram que a relação<br />
de trabalho entre os colegas andantes e cadeirantes foi construída com respeito e se dá em<br />
bases iguais.<br />
E ainda que a deficiência do colega, apesar de ser fator limitante para a realização de<br />
algumas atividades, não se configura em obstáculo para que o cadeirante assuma seu lugar<br />
como trabalhador, nem como entrave nas relações sociais. Pelo observado, a deficiência<br />
motora não reflete negativamente na qualidade do seu trabalho, conforme se constata nestas<br />
falas:<br />
129
130<br />
“O trabalho dele é excelente, é só ver pelos prêmios que ele ganhou... é muito<br />
competente.” (23)<br />
“O trabalho dela eu classificaria como ótimo [...] eu vejo ela debatendo com os<br />
colegas advogados aqui de igual para igual.” (15)<br />
“[...]. Ele faz o que eu faço, lógico com algumas limitações né? Não tem como<br />
subir numa escada nem como pegar uma coisa num lugar muito alto... tem as<br />
limitações que todo deficiente tem... aliás, quem não tem limitações?” (26)<br />
“O trabalho dele não é afetado, não... ele faz as coisas normalmente, Na minha<br />
percepção, ele é mais um daqui do meio.” (7)<br />
“O trabalho dele é muito bom. Ele é bem entrosado com toda a equipe da agência.<br />
É normal...trabalho normal [...].” ( 23)<br />
Os depoimentos reconhecem que existe uma deficiência, mas que esta não chega a<br />
prejudicar a consecução do processo de trabalho. Os sujeitos entrevistados reconhecem e<br />
respeitam a diferença, a singularidade e foram uníssonos na questão da qualidade do trabalho<br />
desenvolvido pelo cadeirante.<br />
Este reconhecimento, que advém do mérito e não da compaixão, só vem a acrescentar<br />
positivamente na relação entre os colegas e fortalece a auto-estima do trabalhador deficiente.<br />
Estar no mercado de trabalho implica, para qualquer indivíduo, na sensação de pertencer ao<br />
grupo, de ser produtivo, de participar ativamente da vida em sociedade.<br />
Correr (2003, p.41), citando o resultado de uma pesquisa que investigou a qualidade<br />
de vida de indivíduos portadores de severos distúrbios mentais, também colabora para ilustrar<br />
esta questão:<br />
[...] sujeitos apoiados e incluídos em ambiente de trabalho, apresentaram uma<br />
melhora considerável na qualidade de vida e, conseqüentemente, uma melhora<br />
perceptível no desenvolvimento pessoal, constatado a partir do aumento das<br />
relações sociais, das amizades, das chances de se manter no emprego, em<br />
comparação com indivíduos que não estavam colocados no mercado de trabalho.<br />
Cabe ressaltar que a questão do reconhecimento do trabalho realizado é imprescindível<br />
para qualquer ser humano (ALBOR<strong>NO</strong>Z, 2004), seja ele deficiente ou não.
Aliás, alguns deficientes se queixam da forma como as pessoas se reportam ao<br />
trabalho por eles realizado. Eles dizem se sentir como um animal de circo que consegue<br />
realizar uma proeza, quase uma mágica.<br />
Oliveira e Campos (2005) traduzem bem este ponto ao se reportar àqueles indivíduos<br />
que buscam na arte, a superação da deficiência. Segundo este autor, o reconhecimento da arte<br />
produzida pelo deficiente é marcado por um paradoxo. Ainda que ele queira que seu trabalho<br />
seja reconhecido como arte, sem levar em conta sua deficiência, a sociedade, quando valoriza<br />
determinado produto artístico, muitas vezes, o faz precisamente por ser feito por uma pessoa<br />
de quem não se esperava produção alguma.<br />
Os autores ressaltam ainda que (op cit, p.89) “a exaltação exagerada do deficiente em<br />
nada o auxilia. Ao contrário, costuma prejudicá-lo [...]”.<br />
Tais comportamentos equivocados, carregados de preconceito são produto do<br />
isolamento social que resulta na invisibilidade da população deficiente. Desta forma, a<br />
população em geral, privada deste contato, não tem como conhecer as possibilidades que<br />
advém do relacionamento com qualquer pessoa deficiente.<br />
A inserção destes indivíduos no mercado de trabalho, além de proporcionar a<br />
autonomia e dignidade existencial próprias do cidadão, vem quebrar essa cerca que isola os<br />
deficientes do restante do grupo social.<br />
Ainda sobre a subcategoria deficiente eficiente, será abordado o primeiro aspecto<br />
negativo percebido nos discursos.<br />
Foram detectados em outras falas, elementos que se contrapõem aos relatos anteriores<br />
e que revelam que nem sempre a visão acolhedora e de solidariedade, por parte dos indivíduos<br />
andantes, em relação ao trabalho do indivíduo deficiente é a tônica no dia-a-dia dos<br />
cadeirantes como se pode constatar a seguir.<br />
131
De acordo com os depoimentos, os trabalhadores andantes consideram que o processo<br />
de trabalho sofre algum tipo de prejuízo em função do ritmo do colega cadeirante.<br />
132<br />
“[...] ele tem o ritmo dele né... mais devagar e tal, mas o que ele faz não tem<br />
reclamação não... as pernas dele são aquelas rodas... ele é um andante.” (18)<br />
“Tem coisas que a gente fica dependente dele pra dar continuidade, aí, sabe como<br />
é... atrasa um pouco, mas a gente resolve e fica tudo bem.” (16)<br />
“É... a gente sabe que o trabalho que ela faz é muito bom. Só há um pouco de<br />
morosidade por causa dos dedinhos dela que são meio tortinhos... aí pra digitar os<br />
processos ela é meio lenta, sabe. Tem que ter paciência.” (23)<br />
Como já amplamente discutido desde o início deste capítulo, vivemos numa sociedade<br />
do consumo exagerado, da produção de resultados e do lucro. Morosidade e sociedade<br />
contemporânea são palavras que não encontram mais ponto de intersecção. Talvez, por isso,<br />
ainda encontremos tanta resistência à contratação de indivíduos deficientes para o mercado de<br />
trabalho.<br />
Pelas décadas de segregação e isolamento social, é compreensível que paire no senso<br />
comum a idéia (obtusa) de que os indivíduos deficientes são criaturas inválidas, incapazes de<br />
tomar decisões e de dirigir suas próprias vidas.<br />
Guardando os casos de deficiências mentais mais profundas e graves, onde a pessoa é<br />
integralmente dependente de outra para o desempenho das atividades mais simples e<br />
corriqueiras, como higiene pessoal, vestir-se, alimentar-se, os indivíduos deficientes são<br />
produtivos, inteligentes e, acima de tudo, são pessoas que merecem ser tratadas com<br />
dignidade.<br />
Para d’Amaral (in IBDD, 2004. p. 33),<br />
[...] a comunicação é a base da consciência da sociedade, base para a prática da<br />
democracia. Onde há ausência de comunicação entre indivíduos, segmentos,<br />
hierarquias, grupos, assuntos, não há desenvolvimento das trocas sociais, não há<br />
reivindicações, intercâmbio e integração, não acontece a cidadania.<br />
Pela lacuna que sempre houve na relação entre os deficientes e os demais membros da<br />
sociedade, é que continuamos a viver num mar de preconceitos que os distanciam da inclusão
social. Parece, então, que o prisma pelo qual perpassa a questão do trabalhador deficiente no<br />
contexto ocupacional para alguns sujeitos entrevistados é o da tolerância e não o da<br />
compreensão.<br />
Quando dizemos que toleramos alguma situação ou alguém, estamos implicitamente<br />
afirmando que a outra pessoa ou situação nos ofendeu ou nos causou algum prejuízo, uma vez<br />
que tolerar, do Latim Tolerare, significa deixar passar, desculpar, suportar, agüentar, ser<br />
indulgente (LAHIRIHOY et al., 2007). Tal atitude remete imediatamente a idéia de que<br />
aqueles que toleram são, ou estão numa condição de superioridade em relação aos tolerados.<br />
No caso de nossos depoentes, os relatos indicam uma posição preconceituosa para<br />
com os colegas cadeirantes.<br />
Não se pode conceber a inclusão social sem que haja respeito e acolhimento às<br />
diferenças. Contudo, sabe-se que não se pode obrigar o indivíduo a acolher, gostar de um<br />
deficiente através de medidas jurídicas. Uma sociedade só conquistará tal avanço se<br />
compreender que é na diversidade e pluralidade que crescemos. E isso leva tempo.<br />
Prosseguindo a análise, os seguintes relatos mostram o segundo aspecto estigmatizante<br />
ao afirmarem que o trabalho desempenhado pelos cadeirantes supera a expectativa dos<br />
colegas andantes.<br />
“Ah, muito legal. Ele até adianta a gente ás vezes. É um bom trabalho, igual ao<br />
de todos nós.” (1)<br />
133<br />
“Nota 10!!!! Eu não sabia que uma pessoa deficiente podia ser capaz de tanta<br />
coisa.” (2)<br />
“Em termos de qualidade, eu avalio o trabalho dele como um dos melhores que<br />
tem aqui. É o seguinte, hoje mesmo eu falei que se tivesse “dois Mários” neste<br />
posto, este posto vendia até mais. O Mário inclusive ganhou um prêmio de<br />
melhor atendimento. Então o trabalho que ele faz é perfeito. Queria mais um<br />
igual a ele pra trabalhar comigo aqui.” (4)<br />
“Um trabalho bacana, um trabalho competente, bem legal. Ele colabora... o que a<br />
gente pedir pra ele, ele colabora, ajuda e tal... nunca atrapalhou não.” (6)
Chama a atenção que estes relatos parecem assumir, sem perceber, um olhar<br />
estigmatizante em relação ao paraplégico, como mais este:<br />
134<br />
“O trabalho dele me ajuda muito. Quando eu solicito a ajuda do André pra<br />
alguma coisa ele pode até demorar, coisa e tal, mas eu não reclamo disso.<br />
Trabalhar com ele não me prejudica em nada.” (10)<br />
Quando este sujeito fala que o trabalho do cadeirante pode até admitir alguma demora,<br />
que não prejudica a produção do trabalhador andante, ou ainda quando o andante afirma que o<br />
trabalho do cadeirante pode ser comparado ao de um trabalhador “normal”, pode-se fazer uma<br />
leitura de que a “regra” seria esperar um desempenho profissional do deficiente cadeirante<br />
aquém daquilo que normalmente se esperaria de outros trabalhadores sem deficiência motora.<br />
Para Marques (1998, p.4), esta regra parece verdadeira, pois “[...] é forte a concepção<br />
de que o deficiente não pode desempenhar, com sucesso, as atividades profissionais<br />
desempenhadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade de trabalho dada a ele<br />
representa sempre uma caridade por parte do empregador”. Mais uma vez fica patente a<br />
noção de que a sociedade, em geral, se relaciona com o rótulo e não com a pessoa.<br />
Como vivemos numa civilização, cujo fundamento é a eficácia, a capacidade de<br />
produzir efeitos assume lugar de destaque; tudo então é medido em função dessa capacidade.<br />
A natureza humana e a singularidade se diluem e não têm, a rigor, valor algum. O que<br />
vale é uma medida externa que mostra a quantidade de efeitos que uma pessoa, ou uma<br />
instituição é capaz de produzir. Caso ela não consiga produzir tais efeitos esperados que estão<br />
na média, ela é chamada de deficiente, já que vivemos na era da eficiência, que é a civilização<br />
