A normalista - Colégio Pio XI Bessa
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o pobre, maltratado, espezinhado, ridicularizado, perseguido, enquanto que<br />
o indivíduo mais ou menos endinheirado podia contar amplamente,<br />
largamente (e abria os braços) com a simpatia geral: tinha ingresso em<br />
todos os salões, em toda a parte, até no “santuário da família” fosse ele,<br />
embora, um patife, um grandíssimo canalha. Usava chapéu alto e gravata<br />
branca? Tinha um título de bacharel? Não fizesse cerimônia, podia entrar<br />
onde quisesse — “Uma terra de famintos, seu compadre! Fome, miséria e<br />
patifaria era o que se via.” — Com a Maria do Carmo não tivesse cuidado;<br />
ele, João da Mata, havia de tratá-la como filha, não lhe faltaria nada; teria<br />
para ela todas as carícias, todos os afagos de um pai. Mendonça podia<br />
mesmo demorar o tempo que quisesse no Pará, anos, séculos... a menina<br />
ficava em casa de gente séria, pobre, é verdade, mas honrada.<br />
Daí a dias, um domingo de muito sol e muito vento, realizou-se o<br />
embarque do capitão Mendonça e do Casimiro.<br />
Os conselhos de João calaram poderosamente no ânimo forte e resoluto<br />
do sertanejo cuja confiança no compadre era ilimitada. Sabia-o conhecido<br />
em quase todo o Ceará, estimado mesmo por pessoas de bem, admirava-lhe<br />
muito o “coração generoso” e democrata, por tal forma que João se lhe<br />
afigurou o único homem capaz de concorrer para a felicidade de sua filha —<br />
reflexões nascidas de boa-fé e da experiência da vida social, que enchiam de<br />
íntima e doce consolação a alma ingênua e simples do sertanejo.<br />
Mendonça conhecia Fortaleza superficialmente; suas viagens à capital<br />
tinham sido raríssimas; viera vezes contadas a negócio. Sabia os homens<br />
propensos ao mal, por mais duma vez ele próprio fora vítima da ingratidão<br />
de indivíduos que se diziam seus amigos e a quem fizera grandes benefícios;<br />
porém, a vida ruidosa e dissoluta das capitais, esse tumultuar quotidiano de<br />
virtudes fingidas e vícios inconfessáveis, esse tropel de paixões<br />
desencontradas, isso que constitui, por assim dizer, a maior felicidade do<br />
gênero humano, esse acervo de mentiras galantes e torpezas dissimuladas,<br />
esse cortiço de vespas que se denomina — sociedade, desconhecia-o ele e<br />
nem sequer imaginava. Lá, no seu tranqüilo recanto de Campo Alegre, onde<br />
só de longe em longe chegava o eco da vida elegante, ouvira falar em<br />
mulheres que traíam os maridos, filhos que assassinavam os pais, incestos<br />
de irmãos, homens que negociavam com a própria honra... e tudo isso<br />
parecia-lhe simples “invenção das gazetas”, romances de sensação que ele<br />
ruminava devagar e esquecia depressa.<br />
— “É uma grande alma aquele Mendonça!” admiravam os amigos.<br />
E era-o.<br />
Resolvera como que recomeçar a vida, esquecer o passado, recuperar o<br />
tempo perdido, trabalhando como um mouro, entregando-se ao labor com<br />
todas as suas forças, dia e noite, sem descanso, nas florestas do Pará.<br />
E lá se fora barra fora, mais o Casimiro, na proa dum vapor brasileiro,<br />
honrado e obscuro, no meio de dezenas de emigrantes que, como ele, iam<br />
fazer pela vida até... sabiam lá!...<br />
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