industrial.<br />
De acordo com d´Amaral (in IBDD, 2004, p. 14, 15), esse sentido negativo e<br />
freqüentemente pejorativo da palavra “deficiente” existe há aproximadamente trezentos anos.<br />
O prefixo “de” tem uma acepção inteiramente negativa e exemplifica:<br />
[...] derrota - perda do caminho, perda da rota; deportado - ter sido mandado<br />
embora do porto; desestruturado - não estruturado; deficiente - não eficiente. O<br />
prefixo “de” nesse caso, tem o sentido de “não”, portanto uma negação da própria
135<br />
essência da pessoa como pessoa, porque ela está sendo avaliada por algo que não é<br />
pessoal, que pertence a uma média que tem a ver com a produção de efeitos.<br />
Interessante notar que a história nem sempre se reportou aos deficientes em tom<br />
depreciativo. Segundo esta autora, os pais fundadores da nossa cultura atual, tanto do lado<br />
grego como do lado judaico cristão, são deficientes. Continua ela, lembrando que o fundador<br />
da cultura grega para nós é Homero. Homero era cego e, no entanto, ninguém pensa em se<br />
referir a ele como “Homero, o ceguinho”.<br />
Por vezes, fazemos isso ao nos referirmos ao ceguinho da nossa comunidade que pode<br />
ter habilidades incríveis, mas notemos bem, nos referimos a ele pela sua marca, pelo rótulo,<br />
não pelas suas virtudes.<br />
Homero era um grande poeta, o maior poeta de todos os tempos assim se diz, mas o<br />
fato de ser cego não é significativo. Era um fato e pronto.<br />
Na tragédia de Édipo, há uma personagem que é um adivinho sábio: Tirésias, também<br />
cego. E o que quer dizer a palavra adivinhar? Vem do Latim divinare.<br />
O adivinho é aquele que tem dom divino de se pôr próximo do divino e, portanto, de<br />
saber o que os humanos comuns não sabem. É a deficiência de Tirésias que o faz ser esta<br />
pessoa marcada positivamente e não a pessoa excluída que hoje seria.<br />
Pelo lado judaico, temos a Bíblia com a narrativa de Jacó que era coxo. Este último foi<br />
fundador da tradição ocidental assim como Homero foi da tradição grega e que, juntos,<br />
formaram nossa civilização.<br />
Estes dois deficientes são os pais-fundadores da cultura que hoje, trata o deficiente<br />
como alguém menos humano, nem por isso mais divino, alguém a ser excluído a ser mantido<br />
à margem da sociedade, sem cidadania, uma vez que a diferença é vista como sinal negativo e<br />
não afirmativo.<br />
Retornando à análise, pode-se inferir que, apesar de os depoimentos que revelaram um<br />
traço estigmatizante terem sido menores numericamente falando, há que se pensar na
propagação destas idéias enviesadas reveladas e no desdobramento negativo destas falas nos<br />
grupos onde estão inseridos, perpetuando as lendas e conduzindo a erros de julgamento sobre<br />
a população deficiente.<br />
Desta forma, toda discussão que se faça sobre o tema é válida, no sentido do<br />
esclarecimento e da desconstrução de mitos e preconceitos que rondam o mundo da pessoa<br />
deficiente.<br />
Destacando o terceiro aspecto pouco positivo encontrado nas falas, tem-se a questão<br />
do tratamento igualitário dos deficientes para a inclusão social.<br />
Os depoimentos, indiretamente, apontam para o fato de que os colegas cadeirantes<br />
estão incorporados no contexto ocupacional, porque são tratados como iguais.<br />
136<br />
“[...] A qualidade, a presteza, tá tudo no mesmo nível dos outros aqui. E o<br />
deficiente aqui é tratado como uma pessoa igual às outras.” (12)<br />
“Ninguém é poupado do trabalho, entendeu, não há sobrecarga pra ninguém,<br />
mas também ninguém passa a mão na cabeça. Eu costumo dizer aqui que a<br />
injustiça é para todos (risos).” (14)<br />
“[...] o trabalho é igual pra todo mundo, não tem diferenciação.” (7)<br />
A Constituição Federal de 1988, em art. 5º, é clara:<br />
“Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,<br />
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à<br />
vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (BRASIL, 2002, p. 15).<br />
Assim, pode-se perceber a preocupação legislativa em dirimir as espécies de<br />
discriminação, seja ela qual for a natureza. Todavia, uma leitura menos comprometida pode<br />
nos fazer acreditar, ao interpretar literalmente esta norma, que devemos tratar igualmente a<br />
todos.<br />
Aristóteles (384<strong>–</strong>322 a.C.) filósofo grego, citado por Lofy (2005) em sua mais<br />
importante obra sobre a Ética, já afirmava que se as pessoas não são iguais, não receberão
coisas iguais. Tal filósofo nada mais quer dizer que devemos tratar os desiguais de forma<br />
diferenciada para que possamos, enfim, alcançar a almejada isonomia.<br />
Da mesma forma, disse Rui Barbosa em seu discurso Oração aos Moços, quando<br />
paraninfo da Faculdade de Direito de São Paulo, em 1920:<br />
137<br />
A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na<br />
medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à<br />
desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Tratar com<br />
desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e<br />
não igualdade real. (BARBOSA, 2003, p.19)<br />
Assim, entende-se que o Princípio de Igualdade, mais que uma expressão do Direito, é<br />
uma maneira digna de se viver em sociedade, onde visa num primeiro momento “propiciar<br />
garantia individual” e num segundo “tolher favoritismos” (MELLO, 1984, p.23).<br />
O que se quer chamar a atenção aqui é sobre as condições de acessibilidade, emprego,<br />
e garantia de direitos que nossa sociedade oferece à população deficiente, uma vez que os<br />
relatos apontam para uma cobrança desta última, em pé de igualdade, da mesma produção a<br />
que está sujeita aquela parcela de empregados sem deficiência motora ou qualquer outra<br />
condição de desvantagem.<br />
O que se tem é uma população deficiente que vive numa sociedade incapacitante.<br />
Desta forma, nada mais justo do que se adequar os meios necessários para que esta população<br />
se empregue e trabalhe, fazendo parte da parcela economicamente produtiva da sociedade.<br />
Não foi objeto deste estudo investigar as condições de trabalho a que está exposta a<br />
pessoa deficiente - acessibilidade, doenças ocupacionais, etc. No entanto, as falas nos<br />
remetem a esta reflexão.<br />
Quais sacrifícios um indivíduo em cadeira de rodas deve ter que se submeter para<br />
chegar pontualmente no trabalho se não existem ônibus ou outros meios alternativos de<br />
transporte adaptados em nossa cidade em quantidade e rotas suficientes para atender à<br />
demanda de quem precisa deles?
Como esperar que desenvolvam seu trabalho com tranqüilidade e qualidade se no<br />
ambiente onde trabalham não há adaptação em banheiros, acessos aos elevadores, restaurantes<br />
ou refeitórios adaptados às necessidades deles?<br />
Nem mesmo as estações de trabalho são ergonomicamente projetadas pensando no<br />
conforto de qualquer pessoa que lá venha a trabalhar, independente de ser deficiente ou não.<br />
Desta forma, é premente esclarecer à sociedade em geral que, ser justo com a<br />
população deficiente, ou fazê-los sentir mais inseridos na sociedade não é submetê-los às<br />
mesmas condições que a maioria dominante. São pessoas com características diferentes e<br />
necessidades singulares.<br />
Para incluí-los, de acordo com o novo paradigma, é necessário inspirar a sociedade<br />
para fazer modificações estruturais e conjunturais nos seus sistemas gerais ou comuns a fim<br />
de que qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, possa exercer seus direitos e deveres<br />
dentro da comunidade.<br />
Assim, cada vez mais, a comunidade tornar-se-ia acessível, sem barreiras atitudinais,<br />
arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais ou programáticas (BAHIA,<br />
2006).<br />
Construir uma sociedade inclusiva não significa negar as desigualdades, nem imaginar<br />
ingenuamente uma sociedade harmoniosa. Inclusão não significa homogeneização da<br />
sociedade. A igualdade total se torna insuportável e alienante por negar as diferenças<br />
constitutivas do sujeito e o convívio social só é possível pela aceitação e respeito à diferença.<br />
4.4.2 A importância da formação do deficiente no resultado do seu trabalho<br />
Esta subcategoria surgiu diante de relatos que mostraram haver uma relação direta do preparo<br />
do cadeirante e seu desempenho profissional não só sob o aspecto técnico, mas também como<br />
reflexo de um tratamento de reabilitação e do suporte familiar.<br />
138
139<br />
“Ele sofreu o acidente com 12 anos, por bala perdida no estádio e ele já me disse<br />
que a família dele foi super presente na época. Isso fortaleceu ele, sabe, pra<br />
enfrentar o mundo cá fora.[...] Hoje ele é o melhor gerente empresarial dos<br />
escritórios do Rio de Janeiro.” (21)<br />
“Ela tem uma cultura jurídica muito boa, ela faz pós graduação inclusive. Mas<br />
isso foi porque a família dela nunca fez da deficiência dela um problema. Ela<br />
sempre foi estimulada a estudar[...].” (23)<br />
“Ele tem um enorme conhecimento na área que ele trabalha. Tá sempre se<br />
atualizando. [...]. Acho que essa forma descolada dele atuar aqui com a gente é<br />
porque ele fez um tratamento de reabilitação muito bom, de qualidade. Então<br />
ele não sente dificuldade, ele foi preparado pra brigar como qualquer pessoa pelo<br />
seu lugar ao sol.” (10)<br />
A presença da família e o tratamento de reabilitação são apontados nas falas como<br />
fatores que instrumentalizaram seus colegas deficientes para o mercado de trabalho.<br />
Alves (2003) comenta sobre este ponto afirmando que tanto a família quanto o<br />
profissional de reabilitação devem andar juntos, no sentido de somar esforços para o bem<br />
comum da pessoa com deficiência. Segundo a autora (op. cit., p. 28),<br />
é de fundamental importância o trabalho conjunto entre a família e<br />
profissionais da área da reabilitação e também haverá sempre a necessidade<br />
que essa família esteja presente em todos os momentos. A presença dela<br />
ajudará muito na progressão, pois muitas vezes a família é o gancho que o<br />
profissional precisa para começar e poder terminar.<br />
Sobre isso, Vash (1988, p. 66) assinala: “o empreendimento da reabilitação pode ser<br />
facilitado ou dificultado pelas atitudes ou comportamentos da família dentro da qual vive a<br />
pessoa deficiente. [...] A família não somente afeta o empreendimento reabilitação, como<br />
também é parte integral dele”.<br />
Marques (1998) comenta que a existência de um elevado número de pessoas com<br />
deficiência nos remete ao mundo da socialização, pautada pela tradição cultural da ovação ao<br />
belo, onde o corpo submete-se às repressões preconceituosas das normas sociais, mundo esse<br />
que se apóia na falsa crença de que uma nação representada por corpos saudáveis, atléticos, é<br />
de fato uma nação desenvolvida.
Diante dessa cobrança absurda da sociedade, a autora afirma que interagir com o meio<br />
social requer do ser com deficiência uma reação de ajustamento à perda, às barreiras<br />
atitudinais e físicas com que se depara no cotidiano.<br />
E, reforçando a importância do papel da família no processo de socialização do<br />
indivíduo que o fortalecerá para a vida, a autora assinala que o desenvolvimento histórico e<br />
social do homem se processa em duas etapas básicas: a socialização primária e a secundária.<br />
140<br />
A primária se realiza no seio da família, através da transmissão de um código, de<br />
uma linguagem de papéis culturalmente elaborados. [...] Já a socialização<br />
secundária corresponde à habilitação em funções específicas, direta ou<br />
indiretamente relacionadas com a utilização do conhecimento no campo<br />
institucional, de conformidade com as exigências da divisão social do trabalho.<br />
(Op. cit., p. 22)<br />
Se o papel da família na vida de um indivíduo deficiente é fundamental para que este<br />
transcenda suas perdas, do mesmo modo, a equipe que responderá pela sua reabilitação<br />
também o é.<br />
Não há dúvida que todo indivíduo que tenha nascido ou adquirido uma deficiência,<br />
qualquer que seja ela, deverá ser avaliado e acompanhado por uma equipe de reabilitação.<br />
O eixo principal do tratamento reabilitacional não é identificar as perdas que a lesão<br />
impôs ao sujeito, mas mensurar a capacidade funcional presente para que, a partir daí, seja<br />
traçado um plano coerente com sua real capacidade.<br />
Quando um empregado sofre um acidente ou passa por uma condição que dela resulta<br />
uma incapacidade temporária ou permanente, este deve ser seguido de perto pelos<br />
profissionais da área de saúde ocupacional onde trabalha, que podem orientá-lo durante seu<br />
tratamento de reabilitação até seu retorno às atividades laborais, se assim sua condição o<br />
permitir. Mas, para tanto, é fundamental que a equipe de saúde ocupacional conheça e tenha<br />
em mente os ganhos que advém da reabilitação como um tratamento multiprofissional.<br />
Caso contrário, corre-se o risco de reduzir o acompanhamento deste empregado apenas<br />
a medidas fisioterápicas que, isoladas de todo o restante das contribuições das medidas
terapêuticas dos demais profissionais, não produzirão nem extrairão o máximo de<br />
possibilidades do deficiente.<br />
Para Lianza (2001), o acompanhamento precoce e contínuo pela equipe de reabilitação<br />
da pessoa com deficiência ou qualquer lesão incapacitante oferece mais chances de retorno<br />
breve à vida em comunidade.<br />
Lamentavelmente, ainda há profissionais da área da saúde que atuam em setores de<br />
atendimento pré ou trans-hospitalar que ignoram que uma terapêutica mal conduzida e<br />
incompleta, durante sua internação, vai refletir negativamente na reintegração do indivíduo na<br />
sociedade.<br />
Das omissões e enganos no tratamento hospitalar resultam lesões dolorosas, extensas,<br />
de difícil regeneração que só vem a adiar o retorno do indivíduo ao contexto ocupacional,<br />
como é o caso das úlceras por pressão, muito comuns em indivíduos paraplégicos.<br />
No caso do cadeirante, pela própria condição de imobilidade dos membros inferiores,<br />
este precisa ficar sentado durante longos períodos de tempo, principalmente se permanecer<br />
fora de casa trabalhando.<br />
Caso haja alguma ferida na região sacra, por exemplo, a permanência na posição<br />
sentada, só agravaria o ferimento.<br />
Por este breve exemplo, pode-se mensurar a dimensão da importância do tratamento<br />
de reabilitação e do acompanhamento deste empregado pela equipe de saúde ocupacional<br />
onde trabalha para que retorne o mais breve possível à sua ocupação ou que, caso necessário,<br />
seja readaptado a uma nova função onde suas capacidades residuais possam ser aproveitadas.<br />
Mudando um pouco o eixo da análise, cabe fazer uma ressalva sobre a questão da<br />
capacitação profissional do indivíduo deficiente.<br />
141
No Brasil, com o Governo Getúlio Vargas (1930/1945) começou-se a pensar numa<br />
participação mais efetiva das pessoas com deficiência na sociedade, no que tange à educação,<br />
reabilitação, profissionalização e inserção no mercado de trabalho (BAHIA, 2006).<br />
De lá para cá, o aumento do número de pessoas deficientes na nossa sociedade,<br />
principalmente pela violência urbana, cresceu e é diretamente proporcional à necessidade de<br />
capacitação dos que pleiteiam uma vaga no mercado de trabalho, que é inversamente<br />
proporcional ao número de vagas oferecidas por este último.<br />
Segundo dados do IBGE (2000), a deficiência acompanha os números que expressam<br />
a pobreza em nosso país. Em outras palavras, há um quantitativo considerável de deficientes,<br />
em situação de pobreza e desempregados. Como querer vislumbrar a inclusão social desta<br />
parcela da população?<br />
Isso somente se daria se houvesse, de fato, um esforço conjunto e constante por parte<br />
dos governantes e da sociedade para modificar e/ou adaptar-se às necessidades da população<br />
deficiente e não imputar aos deficientes a culpa pela sua incapacidade.<br />
Há uma grande preocupação, pelo menos na lei, em garantir a acessibilidade aos<br />
deficientes em locais públicos como cinema, teatro, prédios, metrô, ônibus, passeio público,<br />
mas, curioso, quase não se ouve falar em garantir essa mesma acessibilidade nas escolas.<br />
Como esperar, então, que um indivíduo se capacite adequadamente e brigue por uma<br />
vaga no mercado de trabalho, se lhe é privado o direito de freqüentar mesmo o ensino<br />
fundamental, visto que as escolas não têm, além de acessibilidade arquitetônica, professores<br />
preparados para lidar com a diferença, salvo algumas raras exceções?<br />
A culpa então pela condição de desempregado recai sobre a desqualificação do<br />
trabalhador como se esse fosse o único responsável pelo seu sucesso ou fracasso. É a ótica do<br />
individualismo. Com o crescimento do desemprego, aumentam as novas formas de<br />
contratação, como vem ocorrendo no caso da terceirização. Muitos profissionais prestam<br />
142
serviços para outras empresas, através de “terceiras”, com salários abaixo do piso do mercado<br />
e com outros benefícios reduzidos.<br />
Mais uma vez o conceito de inclusão social se fragiliza, pois não se vê um esforço em<br />
massa por parte dos governantes e da sociedade em se adaptar às necessidades dos deficientes.<br />
4.5 Trabalhadores Cadeirantes e Trabalhadores Andantes: comportamento<br />
preconceituoso no ambiente de trabalho?<br />
Esta categoria resultou dos depoimentos dados à questão da entrevista que buscou<br />
saber se há preconceito por parte dos trabalhadores em relação ao colega cadeirante.<br />
Os relatos deram origem a duas subcategorias, a saber:<br />
4.5.1 - Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e dos<br />
colegas no contexto ocupacional<br />
4.5.2 - A expressão do preconceito no ambiente de trabalho:<br />
4.5.2.1 A forma velada<br />
4.5.2.2 A forma explícita<br />
• o preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente;<br />
• a deficiência como fonte de contaminação.<br />
Tratar-se-á da análise de cada uma delas a partir de agora.<br />
4.5.1 Da integração à inclusão social: o comportamento do trabalhador cadeirante e dos<br />
colegas no contexto ocupacional<br />
Os relatos apontaram para o comportamento positivo do cadeirante frente à sua<br />
condição de deficiente como sendo o elemento fundamental para diluir qualquer eventual<br />
situação de “mal-estar” ou de desconforto provocados pela presença de um indivíduo<br />
cadeirante no ambiente de trabalho e também para dirimir qualquer dúvida sobre sua<br />
143
capacidade laboral, não dando margem, portanto, ao preconceito.<br />
De acordo com as falas, a postura destes não abre espaço para que os demais colegas<br />
andantes sintam algo diferente de admiração e consideração pelo colega cadeirante.<br />
144<br />
“Não... nunca vi... não considero que haja preconceito aqui, muito pelo<br />
contrário... agora eu vejo que essa atuação dos colegas... essa atuação nossa é<br />
muito o reflexo das atitudes dela que se mete em tudo, participa de tudo,<br />
organiza as festas, eventos, participou da CIPA. Ela é muito dinâmica apesar<br />
da cadeira de rodas. Ninguém consegue ver ela como coitada. É mais uma<br />
funcionária daqui e muito querida.” (14)<br />
“[...] e ele trabalha muito bem, é um cara sério, responsável... a atitude dele<br />
também influencia a forma como as pessoas vão encarar ele, certo? [...] Ele<br />
mostra que não é uma cadeira de rodas que vai encerrar a vida dele.” (26)<br />
“Olha, eu acho que tudo tem a ver com a forma como ele reage com a gente. Pra<br />
começar, ele não se coloca na posição de coitado. Ele vem trabalhar normalmente,<br />
brinca com todo mundo, se aborrece igual a gente, reclama também[...]acho que se<br />
alguém chegou a olhar pra ele com preconceito, achando que ele não dava conta<br />
do recado, caiu do cavalo.” (18)<br />
“Não vejo preconceito não. [...] Ele é um cara muito legal. Muito alegre. Quando<br />
tem alguma festinha, o pessoal se organiza pra levar ele e depois deixar ele em<br />
casa, sabe.” (8)<br />
Os discursos ilustram o comportamento do colega cadeirante como positivo,<br />
integrado, dinâmico, participativo e competente naquilo que lhe é designado a cumprir no<br />
trabalho. Tal postura só acrescenta valores afirmativos aos olhos dos outros trabalhadores<br />
que, pelo isolamento social que foi imposto aos deficientes e pelas idéias preconceituosas que<br />
rondam seu mundo, poderiam duvidar da competência destes últimos.<br />
Todavia, sabe-se que esta abertura e receptividade por parte daqueles sem deficiência<br />
para com os deficientes é algo recente, historicamente falando, e também pouco freqüente.<br />
Pode-se afirmar que este tipo de comportamento seja um reflexo do movimento de inclusão<br />
social que vivemos nos dias atuais e que vem, ainda que timidamente, ganhando força.<br />
Cabe fazer, aqui, um breve resgate da evolução de alguns conceitos até chegarmos na<br />
inclusão social para melhor compreensão das falas.<br />
Correr (2003), refletindo sobre este tópico, afirma que o surgimento oficial dos
primeiros indícios do movimento pela integração das pessoas deficientes ocorreu na Europa,<br />
como conseqüência de três fatores: as duas grandes guerras, o fortalecimento do movimento<br />
pelos Direitos Humanos e o avanço científico.<br />
Em relação às duas guerras mundiais, Santos (1995, p.22) discorre:<br />
145<br />
[...] pode-se relacionar o retorno e aumento de indivíduos fisicamente debilitados<br />
ou deficientes e as lacunas deixadas pelo grande número de pessoas mortas. Estes<br />
dois fatores, promoveram o aparecimento de programas de educação e treinamento<br />
específico que visavam, ao mesmo tempo que reintegrar tais indivíduos na<br />
sociedade, preencher as lacunas da força de trabalho européia, originadas pelas<br />
duas Guerras.<br />
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Organização das<br />
Nações Unidas (ONU) em 1948 foi um marco no que se refere à integração do indivíduo<br />
deficiente na sociedade, pois, se no período pós-guerra isso acontecia em função do<br />
preenchimento de lacunas deixadas pelas baixas ou por aqueles que ficaram fisicamente<br />
debilitados, não podendo contribuir como força de trabalho, agora essa integração acontece<br />
com base nos seus direitos enquanto seres humanos (WIKIPEDIA, 2007).<br />
A título de ilustração, tal declaração afirma, em seu artigo 1º, que todos os seres<br />
humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados que são de razão e<br />
consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros (Op. Cit).<br />
E o avanço científico, terceiro fator, citado por Santos (1995), que permitiu o<br />
desenvolvimento de pesquisas nas áreas sociológica, médica, educacional e psicológica,<br />
ressaltou o fato de que a excepcionalidade não necessariamente deveria implicar em<br />
incapacidade.<br />
Estes três fatores foram importantes para que se iniciasse uma longa discussão acerca<br />
da inclusão dos indivíduos deficientes na sociedade.<br />
Continuando com a linha histórica, a década de 70 teve como característica a<br />
elaboração de novas propostas de ação junto às pessoas deficientes, período esse que ficou<br />
conhecido como “Paradigma de Serviço” que colocou em ação alguns princípios de
integração social e normalização das pessoas com deficiência. O movimento de normalização<br />
buscava introduzir o deficiente na sociedade ajudando-o a adquirir as condições e os padrões<br />
da vida cotidiana o mais próximo do normal possível.<br />
O Paradigma de Serviços caracterizou-se, desta maneira, pela tentativa de diminuir as<br />
diferenças do indivíduo deficiente, de forma que este pudesse conviver na sociedade mais<br />
ampla, de maneira não segregada, oferecendo-lhe serviços que lhe permitissem melhorar,<br />
desenvolver-se, aprender, ou seja, aproximar-se dos padrões de funcionamento da maioria das<br />
pessoas. O deficiente era aquele indivíduo que precisava ser preparado para a vida em<br />
sociedade. Observa-se aí um esforço de um dos lados somente: o da pessoa deficiente que<br />
deveria se empenhar em se enquadrar nos modelos propostos pela cultura vigente.<br />
Desta forma, a comunidade estaria disposta a receber a pessoa deficiente, oferecendo-<br />
lhe serviços para que se transformasse em uma pessoa não-deficiente, para ser aceita dentro<br />
dos padrões normais.<br />
Entretanto, tal maneira de pensar passou a incomodar os próprios deficientes que<br />
levantaram outra questão: a de que a deficiência não deveria ser tolerada, como vinha<br />
acontecendo, mas sim entendida como parte do fenômeno humano, como uma das<br />
possibilidades da existência humana e, portanto, acolhida sem que houvesse a necessidade de<br />
fazer aquele ser “diferente” se parecer com o outro “normal”.<br />
Essa crítica ao paradigma de serviços e ao processo de normalização ganhou força nos<br />
anos 80 e teve início um novo processo de mudança, baseado no entendimento de que o<br />
binômio ser humano X qualidade de vida deve ser indissociável para a realização plena do<br />
indivíduo.<br />
Da mesma forma se fortalece, nos anos 90, a compreensão de que a qualidade de vida<br />
é um conjunto de fatores, segundo os quais o sujeito deve adquirir alguns domínios<br />
específicos para que desempenhe, de maneira satisfatória, os papéis adultos como, por<br />
146
exemplo, mobilidade, profissão e emprego, lazer, educação, cidadania, responsabilidade<br />
social dentre outros.<br />
Surge, também, na sociedade, o reconhecimento da importância de serem criados<br />
recursos e colocados à disposição de todos, para que possam ser acessados e, assim, sentirem-<br />
se realizados. Da mesma forma, a população deficiente deveria ser contemplada na mesma<br />
medida.<br />
Nasce aí o desafio de garantir o direito à participação de todas as pessoas na<br />
sociedade, concomitantemente ao de fazê-lo com garantia da qualidade de vida. Para que isso<br />
aconteça é necessário um profundo respeito à diversidade, em outras palavras, uma<br />
abordagem inclusiva em relação ao indivíduo deficiente.<br />
A inclusão social, expressão tão amplamente usada atualmente, é caracterizada como<br />
um processo bilateral onde há o ajuste mútuo entre o deficiente e a comunidade, cabendo ao<br />
primeiro capacitar-se para atuar na sociedade, manifestar-se com relação a seus desejos e<br />
necessidades e, à sociedade, a implementação dos ajustes e providências necessárias que a ele<br />
possibilitem o acesso e a convivência no espaço comum, não segregado.<br />
A título de ilustração, o emprego de elementos que garantam ao deficiente a<br />
convivência não segregada e acesso aos recursos disponíveis aos demais cidadãos se<br />
caracteriza no novo paradigma que é o Paradigma de Suportes (CORRER, 2003), substituindo<br />
o Paradigma de Serviço anteriormente citado.<br />
Este ligeiro retorno ao passado se fez necessário para que se possa inferir que, de<br />
acordo com os depoimentos, está havendo uma postura inclusiva por parte de alguns<br />
entrevistados em relação ao cadeirante.<br />
De um lado, tem-se o deficiente inserido no contexto do trabalho, atuando, mostrando<br />
competência e preparo para tal. Do outro lado, percebem-se os colegas com comportamento<br />
receptivo, acolhedor, entendendo que o cadeirante possui características diferentes das dos<br />
147
demais como, por exemplo, deslocar-se numa cadeira de rodas.<br />
Parece que os trabalhadores andantes vêem este fato apenas como um fato e não como<br />
um demérito imputado ao cadeirante que, por não andar sobre as próprias pernas, talvez não<br />
conseguisse raciocinar, estando incapacitado para o trabalho.<br />
Além disso, percebeu-se um comportamento solidário por parte dos trabalhadores<br />
andantes quando, numa das falas, o entrevistado reportou-se ao fato de que, nos momentos de<br />
lazer, o grupo se organizava para levar o colega cadeirante ao evento em questão e depois<br />
deixá-lo em casa.<br />
Os depoimentos a seguir fortalecem esta impressão:<br />
148<br />
“Ah... diretamente não... não sei também se é porque todo mundo que vem<br />
trabalhar aqui tem logo um contato direto com o deficiente e acaba que meio se<br />
acostumando, tendo entendimento... que ele é uma pessoa que tem deficiência e<br />
por isso ele não tem a resposta imediata nas coisas do trabalho. Mas isso, de não<br />
ter resposta imediata, é com relação à locomoção e não com relação à capacidade<br />
de resolver e atuar como profissional aqui, entendeu?” (11)<br />
“Por que a única deficiência que eles têm é a física, entendeu?” (1)<br />
“[...] e também nossa equipe se adaptou. Nós começamos a conhecer ele melhor e<br />
entender suas reais necessidades. O que foi possível fazer aqui pra que ele pudesse<br />
trabalhar com tranqüilidade, sem apertos, nós fizemos, adaptamos.” (17)<br />
“[...] e é interessante como as pessoas estão absorvendo bem essa idéia... nós<br />
fizemos uma mudança no lay out aqui e todo nosso espaço foi diminuído. Daí<br />
ficou aquela discussão de quem ia passar a sentar e aonde... e o mais legal foi que<br />
as pessoas começaram a reparar que as baias reservadas para os deficientes não<br />
tinham condições de comportar uma cadeira de roídas. Daí houve uma<br />
mobilização de todos para que essa estrutura fosse modificada para acolher os<br />
colegas cadeirantes.” (19)<br />
A participação no trabalho, na vida em comunidade e também no lazer vai se traduzir<br />
em reflexos altamente positivos na saúde deste trabalhador cadeirante, uma vez que são<br />
fatores que interferem diretamente na qualidade de vida de qualquer pessoa, inclusive na do<br />
trabalhador não deficiente.<br />
Ser privado do direito ao trabalho, não receber o devido reconhecimento pelo seu<br />
empenho e dedicação em função do processo criativo e ser excluído das possibilidades do
exercício da cidadania levaria, a curto ou em longo prazo, ao sofrimento do indivíduo<br />
deficiente.<br />
Silva (1999), em seu artigo, reforça que qualquer possibilidade de mudança na<br />
qualidade de vida das pessoas deficientes vai depender diretamente da garantia de seus<br />
direitos de igualdade, saúde, trabalho, educação, lazer, entre outras dependendo, portanto, de<br />
ações coletivas de uma sociedade e não apenas de uma questão individual.<br />
A sensibilização dos não cadeirantes frente à presença do trabalhador cadeirante no<br />
contexto ocupacional, traduzida pelo acolhimento, pela compreensão das reais dificuldades do<br />
deficiente e também pelas mudanças que foram feitas, no sentido do ambiente se tornar mais<br />
adequado à presença e permanência de uma pessoa deficiente, ou seja, mais acessível, se<br />
mostrou como um traço forte na direção da inclusão social do indivíduo deficiente.<br />
Esta preocupação vai ao encontro do que foi discutido na 3ª Conferência Nacional<br />
sobre Saúde do Trabalhador (2006) que discutiu, dentre vários pontos, sobre a necessidade de<br />
se ampliar a legislação existente e garantir que os empregadores públicos e privados<br />
promovam a adequação dos ambientes de trabalho às necessidades específicas do trabalhador<br />
reabilitado e/ou portador de deficiência, reorganizem os processos de trabalho e façam a<br />
readaptação dos postos e equipamentos para a efetiva inclusão do indivíduo deficiente no<br />
contexto ocupacional.<br />
Ainda sobre a inclusão, encontramos no Manual de Legislação em Saúde da Pessoa<br />
Portadora de Deficiência (BRASIL, 2003, p. 10) que<br />
149<br />
a prática da inclusão social vem aos poucos substituindo a prática da integração<br />
social e parte do princípio de que, para inserir todas as pessoas, a sociedade deve<br />
ser modificada de modo a atender às necessidades de todos os seus membros: uma<br />
sociedade inclusiva não admite preconceitos, discriminações, barreiras sociais,<br />
culturais e pessoais.<br />
Felizmente, essas falas representaram a maioria. Contudo, ainda assim não se pode<br />
deixar de refletir que ainda há muito que caminhar na direção da convivência com a diferença,<br />
entendendo esta como oportunidade para aprendizado e crescimento do indivíduo como um
todo.<br />
Aliás, as falas divergem um pouco na sua essência daquilo que é observado no<br />
atendimento à população com lesão medular cadeirante no ambulatório. Lá, os relatos<br />
vivificam uma realidade perversa, excludente e fechada. Os cadeirantes até conseguem entrar<br />
no mercado de trabalho, ainda que o informal. O problema é permanecer nele.<br />
Mendes et al. (2004) comentam que a segregação do indivíduo, com deficiências em<br />
escolas ou instituições especiais, acaba por reduzir sua participação na vida da comunidade e<br />
excluí-lo das relações nas várias instâncias sociais, inclusive de lazer, uma vez que a maioria<br />
das pessoas, de fato, tem pouca oportunidade de interagir com esse indivíduo e vice-versa.<br />
Conseqüentemente, quando ele chega ao mercado de trabalho, mesmo que esteja<br />
tecnicamente capacitado, socialmente ele é um “corpo estranho”. Em outras palavras, se o<br />
deficiente não foi seu colega durante a época de escola, como ser seu colega no mesmo<br />
ambiente de trabalho?<br />
Parece que o fenômeno da inclusão do indivíduo deficiente na sociedade, salvo<br />
algumas exceções, tem se dado por força de lei e não por uma abertura espontânea daqueles<br />
que, por não possuírem deficiência aparente que destoe e fira a hegemonia dos demais, se<br />
julgam como normais.<br />
Reforçando esta idéia, o artigo intitulado “Individuals with Disabilities Education Act”<br />
(“A Lei dos Americanos Portadores de Deficiências”) (I<strong>DE</strong>A, 2007) relata que alguns dos<br />
mais sérios impedimentos ao acesso para pessoas com deficiência não são problemas que<br />
podem ser resolvidos por arquitetos ou por juristas.<br />
Há também problemas de atitude, que são definidos como uma maneira de pensar ou<br />
sentir que resulta em um comportamento que limita o potencial das pessoas com deficiência<br />
de agirem de forma independente. Tal comportamento interfere negativamente em qualquer<br />
iniciativa de acolhimento e inclusão que se queira implementar em favor da pessoa deficiente.<br />
150
Segundo Oliveira (2007, p. 68),<br />
151<br />
o sucesso de todo movimento integrador depende da disponibilidade que o corpo<br />
social tem para se tornar inclusivo. A recíproca é imediata: para que a inclusão seja<br />
leva a termo, é igualmente necessário que o deficiente se mostre disposto a se<br />
integrar, adaptando-se, na medida do possível, à sociedade.<br />
4.5.2 A expressão do preconceito no ambiente de trabalho<br />
Os relatos apontaram para uma questão delicada que é o preconceito para com o<br />
cadeirante no ambiente de trabalho. Os relatos, pela essência, foram subdivididos em duas<br />
subcategorias:<br />
4.5.2.1 A forma velada<br />
4.5.2.2 A forma explícita<br />
• o preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente;<br />
• a deficiência como fonte de contaminação.<br />
4.5.2.1 A forma velada<br />
Serão abordadas, primeiramente, as falas que tocaram no tema de forma implícita,<br />
disfarçada. Este preconceito apareceu nos discursos, na maior parte das vezes, de forma<br />
camuflada, nebulosa e inconsciente.<br />
Falar sobre preconceitos, ou melhor, admitir que se tenha preconceito em relação a um<br />
fato ou pessoa é algo bastante delicado, pois uma assertiva nesta direção pode denotar um<br />
comportamento “politicamente incorreto”, passível de punição ou sanção.<br />
Desta forma, assentir que somos preconceituosos seria uma atitude corajosa não só no<br />
sentido de comprometer nossa imagem já construída dentro do grupo que pertencemos, nem<br />
de nos expormos às penalidades previstas na lei, mas, também, no sentido de admitir e<br />
exteriorizar nossa ignorância sobre um determinado fato ou pessoa uma vez que essa atitude<br />
exige, de quem a toma, força para encarar as mudanças no seu ponto de vista e reformular<br />
suas convicções.
Assim, como nem sempre estamos dispostos às mudanças, procuramos esconder ou<br />
camuflar nossas impressões negativas sobre um determinado tema, afirmando hipocritamente<br />
que aceitamos os fatos ou as pessoas assim como eles se apresentam ou são, fingindo um<br />
comportamento que agrada ao grupo onde atuamos, transmitindo a este grupo a impressão que<br />
nos interessa transmitir (GOFFMAN, 2005). Fazendo um paralelo com a questão do<br />
preconceito racial em nosso país, Ferreira (2002) afirma que o preconceito, por não ser<br />
abertamente afirmado, dificulta a elaboração de leis que favoreçam sua reversão. Como a<br />
discriminação tende a ser um processo camuflado, não se tem abertura para que tais questões<br />
sejam discutidas, dificultando sua reversão.<br />
Sobre a dificuldade de se perceber algum comportamento preconceituoso no ambiente<br />
de trabalho, um dos respondentes pontuou que:<br />
“[...] o preconceito, eu acho que é algo muito sutil, eu acho que você só identifica<br />
se for você mesmo que sofre né?” (17)<br />
De fato, pelas regras e normas que regem nossa sociedade, somos impelidos a agir de<br />
forma contida, sendo nossas ações moderadas por este código de conduta cujo objetivo é<br />
ajudar a preservar a vida coletiva (GLAT, 2004).<br />
Então, uma demonstração, às claras, de qualquer atitude preconceituosa não é um fato<br />
comum, mas a manifestação das formas veladas e dissimuladas do estigma e do preconceito é<br />
mais freqüente.<br />
Os depoimentos a seguir dão uma idéia de comportamento preconceituoso, percebido<br />
pelos sujeitos do estudo:<br />
“Tem preconceito e pena... o jeito da pessoa falar, de conversar [...].” (3)<br />
“Ah... acho que as pessoas acabam, no fundo, sentindo pena dele, sabe? Pó, um<br />
cara tão novo, boa pinta, simpático naquela cadeira de rodas [...].” (5)<br />
“[...] não tem como você olhar pra uma pessoa na cadeira e rodas e achar que ela<br />
tá feliz [...] isso comove as pessoas.” (15)<br />
Estes depoimentos trazem à baila a questão do sentimento de pena como uma das<br />
152
formas de manifestação do preconceito.<br />
Sobre este tipo de reação por parte dos trabalhadores andantes, Velho (1989) afirma<br />
que em relação à deficiência, pode-se verificar que o preconceito, na maioria das vezes, está<br />
baseado em atitudes de comiseração, pena, piedade, resultantes do desconhecimento, este<br />
considerado a matéria-prima para perpetuação das atitudes preconceituosas e das leituras<br />
estereotipadas da deficiência.<br />
Freire (2005), em seu artigo, comenta que ao observar um encontro entre pessoas que<br />
enxergam com outras que são cegas, verificou primeiramente que pena e simpatia são as<br />
reações mais comuns por parte daqueles que enxergam em relação àqueles que não enxergam<br />
e que a piedade demonstrada às pessoas cegas é desproporcional em relação às limitações<br />
impostas ao indivíduo pela cegueira.<br />
Constata a mesma autora que as atitudes atuais sobre a cegueira são provenientes de<br />
nossa herança cultural que olhou para o deficiente como um ser inferior, de segunda classe,<br />
digno de pena e de consolo. Tal comportamento assinalado pode ser ampliado para o terreno<br />
da deficiência motora.<br />
No atendimento à clientela no consultório, os cadeirantes ratificam essas impressões,<br />
referindo que sofrem um tipo diferente de dor que se dá pelo olhar de pena e de compaixão<br />
das pessoas. Para eles, isso é uma forma velada de preconceito e de exclusão. Por que alguém<br />
deveria ter pena de um indivíduo que, como todos, está sujeito aos mesmos direitos e deveres<br />
como qualquer cidadão? Ou, pelo menos deveria.<br />
Eles costumam dizer que, mesmo tendo força de vontade, condições físicas e mentais<br />
para trabalhar, existe esse obstáculo que pode ser classificado como uma barreira atitudinal,<br />
afetando negativamente sua auto-estima e, conseqüentemente, a saúde deste indivíduo que,<br />
embora possa estar integrado no mercado e trabalho, não é ainda acolhido pela sociedade.<br />
Queixam-se, na verdade, de discriminação, que foi um dos temas abordados na 3ª<br />
153
Conferência Nacional de Saúde do Trabalhador (2006) que, para amenizar este problema,<br />
sugere ações educativas dirigidas aos indivíduos no ambiente de trabalho acerca do tema<br />
deficiência, bem como a participação de sindicatos e entidades representativas das pessoas<br />
com deficiência nas discussões sobre os direitos e garantias do trabalhador como ferramenta<br />
de vigilância e fiscalização.<br />
Por outro lado, a inclusão dos deficientes na vida em comunidade só traz benefícios.<br />
Sobre isso, Silva (1999) comenta os resultados de uma pesquisa realizada com pessoas<br />
portadoras de deficiência física na Finlândia e Suécia onde ficou evidente que o bom<br />
ajustamento e integração dos indivíduos devia-se ao fato de apresentarem satisfação em<br />
diferentes aspectos da vida como trabalho, saúde física e psicológica, satisfação no lazer e<br />
relacionamento social, relacionados a uma ocupação profissional ou estudos, associando<br />
assim, um sentimento positivo da visão que as outras pessoas têm em relação ao deficiente.<br />
Ainda de acordo com a pesquisa citada por Silva (1999), estes indivíduos construíram,<br />
através da qualidade de vida que puderam desfrutar, recursos psicológicos para enfrentar a<br />
situação estressante causada pela deficiência. Não há, então, como negar o efeito altamente<br />
positivo para a saúde de qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, desencadeado pelo fato<br />
de ser parte integrante da sociedade, proporcionado não apenas, mas também, pela inclusão<br />
no trabalho.<br />
Outros depoimentos revelam um tipo de comportamento preconceituoso bastante sutil:<br />
154<br />
“Às vezes dá pra perceber um olhar meio de pena em situações que ela está meio<br />
austera, parece com raiva de tudo, e então sobra pra todo mundo... mas aí a<br />
gente pensa: não, tudo bem... ela tá assim porque é muito problema que ela tem...<br />
mas tem que entender né?” (9)<br />
“[...] ela às vezes chega meio irritada aqui, sabe? Aí ninguém chega muito perto<br />
com medo de levar uma patada. [...] a amiga dela é que fica por perto pra botar<br />
panos quentes.” (14)<br />
Nestas falas, os entrevistados estão se referindo aos obstáculos que uma pessoa<br />
deficiente tem que enfrentar em função das suas limitações impostas pela deficiência.
Por causa disto, o grupo de trabalhadores sem deficiência motora “releva” e tolera os<br />
rompantes de mau humor ou de excesso de autoridade protagonizados por estas cadeirantes.<br />
Este tipo de atitude faz refletir sobre a seguinte questão: se os ataques de fúria<br />
partissem de uma pessoa sem alguma deficiência aparente, será que o grupo seria tão tolerante<br />
e condescendente como demonstra ser com estas cadeirantes?<br />
Isso não seria uma forma de “passar a mão” sobre a cabeça destes deficientes,<br />
tratando-o de maneira complacente? E, se for isso, essa atitude ajuda no lidar e conviver com<br />
o deficiente?<br />
Aos olhos de Goffman (1988), quando se tem comportamentos diferenciados, em<br />
função da presença de uma deficiência, esta atitude tem um “quê” de discriminação e de<br />
preconceito.<br />
Sobre as reações que uma pessoa que adquiriu uma deficiência pode exteriorizar, Vash<br />
(1988) esclarece que se tornar deficiente tem o poder de provocar um naipe variado de<br />
emoções humanas: medo, raiva, tristeza, etc.<br />
Todavia, duas expressões da emoção se destacam por serem mais freqüentes que são a<br />
ansiedade relativa à sobrevivência e os episódios de raiva. Esta última pode ter relação com<br />
elas mesmas e com sua incompetência em fazer o que as demais pessoas fazem naturalmente,<br />
outras se enraivecem com o universo por este ser injusto. Outras ainda se enraivecem com as<br />
demais pessoas por não conseguirem ajuda.<br />
Independente do que motiva a raiva, as pessoas em torno não têm a obrigação de se<br />
tornarem “pára-raios” dessas reações explosivas pelo fato da primeira ser deficiente. Esta<br />
reação merece acolhimento e compreensão, mas uma atitude paternalista que procura<br />
justificar a todo custo tais rompantes, não ajuda a pessoa deficiente no entendimento de que<br />
os outros não têm que ser culpabilizados pelas circunstâncias que ela ora enfrenta.<br />
Vash (1988) acrescenta ainda que todos nós lidamos com situações de natureza<br />
155
diversa na vida, independente de termos ou não deficiência e, sobre aqueles episódios ruins<br />
que se refletem em perdas e que também acometem todos - com ou sem deficiência, estes não<br />
devem se transformar em álibi para justificar nosso descontentamento e frustrações.<br />
Embora os depoimentos neste sentido não tenham sido numerosos, pode-se inferir que<br />
ainda é muito comum na sociedade tal sentimento de complacência em relação aos<br />
deficientes. São, muitas vezes, considerados como coitados, merecedores da nossa compaixão<br />
e do excesso de zelo e nunca como indivíduos prontos para exercerem sua cidadania.<br />
Essa forma de tratamento, ao invés de levar o indivíduo ao enfrentamento das questões<br />
do dia a dia, pode criar neles o falso entendimento de que a sociedade tem a obrigação de<br />
compreendê-lo e aceitar seu comportamento pouco amistoso.<br />
Continuando com os depoimentos, mais relatos trazem outra forma mais “delicada” da<br />
expressão do preconceito podendo ser evidenciada a seguir:<br />
156<br />
“As pessoas ficam constrangidas [...] o que também não deixa de ser um tipo de<br />
preconceito.” (27)<br />
“Assim que ele chegou aqui na agência eu fiquei sem saber o que fazer, foi um<br />
choque, né [...] fiquei meio sem jeito [...], tentei tratar ele com naturalidade.”<br />
(13)<br />
“Bom, quando ele chegou aqui, eu fiquei sem saber o que fazer direito.” (20)<br />
Crochik (2006) explica estas reações ao afirmar que quando entramos em contato com<br />
algo incomum, por faltar-nos referências anteriores sobre como atuar ou o que fazer, por<br />
vezes “congelamos”, falta-nos a noção de como agir.<br />
Esse comportamento é análogo ao de um animal que, diante de um perigo real ou<br />
imaginário, permanece paralisado frente ao objeto ou situação que lhe causa estranheza.<br />
Pressupomos, então, que o diferente nos ameaçará pondo em risco nossa segurança e<br />
estabilidade.<br />
Essa reação, por vezes, coloca as pessoas sem deficiência aparente, em situações<br />
bastante constrangedoras frente à outra que apresenta alguma particularidade que quebre seu
padrão daquilo que tem como referência do que seja uma pessoa no quotidiano.<br />
Tal comportamento assume a forma de exagero de aceitação ou excesso de<br />
naturalidade no trato com o deficiente e o indivíduo sem deficiência faz de tudo para que a<br />
pessoa deficiente não perceba sua alteração.<br />
Por isso nas falas, percebe-se claramente o comportamento paralisado do não<br />
cadeirante frente ao colega deficiente. A visão pouco freqüente da uma pessoa em cadeira de<br />
rodas participando ativamente da vida em sociedade não combina com a noção pré-concebida<br />
de que este indivíduo tenha condições de trabalhar e de dividir o mesmo espaço que qualquer<br />
outro cidadão, noção esta que foi aprendida e construída pelo meio social.<br />
Caracterizando o comportamento preconceituoso, segundo Crochik (2006, p.16),<br />
157<br />
dizemos frases ou atuamos no sentido de dar um consolo antecipado a quem não o<br />
solicitou, ou esboçamos um sorriso que aparente compaixão e esconda nossa<br />
aflição, sem nos perguntarmos se essas reações dizem respeito à pessoa que nos<br />
defrontamos ou a nós mesmos; pressupomos de imediato que é uma situação ruim<br />
de ser vivida e sofremos a aparência da dor que nos impede tanto de senti-la como<br />
de experimentar a relação sem tabus.<br />
Esta atitude, caracterizada pelo autor como complacência benevolente é aprendida,<br />
não é inata. Nós aprendemos, pela educação que recebemos, a não exteriorizar nossa reação<br />
de estranheza, que é natural, diga-se de passagem, frente ao novo ou diferente, de forma<br />
espontânea.<br />
Perdemos nossa curiosidade natural de quando éramos crianças e damos lugar à um<br />
sentimento de rejeição frente ao diferente sem antes mesmo de ter tido uma experiência real<br />
com ele e, quem sabe, ter perdido uma oportunidade de aprendizado e crescimento.<br />
Como o preconceito não é inato, há a interferência dos processos de socialização que<br />
obrigam o indivíduo a se modificar para se adaptar. O que leva uma pessoa a desenvolver<br />
preconceitos ou não, é a possibilidade de ter experiências e refletir sobre si mesmo e os outros<br />
nas relações sociais.<br />
Pelo tempo de segregação que os deficientes sofreram, e ainda sofrem, é, então,<br />
compreensível este comportamento com viés preconceituoso.
4.5.2.2 A forma explícita<br />
Dando continuidade à análise, passemos para aqueles depoimentos onde o preconceito<br />
foi identificado com cores mais vivas e ganhou duas vertentes: uma refere-se à competência<br />
do deficiente e a outra esbarra na idéia de que a deficiência é um evento contagioso.<br />
Passemos para a primeira vertente.<br />
• O preconceito relacionado à competência e produtividade do deficiente<br />
Aqui, os relatos foram explícitos no tocante à expressão do comportamento<br />
preconceituoso para com o cadeirante no ambiente ocupacional, conforme se pode observar a<br />
seguir:<br />
158<br />
“Eu já vi pessoas que não conseguem dar a mão pra ela... não conseguem estender<br />
a mão e apertar a mão dela. Tem advogado aqui que não se aproxima dela porque<br />
acha que ela não vai dar conta do recado e que ela precisa de muita ajuda [...]<br />
Isso é um traço comum na relação com o deficiente... as pessoas têm uma relação<br />
desrespeitosa, no sentido de que a ajuda não é porque a pessoa precisa de ajuda,<br />
mas é porque ele é interpretada e vista como uma pessoa incompetente.” (17)<br />
“Tem preconceito aqui sim. E eu posso mensurar isso na medida em que as<br />
pessoas não se predispõe a trabalhar diretamente com ela... tem colegas que ficam<br />
receosos de trabalhar com ela primeiro com medo de ela não dar conta do serviço e<br />
dividir em igualdade de condições com ele, daí ele fica com medo de trabalhar<br />
muito mais em função da produtividade dela que seria menor.” (24)<br />
“Pra dizer a verdade, eu mesmo tinha preconceito sim... porque eu via ele com<br />
bom relacionamento nas outras esferas acima no banco, ele visita os clientes,<br />
ganha esses clientes pro banco... daí eu pensava: -pô, um gerente empresarial ser<br />
portador de deficiência?” (25)<br />
O artigo intitulado “A Lei dos Americanos Portadores de Deficiências” (I<strong>DE</strong>A, 2007)<br />
reafirma que existe uma pequena percentagem de pessoas que tem atitudes abertamente<br />
negativas em relação às pessoas deficientes.<br />
Tais atitudes são associadas ao medo, à ignorância, falta de sensibilidade,<br />
discriminação, aversão ou ares de superioridade. Para os autores, estas pessoas acreditam na<br />
maioria dos mitos a respeito das deficiências, apesar da existência de provas documentais que<br />
desmentem tais idéias errôneas.
Do mesmo modo é forte a concepção de que o deficiente não pode desempenhar com<br />
sucesso as atividades profissionais executadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade<br />
de trabalho dada a ele representa sempre um ato de caridade por parte do empregador<br />
(MARQUES, 1998).<br />
Barbosa (2007) ratifica as idéias de Marques (1998) quando comenta em seu artigo<br />
que em nossa sociedade, as pessoas deficientes têm sido conceituadas como inválidas,<br />
improdutivas, incapazes de cuidar de sua própria vida e de realizar suas próprias escolhas.<br />
Mais uma vez fica patente que nos relacionamos com o rótulo e não com a pessoa;<br />
reconhecemos o indivíduo deficiente por suas limitações e não por suas possibilidades.<br />
Tal comportamento, visivelmente opacificado pela ignorância, reflete negativamente<br />
na auto-estima do indivíduo cadeirante que, muitas vezes não tem a oportunidade de mostrar<br />
seu potencial. Antes que isso possa acontecer, ele já é eliminado das possibilidades no elenco<br />
de variáveis do outro, que se julga isento de deficiência.<br />
Os sujeitos que responderam a esta pesquisa, com exceção de um apenas, não tiveram<br />
preparo para lidar com uma pessoa deficiente no ambiente ocupacional, o que nos faz refletir<br />
sobre a importância do que foi discutido e aprovado na 3ª Conferência Nacional de Saúde do<br />
Trabalhador (2006) que, ao se referir às questões relativas ao trabalhador deficiente, aponta na<br />
sua resolução, dentre outras necessidades, para a prevenção da discriminação social por meio<br />
de ações educativas dirigidas aos trabalhadores no ambiente de trabalho.<br />
Silva (2000) reforça a questão da discriminação pontuando que o maior problema não<br />
é a barreira arquitetônica, mas sim a barreira do preconceito ou da falta de conscientização,<br />
pois muitos empresários não admitem o “portador de deficiência” como um cidadão<br />
produtivo. Ribas (1986, p. 15) afirma que:<br />
159<br />
Na nossa sociedade, mesmo que a ONU e a OMS tenham tentado eliminar a<br />
incoerência dos 'conceitos', a palavra 'deficiente' tem um significado muito forte.<br />
De certo modo, ela se opõe a palavra 'eficiente'. Ser 'deficiente', antes de tudo, é não<br />
ser 'capaz'. Pode até ser que conhecendo melhor a pessoa, venhamos a perceber que<br />
ela não é tão 'deficiente' assim. Mas, até lá, até Segunda ordem, o 'deficiente' é o
160<br />
não 'eficiente”. Assim sendo, em todas as sociedades a palavra 'deficiente' adquire<br />
um valor cultural segundo padrões, regras e normas estabelecidas no bojo de suas<br />
relações sociais.<br />
Ainda sobre este tema, Silva (2006) comenta que o preconceito às pessoas com<br />
deficiência configura-se como um mecanismo de negação social, uma vez que suas diferenças<br />
são ressaltadas como uma falta, carência ou impossibilidade. O corpo deficiente é<br />
insuficiente para uma sociedade que demanda dele o uso intensivo que leva ao desgaste físico<br />
ou para uma construção de corporeidade que objetiva, meramente, o controle e a correção, em<br />
função de uma estética corporal hegemônica com interesses econômicos.<br />
Numa sociedade capitalista, onde as relações se definem pela produção e pelo lucro, o<br />
padrão ideal de homem segue os valores sociais determinantes. Ser deficiente significa, pois,<br />
ser não-eficiente, não produtivo e não adequado aos fins maiores (MARQUES, 1998).<br />
Segundo Foucault (1987), a sociedade moderna se preocupa tão somente com o corpo<br />
e com a força de trabalho. Neste sentido, a deficiência assume a marca da incapacidade<br />
produtiva e da dependência econômica, fazendo do indivíduo deficiente um ser inadaptado<br />
aos padrões de aceitabilidade com que esta mesma sociedade ordena e classifica seus<br />
membros.<br />
Silva (2006), sobre esta questão da estética corporal, reflete que o indivíduo deficiente<br />
por ser disforme ou fora dos padrões, lembra a imperfeição humana. Uma vez que nossa<br />
sociedade valoriza o corpo útil e aparentemente saudável este sujeito nos remete à fragilidade<br />
humana, à uma situação de inferioridade que tentamos, talvez de forma inconsciente, negar.<br />
É como se olhar num espelho quebrado.<br />
Tê-los em nosso convívio seria a mesma coisa que olhar para um espelho que nos<br />
lembra que também poderíamos ser como eles. Não os aceitamos porque não queremos que<br />
eles sejam como nós, pois assim nos igualaríamos.<br />
Possivelmente, as respostas obtidas neste estudo são reflexo de um conjunto de fatores<br />
distintos, porém intimamente interligados, tais como o isolamento social que foi imposto aos
indivíduos “diferentes” ao longo da História da Humanidade, resultando numa interação<br />
social distante, segura, “higiênica”, impossibilitando que as potencialidades daqueles<br />
indivíduos deficientes fossem identificadas e compartilhadas, fortalecendo ainda mais as<br />
idéias folclóricas e obtusas sobre suas reais necessidades e limitações. Isso acabou por afastar<br />
o grupo dos normais daquele maculado, aprofundando o abismo entre estes dois mundos.<br />
• A deficiência como fonte de contaminação<br />
Dando prosseguimento à análise, outros relatos colocaram, com veemência, a idéia de<br />
que a deficiência do colega cadeirante seria algo potencialmente contagioso. Isso justificaria o<br />
afastamento e a prevenção que os trabalhadores têm evitando o contato com o trabalhador<br />
cadeirante.<br />
161<br />
“Ah... tem a coisa do contato físico, porque tem pessoas que tem essa resistência<br />
de encostar e ter que falar de perto, de ter que conviver muito intimamente [...].”<br />
(6)<br />
“Acho que tem medo de levar isso pra casa... de, de repente, ter um filho assim<br />
[...].” (14)<br />
“Olha, em relação aos outros colegas advogados que não têm um contato direto<br />
com ela, eu acho que tem um preconceito sim... eles rejeitam ela, sabe? Eles<br />
encaram a pessoa deficiente como se ela fosse transmitir aquilo, como se fosse<br />
algo contagioso, mas é uma minoria [...]. (12)<br />
Conforme Bacila (2005) e Goffman (1988), era costume dos gregos da Antiguidade<br />
marcar as pessoas com fogo ou cortes no corpo, sinais estes que identificavam que o portador<br />
era mau, ou seja, mais especificamente um escravo, um criminoso ou mesmo um traidor. E a<br />
pessoa marcada estaria contaminada devendo ser evitada.<br />
Com o desenvolvimento da ciência, o conjunto de saberes simplificadores como<br />
crendices, bruxarias e misticismos que caracterizavam os deficientes na Idade Média, foi aos<br />
poucos sendo desconstruído, dando lugar a estudos de ordem mais objetiva nos quais a 'cura'<br />
foi o principal objetivo a ser alcançado.
Contudo, ao ser considerada uma doença, os indivíduos sofrem isolamentos em asilos<br />
e hospitais, já que o perigo de transmissão e contágio assusta a população. No século XVIII,<br />
na Europa, a internação dessas pessoas é um grande movimento, um período de segregação e<br />
categorização dos indivíduos, internando a loucura pela mesma razão que a devassidão e a<br />
libertinagem.<br />
Os indivíduos excluídos eram alienados, separados em grupos, de acordo com seu<br />
estigma (pobres, epiléticos, prostitutas, indivíduos com deformidades, etc) (FOCAULT,<br />
2002).<br />
O estudo de Batista e Enumo (2004, p. 8-9) sobre a inclusão escolar e deficiência<br />
mental que buscou a análise da interação social entre companheiros, vem ilustrar esta<br />
questão, relatando que<br />
essa integração, não deve ser facilmente resolvida a partir de uma resolução de<br />
cunho legal ou teórico, uma vez que variáveis relacionadas a processos grupais e<br />
reações de preconceito podem influenciá-la, seja facilitando ou dificultando a<br />
integração dessas pessoas com aquelas ditas “normais”. Por exemplo, são<br />
conhecidos os casos de pais que tiram suas crianças de escolas que aceitam alunos<br />
“diferentes” por medo de “contágio” ou rebaixamento do nível de aprendizagem de<br />
seus filhos.<br />
Foi também contemplada em outra categoria, neste estudo, a questão da influência da<br />
nomenclatura na abordagem da pessoa deficiente e, da mesma forma, comentou-se que a<br />
expressão “portador de deficiência”, comumente usada inclusive na Legislação vigente<br />
voltada para esta parcela da população, em nada contribui para diminuir o estigma e o<br />
preconceito frente à deficiência, uma vez que, sob o prisma biomédico, ser portador, significa<br />
ser doente e freqüentemente de algum mal contagioso.<br />
Assim, a idéia que ronda o senso comum é a de que uma pessoa portadora de<br />
deficiência é, por analogia, doente. Como se aproximar de um sujeito doente sem se proteger<br />
devidamente? Na maioria das vezes, essa “proteção” se materializa pelo afastamento,<br />
segregação e privação de oportunidades.<br />
Desta forma, não há como negar a necessidade premente de campanhas de<br />
162
esclarecimento sobre deficiência, não só para indivíduos trabalhadores que receberão um<br />
colega deficiente em seu meio, mas, antes disso, para crianças e professores no sentido de<br />
elucidar abertamente o que significa ser deficiente e eliminar ou, ao menos, diminuir as lendas<br />
e mitos que rondam o mundo destas pessoas.<br />
Nesta tese, os relatos que apontaram para um comportamento preconceituoso, seja ele<br />
manifestado de forma velada, ou às claras, apesar de não terem representado a maioria,<br />
merecem particular atenção, pois convergem para as queixas ouvidas no atendimento durante<br />
a consulta ao indivíduo com lesão medular, que foram motivação para estudar sobre a<br />
inclusão do cadeirante no contexto ocupacional. O ciclo se fechou.<br />
Este comportamento, tão comum na nossa sociedade, protagonizado pelas pessoas<br />
“normais”, tem impacto altamente negativo na auto-estima dos deficientes que, por<br />
conseguinte, resultará em prejuízo na saúde destes indivíduos já fragilizada pela sua própria<br />
condição da perda motora.<br />
Ao que os depoimentos deram a entender, as barreiras atitudinais se mostram mais<br />
difíceis de transpor, exatamente pela sua pouca visibilidade. Difícil lutar contra aquilo que<br />
não é concreto, contra aquilo que nem sempre percebemos como agressão à nossa dignidade.<br />
No entanto, as discussões estão avançando neste sentido com o louvável objetivo de<br />
melhor entender o mecanismo do estigma na sociedade e de criar ferramentas para incluir, de<br />
fato, o deficiente na sociedade.<br />
163
CAPÍTULO V<br />
CONSI<strong>DE</strong>RAÇÕES FINAIS<br />
Obviamente que esta pesquisa, pela sua natureza qualitativa e pelo número de<br />
depoimentos coletados, não permite que seus resultados sejam generalizados e retratem, com<br />
exatidão matemática, o comportamento e a forma como a sociedade percebe o deficiente no<br />
ambiente ocupacional.<br />
No entanto, as respostas obtidas obrigam-nos à ponderação, uma vez que refletiram,<br />
ainda que parcialmente, o que diz o senso comum acerca da pessoa deficiente na sociedade,<br />
em particular, no contexto ocupacional; visão essa que parece perpetuar uma forma<br />
equivocada de lidar com os deficientes.<br />
Foram identificados nos relatos, indícios claros de uma forma preconceituosa de se<br />
perceber o deficiente. Isso só foi possível usando-se a técnica de substituição (ABRIC in<br />
OLIVEIRA; CAMPOS, 2005).<br />
Nela, os respondentes, muitas vezes, utilizaram o pronome “eu” em repostas cujo foco<br />
era conhecer a opinião do outro e não a dele sobre determinado assunto. Assim, sua impressão<br />
sobre o tema apresentado era “diluída” na resposta do outro, revelando, desta forma, sua<br />
própria impressão.<br />
No terreno da percepção dos sujeitos andantes acerca do trabalhador cadeirante no<br />
trabalho, foi identificada uma ligação bastante estreita do termo deficiência à idéia de<br />
incapacidade.<br />
As falas remeteram à noção de que a palavra deficiência se resume na limitação em<br />
realizar tarefas, diminuição da capacidade ou impossibilidade para realizar algum trabalho<br />
que outras pessoas conseguem, em geral, realizar.<br />
164
A definição por ela mesma não teria repercussões maiores, mas quando se amplia este<br />
conceito para a questão da pessoa deficiente, há que se repensar no significado que ela assume<br />
já que aponta, indiretamente, para a culpabilização do deficiente pela sua desvantagem e<br />
dificuldade na consecução de tarefas.<br />
De acordo com Vasconcelos (2005, p. 176), “há que se considerar que é a sociedade<br />
quem define as chances de uma pessoa ser deficiente. [...] Mesmo quando uma lesão ocorre<br />
‘por mera casualidade’, o grau de deficiência dependerá das oportunidades ou iniqüidades<br />
sociais”.<br />
Os sujeitos pareciam ignorar que é a própria sociedade que contribui para o<br />
aparecimento e/ou agravamento da deficiência, pois é ela que determina o efeito de uma<br />
deficiência sobre a vida cotidiana da pessoa, colocando-a em franca desvantagem social<br />
perante outras que não têm lesão alguma.<br />
Cabe lembrar Wendell (1996), quando discorre sobre a organização física e social da<br />
nossa sociedade, afirmando ser esta baseada num modelo jovem, macho, com corpo ideal e<br />
eficiente (portanto, não deficiente).<br />
Tal percepção da deficiência, pautada ainda no modelo biomédico, vai no sentido<br />
oposto ao conceito apresentado pela CIF - Classificação Internacional de Funcionalidade,<br />
Deficiência e Saúde, definida pela OMS em 2001, acatado pelo Brasil, cujo mérito está em<br />
aglutinar o modelo médico e o modelo social para a abordagem da experiência da deficiência.<br />
Apesar do esforço de organismos e instituições sérias, nacionais e internacionais,<br />
comprometidas com a questão da inclusão da população deficiente, percebe-se com clareza<br />
que há influência da forma como a pessoa deficiente foi vista e tratada ao longo dos tempos,<br />
impedindo, ou pelo menos dificultando, que estes indivíduos tivessem e ainda tenham<br />
condições de mostrar sua capacidade e também de exercer sua cidadania.<br />
165
Cabe ressaltar que o conceito relativo à população com deficiência tem evoluído com<br />
o passar dos tempos, mas ainda há intensas discussões e debates acerca da questão conceitual<br />
sobre a deficiência (FARIAS; BUCHALLA, 2005; AMIRALIAN et al., 2000) que objetivam<br />
dirimir as dificuldades relacionas à imprecisão dos termos.<br />
A percepção dos trabalhadores andantes em relação à presença do cadeirante no<br />
ambiente de trabalho também revelou facetas interessantes.<br />
Uma delas mostra que há um aprendizado bastante positivo que advém do convívio<br />
com uma pessoa “diferente” no trabalho. Por outro lado, este mesmo convívio revelou para os<br />
entrevistados que o deficiente, por vezes, se vale da sua condição “especial” para garantir<br />
certos privilégios e evitar desgastes no trabalho ou que podem apresentar um comportamento<br />
acomodado, sabendo explorar a piedade alheia, apoiando-se em sua deficiência.<br />
Destas três percepções, a que numericamente se destacou foi a que reflete um<br />
aprendizado. No entanto, apesar de não serem muitos os depoimentos que ressaltam o<br />
comportamento acomodado e esperto dos deficientes, em relação às obrigações do dia-a-dia<br />
de qualquer cidadão, esses sujeitos servem como propagadores negativos da idéia de que<br />
todos deficientes têm este perfil. Isso ajuda a reforçar no senso comum idéias errôneas acerca<br />
deste grupo.<br />
A (falsa) sensação de superioridade do trabalhador sem deficiência motora em relação<br />
ao trabalhador cadeirante foi detectada, podendo ser explicada como um reflexo do<br />
comportamento histórico do ser humano ao longo dos séculos para com esta parcela<br />
segregada da sociedade, que sempre foi vista pelo prisma da sua deficiência e não pelo prisma<br />
das suas potencialidades e possibilidades. Goffman (1988, p.15) resume bem esta afirmação:<br />
“[...] tendemos a inferir uma série de imperfeições a partir da imperfeição original”.<br />
Em outras palavras, os relatos mostraram que a imagem de uma pessoa deficiente<br />
remete de imediato, a uma pessoa desvalorizada no contexto social. Tal desvalorização é<br />
166
sentida por esta população estigmatizada e só tende a aumentar o abismo entre ela e a<br />
possibilidade real de inclusão, o que também vai refletir negativamente na saúde deste<br />
trabalhador.<br />
Ainda sobre a percepção dos trabalhadores andantes em relação aos colegas<br />
cadeirantes, foi possível captar pelas falas que existe um viés preconceituoso no<br />
comportamento dos primeiros em relação aos cadeirantes, traduzido pela imagem negativa<br />
evocada pela cadeira de rodas, simbolizando a inércia, a improdutividade e a falta de<br />
liberdade.<br />
A cadeira é vista como uma prisão (cadeirante = entrevado) e não como um elemento<br />
que liberta o deficiente, possibilitando-o de participar da vida em comunidade. Essa<br />
percepção só vem a fortalecer o estigma de desafortunado e infeliz que se tem a respeito das<br />
pessoas deficientes.<br />
Foi constatado o que Goffman (1988) denomina de visibilidade da deficiência, onde a<br />
estranheza do indivíduo “normal” é mais forte quanto mais visível for o defeito que o outro<br />
ostenta, no caso, o uso da cadeira de rodas.<br />
Os trabalhadores andantes também revelaram que lhes chama a atenção o fato de o<br />
cadeirante ser eficiente, conseguir raciocinar e trabalhar.<br />
Tal estranheza pode encontrar resposta em diferentes eixos: na construção histórica da<br />
imagem do deficiente, que sempre o depreciou; pelo fato de ser historicamente recente a<br />
participação de deficientes em diversos segmentos da sociedade; pelo processo de<br />
globalização que agravou as condições de acesso ao mercado de trabalho (BAUMAN, 1999) e<br />
pelo surgimento de novas tecnologias que fez crescer empregos acessíveis apenas àqueles<br />
poucos que conseguem qualificação específica (VASCONCELOS, 2005).<br />
Além de todo esse panorama pouquíssimo amistoso para qualquer um de nós, associa-<br />
se o fato de a sociedade, em geral, tender a se relacionar com o rótulo e não com a pessoa,<br />
167
interferindo negativamente na interação social que se queira ter com qualquer individuo<br />
portador desta ou daquela deficiência (GLAT, 2004).<br />
Tal comportamento acaba por privar as pessoas de uma série de oportunidades,<br />
inclusive das oportunidades afetivas, repercutindo negativamente na sua auto-estima.<br />
Curioso notar que ao mesmo tempo em que a legislação insiste em afirmar que a<br />
pessoa deficiente é capaz, produtiva, acaba aposentando estes indivíduos por invalidez,<br />
esforço esse, contraditório.<br />
Outra característica que, segundo os depoentes, chama a atenção em relação aos<br />
cadeirantes é a atitude positiva que estes demonstram frente aos desafios do dia-a-dia e frente<br />
às exigências do trabalho, onde o deficiente passa a ser um exemplo a ser imitado.<br />
Sobressai, em particular, o fato do deficiente se desdobrar e se superar para alcançar os<br />
mesmos parâmetros e metas a que são submetidos os outros empregados sem deficiência, pois<br />
ao fazer isso, ele pode se expor aos mesmos riscos ocupacionais que os demais, só que em<br />
condições físicas provavelmente desfavoráveis.<br />
Pelo empenho com que estes indivíduos habitualmente desenvolvem seu trabalho e,<br />
considerando que nossa sociedade não está preparada para acolher com adequação e respeito<br />
às diferenças àqueles que apresentam alguma deficiência, seja ela qual for, o deficiente pode<br />
ter sua incapacidade ou lesão ampliadas, já que vão compartilhar as mesmas condições e<br />
riscos à saúde, inerentes ao ambiente ocupacional enfrentadas pelos demais trabalhadores.<br />
O envolvimento e dedicação do cadeirante no trabalho também foram apontados como<br />
características positivas, dignas de serem admiradas e imitadas, servindo de “modelo de bom<br />
funcionário” que interessa ao empregador para que os demais se motivem e se espelhem<br />
naquele primeiro, com vistas ao aumento de produtividade.<br />
Percebe-se, neste momento, mais uma contradição: embora os trabalhadores andantes<br />
considerem a deficiência como um “problema”, eles destacam que os colegas cadeirantes são<br />
168
um exemplo para os demais por conta de seu esforço de superação e dedicação ao trabalho,<br />
merecendo ser imitados.<br />
Outro aspecto observado nos depoimentos é aquele que revela uma postura de<br />
aceitação em relação à participação do cadeirante no trabalho, porém permeada pelo<br />
sentimento de tolerância, de suportar a “presença incômoda do deficiente” e não o da<br />
compreensão, do aprendizado através da convivência com a diversidade.<br />
Tal atitude remete imediatamente à idéia de que aqueles que toleram são ou estão<br />
numa condição de superioridade em relação aos tolerados, percepção esta naturalmente<br />
equivocada.<br />
Os relatos indicam, também, uma posição preconceituosa para com os colegas<br />
cadeirantes que é reforçada quando estes se surpreendem com a qualidade do trabalho<br />
desenvolvido pelos deficientes e quando afirmam que o trabalho do deficiente é “tão bom”<br />
quanto o trabalho do outro sem deficiência.<br />
Pode-se depreender que a “regra” seria esperar um desempenho profissional do<br />
deficiente cadeirante aquém daquilo que normalmente se esperaria de outros trabalhadores<br />
sem deficiência motora, já que “[...] é forte a concepção de que o deficiente não pode<br />
desempenhar, com sucesso, as atividades profissionais desempenhadas pelas pessoas normais,<br />
e de que a oportunidade de trabalho dada a ele representa sempre uma caridade por parte do<br />
empregador” (MARQUES, 1998, p.4).<br />
As mesmas pessoas que referiram não perceber atitudes preconceituosas no trabalho<br />
são protagonistas destas à medida que dizem ser o trabalho do outro igual ao do indivíduo<br />
sem deficiência motora.<br />
Mais uma vez, fica patente a noção de que a sociedade, em geral, se relaciona com o<br />
defeito que estigmatiza o indivíduo e não com o indivíduo estigmatizado.<br />
169
Para incluí-los, de acordo com o novo paradigma, é necessário inspirar a sociedade<br />
para fazer modificações estruturais e conjunturais nos seus sistemas gerais ou comuns a fim<br />
de que qualquer pessoa, tenha ela deficiência ou não, possa exercer seus direitos e deveres<br />
dentro da comunidade.<br />
Assim, cada vez mais, a comunidade tornar-se-ia acessível, sem barreiras atitudinais,<br />
arquitetônicas, comunicacionais, metodológicas, instrumentais ou programáticas (BAHIA,<br />
2006).<br />
Foi ainda observado que há, de acordo com os depoimentos, uma relação direta do<br />
preparo do cadeirante e seu desempenho profissional não só sob o aspecto técnico, mas,<br />
também, como reflexo de um tratamento de reabilitação e do suporte familiar.<br />
A presença da família e o tratamento de reabilitação são apontados nas falas como<br />
fatores que instrumentalizaram seus colegas deficientes para o mercado de trabalho.<br />
No tocante aos aspectos positivos sobre a inclusão do cadeirante do trabalho, os<br />
discursos ilustraram, de um lado, o dinamismo, a competência e o preparo do trabalhador<br />
cadeirante para atuar no contexto ocupacional; e do outro se percebem os colegas andantes<br />
com comportamento receptivo, acolhedor, entendendo que o cadeirante possui características<br />
diferentes das dos demais, como, por exemplo, deslocar-se numa cadeira de rodas.<br />
Tal postura inclusiva só acrescenta valores afirmativos aos olhos dos outros<br />
trabalhadores que, pelo isolamento social que foi imposto aos deficientes e pelas idéias<br />
preconceituosas que rondam seu mundo, poderiam duvidar da competência destes últimos.<br />
Este tipo de atitude positiva, observado pelos sujeitos do estudo em relação aos<br />
colegas cadeirantes no ambiente de trabalho, só vem a facilitar o processo de inclusão deste<br />
indivíduo no contexto social e ocupacional.<br />
Todavia, sabe-se que esta abertura e receptividade por parte daqueles sem deficiência<br />
para com os deficientes é algo recente, historicamente falando, e também pouco freqüente.<br />
170
Infelizmente, os casos de privação da população deficiente em exercer seu direito ao<br />
trabalho, não receber o devido reconhecimento pelo seu empenho e dedicação em função do<br />
processo criativo e ser excluído das possibilidades do exercício da cidadania são mais<br />
comuns, levando, a curto ou em longo prazo, ao sofrimento do indivíduo deficiente.<br />
A participação no trabalho, na vida em comunidade e também no lazer vai se traduzir<br />
em reflexos altamente positivos na saúde de qualquer pessoa, independente de ela ser ou não<br />
deficiente uma, vez que são fatores que interferem diretamente na qualidade de vida de todos<br />
nós, inclusive e, principalmente, na do trabalhador não deficiente.<br />
A inclusão é um compromisso com a dignidade humana, com o reconhecimento da<br />
diversidade, um valor que é essencial para a sociedade democrática e para a própria paz.<br />
Os depoimentos permitiram captar formas veladas e mais diretas de preconceito em<br />
relação ao trabalhador cadeirante. As mais sutis se traduziram em atitudes de<br />
constrangimento, pena, comiseração e de relevar o temperamento, por vezes, mal humorado<br />
dos deficientes, sendo este justificado pelas dificuldades inerentes à vida do deficiente.<br />
As formas mais diretas e cruas de preconceito diziam respeito à competência e<br />
produtividade do deficiente, sendo esta questionável em função da sua deficiência motora<br />
reforçando a concepção de que o deficiente não pode desempenhar com sucesso as atividades<br />
profissionais executadas pelas pessoas normais, e de que a oportunidade de trabalho dada a<br />
ele representa sempre um ato de caridade por parte do empregador (MARQUES, 1998).<br />
Outros relatos colocaram, com veemência, a idéia de que a deficiência do colega<br />
cadeirante seria algo potencialmente contagioso, confundindo-se deficiência com doença. Isso<br />
justificaria o afastamento e a prevenção que os trabalhadores têm, evitando o contato com o<br />
trabalhador cadeirante.<br />
Desta forma, os dados quantitativos e qualitativos obtidos através do roteiro de<br />
entrevista permitiram considerar que a noção folclórica e estigmatizante acerca dos<br />
171
deficientes:<br />
• É uma realidade no ambiente ocupacional;<br />
• É independente do nível de escolaridade: a maioria dos entrevistados tem nível superior<br />
completo ou incompleto e revelou suas impressões preconceituosas a respeito do<br />
deficiente;<br />
• Não tem relação, a princípio, com orientação religiosa;<br />
• Também não foi identificada nenhuma influência de gênero nas respostas obtidas.<br />
Homens e mulheres se mostraram com comportamento ora receptivo e favorável em<br />
relação à inclusão do cadeirante, ora preconceituoso;<br />
• É mais aparente nas faixas etárias mais jovens;<br />
• Não apresentou relação com tempo de convivência com o colega cadeirante no trabalho;<br />
• Não apresentou relação com o conhecimento prévio sobre as circunstâncias em que<br />
ocorreu o fato que tornou o indivíduo paraplégico;<br />
• Poderia ser diminuída ou atenuada com campanhas esclarecedoras sobre o que é e o que<br />
não é ser deficiente, uma vez que dos entrevistados, apenas 01 afirmou ter tido algum<br />
treinamento para lidar com o cadeirante no trabalho. Talvez, se esse grupo entrevistado<br />
tivesse tido oportunidade de ser esclarecido sobre o tema, as respostas poderiam ser<br />
diferentes.<br />
A percepção do trabalhador andante foi identificada como estigmatizante e não é<br />
coerente com as reais limitações do colega cadeirante, na medida em que os andantes<br />
expressaram sua compreensão sobre a deficiência como algo que obstaculiza a execução de<br />
tarefas, o que conflita com os mesmos depoimentos que relatam sobre a boa qualidade do<br />
trabalho realizado pelo cadeirante.<br />
172
Verbalizaram, com surpresa, que o colega cadeirante até consegue fazer bem feito suas<br />
tarefas no trabalho, sendo comparável àquele realizado por uma pessoa sem deficiência, como<br />
se o cadeirante tivesse seu intelecto igualmente afetado pela deficiência motora.<br />
Pode-se inferir que tais atitudes e comportamentos poderão repercutir negativamente<br />
na saúde do trabalhador cadeirante que não se sente valorizado pelo grupo onde trabalha. Não<br />
vendo seu esforço reconhecido e sentindo-se preterido em função da sua deficiência, sofre um<br />
profundo prejuízo em sua auto-estima que pode, cedo ou tarde, resultar em afastamento por<br />
depressão ou por acidentes de trabalho.<br />
Desta forma, com base nos resultados desta tese, pode-se sugerir que conteúdos e<br />
experiências sobre a diversidade sejam, respectivamente, vividos e abordados não só nas<br />
universidades, onde o arcabouço de valores das pessoas já está mais solidificado, mas, antes<br />
disso, nas escolas aonde as crianças vão, como reação natural, estranhar a diferença, mas<br />
ainda não aprenderam a segregar nem a discriminar em função de sinais estéticos.<br />
Talvez seja mais interessante ensinar aos pequenos estranhar e discriminar as<br />
deficiências de ordem moral e ética.<br />
Fomentar a inclusão da reabilitação como conteúdo programático em universidades de<br />
cursos de saúde para tentar sensibilizar os futuros profissionais para a questão da inclusão dos<br />
deficientes na sociedade também seria de grande valor.<br />
Outra sugestão é a de que as empresas invistam maciçamente em programas de<br />
esclarecimento e educação de seus empregados, visando minimizar o abismo que ainda é<br />
bastante perceptível entre aquelas pessoas deficientes e aquelas “sem” deficiência.<br />
Como foi constatado neste trabalho, as reações de estranhamento, ou de subestimação<br />
por parte da maioria da sociedade em relação aos deficientes, têm origem na ignorância e nas<br />
falsas idéias que dizem respeito a este grupo em particular.<br />
173
Portanto, toda e qualquer iniciativa para esclarecer sobre as reais limitações e<br />
potencialidades de uma pessoa com deficiência, deve ser fomentada e divulgada.<br />
Este estudo também permite sugerir um maior aprofundamento em novas pesquisas<br />
com enfoque na diferença salarial como uma forma de preconceito e discriminação do<br />
trabalhador deficiente ou, ainda, as reais vantagens da empresa quando contrata um deficiente,<br />
além do conhecido desconto no imposto de renda, enfoques estes que não couberam ser<br />
abordados nesta tese.<br />
Em relação aos enfermeiros, apesar de não ser, diretamente, seu objeto de ação a<br />
colocação do trabalhador deficiente no mercado de trabalho, não se pode ignorar a relevância<br />
da atuação deste profissional seja no período pré, trans ou pós-hospitalar e o impacto de suas<br />
ações no processo de reabilitação deste indivíduo que, se for iniciado precocemente, só vai<br />
encurtar o período de afastamento do deficiente em relação ao seu trabalho, encorajando-o a<br />
voltar ao convívio social.<br />
No entanto, há que se preparar a sociedade, no sentido de superar as barreiras<br />
atitudinais, que são tão ou mais altas e difíceis de se transpôs quanto as arquitetônicas.<br />
Com vistas aos resultados, estes confirmaram a tese que o estudo propôs que foi a de<br />
que a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora (não cadeirantes) em relação aos<br />
trabalhadores cadeirantes reflete uma desvalorização destes últimos, caracterizando uma visão<br />
estigmatizante do trabalhador paraplégico.<br />
Finalizando, sobre o valor da diversidade, que é fundamental para acrescentar<br />
possibilidades na nossa existência, Barth (1990, p. 514-515) descreve assim:<br />
174<br />
Eu preferiria que meus filhos freqüentassem uma escola em que as diferenças<br />
fossem observadas, valorizadas e celebradas como coisas boas, como oportunidade<br />
para a aprendizagem. Eu gostaria de ver nossa compulsão para eliminar as<br />
diferenças, para melhorar as escolas. O que é importante sobre as pessoas [...] é o<br />
que é diferente, não o que é igual.
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183
1ª Parte <strong>–</strong> Caracterização dos Sujeitos<br />
Identificação do respondente:<br />
Sexo:<br />
Fem Masc<br />
Profissão:<br />
Há quanto tempo trabalha com o colega<br />
cadeirante?_____________________<br />
APÊNDICE A<br />
ROTEIRO <strong>DE</strong> ENTREVISTA<br />
RESPON<strong>DE</strong>NTE Nº _________<br />
Nível de Escolaridade<br />
Cargo:<br />
Sabe em que circunstâncias seu colega se tornou paraplégico?<br />
Sim não <br />
2ª Parte: Dados Subjetivos<br />
Religião:<br />
184<br />
Treinamento para lidar com o cadeirante?<br />
Sim não <br />
Conhecia seu colega cadeirante antes dele se tornar<br />
paraplégico?<br />
Sim não <br />
1. Quando eu falo a palavra deficiência, o que primeiro vem em sua cabeça?<br />
2. O que você diz sobre trabalhar com um colega cadeirante?<br />
3. Como você diria que é a percepção dos seus colegas de trabalho andantes em relação ao<br />
colega cadeirante ?<br />
4. O que você acha que mais chama a atenção de seus colegas andantes em relação ao<br />
colega cadeirante?<br />
5. Fale sobre o trabalho que seu colega cadeirante realiza.<br />
6. Você considera que há preconceito por parte de seus colegas de trabalho em relação ao<br />
colega cadeirante? Comente.<br />
7. Como você se sente trabalhando com um cadeirante?
Prezado(a) Sr(ª):<br />
APÊNDICE B<br />
TERMO <strong>DE</strong> CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO<br />
(Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde)<br />
Você foi selecionado(a) e está sendo convidado(a) para participar da pesquisa intitulada “O<br />
paraplégico no mercado de trabalho <strong>–</strong> a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora:<br />
contribuições da enfermagem para a equipe multidisciplinar”, que tem como objetivos: a)<br />
descrever a percepção dos trabalhadores em deficiência motora acerca do trabalhador paraplégico<br />
no trabalho; b) analisar, na percepção dos sujeitos do estudo, atitudes que denotem uma postura<br />
estigmatizante frente ao deficiente cadeirante; c) discutir as implicações da percepção dos<br />
trabalhadores sem deficiência motora acerca do paraplégico com a inclusão deste no contexto<br />
ocupacional e a prática da enfermagem no contexto da saúde do trabalhador.<br />
Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder questões da entrevista. Suas<br />
respostas serão gravadas em fita K-7 que será destruída cinco anos após o término da pesquisa.<br />
Para garantir o anonimato, você será representado por um número, para que não seja identificado.<br />
A sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se<br />
responder qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não<br />
trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição. Não haverá custos<br />
para você nem riscos em participar deste estudo.<br />
Os resultados desta pesquisa poderão ser publicados em eventos, revistas ou livros<br />
científicos, sem que haja qualquer exposição das pessoas que dela participaram, uma vez que o<br />
anonimato está garantido. A divulgação das informações deste trabalho para a comunidade<br />
científica trará benefícios não só para a mesma, como também para a população alvo do estudo,<br />
uma vez que pretende estimular a reflexão sobre o tema, aumentando o espaço para o debate o<br />
assunto.<br />
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone e o endereço do pesquisador<br />
principal, podendo tirar suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer<br />
momento.<br />
______________________________________<br />
Nome e assinatura do pesquisador<br />
Pesquisadora: Rachel Ferreira Savary Figueiró Tel: (21) 2293-9443 //(21) 2293-8899<br />
Rua Afonso Cavalcanti 2863 Cidade Nova Rio de Janeiro CEP: 21215100<br />
Data, ______de _________________de_________<br />
Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO <strong>DE</strong> CONSENTIMENTO e estou de<br />
acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento,<br />
sem sofrer qualquer tipo de punição ou constrangimento.<br />
_________________________________________<br />
Sujeito da pesquisa<br />
185
APÊNDICE C<br />
CARTA <strong>DE</strong> AUTORIZAÇÃO PARA COLETA <strong>DE</strong> DADOS<br />
UNIVERSIDA<strong>DE</strong> FE<strong>DE</strong>RAL DO RIO <strong>DE</strong> JANEIRO<br />
CENTRO <strong>DE</strong> CIÊNCIAS DA SAÚ<strong>DE</strong><br />
ESCOLA <strong>DE</strong> ENFERMAGEM ANNA NERY/<strong>UFRJ</strong><br />
<strong>DE</strong>PARTAMENTO <strong>DE</strong> ENFERMAGEM <strong>DE</strong> SAÚ<strong>DE</strong> PÚBLICA<br />
Da: Profª MSc Rachel Ferreira Savary Figueiró <strong>DE</strong>SP/<strong>UFRJ</strong><br />
Para:<br />
Assunto: Autorização para coleta de dados de tese de doutorado<br />
Prezado Sr.<br />
Sou docente da <strong>UFRJ</strong> e, no momento, desenvolvo minha tese de doutorado que tem<br />
como um de seus objetivos identificar a percepção dos trabalhadores sem deficiência motora<br />
sobre o paraplégico no contexto ocupacional.<br />
Através de consulta às entidades que dão suporte e encaminham pessoas portadoras de<br />
deficiência ao mercado de trabalho, soube que existem nessa instituição<br />
____________________________________, trabalhadores com este perfil.<br />
Desta forma, encaminho meu projeto de tese e a folha de rosto para pesquisa<br />
envolvendo seres humanos da CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) para vossa<br />
apreciação e, se possível, autorização para que eu possa coletar os dados para meu estudo.<br />
Cabe ressaltar que não haverá implicação financeira em nenhum momento para<br />
qualquer pessoa envolvida na pesquisa, e que o anonimato das pessoas entrevistadas será<br />
garantido uma vez que o estudo está pautado nas normas éticas impostas pela Resolução<br />
196/96 da CONEP.<br />
necessários.<br />
Assim, agradeço vossa atenção e coloco-me à disposição para os questionamentos<br />
Muito obrigada.<br />
Profª MSc Rachel Ferreira Savary Figueiró - EEAN/<strong>UFRJ</strong><br />
Rua Afonso Cavalcanti 275 <strong>–</strong> Cidade Nova<br />
Tel: 2293-8899 <strong>–</strong> 9874-5356<br />
e-mail: rachelfig@terra.com.br<br />
186
ANEXO A<br />
187